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quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24900: Os nossos seres, saberes e lazeres (602): Abandono do Património Histórico (Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 7 de Novembro de 2023:

Amigos e camaradas da Guiné,
Os Salgados da Guérande, Noirmoutier e a ilha de Ré no Norte de França são muito antigos e começaram a degradar-se após a 2.ª Guerra Mundial. O Governo Central, assumindo que estas salinas eram uma parte da História de França, decidiu proceder à sua recuperação.
Foi aprovado um plano de longo prazo, assumiram que competia às Comunas a construção dos acessos, rede viária, limpeza, manutenção e iniciaram parcerias com o sector privado para apoiar a recuperação das Salinas.

O resultado foi a recuperação do património histórico, recuperou as profissões ancestrais da produção de sal artesanal e Flor de sal, valorizou a indústria turística e teve o retorno económico de volta.
O sucesso francês reside na sua forma de organização política. Este plano de longo prazo, contou também com o envolvimento dos Presidentes das Comunas e dos seus antecessores que apesar de perderem as eleições continuam a participar e a serem ouvidos.

Neste Salgado o escoamento da produção de sal era feito através do Braço Sul e Norte do Rio Mondego para os armazéns do Porto de Lavos e para o "trapiche"! do Porto da Figueira da Foz, cada barco de sal transportava 10 Ton, mas devido aos custos do seu transporte a actividade tornou-se inviável a partir do final dos anos 60.
Coube à Organização de produtores FozSal e à sua Direção alterar a forma de escoamento da produção de sal.

Como mostra a escritura de aforamento de 1765 que junto em anexo, desde o tempo da construção das salinas que existiam caminhos, para a deslocação de gentes e gados no Salgado da Figueira. A FozSal aproveitou parte desses caminhos para construir a atual rede viária existente.
Coube também à FozSal a manutenção dos caminhos e isso permitiu travar o abandono das salinas e manter activo o Salgado, mas como todos usam, estes tornaram-se públicos.

Hoje estes caminhos são mantidos à custa dos produtores e depois de mais de 20 anos na Direção da FozSal os velhos como eu cansaram-se e deram o lugar aos novos, mas a tendência de abandono mantém-se. Hoje em Portugal "importamos" o que há de pior no mundo, mas os bons exemplos como o francês acima citado, que vi com os meus olhos em 2005 quando integrei a delegação do Salgado da Figueira da Foz na minha deslocação aqueles Salgados do Norte de França não são aplicados.

Em nome da Democracia e da Descentralização compete às Autarquias construir e manter os caminhos rurais, mas a jurisdição do DPM pertence à APA e como esta depende do Poder Central e nada faz, continua o público a usar recaindo sobre os privados a construção e a manutenção dos caminhos.

Conclusão:
Todos usam os caminhos do Salgado e querem manter os seus direitos, gostam de ver os "escravos" perdão quis dizer as salinas a funcionar, mas no que toca a deveres, ninguém tem nada a ver com isso e muito menos o Poder Central.
Esta nova geração também é mais "fina", já não trabalha por amor à camisola, não respeita a História e as actividades dos nossos antepassados, é egoísta e pensa que só tem direitos e não tem deveres para com a sociedade.

Esta é uma pequena parte da História do Salgado da Figueira da Foz.

Segue a história da salina das Craveiras ou de D. Dulce, e o aforamento da Tapada do Sul por Fernando Gomes de Quadros.

Doc. 1- Aforamento feito pela Rainha D. Dulce (D. Sancho I) de uma marinha no termo da vila de Lavos, feita no mês de Janeiro. Era 1255 (1217).

Ao longo dos tempos a superfície de evaporação e cristalização desta marinha, foi sendo partilhada por vários produtores, mas no essencial manteve o seu traçado original até que um dos proprietários decidiu provocar algumas modificações em 1988.
Doc. 2 - Localização geográfica de parte da salina acima citada na Planta do Cap. de Fragata Francisco M. P. da Silva de 1862.
Doc. 3 - Planta de localização no mapa da CRPQF de 1955.
Doc. 4 - Cartão Profissional de Mestre de marinhas cuja cópia me foi oferecida pelo seu titular José Maria Ferreira, também conhecido por José Maria Fana, antes de falecer.
Doc. 5 - Escritura de aforamento da Tapada do Sul.
Doc. 6 - José dos Santos Pinheiro citado na escritura era na verdade José Joaquim dos Santos Pinheiro Cavaleiro na Ordem de Cristo.

Tal como no Salgado de Castro Marim, o Salgado de Lavos está muito ligado à Ordem dos Templários, mas com a decisão de D. Dinis de os mandar de "férias" durante quatro anos lá para baixo, ficaram a pertencer à Ordem de Cristo.

"Lavos Nove Séculos de História" foi apenas uma pequena parte, mas haverá sempre alguém numa "Torre" ou num Arquivo qualquer que virá acrescentar algo.

Escrever sobre o Salgado exige investigação, nas Craveiras foi o Capitão Mano e na Tapada do Sul foi o ex-Fur Mil Victor Costa mas quando nos agarramos a uma narrativa escrevemos apenas para alguns e perdemos a credibilidade.

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf da CCaç 4541/72


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Notas do editor:

Vd. poste de 31 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24181: Os nossos seres, saberes e lazeres (565): Diferenças entre o Estado de Direito e o Estado de Direito democrático (Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf)

Último poste da série de 25 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24886: Os nossos seres, saberes e lazeres (601): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (130): Querubim Lapa, mago da cerâmica azulejar, mas irrefutável pintor e desenhador neorrealista (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24723: (Ex)citações (425): Ainda a propósito do Jornal Voz de Bissau, a atividade Política em Bissau no pós 25 de Abril (Victor Costa, ex-Fur Mil)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 27 de Setembro de 2023:

A atividade Política em Bissau no período pós 25 de Abril

Amigos e camaradas da Guiné.

Apesar de minha atividade profissional continuar intensa, acompanho as mensagens que os diversos camaradas vão escrevendo e por isso decidi escrever esta mensagem porque continuo a gostar da verdade, de História, Arquivo e papéis velhos.

