sábado, 25 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24169: Os nossos seres, saberes e lazeres (564): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (95): Da bela Tavira a uma exposição sobre a Ordem de Cristo em Castro Marim, com José Cutileiro em pano de fundo (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Março de 2023:

Queridos amigos,
Aquele castelo mete respeito, bem precisava de uma daquelas intervenções de fundo, talvez de alguns milhões, para permitir ao visitante por ali andar a deambular não só com mais segurança mas com outra aproximação aos tempos medievais, em que a Ordem de Cristo deixou a sua marca. A exposição temática foi elaborada para permitir a itinerância, está bem exposta dentro do antigo templo religioso e releva os aspetos essenciais do que se pretende comemorar, há mesmo imagens de grande qualidade. Gosto muito da resiliência da gente de Castro Marim que tem feito história a opor-se a fusões com outros concelhos, preza a sua identidade, e a histórica ninguém lhe a pode subtrair, a grande fortificação em momentos chaves da história de Portugal aqui se prantou, por isso dá gosto olha do Castelo de Castro Marim o Forte de S. Sebastião que lá das alturas mostrava a qualquer invasor espanhol durante a Guerra da Restauração que não eram favas contadas atravessar o Guadiana. Como, efetivamente, não foi. E também dei um certo gosto ao dedo, indo visitar em Vila Real de Santo António aquela que eu considero a obra-prima absoluta de José Cutileiro.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (95):
Da bela Tavira a uma exposição sobre a Ordem de Cristo em Castro Marim, com José Cutileiro em pano de fundo (2)


Mário Beja Santos

A exposição exibe documentos fundamentais sobre a presença dos guerreiros monges e do seu património no Reino do Algarve, revela a decisão pontifícia, imagens associadas a essa presença histórica e põe-se um acento sobre a organização e a gestão dos bens. Escolhemos alguns dos textos que nos pareceram primordiais para a compreensão do conteúdo da exposição.
Local: Igreja do Castelo de Castro Marim
Data: 18 Abril 2021 a 31 Dezembro 2023
Horário: De novembro a março | 09:00 às 17:00 De abril a outubro | 09:30 às 18:30

Texto de apresentação da exposição

A Ordem de Cristo foi criada em 1319, por ordem do rei D. Dinis, depois da extinção, pelo Papa Clemente V, da Ordem dos Templários, uma das mais famosas Ordens Militares de Cavalaria, fundada em 1118, no rescaldo da 1.ª Cruzada. Com um papel determinante no período da Reconquista, na atividade militar contra os Mouros e no povoamento do território, a Ordem dos Templários era também detentora de um vasto património que, por direito, pertenceria à Santa Sé, facto que ameaçava a soberania do rei. Com o pretexto de defender a costa algarvia dos ataques de piratas e piratas magrebinos, D. Dinis consegue decretar a criação da nova Ordem religioso-militar. A 1.ª sede da Ordem de Cristo foi então o Castelo de Castro Marim, com um dos mais sólidos sistemas defensivos de todo o Reino do Algarve e situado na fronteira marítima com Marrocos e nas imediações da comunidade islâmica de Granada.
Painéis expostos no pano de muralha referindo quatro períodos fundamentais da Ordem de Cristo
Entrada do Castelo de Castro Marim
Antiga capela onde decorre a exposição sobre a Ordem de Cristo em Castro Marim
Interior da capela
Voltando um pouco atrás, entenda-se a razão por que esta imagem é patente na exposição. A Ordem do Templo era poderosíssima, suscitou invejas, o monarca francês tinha uma dívida colossal, fizera empréstimos à Ordem, partiu de França a maquinação de levantar suspeitas de diferente ordem, sucederam-se pressões internacionais, os templários foram considerados heréticos e moralmente abomináveis, esta imagem fala da condenação à fogueira do grão-mestre templário Jacques de Molay e do cavaleiro templário Geoffroy de Charnay. Depois da extinção da Ordem, pôs-se a discussão do que fazer dos bens, houve sugestões que passassem para a propriedade régia, para Roma, para outras Ordens Militares. É aqui que o rei D. Dinis terá um desempenho determinante nas alianças internacionais que obteve e que levou à criação da Ordem de Cristo.
Imagem de 1642, recorde-se o texto de abertura da bula Ad ea ex quibus, de 1319, do Papa João XXII: “Tivemos por bem de ordenar Casa de Nova Ordem de Milícia de Jesus Cristo em o dito Castelo de Castro Marim, a qual Casa decretámos, que seja a cabeça da mesma Ordem, e damos-lhe a Igreja Paroquial de Santa Maria do mesmo Castelo da Diocese de Silves, e a outorgamos e juntamos à dita Ordem com todos os seus direitos, e pertenças.”
Em 1327, teve início o mestrado de D. Martim Gonçalves Leitão que fruía de grande estima por parte de D. Afono IV, que o descreve como “magnífico, estrénuo e poderoso cavaleiro”.
D. Estevão Gonçalves Leitão sucede ao seu falecido irmão no comando da Ordem de Cristo, em 1335. O seu mestrado ficou marcado por um período de guerra (1336-1339) entre o reio português D. Afonso IV e o rei de Castelo, D. Afono XI. Este conflito originou uma incursão do exército castelhano pelo vale do Guadiana que resultou do cerco a Castro Marim em 1338, ao qual os cavaleiros de Cristo se opuseram com grande êxito.
D. Rodrigo Anes (1344-1357) foi o último mestre da Ordem de Cristo, durante a permanência da sede em Castro Marim. Tal como tinha acontecido com João Lourenço, também este se viu forçado a renunciar às suas funções em 1357, ano que assinala a transferência da sede da Ordem de Cristo para Tomar.

