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terça-feira, 10 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24743: Ataques ou flagelações com foguetões 122 mm: testemunhos (2): Nova Lamego, 5 de abril de 1970: seis "jactos do povo", sem consequências, contra a nova pista de aterragem (Valdemar Queiroz e Abílio Duarte, CART 11, 1969/70)



Infografia: Nuno Rubim (2007)


1. Iniciámos uma nova série,  "Ataques ou flagelações com foguetões 122 mm: testemunhos" (*). Temos hoje os comentários ao poste P24735 (**), de dois camaradas nossos, da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70), os ex-fur mil at inf, Valdemar Queiroz e Abílio Duarte, que estavam em Nova Lamego, quando a nova pista de aterragem (renovada para receber os Fiat G-91) foi   flagelada com seis "jactos do povo" em 5 de abril de 1970, sem consequências.

Esta e outras acções do IN, nos anos de 1969 e 1970, estranhamente não vêm mencionadas pela CECA (2015), embora se fale do aparecimemto da nova arma, sem se precisar a data e o local da sua estreia (que terá sido Bedanda,  em 24 de outubro de 1969) (***).



Guiné > Região de Gabu > Carta de Nova Lamego (1957) (Escala: 1/50 mil) > Posição relativa de Nova Lamego, aeródromo e Coiada

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


(i) Valdemar Queiroz:

Oi, ouvi-os passar por cima da cabeça que pareciam foguetes a subir zzzeeeeeeee ao céu para rebentar em dia de romaria, mas com pouco entusiasmo.

Foi em Nova Lamego a 5 de abril de 1970. Na História da Unidade está escrito:

"05Abr - Cerca das 20h30 o IN desencadeia uma flagelação a Nova Lamego com foguetões 122. Os disparos foram executados com grandes intervalos, tendo sido encontrados seis pontos de impacto entre Coiada e a estrada de Bafatá, junto ao topo Oeste da nova pista de aterragem.

Não resultou qualquer baixa ou prejuízo para as nossas tropas nem para a população.
Qualquer que tivesse sido o objectivo a atingir, povoação e instalações militares ou a
pista de aterragem, a precisão dos disparos revelou-se bastante precária".


Julgo que seria para acertar na nova pista de aterragem, mas nenhum rebentou. No outro dia, foi o meu Pelotão que descobriu o local da instalação da "rampa" de lançamento dos 122, que devia ter sido accionada por baterias auto (?), a cerca de 12 km de Nova Lamego. (...)

8 de outubro de 2023 às 14:13

(ii) Abílio Duarte:

Olá,  Valdemar, era esta situação que tu relatas, que anteriormente quis relatar.

Então , é assim:  estava eu e mais alguns camaradas a jantar no libanês, em Nova Lamego, depois de um bom bife, e estava na sobremesa, verdade, um gelado, quando começaram a assobiar os foguetes sobre Gabú...

De seguida, sem fazer conta com o dono do restaurante, a malta começou a correr para o nosso aquartelamento (Quartel de Baixo, como era conhecido).

Porra, estava de havaianas, comecei a correr como um desalmado como os outros e cheguei ás nossas valas, descalço, e os pés todos f_d_dos.

Por isso estranhei anteriormente, falarem nestas armas do PAIGC, só em 73 e 74, quando em 70 já estávamos a levar com elas.

Este ataque a Nova Lamego foi antes da inauguração da renovação da pista para terem os Fiats, que foi inaugurada pelo Silva Cunha, ministro da ditadura. (****)

A minha companhia. CART 11, nesse dia fez a segurança móvel a Nova Lamego, sempre em movimento, e em viaturas, e no palanque do evento, nunca tinha visto tantas amarelas, eram oficiais da NATO e mais, tudo a monte, naquele pequeno território.

No reconhecimento que o Valdemar fala, o meu pelotão também esteve presente, assim como no local onde os foguetes caíram, deram cabo de um cajueiro, no fim da pista. A pista não tinha sido atingida, e as celebrações, foram efetuadas.

8 de outubro de 2023 às 15:31


(iii) Valdemar Queiroz:

Certo Duarte, eu estava de serviço no Quartel.

Na primeira passagem zzzzzzeeee ninguém se apercebeu o que era, foi preciso alguém (?) dizer 'é um ataque', correr à nossa caserna (#) buscar a G3 e vir para a Parada juntar o pessoal, que a nosso serviço era a defesa do gerador público.

No Quartel, estava de passagem um 1º. sargento velhote que ficou dentro do edifíciom encostado à parede e disse-me 'despe essa camisola branca'.
Juntei os soldados que apareceram e saímos para o gerador, e passaram outros zzzzeeeeees, mas nada de rebentamentos ou tiros.

Não me lembro de mais nada, quem ficou nas nossas valas,  e se o Canatário das armas pesadas chegou a fazer fogo com o morteiro 81. (O abrigo/espaldão do morteiro 81 era no meio da parada.)
 
(#) O mais correcto seria dizer correr para os nossos quartos. As instalações do Quartel de Baixo, em Nova Lamego, eram umas divisões/salas de parte do edifício da Administração Regional que nos foi cedida, e que transformámos em quartos dormitório de oficiais e sargentos.



(***) Vd, Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume:  aspectos da actividade operacionaç Tomo II: Guiné, Livro II,  Lisboa: 2015, 608 pp.

(****) Segundo um apontamento meu, e com base na história da minha unidade, a CCAÇ 12, 1969/71, a ida do Silva Cunha, ministro do Ultramar,  a Nova Lamego deve ter sido em 14 de março de 1970, sábado, quinto da visita á Guiné: 

(...) Em 14 de Março, o Ministro do Ultramar, acompanhado do Com-Chefe e do comandante do Agrupamento nº 2957 (Bafatá), visitou o Reordenamento de Bambadincazinho. Foi montado o devido cordão de segurança por forças da CCAÇ 12 e outras subunidades. 

Na véspera, Bafatá tinha sido elevada a cidade, em cerimónia presidida pelo Dr. Silva Cunha, o homem grande de Lisboa (vd. reportagem fotográfica do nosso camarada Américo Estorninho sobre a recepção do Ministro do Ultramar por parte das autoridades e população de Bissau). (...)

Mais concretamente: a inauguração do aeródromo de Nova Lamego foi no quinto dia da visita do ministro do Ultramar à Guiné (aonde chegou a 10 de março de 1970), conforme reportagem da RTP que passou no noticionário nacional de 19 de março de 1970. Ver aqui: Vídeo, 28' 32'', RTP Arquivos


Resumo analítico (da responsabilidade da RTP - Arquivos, com a devida vénia...):

Vistas aéreas a partir de helicóptero; Nova Lamego: revista às tropas; inauguração do Aeródromo do Gabú; Monsenhor Amândio Neto, prefeito apostólico, faz a bênção; descerramento da placa inaugurativa; Silva Cunha cumprimenta populares e recebe oferendas da parte dos régulos; discursos do General António de Spínola e de Silva Cunha.

Festival aéreo realizado pelo Grupo 1201 da base aérea nº 12 da Força Área da Guiné; cartazes dando vivas a Portugal; travessia das ruas a pé e em jipe (multidão); plantação de tomate e instalações pecuárias.

Viagem de helicóptero militar à região do Boé; inauguração e visita à estação central militar da base aérea n.º 12 de Bissau em Bafatá; visita às regiões de Guileje (guarnição), a Gadamel, a Cassine (sic) [ Cacine] (guarnição e bairro em construção), às ilhas Melo e Como (cerimónia de receção); à Ponta de São Vicente (construção de estrada) e a Jolmete (aquartelamento)
[ em 16 de março, segunda-feira] . 

Inauguração de obelisco em Pelundo; visita a Chulame (casas em construção); a Teixeira Pinto (multidão, honras militares, hospital, capitão-médico Tavares de Pina, campos de arroz, mesquita), a Có (construção de casas) e a Bula (população a correr junto do carro).

Travessia de barco entre Cacheu e Bissau; vista em movimento de povoação.


Vd. também poste de 26 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15159: O nosso querido mês de férias (3): 10 de março de 1970: eu a partir e o ministro do ultramar, Silva Cunha, a chegar, no mesmo Boeing 707, da TAP ( Manuel Resende, ex-alf mil da CCaç 2585 / BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71)

sexta-feira, 17 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24150: Notas de leitura (1564): "Guiné 9 Dias em Março" e "Guiné 74 Vigilância e Resposta"; O repórter Horácio Caio na Guiné, em 1970 e em 1974 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2020:

Queridos amigos,
Três repórteres se distinguiram na cobertura da guerra da Guiné, para efeitos de propaganda do Estado Novo: Amândio César, Horácio Caio e Dutra Faria. Amândio César e Dutra Faria tiveram na Guiné no tempo do Governador Arnaldo Schulz, Caio visita a Guiné em 1970 e 1974. A todos irmana o tantam da portugalidade, do amor da Guiné a Portugal, há sempre progresso, novas estradas, desenvolvimento agrícola, o inimigo dispara no território estrangeiro ou tem no interior bases temporárias. Caio não encontrou ninguém que lhe tenha falado em mísseis, por toda a parte encontrou tropa animada, régulos indefetíveis, Bissau era uma cidade completamente segura, viajou de helicóptero ou de jipe em certas estradas alcatroadas. É estarrecedor vermos hoje, à distância de meio século, como se pretendia instrumentalizar ou ludibriar a opinião pública portuguesa. Mas aconteceu, basta ler estes repórteres e sentir como o credo nacionalista podia deturpar a realidade dos factos.