Os artigos publicados no Jornal Voz da Guiné são interessantes e os factos e as questões colocadas pelo camarada Abílio Magro, ex Fur Mil Amanuense (CSJD/QJ/CTIG, 1973/74) no dia 16/09/2023 e seguintes, são pertinentes.

Se entenderem que o enquadramento desta mensagem fica mais explícita se for dividida em três, deixo à vossa consideração.

Apesar da esquerda e a direita serem duas maneiras diferentes de ver e viver a vida, há uma coisa comum que as torna iguais, trata-se da corrupção.

Com o passar dos anos verifiquei que a leitura evitou que eu perdesse o Norte depois dos 28 anos, como aconteceu a outros, hoje entendo que olhar para trás para o nosso passado Histórico, ler de tudo e comparar as políticas é o melhor remédio.

Li a "Mãe" de Máximo Gorky, mas também li também "O Sabor do Poder", traduzido Ladislav Mnacko do original Jak CHUTNÁ-MOC-1967, by Verlag Fritz Molden Viena-Munique.

O ano de 1948 anunciava-se particularmente agitado no plano internacional. A tensão crescia entre a URSS e os seus antigos aliados. O Golpe de Praga que expulsara do Poder o Presidente Benés entregava a Tchecoslováquia aos comunistas e não deixava dúvidas nenhumas sobre a vontade soviética de continuar uma política expansionista para Oeste. O chefe do Partido começou como revolucionário, organizou o partido e tomou o Poder à custa de corrupção, esta história acabou na chamada Primavera de Praga.

Os golpes de Estado correm sempre o risco de serem aproveitados por alguns em proveito próprio e por isso é um livro aconselhável.

Após o golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, os militares de bom senso tinham poucas possibilidades de vencer a tarimba e a atividade política pró-soviética, cujo objectivo visava minar, o dever e a disciplina, no seio das Forças Armadas, para tomar o Poder.

Consta da 1.ª página do Boletim Informativo n.º 1 de 1 de junho de 1974, publicado no Blogue em 22 de Abril de 2022, que o Sr. Tenente Coronel Almeida Bruno na sua deslocação à Guiné, em representação do MFA, dirigiu uma reunião sobre a reestruturação democrática do MFA e a preservação da disciplina e da hierarquia, que contou com a participação do Sr. Capitão Duran Clemente, nomeado entre outros para a Comissão Coordenadora do MFA na Guiné.

As ordens do MFA que o comandante Almeida Bruno tinha acabado de transmitir em Bissau no dia 7 de Maio de 1974 nunca foram cumpridas.

Tinham passado apenas 9 dias e já "aqueles soldados" da Guiné pediam ao diretor do Jornal Voz da Guiné, o Sr. Capitão Duran Clemente, que mandasse publicar um comunicado sem dizerem, quem eram, quando tinham sido eleitos, nem quem os tinha mandatado para tal.

Muita coisa se disse e diz em nome do Povo e dos soldados e não deixa de ser interessante o facto destes "soldados" escreveram um comunicado utilizando a letra "n" em vez de "m", mas não se esquecendo de terminar a mensagem, a 4.000 Km de distância do Povo com a devida palavra de ordem, "O Povo Unido Jamais Será vencido".

O Comandante Almeida Bruno e outros notáveis das nossas Forças Armadas eram homens de coragem, sabiam lidar bem com armamento e engenhos explosivos, mas infelizmente não conheciam o sistema de comunicações soviético nem o método e a forma de atuação destes engenhos políticos.

A publicação do artigo da LUAR no Jornal a Voz da Guiné merece o seguinte comentário:

O assalto ao Banco de Portugal realizado por Hermínio da Palma Inácio em de Maio de 1967 que contou com a participação de dois naturais da freguesia do Paião, um deles residente em França.

Parte do produto deste assalto, 1.500 contos foram encontrados debaixo da lareira de um deles, depois de serem recolhidos a seguir ao assalto numa das pontes de Maiorca da estrada nacional n.º 111 que liga a Figueira da Foz a Coimbra.

Que Operação cuidada esses "revolucionários" da LUAR fizeram, em vez de assaltarem os bancos capitalistas foram roubar o Banco do Povo, já só falta cruzar os cabos.

Abaixo os capitalistas, os seus Bancos e a democracia burguesa, vivam os Bancos do Povo e viva a União Soviética.

Junto cópia do artigo de António Jorge Lé, do Jornal Diário de Coimbra de 24 de Maio de 2023, sobre esta grande e cuidada "operação popular".

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Ainda sobre o rebentamento da granada no Café Ronda:

Devido ao bom relacionamento da CCaç 4541/72 com o BCP12 eram frequentes as nossas deslocações conjuntas a Bissau, todos nós vestidos a rigor sem camuflados, que permitissem transportar "embrulhos" pesados e nocivos à vida.

Para evitar problemas em Bissau, a disciplina no BCP 12 em Bissalanca era clara, segundo o meu vizinho e amigo falecido (Sold. Pára) Américo Paiva, com quem me deslocava nestas andanças, não haviam máquinas de escrever nem papel no Quartel e as indisciplinas no BCP 12 eram tratadas no salão de treinos de Boxe, onde o seu comandante tinha fama de ser justo e bom lutador, nós seguíamos as regras.

Ao chegar a Bissau verificávamos que era mantido o bom o nível do alcatrão, ao longo da Avenida da República, que fazia soar o forte som das botas do render da guarda da PM desde a Amura até ao Palácio do Governador, mas não posso esquecer aquele furriel da PM que foi "condenado" a passar um mês de férias no mato, apenas para ver a diferença entre entre a vida no mato e o som do bater das botas na calçada da Avenida da República em Bissau. Assim, face ao "risco" que corríamos nas nossas deslocações a Bissau, não posso terminar sem enviar os meus sentimentos às famílias dos "soldados mortos em combate" na arriscada cidade de Bissau, nomeadamente desde o QG, passando pelo Quartel da PM na Amura, Avenida da República, onde se localizava o Café Ronda e o Cinema UDIB, e até ao Palácio do Governador.

Por isso, em nome da preservação da História, deve ser atribuído um louvor ao camarada ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QJ/CTIG,1973/74) Abílio Magro, por ter guardado esses recortes do Jornal "Voz da Guiné" publicados no dia 12 e seguintes do mês de Setembro de 2023.

