Encontrava-me eu de serviço no posto de rádio quando se fez ouvir o disparar de armas automáticas à mistura com morteiradas e RPG 2 ou 7 (da parte do IN) e bazucada (da parte das NT). Essa emboscada foi a cerca de 3 km de distância de Canquelifá.
Logo chegou o pedido via rádio, da evacuação dos feridos, não me recordo quem era o operador (tenho dúvidas se era o Matos ou o Coelho),
Escrita a mensagem pelo então cripto Jacinto Teixeira, a mesma por mim foi difundida ao CAOP 2, Nova Lamego e Bissau.
A confirmar a veracidade do exposto, mantenho em meu poder o original da mensagem do pedido da evacuação, que exibo (vd. foto acima).
A referida emboscada ficou marcada por uma série de acontecimentos entre eles destaco!..
- aquando da chegada dos hélis ao local, em número de 3, foi constatado viajarem militares cujo destino era a passagem para Bissau, e desta à metrópole a fim de passarem férias, dificultando deste modo a total evacuação dos feridos;
- o capitão Cristo, que também fazia parte daquela operação, ao aperceber-se de tal, logo ordenou o desembarque dos referidos militares, dando-lhes como justificação não ser aquele momento e meio de transporte para fazerem turismo.
A talho de foice, como é usual dizer-se, no passado dia 4 junho 2016, no decorrer do almoço- convívio em Amarante, foram estes momentos lembrados, mais uma vez, pelo veterano José Carvalheira, a residir ali para os lados de Barcelos, que fez parte deste lote de feridos. Com todo o seu bom humor de pessoa simples, não deixou de sublinhar o facto de naquele dia lhe ter saído o totoloto duas vezes:
(i) o primeiro sorteio tocou-lhe uma boa meia dúzia de estilhaços na zona lombar, mas apesar de tudo está vivo sem sequelas;
(ii) no segundo sorteio, que foi em função do primeiro, o prémio está sendo dividido ao longo da sua vida, atribuído pelo Estado Português, e que muito jeitinho lhe faz no final de cada mês!..
E exclamava o Veterano ironizando:
- Caríssimos Veteranos, todos quantos fizeram parte da CCAÇ 3545, o relato que aqui deixo gravado não se trata de uma ficção! Fazer um relato de guerra não é tarefa fácil mesmo tendo passado pelos acontecimentos.
Creiam, estas são memórias que se encontravam alojadas no meu subconsciente e que foram trazidas para o computador com algumas lágrimas à mistura, mesmo considerando o facto de poder dizer bem alto “correu bem, cheguei vivo”. Mas, mesmo assim, não se pode esquecer nunca aqueles que tombaram a meu lado e por isso temos orgulho em todos que combateram na terra, no ar ou no mar!
Aproveitando a circunstância, quero aqui deixar a todas as Famílias a eterna saudade.
Ao lerem todos estes escritos que antecedem, vão com certeza recordar aqueles momentos que muito particularmente marcaram para sempre as nossas vidas, e bem assim as das nossas famílias.
Todo este “Arauto da Verdade” foi escrito há vários anos, todos os acontecimentos transcritos são de uma percentagem de erro muito reduzida, considero eu. Relativamente aos seus meandros relatados, no tocante às datas dos acontecimentos, aceito alguma eventual discrepância.
Por outro lado, também quero dedicar este capítulo que não deixou de ser menos histórico, à minha família, especialmente aos meus filhos, Rui e Vera, hoje pessoas adultas, com a sua formação académica nas áreas de engenharia mecânica e ciências farmacêuticas, respetivamente, para que se possam orgulhar de o seu pai ter cumprido um dever de cidadania, mesmo sendo este de causas desconhecidas.
O caminho é feito caminhando, como o nosso povo costuma dizer! Era tempo de iniciar outro capítulo de vida que também não se apresentava fácil.
O construir de uma família, a subsistência dela, tudo eram interrogações que se colocavam e que apenas tinha uma só saída, escolher e seguir uma carreira profissional.
Para concluir, gostaria de registar que durante a vida devemos aproveitar todos os momentos para dizer àqueles que amamos, o quanto são importantes. Amanhã pode ser tarde para dizermos que amamos e precisamos!
Às leis do divino chefe, se efetivamente ele existe, o meu obrigado, e um bem-haja por não me ter abandonado nos momentos difíceis.
Como todos bem sabem, haveria a mencionar muitos outros momentos não menos difíceis, muito gostaria que outro camarada pertencente à CCAÇ 3545 lhe desse continuidade, se o caso o merecer.
Para dar por terminado estes meus simples capítulos, só pretendia abrir aqui um outro, na tentativa de encontrar dois bons amigos de então:
(i) Luís Henriques, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, mais conhecido por "Alcanena” e Manuel Claro, ex-Atirador, dos quais junto foto na bolanha (vd. foto acima).
Os não menos amigos:
(ii) Alcino Teixeira, o nosso destacado cozinheiro;
(iii) Arnaldo Pinho, o responsável pela padaria, onde se assavam os cabritinhos;
(iv) Teles Dias, o braço direito da messe dos oficias, creio ser de Ponte de Sor;
(v) Carlos Sarmento, e o Teixeira, dupla de Operadores Criptos da Companhia.
E bem assim tantos outros que não recordo nomes, mas gostaria de os encontrar. Ergam o dedo, e digam que estão vivos, vamos a um almoço?!
Se por ventura alguém tiver dificuldade em se deslocar, relativamente a transporte, não há inconveniente ser eu a fazê-lo, de qualquer parte do país. .
Para contacto, o meu correio eletrónico é jspeixotolord@hotmail.com
Um bem.haja a todos!José Peixoto
(Seleção, revisao/fixação de texto, negritos: LG)
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Notas do editor
(*) Último poste da série : 14 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25068: Casos: a verdade sobre... (40): "Canquelifá era o seu nome" - Uma batalha de há 50 anos (José Peixoto, ex-1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883, 1972/74) - Parte III: 21 de março de 1974, Op Neve Gelada, 22 cadáveres de guerrilheiros são trazidos para o quartel, lavados, fotografados e enterrados na pista de aterragem