Um abraço do
Mário


O repórter Horácio Caio na Guiné, em 1970 e em 1974

Mário Beja Santos

Horácio Caio (1928-2008) é considerado o primeiro repórter da guerra colonial, trabalhou para a RTP e várias publicações escritas. Pelo menos duas obras sobre a Guiné chegaram ao meu conhecimento. Em 1970, acompanha o ministro Silva Cunha de que resulta um folheto intitulado “Guiné Nove Dias em Março”. Descreve a visita do ministro do Ultramar, alvo de uma receção patriótica, a publicação está profusamente ilustrada com imagens com crianças, jovens e adultos, visitando projetos, andando de jipe entre Nova Lamego e Bafatá, saindo do helicóptero na área de Madina do Boé. Desmente tudo quanto Cabral por essa altura dissera numa entrevista à Newsweek sobre controlo do território, afirma que anda com o ministro por toda a parte, embora não diga como. É encomiástico com as transformações que se estão a operar na Guiné: “Rasgam-se e alcatroam-se estradas pelo interior da floresta; lançam-se pontes e viadutos sobre os canais dos belos rios guineenses; em toda a província se constroem habitações em aldeamentos; abrem-se escolas e hospitais; potentes máquinas desbravam as florestas e preparam terrenos para novas culturas; criam-se granjas agrícolas; reordenam-se palmares; recuperam-se bolanhas onde viceja o arroz”. O Governador Spínola mostra ao ministro o que se está a passar no Chão Manjaco, também no Chão Mancanha e Balanta, e no Quínara. Os jornalistas recebem ampla informação quanto ao que se está a passar na assistência médico-sanitária. Também Bafatá recebe em apoteose o ministro, o comandante da 1.ª Companhia de Comandos Africanos, João Bacar Djaló, é condecorado, Horácio Caio sente-se contagiado pelo portuguesismo das populações.

Viaja-se até à fronteira, vai-se de helicóptero até Sare Bacar, depois a Cambajú e depois a Canhamina, esta um complexo de aldeamentos em autodefesa. De Bafatá até Bambadinca o ministro vai de automóvel. Noutra digressão segue-se até Nova Lamego, tem novo aeroporto, uma construção que é contemporânea nos aeródromos de Aldeia Formosa e de Cufar. A guerra que se move contra a Guiné tem por detrás as potências estrangeiras e há muitos mercenários com o PAIGC, afirma e reafirma o jornalista. Não há quartel em Madina do Boé porque as populações decidiram transferir-se para o Gabú. “Mas isso não significou que esta parcela da Guiné deixasse de ser portuguesa. E a prová-lo este a presença dos visitantes nas povoações de Beli e de Madina do Boé, a escassos quilómetros da fronteira, tendo sido sobrevoadas a baixa altitude”. Houve também passeio à ilha do Como. Assim se desfaz mais uma mentira da propaganda adversária. “O Professor Doutor Silva Cunha esteve em Porto de Corcô, no centro geográfico da ilha de Como, pedaço de terra, embora de reduzido interesse, mas pedaço de terra portuguesa, onde portugueses mesmo desarmados como foi o caso, podem permanecer quando e enquanto quiserem”. A viagem prossegue até Guilege e Gadamael. “A intensa alegria com que receberam os visitantes somada à determinação que puseram nas suas afirmações, demonstraram mais uma vez a razão da sua permanência em tão inóspitas paragens”.

Chegou a vez de visitar o Chão Manjaco, fala-se em construções como uma maternidade, ampliação da missão de combate a doenças tropicais, o elevado número de postos sanitários, reordenamentos rurais, estava em curso a construção de três mil casas de habitação. Com efeito, Spínola apostava no Chão Manjaco, um mês depois ali ocorrerá uma tragédia, suponha-se que grupos do PAIGC aceitassem ser integrados nas fileiras do Exército Português, os oficiais de negociadores foram retalhados à catana.

Em janeiro de 1974, é a vez de Baltazar Rebelo de Sousa, o novo ministro do Ultramar, visitar a Guiné, irá a Catió, a Caboxanque, Bafatá, Nova Lamego, Farim, Cacheu, Teixeira Pinto e Bubaque. O livro "Guiné 74, Vigilância e Resposta", é editado no mês seguinte. Não há áreas libertadas. Apenas 5% da população está sob o jugo do PAIGC. As flagelações deste são realizadas à distância, ou de acampamentos temporários ou nos territórios do Senegal ou da República da Guiné. Há cada vez mais progresso, começara a laboração da CICER, Fábrica de Cervejas e Refrigerantes, o maior investimento privado na Guiné, caminhava para a inauguração o Hotel Ancar, havia cada vez mais estradas asfaltadas. O jornalista está a engraxar os sapatos, o engraxador é um jovem de 15 anos que aspira ser Comando. Bissau é uma cidade seguríssima. “Nenhuma das pessoas com quem conversei me falou em bombardeamentos, tiros ou foguetões. A campanha de falsas notícias, insidiosamente montada pelo inimigo e quantas vezes acreditada até por pessoas de boa fé, não corresponde à realidade observada”.

O repórter assiste ao encontro entre o ministro e o rei de Bassarel, no Pelundo, fala-nos da fortaleza de Cacheu, de Honório Pereira Barreto e de sua mãe D. Rosa Carvalho Alvarenga. Depois os helicópteros rumam para Cufar, Catió, Caboxanque, no Cantanhez. “Aí convivemos durante uma manhã inteira com esses bravos soldados que defendem a terra e as populações”. Os encontros são muitos, com o dirigente do Turismo, um alferes promovido a capitão, na saúde e do ensino, aqui pontificam os militares e as suas mulheres, entrevista-se o proprietário do Hotel Ancar, há visita à Imprensa Nacional da Guiné, o ministro inaugura o estádio escolar que inclui campos de futebol, campos de voleibol e basquetebol, balneários, salas de jogos, pista de atletismo. Volta-se ao investimento da CICER, enumeram-se as cervejas e os refrigerantes, tudo parecia um investimento promissor. Edição profusamente ilustrada como a anterior, uma narrativa de rasgada fé na portugalidade guineense, refere-se textualmente que são 500 mil guineenses antes separados por odiosas rivalidades fomentadas pelo PAIGC, ele via por toda a parte a nossa Guiné fraterna e exclama: “Com uma farda de Comando, com indumentária da Mocidade Portuguesa – movimento que na Guiné tem presença vigorosa – ou com um distintivo da ação nacional popular, o jovem – milhares de jovens – da Guiné está personalizado e é o fermento da vida nova que freme e acoroçoa a aurora que desponta”. É verdade que a guerra traz incómodos, sacrifícios, destruição e mortes. “Clareado o que tenho na minha frente, o que antevejo é o futuro da Guiné, onde todos participam com ânimo, aceitando desafios constantes à inteligência e à imaginação”.

E tudo termina com uma citação do ministro do Ultramar, produzida em Cacheu no dia 17 de janeiro: “A Guiné dos nossos dias está apostada em se defender dos ataques que lhe são dirigidos, já que ela, por si própria, é pacífica, não ofende ninguém e não ambiciona nada senão que a deixem trabalhar em paz e progredir em paz, a favor da sua gente”.
E meses depois aconteceu o 25 de abril.

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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24141: Notas de leitura (1563): Cadernos Militares - Convencer a malta do Exército dos malefícios da descolonização (Mário Beja Santos)

sábado, 26 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15159: O nosso querido mês de férias (3): 10 de março de 1970: eu a partir e o ministro do ultramar, Silva Cunha, a chegar, no mesmo Boeing 707, da TAP ( Manuel Resende, ex-alf mil da CCaç 2585 / BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71)


Guiné > Bissau > Bissalanca > Aeroporto > 10 de março de 1970 > Saída dos passageiros

Guiné > Bissau > Bissalanca > Aeroporto > 10 de março de 1970 > Aguardando a chegada do 707 da TAP, com o ministro do Ultramar, Silva Cunha



Guiné > Bissau > Bissalanca > Aeroporto > 10 de março de 1970 >  Sessão de cumprimentos. [Joaquim Silva Cunha foi ministro do ultramar, de 1963 a 1973; a visita à Guiné nessa altura foi de 10 a 19 de março de 1970].