Felizmente que ainda ficaram alguns "periquitos", que já liam livros de política e outros "velhos" que conheceram os locais, gostam de ler, vasculhar documentos e ainda conseguem manter o bom humor e rir dessas coisas.

Um abraço,
Victor Costa,
Ex-Fur Mil At Inf
CCaç 4541/72

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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24662: (Ex)citações (424): Nas nossas já bíblicas idades os planeamentos a longo prazo são sempre eivados de 'relativismo'. Daí que nada melhor do que as bolas de cristal (José Belo, Suécia)

terça-feira, 18 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24231: (In)citações (238): Da contestação da Guerra, à mobilização e regresso da Guiné, o operário de Sines e a evolução das costelas (Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 25 de Março de 2023:

Amigos e camaradas da Guiné

Cruzei-me várias vezes com Jaime Gama no CICA 2, mas apenas falei com ele 4 vezes durante um serviço comum, ele no papel de Oficial de Dia e eu no papel de Sargento de Dia. Foi o único contacto directo que tive e por isso não dá para falar do ex-Presidente da Assembleia da República, enquanto pessoa ou militar. Desse dia recordo a imagem dum individuo pouco falador, não dava nas vistas, não era vaidoso, não era militarista mas cumpria as regras. Depois da minha mobilização foi um exemplo a seguir para evitar problemas na tropa.

No final da recruta do 1.º turno em fevereiro de 1974 no CICA 2, realizou-se a semana de campo numa mata chamada Foitos, localizada na freguesia de Louriçal, apesar de decorrer sem incidentes, ficou gravada na minha memória para sempre. No penúltimo dia da dita semana, uma 5.ª feira, houve melhoria de rancho, o Vitor Costa pouco bebia e não era todos os dias que se comiam febras na brasa (rancho melhorado) e eu aproveitei a oportunidade para regar as febras com tintol. 

Com o aproximar da noite, a bebida a subir à cabeça e eufórico, decidi fazer uma sessão de esclarecimento à tropa contra a guerra colonial, estava a dita tropa já acomodada dentro das viaturas Morris cobertas com toldo. Que seca... deviam pensar os soldados, quem pensa este gajo que é. Quando terminei a sessão lá fui para o acampamento do "IN" a que pertencia, salvo erro, com a arma e as munições simuladas.

No dia seguinte, sexta-feira, com a boca ainda seca, começaram os preparativos para a tropa regressar ao quartel e o Victor Costa ia recordando as peripécias da noite anterior e nem me queria lembrar daquilo que tinha feito. Na segunda-feira seguinte e durante a semana tudo decorreu sem incidentes e eu, já mais calmo, comecei a pensar que afinal não tinha dado nas vistas. Mas veio a outra segunda-feira e, às nove horas da manhã, chamaram-me pelo altifalante do quartel, ao gabinete do 2.º Comandante, o Major Pires. Ao chegar à porta faço anunciar-me, faço a continência e, "V.ª Ex.ª meu Major dá-me licença", segue-se um momento de silêncio e lá veio a resposta:

- Entre nosso cabo miliciano, esteja à vontade. Seguiu-se um período de silêncio.
- Então a semana de campo correu bem - pergunta-me de chofre.

 Seguiu-se um período de silêncio e lá veio a resposta.
- Sim meu major correu bem...
- Hum - ouvi eu...
- Mas, ouvi dizer que houve política que não estava no programa da semana de campo... - 

Silêncio.

Seguiu-se uma lição de meia hora sobre dever, disciplina, exemplo a dar à tropa, a política não era para ali chamada etc. E a terminar:

- Olhe, quero dizer-lhe que foi mobilizado para a província portuguesa da Guiné para render um camarada seu. É tudo, pode sair.

Faço a continência, despeço-me, dou meia volta aos tacões e lá segui para casa, com a convicção que tinha mijado fora do penico e falado de mais. Daquela reunião com o 2.º Comandante, fiquei também a saber com quantos paus se faz uma canoa, ou seja, havia um pau que tinha uma ponta no bico e tinha havido uma mão que tinha aproveitado o pau para escrever.

Aqui começou o início de uma nova vida, seguiram-se 10 dias de licença para tratar da farda e da papelada, no Depósito Geral de Adidos de Lisboa, e apanhar um Boeing 727 da FAP em Lisboa e daí para Bissalanca. Até nisso eu tive sorte, porque foi a primeira vez que andei de avião. Ao chegar a Bissalanca já tinha uma carrinha Mercedes do Exército para me levar para os quartos do QG em Bissau junto ao bar de Sargentos.

No outro dia depois de arrumar a mala com o fardamento e outros pertences, dirijo-me para o dito bar e, ao passar pelas mesas na esplanada, começo a ouvir umas bocas que me eram dirigidas, não liguei e dirigi-me para o balcão.

As bocas, "piu... piu... piu"..., eram de gozo, divertidas, nunca as tinha ouvido e com tendência para aumentar. Que sorte, eu a pensar que ia ver gente triste e carrancuda e sai-me esta cena, a seguir de uma das mesas começa um coro, que só lhe faltava a música. Hoje já não existem praxes pelo menos daquele tipo, para mim que sempre gostei de praxes, esta foi do melhor, ser praxado permite conhecer novas pessoas e uma boa integração melhora o nosso moral.

Entretanto o coro foi aumentando:

piriquito vai no mato... óréréré
que a velhice vai no Bissau... óréréré
salta, salta piriquito... óréréré
que a velhice já saltou... óréréré


E a festa continuou.

Numa das mesas as picadelas tornaram-se mais fortes e foi para lá que eu me dirigi para os cumprimentar. Nem parecia que tinha chegado à Guerra, de onde és pergunta um, não havia sol lá na terra, diz outro, para onde vais? Vai trocar as divisas porque essas cheiram a leite (ainda hoje tenho as divisas de outro furriel). O que queres beber, foi aqui que comecei a beber o bom Whisky Old Parr, simples e seco, porque a água estraga o whisky e este, 5$00 a bolha e 127$50 a garrafa, era barato. 