Uma vista impressionante do Castelo Velho
Vista aérea do Castelo de Castro Marim, ao fundo distingue-se perfeitamente o Castelo Velho e sob o pano de muralha em que assenta a porta principal vê-se a antiga igreja do castelo onde decorre a exposição sobre as origens da Ordem de Cristo na maior praça fortificada do Algarve do seu tempo.
Vista do Forte de S. Sebastião a partir do Castelo de Castro Marim.

A Ordem de Cristo cobrava direitos sobre grande parte das atividades económicas de Castro Marim, por exemplo ao pão que saía e que entrava na Vila para ser vendido e às pescarias capturadas. Aos direitos da Ordem sobre a quantidade do peixe capturado, juntam-se a quarta parte de todo o sal produzido durante o ano.
A Portagem, a par da Alfândega, era um dos principais locais de cobrança tributária no século XVI. Estava reservada à Ordem de Cristo e incidia sobre alguns produtos que “procedem ou se dirigem aos Reinos de Portugal e Algarve, ou ainda para a vizinha Ayamonte , através destas, por terra, a outros lugares de Castela”.
No século XVI, o termo de Castro Marim apresentava-se já com uma marcada identidade e com uma grande diversidade económica e social.

Os comendadores foram obrigados a residir nas comendas e a registar em livro – o “Tombo da Comenda” – o estado patrimonial em que as mesmas lhes eram confiadas. O inventário devia ser atualizado sempre que os comendadores melhorassem ou acrescentassem os bens e rendimentos das comendas.
Com a subida ao trono de D. Manuel I (1495-1521), o governo do reino inclina-se para o absolutismo e segue uma política de cariz marcadamente centralizadora. É nesta conjuntura que são feitos levantamentos do património das Ordens Militares e organizados os Tombos das Comendas.
Em finais de 1509, a Comenda de Castro Marim recebe a Visitação da Ordem de Cristo, que regista os bens, propriedades e direitos da Ordem na dita comenda.

Finda a exposição, viagem a Vila Real de Santo António, única e exclusivamente para contemplar a escultura de José Cutileiro, Vila Real de Santo António deve o seu casco histórico à decisão do Marquês, aqui temos a disposição ortogonal que encontramos em Lisboa e, modestissimamente, em Porto Covo.
Aqui se finda uma visita ao Sotavento Algarvio, a pretexto de visitar amigos queridos chegou-se a Castro Marim e viu-se uma exposição sóbria, mas muito elucidativa. Até à próxima viagem.

O Marquês de Pombal, escultura de José Cutileiro, Vila Real de Santo António
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Notas do editor:

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Último poste da série de 21 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24159: Os nossos seres, saberes e lazeres (563): O Estado a que isto chegou (Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf)

5 comentários:

António J. P. Costa disse...

Coitado do marquês de Pombal! Não merecia esta sorte. Se "escultor" não sabe esculpir podia ir aprender...
Um Bom domingo
António J. P. Costa

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Em todos os papéis (especialmente plantas e desenhos) que li sobre Castro Marim para escrever o livro "Dos Fortes Reza a História" não encontrei nada sobre a presença os templários na vila. Não há na toponímia nenhum lugar que os evoque, assim como não há nenhum local que se possa identificar como prisão ou área de retenção dos "homiziados" que para lá eram mandados, por se terem portado mal...
Julgo que se tratava de gente de classes "altas" e que eram obrigados a trabalhar na recolha do sal e na pesca. O Professor do Arquivo Histórico pode ser que diga qualquer coisa sobre este tema.

Um Ab.
António J. P. Costa

Valdemar Silva disse...

Julgo que os homiziados, assim chamados, não seriam propriamente os cumpridores de penas numa prisão.
Antes eram presos utilizados no povoamento e defesa do território praticamente deserto.
"Os coutos de homiziados constituíam-se em terras a que poderiam acolher-se, libertando-se das penas em que tivessem incorrido, quaisquer criminosos, salvo os incriminados por aleive (traição)."
Muitas localidades do sul que ficaram sem população com a reconquista foram ocupadas por homens das Ordens militares religiosas e depois por homiziados, o mesmo teria acontecido com mulheres.
Com os condenados a degredo foi utilizado o mesmo principio com o povoamento das colónios em África.

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Caro Beja Santos,
Os teus "posts" já nunca me surpreendem, mas não posso deixar de admirar a amplitude dos teus conhecimentos que transmites nos teus escritos. Já estive em Tavira várias vezes e sempre arranjei tempo de visitar Castro Marim e Vila Real de Santo António. Também eu fiquei fascinado por Castro Marim pela sua história e pelo evidente interesse em conservar este tesouro da nossa história. Na última vez que lá estive esta exposição estava anunciada e já se notavam alguns indícios de preparação nesse sentido. Vejo que a igreja e outras partes foram alvo de restauração permanente como se impunha.
Obrigado pelo "update".
João e Vilma

Fernando Ribeiro disse...

Mário Beja Santos escreveu:

«Com a subida ao trono de D. Manuel I (1495-1521), o governo do reino inclina-se para o absolutismo»

A inclinação para o absolutismo não foi obra de D. Manuel I, mas sim do seu antecessor D. João II. Foi este rei que combateu ferozmente todos quantos pudessem ameaçar o seu poder pessoal, chegando ao ponto de ter sido ele mesmo quem assassinou o Duque de Viseu. O rei D. Manuel I herdou do seu primo um poder que já era absoluto.