1. Texto do Manuel Resende, ex-alf mil da CCaç 2585 / BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71)


Estive em Jolmete desde maio de 1969 até março de 1971. Fui de férias, uma vez,  à metrópole, no período de 10 de março a 10 de abril de 1970 [, e não em julho de 1970, como escrevi por lapso no poste P5246 (*)].

Quando fui de férias embarquei no mesmo 707 da TAP que tinha trazido Silva Cunha à Guiné, daí as fotos que tirei no aeroporto [, vd acima].

No aeroporto de Bissalanca havia grande agitação. Esperava-se a chegada do avião da TAP com o senhor ministro do ultramar, e não dos deputados da metrópole que vinham visitar a Guiné, e que depois irão morrer num acidente de helicóptero (. A minha confusão deveu-se aos 40 anos de esquecimento quase total das coisas da Guiné, só quando descobri o nosso blogue é que me comecei a entusiasmar.)

Tirei algumas fotos no aeroporto,  mas como a minha meta  era embarcar (**), não liguei muito a essa visita. Era um dia de semana, 3ª feira, o 10 de março de 1970.

Silva Cunha irá depois visitar Jolmete no dia 16 de março, 2ª feira. Silva Cunha dirigiu-se ao CAOP em Teixeira Pinto, e de lá foi a eventualmente ao Pelundo, sede do meu Batalhão. A comitiva foi depois a  Jolmete em três helicópteros.

Chegado a Jolmete, depois das férias, em abril de 1970,  fui informado  da visita do ministro do ultramar. Como havia fotos da visita,  tiradas pelo furriel Rodrigues,  da minha Companhia, eu adquiri cópias, que são as que mostro a seguir.

Terminada a visita,  os helis saíram de Jolmete para Teixeira Pinto depois do almoço, para deixarem o pessoal do CAOP. Como não estive lá,  não sei quem foi do CAOP, mas pelo menos o sr. coronel Alcino, comandante, esteve lá, como se pode ver em quase todas as fotos.

Jolmete era um aquartelamento exemplar no mato. O sr. general Spínola tinha um fraquinho por Jolmete; esta mensagem foi-nos transmitida logo à chegada. Os nossos antecessores, CCaç 2366 comandada pelo sr. cap Barbeites, construíram o quartel de raiz, nós continuamos e aperfeiçoamos. Eles tiveram uma forte actividade militar, nós continuamos e aumentamos, com saídas praticamente diárias, o que nos privou de ataques ou flagelações ao aquartelamento durante toda a comissão.

Construímos, entre outras coisas, dois abrigos, a vala de defesa em volta do quartel, uma escola e 24 casas para a população civil, graças à nossa equipa de pedreiros, como o Firmino (Régua), o Ramos, o Lima, o Spínola (não confundir com o nosso General), o Risadas e outros que não me recordo os nomes, mas que de seu modo, deram o corpo ao manifesto, erguendo obra que após a independência foi toda destruída.

A companhia que nos sucedeu, foi a CCAÇ 3306.

Manuel Resende


Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Abre-se a porta e vê-se o gen Spínola. No banco de trás o cor Alcino, cmdt do CAOP.




Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Do outro heli saem outras individualidades



Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Cap Almendra, cmtd  da CCAÇ 2585 cumprimenta e dá as boas-vindas ao gen Spínola e ao ministro do ultramar, Silva Cunha





Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Cumprimentos ao oficial de dia, alf mil Marques Pereira, pelo ministro Silva Cunha e gen Spínola. Vemos distanciado, à esquerda, o cor Alcino,l cmdt do CAOP.




Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Visita da comitiva à cozinha. Além de Siva Cunha e coronel Alcino, vemos dois furriéis dos helis e dois repórteres

Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Visita à Capela



Guiné > Região do Cacheu > Jolmete > 16 de março de 1970 > Despedidas finais, regresso a Bissau



Guiné > Região do Cacheu > Jolmete >  O capitão Almendra, cmdt da companhia, a CCAÇ 2585. Era alferes mil graduado em capitão, tendo substituído, em agosto de 1969, o capitão QP, António Tomás da Costa, promovido a major.

Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9932: Notas de leitura (361): Marcello Caetano, Silva Cunha e a Guiné (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 11 de Abril de 2012:

Queridos amigos,
O documento do ministro Silva Cunha é do maior interesse.
Pelo enquadramento que pretende dar à era da descolonização e à resposta de Salazar, enunciando as diretrizes tomadas para a defesa militar, para as relações com os estados africanos, no caso em apreço, a Guiné.
Pela orientação que procurou imprimir no Ministério do Ultramar e as medidas de desenvolvimento tomadas durante o período da guerra.
Pelo olhar sobre a evolução dos acontecimentos da Guiné e as explicações que dá, aparentemente pouco dramatizadas.
Defensor acérrimo do ideário de Caetano, entrará em conflito com ele depois do 25 de Abril, e não será propriamente por causa da defesa do Ultramar.

Um abraço do
Mário


Silva Cunha e a Guiné (2)

Beja Santos

“O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, de Silva Cunha, Atlântida Editora 1977, acolhe o depoimento político de alguém que esteve no governo entre 4 de Dezembro de 1962 até 25 de Abril de 1974, desempenhou funções durante cerca de 12 anos fundamentalmente na área do Ultramar Português. O seu testemunho é irrecusável a qualquer estudioso que procure entender a política de Salazar e Caetano a partir da grande vaga descolonizadora que assolou Africa e a Ásia. Silva Cunha, na continuação do que se disse no texto anterior, visita a Guiné em 1972, na altura em que uma comissão ONU percorreu regiões libertadas, e apresentou relatório em Nova Iorque. Para Silva Cunha, o relatório não convenceu ninguém mas serviu de pretexto para ativação da campanha em favor de Amílcar Cabral. E passa logo no seu escrito para os ataques a Guidage, Guileje e Gadamael. Spínola enviou para Lisboa conclusões pessimistas desta fase ofensiva do PAIGC: - o inimigo dispunha de equipamento superior ao das nossas forças; havia o risco de passar da guerra subversiva para a guerra do tipo convencional, em que, em tese, era de admitir meios aéreos e blindados para os quais não dispúnhamos de meios de defesa suficientes; o inimigo emprenhava-se em levar-nos ao colapso militar.

O relatório provocou grande alarme em Lisboa, Costa Gomes deslocou-se à Guiné e no seu regresso realizou-se uma reunião magna para apurar a evolução dos últimos acontecimentos. Costa Gomes insistiu muito sobre a necessidade de uma remodelação do dispositivo das nossas forças, reforçando as tropas de intervenção à disposição do Comando-Chefe, mesmo que fosse necessário aligeirar a extensão da quadrícula. “Assinalou também a existência de desproporção entre os nossos meios e os do inimigo e pôs em relevo o perigo que se verificaria se essa desproporção se acentuasse principalmente pela utilização de meios aéreos. O Presidente do Conselho pôs-lhe, então, formalmente o problema de saber se, como responsável operacional supremo, considerava que a situação impunha o abandono da Província. A resposta foi que, se não se desse nova escalada nos meios do inimigo, estávamos em condições de continuar a defender o território, mas que era necessário fornecer mais meios humanos e materiais ao Comandante-Chefe e remodelar o dispositivo das nossas forças”.

Certamente esquecido que Amílcar Cabral fora assassinado em 20 de Janeiro desse ano, atribui-lhe a intensão de proclamar a independência do território e refere ainda: “Chegavam-nos notícias de fortes divergências no seio do PAIGC, dividido entre os adeptos daquela orientação e os que alinhavam com Sekou Touré, que queriam que a independência fosse imediatamente proclamada. Não estão bem esclarecidas as circunstâncias deste conflito mas venceram os partidários de Touré”.