Só no dia seguinte é que comecei a ouvir relatos sobre a guerra. O ambiente era bom, não fosse a saturação e a pancada no sotão, em alguns "velhinhos" com mais de 28 meses de comissão, fartos daquilo que era a fruta da época a aguardar que os mandassem para casa. Na minha primeira visita ao "Barracão", perdão queria dizer Hospital Militar de Bissau, para visitar uns amigos do "velho" furriel Bilhau da Leirosa, é que vi que tinha chegado à Guerra.

No dia 17 de Março, ao som do altifalante e da voz de Raul Solnado, que falava das munições da Guerra de 1908, recebi a ordem para fazer o espólio dum furriel miliciano morto em combate na região de Bafatá e que era o objecto da minha mobilização.

Foi um momento difícil, conhecer o historial desse camarada, fazer a seleção dos seus pertences para os enviar à família e queimar a correspondência imprópria das cartas enviadas por cinco mulheres ou raparigas que com ele tinham tido uma relação muito íntima, não sei se seriam madrinhas de guerra ou outra ligação qualquer, a verdade é que aquele tipo de escrita até dava vida a um morto. 

Fiquei então a saber que a fotografia dele de camuflado com chapéu à cowboy com a walter de 9 mm a pender para o lado direito pronta a sacar não era nada, quando comparada com a dita escrita das cartas. Apenas o vi em fotografias, não vi nem o caixão e a dita escrita não permitiu saber que tipo de vida levava na Metrópole, prefiro recordá-lo apenas como um guerreiro com tomates.

Entretanto a dita rendição para Bafatá nunca se concretizou, nem cheguei a saber a razão. O facto é que fui direitinho para a CCaç 4541/72 para aprender a arte da Guerra. Depois de começar a beber bom Whisky é difícil parar, só temos que manter o controle da situação. A primeira coisa que me lembro quando cheguei à CCaç 4541/72, foi da minha deslocação ao barraco, perdão queria dizer Bar, pedir um Old Parr e o soldado dizer que não havia,  porque dava prejuízo, foi a minha oportunidade para saber quantas bolhas tinha uma garrafa e ensinar o soldado a gerir o bar. 

De facto 5$00 por cada dose e sendo elas 28, dava para ganhar dinheiro, mas a melhor opção seria vender do Dimple porque a garrafa custava 125$00, ainda hoje é raro o dia, não beber um Whisky a seguir ao almoço. As moedas que ainda mantenho na minha posse têm a ver com Whisky. Na tropa aprendi que há limites para tudo e 10$00 correspondia a dois Whisky e eram suficientes para andar direito, não falar demais, não dar nas vistas e não fazer coisas que nos tragam problemas. É o melhor remédio.

Destas recordações sobre a minha mobilização para a Guiné, resta-me apenas um papel timbrado que a grande maioria não possui, que guardo como recordação e sem complexos de esquerda ou de direita. O facto de ser contra a situação da guerra nas ditas colónias, refletia o pulsar da juventude do meu tempo e ela só trazia problemas, mas uma vez chegado à guerra da Guiné, o meu lado da barricada estava escolhido, a minha obrigação era cumprir e fazer cumprir as ordens, respeitar a hierarquia e fazer a guerra, ali comecei a respeitar aquele povo, mas também a aprender que, afinal, além de ter costelas de esquerda, tinha uma mão direita e um dedo que disparava a G3 apenas com o apoio do braço e da anca do mesmo lado e enquanto existissem ordens as ditas eram para funcionar.

A minha passagem pela Guiné mostrou-me que, se o Regime que nos conduziu à Guerra não era bom, o PAIGC não era melhor e as minhas costelas de esquerda começaram a perder força. Entre outras coisas eu consegui uma Declaração em papel timbrado de uma comissão por imposição, que nem o filho do Secretário do Gabinete do Ministro das Colónias, Baltazar Rebelo de Sousa dessa altura tem. 

 Quando regressei da Guiné esperava-me outra surpresa. Fomos mal recebidos, os empregos eram poucos e muito menos para aqueles que não fossem soviéticos ou próximo deles, mas a tropa e a psícola da Guiné tinham-me tornado mais forte e por isso fui à luta.

No início de 1975 comecei a trabalhar na empresa Sepsa, de Leça do Balio, na montagem da Petrosul em Sines, o centro do furacão da revolução no Alentejo, onde vi e assisti àquela cegueira ideológica dos soviéticos que nada tinham compreendido daquele poema do Zeca Afonso, ou da queima das fitas e da linha férrea entre Coimbra e a Figueira.

Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
Quando um homem se põe a pensar
Quando um homem se põe a pensar

Quem lá vem
Dorme a noite ao relento na areia
Dorme a noite ao relento do mar
Dorme a noite ao relento do mar

E se houver uma praça de gente madura
e uma estátua
uma estátua de febre a arder

Anda alguém
pela noite de breu à procura
E não há quem lhe queira valer
E não há quem lhe queira valer

Vejam bem
Daquele homem a fraca figura
Desbravando os caminhos do pão
Desbravando os caminhos do pão

E se houver
Uma praça de gente madura
Ninguém vai levantá-lo do chão
Ninguém vai levantá-lo do chão

Vejam bem que não há só gaivotas em terra
Quando um homem
Quando um homem se põe a pensar

Que poema bonito este.

Mas a realidade era outra, aquela gente no complexo Industrial de Sines esqueceu-se que alguns da minha geração já conheciam o poema, conheciam as praxes académicas de Coimbra e já tinham aprendido a pensar e aquela revolução tinha mais a ver com aquele ditado popular "Olha para o que eu digo, mas não olhes para o que eu faço" e o pior, estava para vir.

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf

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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24226: (In)citações (237): "Reflexão sobre a pobreza" (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

sexta-feira, 31 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24181: Os nossos seres, saberes e lazeres (565): Diferenças entre o Estado de Direito e o Estado de Direito democrático (Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 25 de Março de 2023:

Amigos e camaradas da Guiné,

Antes de iniciar este assunto quero dar este pequeno contributo sobre a formação da cidade da Figueira da Foz.
O período de transição do lugar da Figueira para as Praças de Buarcos e Figueira e depois Figueira da Foz.
José Joaquim dos Santos Pinheiro foi Juiz Ordinário do Couto de Tavarede e Cavaleiro da Ordem de Cristo.

