quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14273: (Ex)citações (260): Posso afirmar com conhecimento de causa que muitos deles se sentem “guineenses de Portugal” e eu sinto-me "português da Guiné" (José Teixeira)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Medjo > 2 de maio de 2013 > O nosso camarada Zé Teixeira, "régulo" da Tabanca Pequena de Matosinhos,  com o régulo de Medjo, na sua última viagem à Guiné-Bissau.


Foto: © José Teixeira (2014). Todos os direitos reservados



Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > Tabanca Lisboa > 2005 > O José Teixeira com o chefe da tabanca e a sua lindíssima filha. "Um feliz reencontro. Regresso às origens em 2005. Encontro com um Português da Guiné, antigo paraquedista, que tem uma linda história para ser contada, pelo que sofreu e como consegui iludir o PAIGC para sobreviver à chacina de antigos combatentes portugueses".

Foto (e legenda): © José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados


1. Comentário do José Teixeira José [ ex-1.º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatáe Empada, 1968/70; membro fundador e animador da Tabanca de Matosinhos]:

Em matéria de afetos, não tenho dúvidas que estamos à frente, a muitas léguas de todos os povos que acidentalmente passaram pela Guiné. Digo acidentalmente, porque na realidade só houve um povo, o português, que deixou raízes. Foram quinhentos anos de vida em comum. Houve violências de parte a parte e os últimos doze anos de convivência foram terríveis por um lado e exemplares por outro, quando tratávamos as populações que estavam do nosso lado com respeito e as defendíamos de um inimigo comum.

Confesso que quando lá voltei em 2005 pela primeira vez, ia preocupado com a possível reacção dos guineenses, afinal eu tinha sido um "tuga", mas fui desarmado logo na fronteira, com o sorriso do guarda, que me perguntou onde estive no tempo da guerra e ao saber que estive em Buba, retorquiu: "Então conheceste o meu irmão que foi soldado milícia em Buba". Confesso que me senti, de imediato, em casa, e é assim que me sinto, quando aterro em Bissalanca.

Outras vezes se sucederam. A ligação ao povo português é de irmão para irmão. Antigos guerrilheiros abraçam com mesmo calor, que antigos soldados do exército português, qualquer de nós. É evidente que as conversas são naturalmente diferentes, mas já vi mais que uma vez, antigos "turras" a analisarem, com visitantes portugueses, no terreno, sem "paixões" acontecimentos que forma vivenciados em campos opostos. E também já senti na pele e de lágrimas nos olhos o prazer de abraçar inimigos do terreno que se cruzaram comigo, analisaram comigo os acontecimentos vivenciados, pediram “discurpa” e pediram para a partir dessa data sermos “ermons”,  é gente que acabada a guerra, voltou às suas terras, fez a paz com os familiares que estavam da outra banda e continuaram a construir o futuro.






Guiné-Bissau  >  Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de  2013 > "O Francisco Silva  mais um antigo guerrilheiro do PAIGC, procurando localizar pontos de guerra comuns". [ Companheirop de viagem do Zé Teixeira, em 2013 (**), o Franscisco, hoje cirurgião,  esteve no Xitole, como laf mil, ao tempo da CART 3942 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar o Pel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973]

Foto (e legenda): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados


As marcas que ficaram da guerra colonial estão a desaparecer ao ritmo do desaparecimento prematuro dos combatentes guineeses. Nós, portugueses,  temos uma vida mais longa. Os guineenses mais novos, naturalmente, como os nossos filhos estão insensíveis à guerra, mas o testemunho que ficou é, a meu ver, pelas experiências que já tive nas várias visitas que fiz à Guiné, extremamente positivo em relação aos portugueses. O sonho deles é vir para Lisboa.

A luta, de facto, não era contra o povo português, mas contra o regime e Amilcar Cabral conseguiu passar bem esta ideia, tendo como colaboradores diretos os nossos soldados, a começar pelo Governador Spínola que colocou o povo guineense em primeiro lugar, apesar da luta que se travava.
Recordo por exemplo as palavras do tabanqueiro Zé Belo, meu comandante, ao chegar a Mampatá. Foi mais ou menos isto. "rapazes,  se tratarmos bem esta gente, seremos bem tratados e respeitados e eu quero levar-vos todos para casa daqui por dois anos. Se receber alguma queixa da população, o desgraçado comerá com toda a justiça do RDM que eu lhe puder dar".

E ao fim de 6 meses quando fomos deslocados para Buba, a população veio despedir-se de nós junto à saída para a picada.

Foram marcas como estas que vingaram. Éramos duros e agressivos no mato. Reagíamos com violência aos ataques do inimigo, mas tratávamos bem a população que estava connosco.
Hoje, posso afirmar com conhecimento de causa que muitos deles se sentem “guineeses de Portugal” e eu sinto-me "português da Guiné". (***)

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de 8 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14234: Sondagem: opinião "em matéria de afetos, e em relação aos guineenses, levamos hoje a dianteira a russos, chineses, cubanos, suecos e outros que apoiaram o PAIGC no tempo da guerra colonial"...




1 comentário:

Anónimo disse...

Caros Combatentes:
Tudo o que dizemos é susceptível de provocar controvérsia porque, para além de outras razões, mesmo falando autenticamente, fazemo-lo com fundamento na nossa experiência a qual é fruto de um momento, de um local e de uma circunstância. No caso do nosso bem conhecido (por muito bons motivos) Zé Teixeira) mau seria que o seu post não suscitasse comentários mais ou menos concordantes. Vamos espera-los. Pela minha parte, eu subscreveria as sábias palavras do Zé, até porque elas têm sido incansavelmente respaldadas por ele, em actos concretos, no terreno, no âmbito da solidariedade com os nossos irmãos guineenses. Claro que há muita gente que tem dado, igualmente, o seu contributo prestimoso em favor da Guiné mas o Zé Teixeira é dos mais entusiastas.
Um abração.
carvalho de Mampatá.