São largas e abundantes as referências que Silva Cunha tece à Guiné. Faz mesmo o historial do seu relacionamento com todos os governadores a partir de Silva Tavares, em 1958. Lembra que se convidou James Pinto Bull para Secretário-Geral da Guiné, após a Lei Orgânica de 1963, para dar um sinal de participação dos autóctones na coisa pública. Refere a FLING e o seu papel efémero, as desavenças entre Vasco Rodrigues, o governador, e Louro de Sousa, o comandante-chefe, de quem Silva Cunha não tinha boa opinião e que lhe deixara uma deplorável impressão quando numa reunião com diversos membros do governo iniciou a sua exposição declarando não saber o que estava a fazer na Guiné. Elogia o trabalho de Schulz e como este encetara uma política de desenvolvimento económico, de promoção social e de criação de infraestruturas básicas, a despeito de inúmeras vias estarem inacessíveis pela presença da guerrilha. E assim se chegou ao consulado de Marcello Caetano e às eleições de 1969 que o chefe do Governo queria que fossem disputadas honesta e livremente e que constituem-se um referendo sobre a política ultramarina a que se seguiu a revisão constitucional de 1971 que levou à criação de províncias ultramarinas com estatutos próprios como regiões autónomas, podendo ser designada por Estados, elemento de enorme ficção entre os apoiantes do regime. Refere pormenorizadamente a questão das forças armadas no tocante à indústria e aos efetivos. Sendo notória a escassez de oficiais e sargentos dos quadros permanentes, estudou-se a abertura dos quadros permanentes aos oficiais dos quadros de complemento que tivessem boas informações de serviço, sistema que era vivamente preconizado por Costa Gomes. Passo a passo, vai acender-se um conflito que levará à constituição do Movimento das Forças Armadas. O general Spínola também protestava com a deficiente preparação das tropas e a inadequação da orgânica das pequenas unidades ao tipo de guerra de guerrilhas. O IAO, ficou decidido, começaria a ser dada na Guiné. O Estado-Maior do Exército ficou incumbido de estudar e apresentar uma nova proposta para a orgânica das companhias que levou anos e nunca se concluiu.

Em Novembro de 1973, Silva Cunha é transferido da pasta do Ultramar para a Defesa Nacional, explica minuciosamente o que fez e procurou fazer. A Guiné era o quebra-cabeças, havia que adquirir material de defesa antiaérea, mísseis terra-ar denominados Red Eye e para a Força Aérea eram necessários aviões convencionais de transporte, de reconhecimento e ataque ao solo, helicópteros e caças-bombardeiros a jato; para o combate terrestre eram urgentes morteiros de 120, sobretudo. E escreve, acerca da compra do material: “Quanto aos mísseis, iniciaram-se, em Dezembro de 1973, negociações com os americanos, aproveitando o ensejo favorável resultante das facilidades concedidas pelos Açores. Quanto à aquisição de armas coletivas, a França fabricava-as – os mísseis Crotale – e fomos informados de que estava disposta a vender-no-las. O contrato foi fechado com a empresa produtora, estando prevista a entrega em duas fases, a partir de Maio de 1974. Foi mais difícil resolver o problema dos mísseis individuais. Em Março de 1974, iniciaram-se as negociações para a aquisição de um lote de 500 Red Eyes que nos foi oferecido por uma firma europeia. Chegou-se a assinar a carta de intenção e a abrir os créditos necessários”.

Silva Cunha refere ainda o fabrico de um lança-granadas foguete do tipo RPG2, ter-se-á encarado a hipótese do fabricar em Portugal. A última referência explícita à Guiné tem já a ver com o general Bethencourt Rodrigues, tomou posse como governador foi inteirar-se da situação e veio a Lisboa. “Expôs-me e ao Presidente do Conselho como encarava a situação e a ideia da manobra para a dominar. Indicou os meios de que necessitava. Foi-lhe concedido, do existente, o mais que se pôde e deu-se-lhe conhecimento das aquisições em curso para reforçar o nosso potencial militar. Regressou confiante e, na Guiné, no primeiro trimestre de 1974, a situação continuou sem alterações sensíveis, mantendo-se a expetativa do risco da nova escalada no inimigo, mas sabendo-se que tudo se encaminhava para se dispor de meios que lhe permitissem fazer frente”.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9896: Notas de leitura (360): Marcello Caetano, Silva Cunha e a Guiné (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9896: Notas de leitura (360): Marcello Caetano, Silva Cunha e a Guiné (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 10 de Abril de 2012:

Queridos amigos,
Às vezes faz bem retornar sem pressas às fontes escritas e rever o que os dirigentes políticos propuseram para a questão guineense. É curioso verificar que todos aqueles que se pronunciam sobre o assassinato de Cabral não cuidem de atender às súplicas de Spínola a Caetano para ter um encontro com Cabral, documento político da época, o que nos leva a perguntar se era imaginável que alguém que implorava conversações com um dirigente político tivesse alguma responsabilidade com a sua morte. E Silva Cunha, como veremos, também nos reserva surpresas.

Um abraço do
Mário


Marcello Caetano, Silva Cunha e a Guiné  (1)

Beja Santos 

É fundamental carrear para o blogue elementos doutrinais e informativos provenientes dos ideólogos políticos do regime deposto em 25 de Abril de 1974 e dos seus críticos.
A descolonização da Guiné possui ainda meandros de interpretação confusa e que requer o cruzamento de leituras, de olhares. Nesta aceção, é indispensável cruzar o que se disse antes do 25 de Abril com o que se escreveu depois. Por exemplo, no seu “Depoimento”, a primeira obra que Caetano escreveu no Brasil, ele refere uma reunião do Conselho Superior da Defesa Nacional em que questionou se a Guiné era defensável, tendo escrito que o marechal Costa Gomes respondera afirmativamente. Na longa entrevista que este oficial deu à historiadora Manuela Cruzeiro, afirmou perentoriamente que a Guiné era defensável nos termos da nova manobra do dispositivo que iria ser recuado até os aquartelamentos das nossas tropas não ficarem ao alcance dos morteiros 120. E mais afirmou que teria dito que a Guiné era defensável desde que não entrasse em ação a aviação que iria ser posta à disposição do PAIGC. Ficámos igualmente a saber que as atas deste Conselho Superior de Defesa Nacional desapareceram misteriosamente.

Enfim, é da maior utilidade pôr em cima de mesa os argumentos e deixar os historiadores falar. Na sequência do “Depoimento”, Marcello Caetano concedeu entrevistas que apareceram sobre o título “O 25 de Abril e o Ultramar”, sobre os quais é muito raro os estudiosos pronunciarem-se. Ora este texto é, a vários títulos, da maior importância. Logo a páginas 12, Caetano admite que a política que estava a executar “deveria conduzir à independência dos grandes territórios, criando condições para se tornarem Estados”. Os documentos que anexa incluem uma carta ao General Spínola, datada de 26 de Fevereiro de 1973, que é uma peça de filigrana da epistolografia política, onde quer que seja. As relações mútuas arrefeceram, Caetano justifica-se pelo facto de ter proibido uma entrevista de Spínola a um periódico nacional, bem como o litígio decorrente do estatuto da Guiné. Spínola responde em 6 de Março e justifica o seu desapontamento por sentir que a “autonomia progressiva” é alvo de calúnias e que o próprio presidente do governo dela se está a afastar. E há um trecho que pode ser uma mais-valia para perceber como os dois entraram em rota de colisão: “Afirmou-me Vossa Excelência que tendo os africanos optado pela intolerância face à presença do branco, qualquer solução política corresponderia a apressar a nossa saída de África; ouvi também a Vossa Excelência a opinião de que mais facilmente aceitaria uma derrota militar do que uma solução política que implicasse quaisquer concessões; e, anteriormente, já Vossa Excelência, perante a perspetiva de um cessar-fogo, me tinha expressado opinião de que considerava inconveniente o termo da guerra da Guiné por tal facto originar a deslocação da luta para o arquipélago de Cabo Verde”.

E Spínola brande um argumento que irá funcionar nas justificações que levarão ao 25 de Abril: “Uma tal hipótese, a meu ver, só nos oferece como alternativa o prolongamento da atual situação de desgaste até que a Nação se esgote ou, a exemplo da Índia, sobrevenha uma derrota militar, pois não vejo, no quadro da análise ponderada da situação militar, que outras alternativas se nos oferecem na hipótese de rejeição das outras soluções políticas. Não ignoro que uma derrota militar possa ser encarada em certos sectores como fatalidade solucionadora; mas se a derrota militar pode oferecer à expiação os seus responsáveis imediatos, a história não deixará de julgar quantos a não souberam evitar”. E depois espraia-se sobre o federalismo, as negociações que deviam ter continuado com o presidente Senghor, reafirma a fórmula de autonomia progressiva e o esforço desenvolvido na Guiné quanto à africanização das instituições, conservando no seu seio os germe de portugalidade.

Caetano responde a 22 de Março, volta a justificar porque não aceitou a proposta do encontro de Spínola com Amílcar Cabral, seria um precedente de consequências incalculáveis: “E era quanto a esse precedente que eu dizia preferir perder a Guiné por derrota militar, mas combatendo pelo nosso direito, do que entregá-la em negociação mais ou menos feliz”. E desloca o teor da conversa para o facto de o PAIGC ser liderado por cabo-verdianos e que a independência da Guiné levaria a deslocação da guerra para Cabo Verde. Para Caetano, “É na África austral que se joga verdadeiramente o nosso destino ultramarino. Se fosse só a Guiné, tudo seria para nós muito mais fácil”.