Na escritura de aforamento consta cito - Saibam quantos este público instrumento de aforamento fateusim perpétuo(...) que sendo no ano do nascimento de nosso senhor jesus Cristo de mil setecentos e cinquenta e três anos em os quatro dias do mês de Abril do dito ano no lugar da Figueira (...) e o dito sal seria posto e medido pelo alqueire do concelho deste couto de Tavarede à custa deles foreiros e posto à sua custa no porto do rio Mondego deste lugar (...) Carlos José Pinto Carvalho, tabelião do público, judicial e notas, escrivão da Câmara e Almotaçaria neste Couto de Lavos, bem e fielmente aqui o trasladei (...). (Doc.1).

No livro de registo de baptismos de S. Julião (1602 a 1767) consta - Aos vinte e dois dias do mês de Agosto de mil setecentos e cinquenta e sete baptizei na capela do Paço que está nesta freguesia por despacho do Ex.mo e R.mo Bispo Conde a João filho legítimo e do primeiro matrimónio de Joseph Pacheco de Albuquerque e de Melo fidalgo da Casa Real governador das Praças de Buarcos e Figueira (...) foram padrinhos o Ex.mo Sebastião José de Carvalho e Melo do conselho de Sua Magestade e Secretário de Estado dos Negócios do Reino (...). (Doc.2).

No livro de registo de batismos de S.Julião (1602 a 1767) consta - Aos vinte e nove dias do mês de Maio de mil setecentos e sessenta e dois nesta igreja de S.Julião da Figueira da Foz baptizei e pus os sacramentos a José filho de José Joaquim dos Santos Pinheiro Cavaleiro da Ordem de Cristo (...). (Doc.3).

Vamos agora ao Estado de Direito. Em política a confiança entre governantes e eleitores é uma coisa que, depois de se perder raramente volta a ser recuperada.

José Sócrates, 1.º Ministro de Portugal, fez publicar na Assembleia da República em 15 de Novembro a Lei 54/2005. Esta nova Lei sobre a titularidade dos recursos hídricos, nomeadamente o artigo 15.º da dita Lei e a norma revogatória do artigo 29.º tinham como objectivo principal o confisco de propriedades particulares inseridas no espaço considerado de Domínio Público Marítimo.

A entrada em vigor da Lei 54/2005 de 15 de Nov. (Lei Sócrates), conduziu a uma corrida aos Arquivos por parte dos particulares que só iria abrandar com a Lei 34/2014 de 19 de Junho, que revogou a dita Lei. De facto o artigo 2.º do decreto de 31 de Dezembro de 1864 decretou a dominialidade daqueles terrenos, mas para mim foi também uma oportunidade para conhecer a História de Portugal e conhecer o Código Civil de 1867 (Código de Seabra) que clarificou as regras a observar nomeadamente o parágrafo 4.º do artigo 380.º.

O Código Civil de 1966 em vigor, nomeadamente o seu artigo 4.º e 12.º permitiram defender-me, mas foi necessário aprender a ler a real História de Portugal no Arquivo da Universidade de Coimbra para poder exercer os meus direitos no Tribunal. Não contente por ser considerado ladrão de terrenos do Estado, comecei a vasculhar no Arquivo para conhecer quem tinham sido de facto os "ladrões", se é que haviam ou vendedores e compradores das propriedades e pelo meio fui encontrando os antepassados de ministros e deputados que nos têm governado nestes anos.

Tudo começou numa reunião em 2006 entre representantes de produtores e a DGRM, INAG e DGV, numa sala do Ministério da Agricultura no Terreiro do Paço, em Lisboa. No lado oposto da mesa ouvi a intervenção da Engª Fernanda Ambrósio do Instituto Nacional da Água dizer que as regras tinham mudado, agora havia que cumprir com o disposto na Lei 54/2005 de 15 de Novembro.
Ou seja, tinha de intentar uma acção judicial contra o Estado até 31 de Dezembro de 2013 para provar ser o titular daquilo que eu dizia ser a minha propriedade fazendo o trato sucessivo até data anterior a 31 de Dezembro de 1864, sob pena desta reverter para o Estado a título gratuito.

Será que tinha ouvido bem, é que antes de entrar para a dita reunião tinha passado pelo corredor, onde tinha visto exposta a fotografia do Eng. Duarte Silva, Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz e ex-Ministro da Agricultura e Pescas, com quem tinha uma boa relação, precisamente devido ao facto da sua família ter possuído no passado durante mais de cem anos esta propriedade.

Vai começar a guerra, pensei eu... E começou.

O citado Eng. Duarte Silva descendia de uma família de armadores da Praça do Porto, pessoas de bem cuja ligação à Figueira se deu no final do século XVIII resultante do casamento de Dona Rosa Ricarda e Silva com o Dr. Ricardo José Gomes, Presidente da Mesa Grande da Alfândega da Figueira. Aquele início do século XIX, tinha sido terrível, devido a problemas de saúde desta família, apenas sobreviveu e durante pouco tempo a sua filha mais nova, Maria Emilia da Silva Gomes que acabou por ir viver com o seu tio Joaquim José Duarte Silva na rua do Carmo n.º 6 em Lisboa. (Doc.4).

Joaquim José Duarte Silva, quando morreu em 1849, deixou a seu filho António José Duarte Silva algum património, mas também deixou muitas dívidas resultantes da venda de sal e outros bens de consumo que enquanto negociante na Baía tinha vendido para o Brasil e não tinha recebido.

"Que final feliz para a Nau dos Quintos"... E ainda dizem passados 200 anos, que temos de pagar o ouro que roubámos do Brasil e ouvir desaforos como "Almada Colonial". É caso para dizer, raios partam os negócios ruinosos que o Estado fez e continua a fazer, sem proteger minimamente o seu povo e deixando problemas para os vindouros resolverem, porque eu quando fui a Mafra para receber a minha parte do Bolo, apenas encontrei pedras e ostentação.

Estas e outras escrituras integram o meu processo, foram reconhecidas pelo Tribunal e deram origem ao reconhecimento de propriedade privada e ao meu Titulo de Autorização de recursos hídricos particulares emitido pela DGRM.