Silva Cunha escreve o seu livro “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril” em 1977, publica-o na Atlântida Editora. Temos aqui outro documento de incalculável valor. O último ministro da Defesa Nacional de Caetano e que esteve no governo no Ministério do Ultramar durante 12 anos tece justificações sobre a grande opção ultramarina, dando uma panorâmica do ambiente internacional do pós-guerra, como se processou a subversão da África portuguesa e as diretrizes para a defesa militar. Aí a páginas 40, refere abundantemente a Guiné: as preocupações de Senghor, quer com a Guiné Conacri quer com a passagem de material do PAIGC pelo seu território. Fala também de preocupações da Nigéria, da incógnita da atitude dos EUA e da tentativa de Senghor contribuir para o cessar da luta na Guiné, isto logo em 1963 e afirma explicitamente: “O Doutor Salazar deu abertura à solução que infelizmente, porém, não chegou a concretizar-se”.

Mesmo depois do corte de relações diplomáticas entre Portugal e o Senegal não pararam as diligências para o fim da Guerra. Foi a Dakar o Dr. Alexandre Ribeiro da Cunha acompanhado pelo inspetor da DGS em Bissau, Matos Rodrigues. Senghor pedia a suspensão das operações militares para poder ter contactos com os chefes do PAIGC e encontrar uma forma aceitável para ambas as partes. “Foi decidido transmitir instruções ao Governador e Comandante-Chefe da Guiné para que evitasse lançar operações ofensivas, limitando-se à defesa contra eventuais ataques dos guerrilheiros”. Factos subsequentes levaram a crer que as diligências do Senegal não interessavam ao PAIGC. Houve ainda encontros entre autoridades senegalesas e portuguesas em Paris, com carácter altamente secreto. Sugeriu-se a escolha de uma personalidade imparcial que pudesse vir a fazer um juízo objetivo sobre a ação do PAIGC e das forças portuguesas com o objetivo último de evitar novos incidentes transfronteiriços. Os contactos seguintes fizeram-se por intermédio do General Spínola. O resultado da reunião foi transmitido em Lisboa: Senghor oferecia-se como medianeiro para obter uma suspensão nas hostilidades, primeiro passo para entabular conversações com o PAIGC. Discutiu-se politicamente o que seriam as consequências desse cessar-fogo. E veio a avaliação feita por Silva Cunha: “Embora se começasse a fazer sentir no país, mas especialmente nas forças Armadas, um certo cansaço da luta, a verdade é que a opinião pública não estava preparada para aceitar uma mudança radical na orientação da política ultramarina”. Realizou-se uma reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional presidida por Américo Tomás para tratar da questão da Guiné. Todos os presentes concluíram não haver razão para seguir as sugestões de Senghor e que eram defendidas acerrimamente por Spínola.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9886: Notas de leitura (359): As grandes Operações da Guerra Colonial (3), edição do "Correio da Manhã" (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9140: Recortes de imprensa (52): Revista Expresso , nº 1299 - Memórias de Alexandre Carvalho Neto, secretário de Spínola e de Marcello Caetano (Arménio Estorninho)

1. Mensagem de Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 2 de Dezembro de 2011:

Camarigo Carlos Vinhal, Saudações.

Antes de mais, desejaria deixar bem expresso que este trabalho é um repositório do que já foi divulgado, sobre as memórias do ex-Tenente Reserva Naval Alexandre Carvalho Neto e que ao tempo foi Secretário do General Spínola, na Guiné e do Dr. Marcello Caetano, em S. Bento. Foi um posto de observação privilegiado dos últimos anos do anterior regime, sendo uma testemunha única no relacionamento entre estes dois governantes. Tais memórias estão insertas na Revista Expresso n.º 1299, de 20 de Setembro de 1997.

Como é princípio assente, aquando das facilidades concedidas para a partilha da informação, agora agradeço com a devida vénia, por incumbência a Srª. D. Sónia Afonso, do Serviço de Cliente Gesco S.A. “Jornal Expresso” e por inerência o Sr. jornalista Ricardo Costa, Director da Publicação Expresso, bem como o Sr. José Pedro Castanheira, jornalista autor do texto e ao Sr. Alexandre Carvalho Neto, pela utilização das suas fotos.

Após vários meses, foram concluídos os contactos achados por convenientes (agradeço também o apoio do camada ex-Ten. RN Manuel Lema Santos) e recebidas as autorizações para os fins solicitados, resolvi então organizar este trabalho e executar de forma a não alterar a essência do conteúdo do texto.

Enuncio embora sucintamente, que tendo nascido em Lisboa em 1943, o Dr. Alexandre Carvalho Neto, foi o primeiro filho de 14. Educado no Colégio de S. João de Brito, em Lisboa, fez o Curso de Direito, tendo terminado em 1966.
No ano seguinte concorreu à Marinha, obtendo a especialidade de Administração Naval, tudo indicando que o Aspirante se livraria da Guerra Colonial e ficaria na Metrópole. Um belo dia porém, foi chamado ao gabinete do Chefe de Estado-Maior da Armada, Almirante Reboredo e Silva, onde lhe comunicaram que fora escolhido para ir para a Guiné.


Memórias de Alexandre Carvalho Neto

Ao serviço do General Spínola, na Guiné e de Marcelo Caetano em São Bento

O jurista - aspirante aterrou no aeroporto de Bissalanca em Setembro de 1968. Em Bissau, o homem forte chamava-se António de Spínola, chegado à província em Maio.
 
O anterior Comandante General Arnaldo Schulz, enquanto ali permaneceu não melhorou a situação sócio-militar. A situação era absolutamente catastrófica à beira do colapso, conta Carvalho Neto. Bissau ficou a estar praticamente cercada. Durante meses ouviam-se distintamente os rebentamentos em Tite, que fica na outra margem do Rio Geba.



Guiné > Bissau > Aeroporto de Bissalanca > Março de 1970 > O Ministro do Ultramar, Silva Cunha, visita a Guiné. Acompanham-no Pedro Cardoso, António de Spínola, Almeida Bruno e Carvalho Neto.

A iminência de uma derrota militar fora constatada pelo próprio Presidente da República, Américo Tomás, na visita que fizera à Guiné em Fevereiro de 1968.
Quando o Almirante Tomás regressou a Lisboa, teve uma conversa com Salazar e disse-lhe que a guerra estava por um fio. Salazar chamou então o General Schulz à Metrópole e destituiu-o de Governador e Comandante-Chefe. Schulz ainda voltou a Bissau, para se despedir e “empacotar” várias lembranças da Guiné, trouxe-as para Lisboa. Carvalho Neto disse que o episódio foi relatado por um funcionário civil do Palácio do Governador, em Bissau, que fazia a comparação com a seriedade do Spínola.

A primeira prioridade de Spínola foi de carácter militar. Com sucesso reconhecido até pelos inimigos do PAIGC. Ao fim de seis meses, evocou Carvalho Neto: "Deixámos de ouvir explosões em Bissau. E em menos de um ano a província estava pacificada”.

O jovem Subtenente que nunca ouvira falar de Spínola, foi integrado no Gabinete Militar. "Éramos quatro da Marinha, outros tantos da Força Aérea e os restantes oitenta do Exército, a maior parte de Cavalaria, a Arma de que Spínola era oriundo".

A primeira tarefa de que fora incumbido era não só burocrática, como nada estimulante: A contabilização das baixas em combate. Da sua mórbida estatística constaram os três Majores mortos à queima-roupa pelo PAIGC, em Abril de 1970, um crime que pôs termo a uma prolongada negociação entre as forças inimigas. Antes desta matança, e durante três ou quatro meses, não houve praticamente mortos em combate, o que é um dado sintomático da espécie de tréguas que rodeou aquelas conversações.

Em Abril de 1969, Marcelo Caetano visitou a Guiné, num périplo que também incluiu Angola e Moçambique. Foi uma visita histórica, ou não fosse a primeira de um Chefe de Governo em cinco séculos! Velhos conhecidos, Alexandre Carvalho Neto cumprimentou afectuosamente o novo Presidente do Conselho. "Havia entre nós uma relação de amizade pessoal", explica. O facto não passou despercebido na pequena aldeia que era Bissau. Talvez por isso, decorridas algumas semanas o Tenente da Marinha foi destacado do Gabinete Militar para o Gabinete do Governador.



Guiné > Bissau > Salão Nobre do Palácio do Governador > Março de 1970 > Numa cerimónia presidida por Silva Cunha, Spínola e Pedro Cardoso. Carvalho Neto é o primeiro da esquerda.

O Secretário do Governador passou a lidar diariamente com Spínola e com o Secretário Geral da Província e número dois da Administração, o então Tenente-Coronel Pedro Cardoso. Spínola tinha uma capacidade de trabalho completamente maluca. Acordava pelas quatro da manhã e trabalhava no quarto até às oito. A manhã reservava-a para as funções militares, incluindo as visitas às frentes. A seguir ao almoço fazia uma pequena sesta e só então ia ao seu gabinete de Governador, onde trabalhava das três até às seis. Ao fim da tarde tinha o `briefing´ diário com as chefias militares. Normalmente voltávamos a trabalhar depois do jantar, até à meia-noite. Ele tinha uma teoria, que estava sempre a apregoar: “Não há nada melhor para descansar do que mudar de actividade”.

Dos raros militares colocados em Bissau licenciados em Direito, Carvalho Neto fazia de tudo um pouco; secretariar o Governador, receber visitas, tratar da correspondência, etc.

Nas várias “entouranges”que o rodearam, os hieróglifos de Spínola ganharam fama. Em jeito de caricatura, o ex-Secretário gostava de dizer que Spínola tinha quatro tipos de letras: uma que toda a gente entendia; outra que só os familiares e os colaboradores bem treinados liam; outra só ele percebia; e, por último uma letra que nem ele próprio decifrava. Quantas vezes aconteceu ele ser incapaz de perceber o que tinha escrito, na sua letra típica e muito bonita, quase sempre a tinta preta, mas ininteligível!



Guiné > Bissau > Março de 1970 > Varanda principal do Palácio do Governador. Ao centro, Silva Cunha com o chapéu a corresponder aos vivas dos manifestantes; pela direita: o ex-1.º Cabo Fotocine e o ex-Ten RN Alexandre Neto.


O monóculo que caiu na sopa

Alérgico ao ar condicionado, nem por isso o General largava o aprumo enquanto trabalhava no gabinete. Entre paredes, trocava o famoso monóculo por óculos de ver ao perto. O monóculo era apenas um enfeito, não lhe servia para nada, porque não era graduado. Fora na Alemanha da II Guerra Mundial, a exemplo dos Oficiais de formação prussiana, que Spínola começara a usar o monóculo e foi um hábito que nunca perderia. Ele tinha uma boa colecção em casa, mas não eram de vidro, eram de material plástico. Uma vez, numa inspecção ao rancho de um aquartelamento, deixou cair o monóculo na sopa, que estava muito quente, e aquilo ficou empenado e até derreteu um bocado.


Guiné > Bissau > Palácio do Governador > Março de 1970 > O Ministro Silva Cunha, desceu ao pátio da entrada principal concedendo uma sessão de cumprimentos às Autoridades Tradicionais.


Pelas mãos do Tenente-marinheiro passou a correspondência trocada com o Ministro do Ultramar Silva Cunha, o titular da Defesa Venâncio Deslandes, e o próprio Marcelo Caetano. "Cheguei a tratar de alguns ofícios muito secretos sobre a preparação da Operação Mar Verde - a invasão a Conacri, em Novembro de 1970". Enquanto Spínola esteve na Guiné, as coisas correram quase sempre bem. "Ele era considerado um bom General e tinha apoio do Governo Central". Seria exagerado falar propriamente de uma relação cordial, muito menos de amizade entre ambos, mas é indiscutível que havia uma boa relação institucional. Bem melhor por exemplo do que com o Ministro do Ultramar, Silva Cunha, com quem o General não se entendia muito bem. A facilitar a articulação entre o Governador e o Chefe do Governo, estavam opiniões muito semelhantes sobre o Ultramar e por isso “falavam pessoalmente”.


Guiné > Bissau > Parque Teixeira Pinto > Março de 1970 > Encerramento da Festa do Ramadão. Os crentes seguem os movimentos do Imã. No palanque estão presentes o General Spínola, o TCor Pedro Cardoso e outras Autoridades Militares e Civis.


Finda a comissão guineense, Carvalho Neto regressou à Metrópole no início do Verão de 1970. Em Lisboa, o ex-miliciano tratou de dar novo rumo à vida. Marcelo soubera pela mãe do jovem Alexandre que este estava à procura de emprego. O Chefe do Governo necessitava de um jurista para o seu gabinete. "Aceitei o convite. Conhecia-o, era uma pessoa estimável, eu estava desempregado, porque não?"

Da janela de São Bento, Carvalho Neto assistiu de perto aos últimos dias do regime. A contagem decrescente disparou com a publicação do livro Portugal e o Futuro. O Spínola foi a São Bento, sem qualquer aviso, oferecer um exemplar ao Marcelo. Mas não era assim que este funcionava, pelo que não o recebeu de imediato. O General estava com pressa, deixou dois exemplares e foi-se embora.
"A leitura do livro deixou Marcelo sem ilusões, como ele admite do seu volume de memórias, Depoimento. Ficou de cabeça perdida depois de o ter lido, confirma o ex-Secretário, só dizia isto é o princípio do fim”.

O ex-Secretário soube que o golpe de 25 de Abril estava na rua pela rádio. Surpreendido como quase todos os portugueses, foi para a residência oficial onde permaneceu todo o dia, na companhia de quase todos os membros do gabinete.

Marcelo como se sabe, procurou refúgio no Quartel da GNR, no Carmo. A sua rendição teve momentos verdadeiramente dramáticos e não completamente conhecidos.

O último secretário do Presidente do Conselho conta que durante as horas em que esteve sitiado pelas forças revoltosas do Capitão Salgueiro Maia, Marcelo Caetano ponderou três soluções possíveis: "Ou ia para Angola, em resposta à sugestão que lhe terá sido feita, a partir de Luanda, pelo então Governador-Geral Eng. Santos e Castro; ou entregava o poder nas mãos de Spinola; ou suicidava-se".

É certo que Carvalho Neto não viveu esses momentos cruciais. "Quem lhe contou foi o Comandante Coutinho Lanhoso, que esteve no Carmo e presenciou tudo. O Prof. Marcelo pediu a pistola ao seu Adido Militar e colocou-a em cima da mesa. Se o poder não fosse entregue ao General Spínola e o Quartel fosse invadido, ele suicidar-se-ia".

O poder acabaria por ser entregue a Spínola. Foi a “condição” de Marcelo, assim sintetizada por Carvalho Neto:
"Entregar o poder a Spínola, só a Spínola e a ninguém mais que Spínola".
Esta última vontade do governante apeado é bem reveladora da confiança que, apesar de tudo, Marcelo continuava a ter no general do monóculo;
"Não me venham, portanto, dizer que os dois homens não se entendiam. E a verdade é que Spínola correspondeu em pleno, ao enviar Marcelo para a Madeira e, depois, para o Brasil, com vários políticos aos saltos".

Resta-me, portanto concluir, que tratando-se de um texto extenso fiz contenção na transcrição e adaptação de parte das memórias de Alexandre Carvalho Neto. Quem, atentamente, debruçar-se sobre o mesmo compreenderá que dizem respeito às suas funções como secretário ao serviço do General Spínola, na Guiné - 1968/70 e que no dia 25 de Abril de 1974 era secretário pessoal de Marcelo Caetano, em São Bento. Pelas suas mãos passou grande parte da correspondência entre o General e o Presidente do Conselho.

Com um Abraço para todos
Arménio Estorninho
CCaç 2381 “Os Maiorais” de Empada
Guiné - 1968/70
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8656: Álbum das Glórias (52): Ordem de Serviço N.º 43 do BCaç 2892, de 18 Fevereiro 1970 (Arménio Estorninho)

Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8912: Recortes de imprensa (51): Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português - II Parte - Revista da FAP, Mais Alto, n.º 393 , Set / Out 2011

terça-feira, 26 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8604: A minha CCAÇ 12 (19): Março de 1970, a rotina da guerra, a visita do Ministro do Ultramar ao reordenamento de Bambadincazinho... (Luís Graça)


Foto nº 1 - Alf Mil Alves Correia (Pel Caç Nat 54, Missirá, 1ª quinzena de Março de 1970)



Foto nº 2 > Fur Mil Op Esp Humberto Reis (2º Grupo de Combate, CCAÇ 12,  Missirá, 1ª quinzena de Março de 1970)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > 1ª quinzena de Março de 1970 > Pel Caç Nat 54 (1969/71), reforçado pelo   2º Gr Comb da CCAÇ 12 (1969/71) > Uma das raras fotos do Alf Mil Alves Correia, comandante do Pel Caç Nat 54, mais o Fur Mil Op Esp Humberto Reis, da CCAÇ 12 , assistindo ao esquartelamento de uma peça de caça (parece tratar-se de um antílope negro; a região do Cuor, despovoada,  era fértil em caça).



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea da tabanca de Bambadincazinho (A), a sudoeste de Bambadinca, a escassas centenas de metros do aquartelamento e posto administrativo  de Bambadinca (B), sede de posto administrativo e aquartelamento das NT (BCAÇ 2852, 1968/70: BART 2917, 1970/72)... Havia outro reordenamento em curso, em Nhabijões, esse três vezes maior (em número de casas ou moranças).