(Clicar nas imagens para leitura mais cómoda)
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Nota do editor

Último poste da série de25 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24169: Os nossos seres, saberes e lazeres (564): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (95): Da bela Tavira a uma exposição sobre a Ordem de Cristo em Castro Marim, com José Cutileiro em pano de fundo (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 21 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24159: Os nossos seres, saberes e lazeres (563): O Estado a que isto chegou (Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 16 de Março de 2023:


O Estado a que isto chegou

Para mim a guerra não foram só problemas. A capacidade de liderança, tolerância e a resistência aprendi-as na tropa, essa tolerância e resistência foram fundamentais quando iniciei uma nova atividade em 1976.

Numa empresa é fundamental dizer "o cliente tem sempre razão", mas para engolir tantos sapos e aguentar tanta razão, foi precisa muita resistência, tolerância e ouvir muita m..da. Eu sou empresário desde 1976.

Nem sempre há tempo para responder em devido tempo aos comentários, mas neste caso, com um barco da nossa Marinha de Guerra na Madeira, tive de arranjar tempo para escrever esta mensagem, porque ela me trouxe as recordações de um amigo com idade de ser meu pai chamado Maximiliano de Sousa, mais conhecido por Max.

Pouco tempo convivi com ele, mas aquela do "magala", numa conversa com ele numa mesa do café Nicola, depois da sua actuação no salão de festas do Casino da Figueira no outro lado da rua foram inesqueciveis.

Max era um homem vivido, com muita categoria, que não deixava ninguém indiferente, que saudades tenho daquele tempo. A primeira conversa com ele começou numa simples mesa do café Nicola e terminou com a mesa rodeada de assistência.

No que a mim me toca sendo eu um "reacionário" eleito pela CCaç 4541/72 para o MFA, que acima de tudo procura honrar os antigos combatentes, vou voltar a ouvir o "magala" de Max e meditar.

Depois deste desabafo vou responder ao último comentário da minha anterior mensagem.

A carta militar de 1947, mostra o estuário do rio Mondego, junto à Figueira e depois o início do baixo Mondego, que depois continua para Nascente até Montemor o Velho. A constituição do terreno (aluvião) é igual, mas as culturas são diferentes.

Da Ínsua, passando pelo marco geodésico (Pontão), até à Ribeira, para Noroeste é o Estuário do Mondego, para Sudeste da Quinta do Canal, Lares e Carrapatosa e até Montemor o Velho fica o Baixo Mondego, como mostra a simbologia da carta.

Durante mais de 4 anos fiz um trabalho de pesquisa no Arquivo da Universidade de Coimbra sobre escrituras do século XVIII e XIX, relativas a terrenos privados no Estuário do rio Mondego.

Este trabalho permitiu-me conhecer, a evolução da escrita, heróis da época, as virtudes do nosso povo e a covardia de alguns dirigentes que fugiram para o Brasil. Com as invasões francesas, veio o "aliado", o Duque de Wellington para organizar a resistência, este estabeleceu o seu Q.G. no Porto de Lavos em 1808.

A Figueira da Foz era então uma pequena vila em pleno crescimento devido à exportação de sal. Portugal tinha então um cobarde como Rei e com a falta de Forças Armadas capazes, as tropas de Wellington chegaram e fizeram uma política de "Terra Queimada" na região.

A maioria da população refugiou-se na Vila da Figueira que não estava preparada para este aumento de população. Seguiu-se um período de doenças, sofrimento e miséria tais que não constam dos manuais de História, mas que está registada nos velhos livros do Arquivo da Universidade de Coimbra.

Nas escrituras de aforamento do princípio do século XIX, do notário Manuel Peregrino de Carvalho, consta o Dr. Manuel Fernandes Tomaz, um ilustre figueirense do século XIX, deputado do Reino e o seu pai João Fernandes Tomaz. Da descrição consta a utilização de terrenos de aluvião na região de Lares e Carrapatosa, para instalar marinhas, que foram até aos anos 60 do século XX, actualmente são campos de arroz.

A constituição dos terrenos é igual, mas as culturas são diferentes devido ao tipo de água que utilizam. No Estuário a água é salgada e as culturas são Marinhas, Sal, Peixe, Crustáceos e Bivalves e no Baixo Mondego até Montemor o Velho, predomina a cultura do arroz, onde as águas são doces, ambas estão representadas na carta com simbologia diferente.

As invasões registadas na História de Portugal a nós trouxeram muitos problemas, mas também nos trouxeram conhecimento. No Estuário do rio Mondego junto ao mar a invasão do Império Romano trouxe-nos o conhecimento das marinhas para levar o sal até Conimbriga, a influência da água salgada chegava a Montemor o Velho vulgarmente chamado de Baixo Mondego.

A invasão dos mouros trouxe-nos o conhecimento da cultura de produção do arroz e a tecnologia dos canais de irrigação que conduziram a água doce para jusante até ao início do estuário.

As marinhas de sal são constituídas por diversos compartimentos, sendo o primeiro deles o viveiro ou reservatório da marinha, aqui através da comporta entra além de água salgada, peixe, crustáceos e Bivalves, daí que a produção extensiva destas culturas já venha do tempo do Império Romano.

Nos anos 80 do século passado alguns produtores converteram as marinhas de sal e construíram novas instalações para produção de peixe e com a utilização de novos equipamentos, alteraram as instalações para o regime semi-intensivo.

Para exercer esta atividade é preciso saber lidar com a vida animal, a DGRM, ex-Direção Geral das Pescas passou a chamar-lhe Aquacultura Marinha, eu sou um dos pioneiros ainda vivos.

Como a História mostra as invasões e as guerras trouxeram sempre problemas, mas não podemos esquecer aquilo que aprendemos com os romanos e os árabes e também não devemos esquecer aquilo que ensinámos a outros povos, por esse Mundo fora.


O Estado Fascista, o Estado Comunista e o Estado a que isto chegou.

Há gente neste País que colaborou com o IN, outros fugiram cheios de "coragem" e são hoje apresentados como heróis, há outros "democratas" que pediram ao regime "fascista" um adiamento à sua integração nas FA. Esse direito foi-lhes concedido e tratam os ex-combatentes com peste. Há ainda os filhos do papá, que não foram à guerra e opinam sobre tudo e todos e desprezam tudo o que deixámos em África e no Brasil.