No foto, em primeiro plano, a estrada nova (C) para o Xime (posteriormente alcatroada, a 'autoestrada do leste', Xime-Bambadinca-Bafatá- Nova Lamego-Piche... Buruntuma), que passava ao lado da mais a antiga, paralela à pista de aviação.... Atravessando o reordenamento de Bambadincazinho (A), seguia-se em estrada (picada...) até aos aquartelamentos de Mansambo, Xitole e Saltinho (D). Vê-se ao fundo a fértil e vasta bolanha de Bambadinca (E)...

Era em Bambadincazinho que se localizava a antiga Missão do Sono (posto médico de Combate à Doença do Sono, desactivado), em cujas instalações ficava, todas as noites, um Grupo de Combate (da CCAÇ 12, do Pel Caç Nat 52...) para velar pelo bom sono dos homens (e de algumas senhoras...) do batalhão,  que dormiam no quartel ou dentro do perímetro de arame farpado da povoação de Bambadinca, a menos de um quilómetro...


Fotos: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


A. Continuação da série A Minha CCAÇ 12 (*), por Luís Graça


(10) Março de 1970: a rotina da guerra...


Durante o período de Janeiro a Abril de 1970, coincidindo com a época seca, a CCAÇ 12 desenvolveria uma intensa actividade operacional ofensiva, realizando: (i) 7 operações a nível de Batalhão (das quais 6 com contacto); (ii) 3 operações a nível de Companhia (uma com contacto e as outras com vestígios do IN): e ainda (iii) 10 acções, além da sempre extenuante actividade de rotina (emboscadas nocturnas, colunas logísticas, reforço a destacamentos, etc.).

Para completar o registo relativo ao mês do Março de 1970 - mês em que se destaca a participação da CCAÇ 12 na dramática Op Tigre Vadio, em 30 e 31 de Março e 1 de Abril  (*)-, aqui fica um resumo da chamada actidade de rotina de um companhia de intervenção, africana, às ordens do comando do Sector L1 e do BCAÇ 2852, cuja comissão terminaria em Maio de 1970, sendo rendido pelo BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)...









 




Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > BCAÇ 2852 (1968/70) > Localização das unidades combatentes em Março de 1970... O comando do Sector L1 possuía mais de um milhar de homens em armas, incluindo duas Companhias de Milícias, a nº 1 (Pel 201, 202 e 203) e a nº 14 (Pel 241, 242 e 243).


Se excluirmos a população fula armada (nas tabancas em autodefesa, não já com mauser mas com G3...), no Sector L1 (mais ou menos equivalente à Região do Xitole ou Sector2, para o PAIGC, com exclusão da parte a norte do Rio Geba, regulados do Enxalé e Cuor), as NT poderiam ser estimadas em cerca de 1100/1200  homens (não contando com a 1ª Companhia de Comandos Africana, ainda em formação, sediada em Fá, e que estava directamente dependente do Com-Chefe), o que nos dava uma vantagem , em relação ao IN, de talvez cinco ou seis para um.

De resto, estimava-se que, no final da guerra, o PAIGG em todas as frentes não tivesse mais do que 7 mil homens em armas, cinco a seis vezes menos do que as NT. E, ao que tudo indica, cansados da guerra, esgotados, desmoralizados e... doentes. (Uma questão que, de resto,  gostaria, pessoalmente, de ver melhor documentada no nosso blogue, dissociando os factos e a propaganda, de um lado e do outro).

Em termos de populações controladas, teríamos em 1970 cerca de 15 mil indivíduos no Sector L1, enquanto a população, balanta, beafada e mandinga, sob controlo do PAIGC, era estimada pelo comando do BART 2917 em 5 mil (o que eu sempre achei um exagero), concentrada sobretudo na margem direita do Rio Corubal e na região de Madina/Belel, a norte do Rio Geba. (**)


Imagens: História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Policopiado (Desconhece-se o autor da ilustração acima reproduzida, desenhada em "stencil", a estilete).



 A partir de 1 de Março de 1970, 1 Gr Comb da CCAÇ 12 passa  a estar em reforço temporário a Missirá, no regulado do Cuor, a norte do Rio Geba. (Recorde-se que, a partir de Novembro de 1969, o Pel Caç Nat 52, comandado pelo Alf Mil Beja Santos, fora subtituído, em Missirá, pelo Pel Caç Nat 54, sob comando do Alf Mil Alves Correia; Missirá era o destacamento mais a norte existente no Sector L1).


Em Missirá, o 2º Gr Comb da CCAÇ 12  (Humberto Reis / Tony Levezinho, estando o Alf Mil António Carlão destacado em Nhabijões) leva a efeito patrulhamentos diários e emboscadas nocturnas na Zona de Acção (ZA) do Pel Caç Nat 54, nomeadamente na área de Aldeia do Cuor em cuja picada tinham sido detectadas e levantadas 1 mina A/C e 4 minas A/P.  O 2º Gr Comb  regressa a 15,  a Bambadinca, sede da CCAÇ 12.

Igualmente esteve destacada em Fá  Mandinga 1 secção da CCAÇ 12 durante as três primeiras semanas do mês, realizando juntamente com o Pel Caç Nat 63 (comandado pelo Alf Mil Art Jorge Cabral, foto à direita) patrulhamentos nocturnos com emboscada ao longo do Rio Geba até Bissaque, em especial nas cambanças principais.


Por informação dum elemento IN capturado em Mero, soubera-se da existência duma base em Bucol (regulado de Joladu), fora da ZA  do sector L1 (Bambadinca) mas com influência nele. De Bucol teriam partido as últimas iniciativas IN sobre Missirá e Finete e ainda sobre as populações de Canxicano e Bissaque. Admitia-se por isso a possibilidade do IN levar a efeito uma acção sobre Fá que se tornara a sede da 1ª Companhia de Comandos Africana (que tinha como supervisor o Major Leal de Almeida, como instrutor o Cap Barbosa Henriques e como comandante operacional o Cap Graduado João Bacar Jaló, os dois últimos grandes amigos do Alf Mil Jorge Cabral, que era o dono da casa).


A 9 de Março, o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 que estava de intervenção, escoltou uma coluna até Mansambo (CCAÇ 2404) para recolha dum doente grave, durante a noite e sem prévia picagem do itinerário Bambadinca-Mansambo.


A 12, a CCAÇ 12 a 2 Gr Comb reforçados com forças da CART 2520 (Xime) leva a efeito um patrulhamento ofensivo conjugado com emboscadas e armadilhamentos na região compreendida entre Enxalé, S. Belchior e orla da mata até Ponta Luís (Op Mazurka Óptima). Esta operação tinha sido cancelada no período anterior.


Em 10 do mês de Fevereiro de 1970, o IN tinha atacado a tabanca e aquartelamento de Enxalé durante 40 minutos com 2 canhões s/r, Mort 82, LGFog e armas ligeiras, causando 3 feridos e incendiando 14 casas.


A 22, simultaneamente à Op Jaqueta Lisa (em que forças da CART 2520 e Pel Caç Nat 52 levam a efeito um patrulhamento ofensivo na região entre Xime, Ponta Varela, margem esquerda do Rio Geba, tarrafo da Foz do Corubal, Poindon e Xime), a CCAÇ 12 realiza uma outra operação à Ponta do Inglês, seguindo o itinerário Xime-Madina Colhido-Gundagué Beafada (Op Colete Encarnado). Acrescente-se que, no decurso da Op Jaqueta Lisa, as NT avistaram duas canoas na margem esquerda do Rio Corubal. No regresso foram flageladas em Xime 3B5-38 com Mort 60, LGFog, RGP2 e armas automáticas ligeiras, sem consequências.


Op Coelete Encarnado


Os 3 Gr Comb (1º, 2º e 3º ) saíram do Xime ao entardecer, no dia 22, mas tiveram de regressar imprevistamente após três horas de marcha devido a um caso de doença grave. Como foi, entretanto, imposto o cumprimento da missão, os 3 Gr Comb, já desfalcados de alguns elementos que mostravam sinais de esgotamento físico, voltariam a sair pelas 12h do dia seguinte em direcção à Ponta do Inglês, sempre de má memória (tanto para nós como para o PAIGC)...


Durante a noite o IN fez várias vezes fogo de reconhecimento, pelo que se deduziu que devia estar alertado da presença das NT na zona. No outro dia de manhã, verificou-se mais um caso de esgotamento. Entretanto, deparou-se com grandes extensões de capim queimado pelo IN a fim de dificultar a aproximação das NT que, de resto, já tinham sido detectadas.


Tinha-se feito um pequeno alto quando se ouviu perto um rebentamento de RPG-2. E imediatamente a seguir outros, intervalados com rajadas, para os lados da Ponta Varela/Poindon. O PCV, no entanto, deu ordem para as forças retirarem simultaneamente, apoiando-se mutuamente até ao Xime . O IN foi no encalce das forças da CCAÇ 12, tendo sido visto um elemento armado atrás dum baga-baga.


Em geral, estas operações tinham a duração de dois dias mas, devido a imprevistos como doença súbita, podiam demorar mais um dia...


Durante o mês de Março de 1970,  realizaram-se ainda 2 colunas de reabastecimento ao Xitole. Em 14 de Março, o Ministro do Ultramar, acompanhado do Com-Chefe e do comandante do Agrupamentp nº 2957 (Bafatá), visitou o Reordenamento de Bambadincazinho.  Foi montado o devido cordão de segurança por forças da CCAÇ 12 e outras subunidades. Na véspera, 

Bafatá tinha sido elevada a cidade, em cerimónia presidida pelo Dr. Silva Cunha, o homem grande de Lisboa (vd. reportagem fotográfica do nosso camarada Américo Estorninho sobre a recepção do Ministro do Ultramar por parte das autoridades e população de Bissau).

Fontes consultadas:

(i) Diário de um Tuga, de Luís Graça. Manuscrito.

(ii) História da Companhia de Caçadores 12 (CCAÇ 2590): Guiné 1969/71. Bambadinca: CCAÇ 12. 1971. Cap. II. pp. 28-29. Policopiado

(iii) História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Policopiado


(iv) Santos, Mário Beja - Diário da Guiné: 1969-1970: o Tigre Vadio. Lisboa: Círculo de Leitores / Temas & Debates. 2008.


(v) Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (I e II Séries)


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Notas de L.G.


(*) Vd. último poste da série > 8 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8388: A minha CCAÇ 12 (18): Tugas, poucos, mas loucos...30 de Março-1 de Abril de 1970, a dramática e temerária Op Tigre Vadio (Luís Graça)


(**) Vd. poste de 29 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6490: A minha CCAÇ 12 (3): A única história da unidade, no Arquivo Histórico-Militar, é a que cobre o período de Maio de 1969 (ainda como CCAÇ 2590) até Março de 1971... e foi escrita por mim, dactilografada e policopiada a stencil (Luís Graça)

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8582: Notas de leitura (258): Caderno de Memórias, por José Manuel Villas-Boas (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Julho de 2011:

Queridos amigos,

Finalmente consegui o texto do embaixador Villas-Boas, só conhecia a reportagem publicada no Expresso, em 1994. O mesmo Marcello Caetano que dias antes declinara qualquer negociação com os “terroristas”, arquitectara um cessar-fogo a preludiar a independência da Guiné. Não dá para entender como os historiadores não exploram este filão. É certo que também já se sabia, por esta época da agonia do regime, que Jorge Jardim também fora mandatado para um outro processo, muito mais sui generis, para Moçambique. O regime, afinal, tinha uma clara percepção da hecatombe se avizinhava, ensaiou tarde a más horas a solução política que os militares reclamavam.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


O diplomata que em nome de Marcello Caetano conversou com o PAIGC

Beja Santos

Em 1994, uma reportagem do Expresso encheu de furor e indignação a classe política do antes do 25 de Abril: o mesmo Marcello Caetano que recusara negociar com qualquer família de guerrilheiros, pedira conversações ao mais alto nível com o PAIGC, o móbil era o cessar-fogo que precederia a independência. Coisa curiosa, nesse mesmo ano dois ministros de Caetano saíram do silêncio, Silva Cunha e Rui Patrício confessaram saber das conversações de Março de 1974. Mas em nenhuma outra circunstância nem Marcello Caetano nem outros dos dirigentes do seu regime aludiram a este acontecimento, necessariamente determinante: a caminho do colapso, era necessário tomar medidas para salvar as parcelas fundamentais do Ultramar.

O diplomata que foi a Londres encontrar-se com Victor Saúde Maria, ministro dos Negócios Estrangeiros do chamado Governo de Madina do Boé, Silvino Manuel da Luz e Gil Fernandes era José Manuel Villas-Boas que descreve os factos da reunião de Londres no seu livro “Caderno de Memórias” (Temas e Debates, 2003).

Vamos aos factos. O diplomata estava em Fevereiro de 1974 em Genebra, ai recebe um telefonema do embaixador Freitas Cruz que lhe pede uma deslocação urgente a Lisboa. Recebido nas Necessidades pelo ministro Rui Patrício, que se encontrava acompanhado por Freitas Cruz, vai direito ao assunto, exigindo-lhe a máxima confidencialidade: era imperioso falar com o Governo da Guiné portuguesa no exílio e oferecer-lhe a independência política plena. Escreve assim, citando o ministro:

“Estávamos a perder a guerra colonial na Guiné Portuguesa porque não podíamos responder aos mísseis soviéticos Strela terra-ar-terra com que as forças rebeldes estavam equipadas”.

O diplomata iria a Londres como emissário pessoal do ministro e deveria tornar claro aos outros negociadores que representava ali o ministro dos Negócios Estrangeiros. Tratava-se da oferta da Guiné-Bissau a troco de um cessar-fogo. Era urgente partir, entabular negociações e marcar um novo encontro para Abril ou Maio.

As peripécias que se seguiram cabiam num romance de John Le Carré ou de um Len Deigthon. Villas-Boas chegou a Londres onde foi recebido para um elemento do MI 6 [, serviços secretos britânicos]. O diplomata foi autorizado a pôr o embaixador inglês em Londres, Gonçalo Caldeira Coelho, ao corrente das suas actividades. No aeroporto de Heathrow foi recebido foi alguém que trazia um cravo encarnado na lapela e o jornal The Times debaixo do braço. O agente instalou no Hotel Victoria, donde Villas-Boas não podia sair a não ser acompanhado pelo seu contacto. Voltou no dia seguinte e deixou-lhe um pacote de livros policiais.

Só dois depois, mais propriamente na manhã de 26 de Março, é que ele saiu do Hotel Victoria para se dirigir a um determinado apartamento em Pimlico, num prédio muito conhecido em Londres, de nome “Dolphin Square”. Foi aí, no apartamento 535, que ele se encontrou com a delegação guineense e o seu contacto britânico. A primeira dificuldade que o diplomata português teve de ultrapassar foi a de que os guineenses esperavam o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Villas-Boas explicou que o representava pessoalmente. Segue-se a descrição do encontro:

“O diálogo decorreu em ambiente tenso. Os guineenses queriam negociações de Estado a Estado, que implicassem o reconhecimento por Portugal do governo do PAIGC no exílio. Procurei explicar-lhes que se tratava de uma conversa preliminar, informal e muito aberta, em que Portugal discutiria sem entraves a melhor maneira de pôr termo à guerra fratricida na Guiné e abrir caminho para a independência”.

Foi marcada uma nova reunião para a manhã seguinte. A tensão abrandou, Gil Fernandes, mais tarde embaixador de Cabo Verde nas Nações Unidas, confessou com emoção as saudades que sentia de Lisboa. Os guineenses apresentaram as suas objecções: à Guiné-Bissau nada interessava senão a independência plena e o estabelecimento imediato de um calendário que a ela conduzisse, era o requisito basilar para aceitarem um cessar-fogo. A conversa manteve-se viva durante algumas horas e aprazou-se nova reunião para princípios de Maio, novamente em Londres, aproveitando as facilidades que eram concedidas pelo Governo britânico. No final fizeram um brinde por uma solução justa e pacífica para a Guiné.

O contacto britânico foi extremamente afável com o diplomata português, recebeu em casa e a mulher tocou Schumann ao piano.

Este episódio ainda teve algumas consequências, José Manuel Villas-Boas deu conta da sua missão ao ministro e ao embaixador Freitas Cruz, anos mais tarde encontrou Gil Fernandes, foi muito divertido. A seguir ao 25 de Abril, o marechal Costa Gomes recebeu o diplomata, transferiu-o para Spínola e este para Mário Soares. O novo ministro dos Negócios Estrangeiros anunciou-lhe que a partir de agora era ele que se ocupava da descolonização.

Villas-Boas, que se confessa admirador da política de autonomia progressiva de Marcello Caetano, termina a sua narrativa dizendo doa a quem doer a descolonização começou antes da Revolução dos Cravos. E desabafa:

 “Só não entendo por que motivo Marcello não assumiu publicamente esta sua decisão. Aliás, tenho a certeza (disse-me Freitas Cruz) de que foi o próprio presidente do Conselho que sugeriu o meu nome para a missão de Londres, o que parece lógico, já que ele me tinha utilizado como seu representante pessoal em deslocações a países como a Costa do Marfim e a República Centro-Africana, precisamente para explicar a Houphouet-Boigny e a Bokassa o espírito presidira à revisão constitucional de 1971, no que respeita à autonomia progressiva das províncias africanas”.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8570: Notas de leitura (257): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (3) (Mário Beja Santos)