Há ainda alguns que procuram o "ouro do Brasil", ou do quinto dos infernos que vinha na Nau dos Quintos para devolver aos "Brazileiros". Deste ouro, ainda só encontrei pedras já que as jóias da coroa foram roubadas na Holanda, está a decorrer a "investigação" e eu como "homem de fé ainda não perdi a esperança", porque a fé é a última a morrer.

Quando regressei da Guiné em Outubro de 1974, a Presidente da C.M. da Figueira da Foz, convocou-me para uma reunião cujo objectivo era a criação de uma comissão para elaborar os Cadernos do Recenseamento Eleitoral da Freguesia de Lavos.

A minha abertura a esta tarefa foi imediata, a caloirice falou mais alto, foi um trabalho que durou dois meses, as eleições de 25 de Abril de 1975 foram realizadas graças ao trabalho deste e de outros "parolos" deste País. Se a velhice fosse um posto, eu devia debitar os serviços prestados pela elaboração dos Cadernos Eleitorais, das inúmeras vezes que pertenci a várias mesas de voto, quatro anos como 1.º Secretário da Assembleia de Freguesia, só para falar destas e tudo isto a custo zero, mas não o vou fazer porque vivemos num "Estado de direito democrático". Hoje até os membros de uma simples Mesa de Voto, recebem 75 Euros pela execução daquela "tarefa dificil".

Já só falta o Presidente, numa qualquer comemoração atribuir um prémio aos parolos, "habituem-se", porque o valor que é dado às coisas depende das "costelas".

Se as "costelas" forem de esquerda, levam-se as facturas ao contabilista para registar, esperamos pelo relatório no fim do ano e sabendo que há contas por pagar, vamos para casa descansados e dizemos ao vizinho "as contas estão certas."

Se as "costelas" forem de direita, além das contas certas, sabemos que é importante pagar as dívidas e ter lucro para não deixar problemas aos filhos.

Estes são os novos tempos, por este andar ainda vou morrer reacionário. Os Donos disto tudo continuam a reclamar o Estado de direito democrático, mas o que nós temos, é o Estado a que isto chegou. Quer gostem ou não, o que está em causa é o Estado de Direito. Quem sabe se não precisamos voltar ao "ferro", ou a outro 25 de Abril?

Antes de terminar quero agradecer ao Luís Graça, Carlos Vinhal e restante equipa pela coragem que têm demonstrado na defesa da liberdade de expressão e pedir-lhes desculpa por não saber elaborar um texto que possam perceber, mas há uma razão para isso, eu sempre gostei mais de lidar com números.

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf


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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24154: Os nossos seres, saberes e lazeres (562): Os meus livros. Ao todo, quinze (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico)

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23738: (Ex)citações (418): Os Consulados da Guiné, a Preparação Militar e a tarimba dos "velhos" (Victor Costa, ex-Fur Mil, At Inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 23 de Outubro de 2022:

Amigos e camaradas da Guiné
Nem sempre a minha actividade me dá o tempo necessário para escrever sobre os diversos temas aqui abordados. Esta mensagem está relacionada com o meu comentário de 10 de Julho de 2022, sobre as Directivas do Gen. Bettencourt Rodrigues e o MFA, espero que o debate sobre este tema não esteja fechado.

Guardo na memória uma das minhas primeiras patrulhas de reconhecimento feita num local do rio Mansoa próximo da travessia de João Landim durante a noite com o objectivo de verificar se havia movimento do IN.



Os Consulados da Guiné, a Preparação Militar e a tarimba dos "velhos"

Partimos ao anoitecer no fim de Março de 1974, a fim de realizar uma patrulha de reconhecimento e verificar se havia movimento nas proximidades da travessia do rio. As nossas armas eram apenas as G3 e carregadores. O condutor do Unimog levou-nos até ao fim duma picada e aí nos deixou.

Ele voltou para o Quartel e nós iniciámos a patrulha pela mata até chegar a uma bolanha, conheço bem este tipo de terrenos, cresci junto e exerço a actividade de Aquacultura Marinha no Estuário do Rio Mondego.

Sirvo-me da proteção duma maracha coberta de vegetação meio-seca, (pequenos muros de terra), que corriam na direção do Rio, estávamos na época seca e o terreno encontra-se seco e duro, eu ia à frente da secção a visibilidade era boa e a progressão decorria sem dificuldade, mandei aumentar a distância entre nós e paramos algumas vezes durante o percurso para escutar sons que viessem do rio.

Ao chegar ao aluvião brilhante constatei que tinha chegado à praia (sapal) na zona de influência das marés, estava baixa-mar e era bem visível a água turva do rio e a praia, não avancei mais. O nosso peso podia dificultar muito os nossos movimentos se o aluvião não fosse compacto, por isso continuamos a nossa progressão pelo terreno seco ao longo da margem, até ao nosso objectivo.

Procurei um local seguro e ali ficamos umas horas protegidos e envoltos pela vegetação, a vigiar a praia e as águas do rio procurando não fazer movimentos. Era uma noite de luar e a visibilidade era boa. Tinham já passado umas horas e não vimos quaisquer movimentações de pessoas, decidi iniciar o regresso, para ir ao encontro do Unimog.

Depois de sairmos da bolanha voltamos a entrar na mata, vi um mangueiro e uma pequena clareira e reconheci que já tínhamos passado ali no início da missão, estávamos perto do ponto de reunião. O mangueiro pareceu-me um bom local, mandei o pessoal aproximar-se do tronco da árvore e aguardar.

O Soldado Silva tinha à data mais de 26 anos e era o mais velho da Secção, era um militar experiente, chamou-me à parte e perguntou-me se iríamos continuar naquele local e como eu confirmei, comentou: - Olhe que não me parece um sítio bom, se aparece um turra com um RPG e faz pontaria ao mangueiro, pode lixar-nos! - E com o dedo indicador apontou para a malta junto ao grosso tronco do mangueiro e continuou, olhe que nós estamos no fim da Comissão, o nosso último morto foi no dia 7 de Janeiro deste ano e eu quero regressar a casa.

Bati na real, estava a receber uma lição dum soldado e ainda mais, nunca tinha ouvido falar nem conhecia o RPG, não pensei duas vezes, o mais sensato era ouvir o que o "velho" dizia e seguir o seu conselho, ia arriscar para quê? Assim foi, continuamos dentro da mata, fizemos o reconhecimento do local fomos aguardar próximo do ponto de reunião, para escutar o som da chegada do Unimog, que chegou quase ao romper do dia.

Como era possível nunca ter ouvido falar de RPG nem me ter passado pela cabeça aquela forma de utilização. Aquilo para os "velhos" era rotina, uma coisa simples e banal, para mim foi aprender e começar a pedir a sua opinião. Assim se formou um grupo coeso, tudo o que eles precisavam eu procurava resolver e tudo o que eu pedia era feito, minha integração foi tão simples, que passado umas seis semanas a CCaç 4541/72 elegeu-me para a delegação do MFA.

As bolanhas podem ser cultivadas e nós devíamos conhecer e ter presente que a guerra obrigou algumas populações ao abandono das culturas de muitos destes terrenos, em alguns locais desenvolveu-se um sentimento hostil, a maioria das NT nem ligava a isto e por isso uma simples travessia podia pôr-nos numa posição de desvantagem perante o IN.

Existe uma fotografia demonstrativa, no Blogue, do que parece ser um pelotão de homens com água pela cintura a atravessar uma bolanha rodeados de plantas aquáticas, que me parece no mínimo insensato, mas é também um desafio ao heroísmo (tangente à loucura) que se enquadra no livro "homens, espadas e colhões", que Rainer Daehnhardt descreveu sobre a coragem dos nossos antepassados.

A instrução de tiro instintivo é muito importante desde que os instruendos tenham aptidão para isso. Dominar uma arma e o tiro instintivo torna-nos mais confiantes e seguros, mas não o conseguimos sem treinar bastante e gastar muitas munições, o tiro instintivo na guerra não é o suficiente mas ajuda muito, eu dominava essa técnica.

Eu não conhecia as Directivas do Com-Chefe Bettencourt Rodrigues e por isso ver escrito preto no branco "Um cartucho por homem serve para detectar um mau atirador", conhecer a realidade dos factos e não ver uma única palavra escrita sobre a má alimentação, os seiscentos escudos por mês que as praças recebiam, a insuficiente preparação militar das NT, desde praças, sargentos e oficiais milicianos, o livro do combatente - patrulhas - o desconhecimento sobre o terreno da Guiné e a sua ideia que a carne para canhão continuava disponível para tudo, incluindo resistir até à exaustão e deixar cair a Guiné, mas nunca negociar com o PAIGC, foi uma desilusão ler estas Directivas e a sua visão da Guerra.

Não podemos no entanto esquecer que este problema era do conhecimento dos militares que compunham o estado embrionário do MFA, também nunca foi uma prioridade para o MFA. A seguir ao 25 de Abril, havia uma vontade da tropa regressar e quanto mais depressa melhor, o TCoronel Almeida Bruno deslocou-se a Bissau em representação do MFA no dia 7 de Maio de 1974 para promover a reestruturação e apelar à preservação da disciplina e da hierarquia das FA como consta da 1.ª pág. do BI do MFA n.º 1 na Guiné.

Essas decisões foram reforçadas pela Circular n.º 1703 da 2.ª Rep do EME e do Com-Chefe das FA da Guiné de 28 de Maio de 1974, também publicada aqui no Blogue, com as negociações de paz a decorrerem, a disciplina e a hierarquia eram mais importantes do que nunca, só um exército forte e coeso pode fazer uma boa negociação.

Sabendo disto alguns oficiais do MFA preferiram fazer política, Otelo Saraiva de Carvalho admitiu as fragilidades do seu pensamento político ao declarar em (os dias loucos do PREC, pág. 324 José P. Castanheira) "Faltou-me estrutura política que me podia ter possibilitado, desde o início ser o líder da Revolução, se tivesse cultura livresca, podia ser o Fidel Castro da Europa" e quantos membros do MFA quiseram ser os líderes da revolução? Não sabemos, o que sabemos é que foram todos para a Academia para seguir uma carreira militar, mas alguns mudaram de opinião, quiseram ser também revolucionários e nunca tiveram a coragem de assumir que estiveram perto lançar o povo numa guerra civil. Ainda bem que não estive sob as suas ordens, porque tinha que sujeitar-me a ver mais um livro publicado cheio de boas intenções e com a sua opinião sobre a sua verdade dos factos.

Tinha apenas 22 anos, mas percebi perfeitamente o que se passava em Bissau. Apenas um pequeno número de elementos do MFA tomava as decisões, mesmo assim sujeitas à direção do "comité central" de Lisboa, a maioria eram figurantes como eu , o que aconteceu às NT africanas, não devia ter acontecido e o MFA é o único responsável por não saber estar à altura da situação.

Eu nunca precisei do RDM para ser respeitado e exercer a disciplina, mas devo dizer àqueles que à data estavam a 4.000 km de distância que gostavam de ler o RDM e tresler uns Boletins e sabiam de tudo, que a única vez que obriguei um Superior a cumprir com aquilo a que ele estava obrigado, foi precisamente por causa de documentos do MFA e apenas precisei de levantar o braço, acenar um papel com a mão direita e o aviso e, passadas 48 horas, os documentos estavam na minha mão e o problema resolvido.

Em anexo:
Duas fotografias do Rio Mansoa e arredores de João Landim.
Cópia da capa e contracapa do livro de Instrução do Combatente-Patrulhas.
Cópia da capa do livro "Os dias loucos do PREC"- Ad. Gomes e José P. Castanheira.
Cópia da capa e contra capa do livro de Rainer Daehnhardt.
Cópia do papel que exibi na mão direita a um superior.
Cultura de amendoim
Travessia em João Landim
Capa e contra-capa do livro de Instrução do Combatente
Capa do livro "Os dias loucos do PREC"- Adelino Gomes e José Pedro Castanheira
Capa e contra-capa do livro de Rainer Daehnhardt
Papel que exibi na mão direita a um superior

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23732: (Ex)citações (417): A propósito de Amadu Bailo Djaló (1940-2015): mestiçagem, mercenariato, fanado, hospitalidade africana, viagem a Boké... (Cherno Baldé)