domingo, 8 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24735: Armamento do PAIGC (5): O sistema Grad, o "jacto do povo", a "mulher grande", o foguetão 122 mm: as expetativas, demasiado altas, de Amílcar Cabral

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Pirada > 3ª CCAV / BCAV 8323 (1973/74) > O 1º Cabo Joaquim Vicente Silva, em 26 de Abril de 1974, com os restos das lembranças do ataque do dia anterior. (Neste caso, parte de um foguetão 122 mm). Nascido 1951, o nosso camarada, membro da nossa Tabanca Grande, faleceu em 2011. Era natural de Mafra.

Foto: © Joaquim Vicente Silva (2009). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


O foguete 122 mm, o Grad
(na terminologia do PAIGC
ou "jato do povo").
Foto: Nuno Rubim (2007)









Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 04602.060 | Título: Sobre a utilização do sistema GRAD | Assunto: Directivas de Amílcar Cabral, Secretário Geral do PAIGC, sobre a utilização do sistema GRAD (sistema de lançamento múltiplo de foguetes). Formação e intruções para os grupos Grad. Comando dos grupos Grad: Manuel dos Santos (Manecas), Paulo Correia Landim ou António Barbosa, Alfa Djaló, Amâncio Lopes, Agnelo Dantas, Samba Candé, José Marques Vieira, Pene Djassi, Júlio de Carvalho, Eduardo Santos, Olívio Pires, Mamadu Lamine. | Data: Setembro de 1970 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral - Iva Cabral

Citação:
(1970), "Sobre a utilização do sistema GRAD", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral - Iva Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40434
 (2023-10-7)

(Seleção / fixação de texto / sublinhados a vermelho, para efeitos de edição deste poste: LG... CVom a devida vénia...)
 


O famoso "Jacto do Povo" (na gíria do PAIGC, também conhyecido como "mukhger garnde") (*), o foguetão (ou foguete, mais propriamente dito)  de 122 mm, que terá sido utilizado pela primeira vez em 24 de outubro de 1969 contra Bedanda e só depois em 3 de novembro de 1969, numa flagelação contra Bolama, segundo o nosso especialista em artilharia , o  cor art ref Nuno Rubim. (A seguir, Cacine, 4/11/69) e depois Cufar (24/11/69).

Felizmente para nós, era um arma pouco precisa e fiável (embora metesse "respeitinho" o seu silvo,  a sua detonação e a sua fragmentação). Por outro lado,   a Guiné, tirando Bissau, a BA 12 em Bissalanca, Bafatá ou Nova Lamego não tinha grandes alvos, civis ou miitares, apropriados... (excluindo os grandes reordenamentos). 

Afinal, a História com H grande, também se faz com a pequena história... Mais mortífero foi o morteiro pesado soviético, de 120 mm: de ter feito  mais vítimas entre as NT e a p0opulação civil do que o pomposo "jacto do povo"...



 
1.  Na nossa gíria eram os foguetóes 122 mm. (Temos 3 dezenas de referências com este descritor.) (**)

Tinham um alcance máximo de 16 mil metros (a versão usada no TO da Guine). Esta nova arma era já referenciada como fazendo parte do arsenal do IN em finais de 1969. (CECA, 2015, p. 297). Era uma arma para a qual os nossos aquartelamentos, construídos em alvenaria, não tinham abrigos seguros.  O PAIGC já usava também o mortífero morteiro pesado soviético, de 120 mm. Poucos quartéis tinham abrigos de betão armado (caso de Gandembel, construído a partir de abril de 1968 e abandonado menos de nove meses depois, em janeiro de 1969, por ordem de Spínola; ou Guileje, abandonado em 22 de maio de 1973).

Vejamos um excerto do 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa (2015), da CECA:

(...) Capítulo IV - Ano de 1970

Inimigo

(...) Organização e dispositivo militar

Organização

Em Maio, o Conselho de Guerra decidiu alterar o dispositivo militar e as chefias superiores das FARP.

Os Comandos de Frente foram anulados e substituídos pelos Comandos de Inter-Região. Os bigrupos foram reforçados e passaram a ter um efectivo permanente de 50 a 60 combatentes.

Foram criadas unidades de foguetões de 122 milímetros e distribuídas em número de 2 a 3 por cada inter-região. Neste ano apareceram também as peças antiaéreas de 37mm.

Relativamente a efectivos globais, estima-se que o inimigo poderia dispor de 4 corpos de exército no final do ano, cada um constituído por unidades de infantaria, artilharia e foguetões.

A constituição orgânica destes corpos de exército previa um comando e órgãos permanentes de efectivo reduzido (onde existia um grupo de comando, um grupo de reconhecimento e um serviço de abastecimentos) sendo-lhe atribuídas as unidades necessárias ao desempenho de qualquer missão, em
qualquer lugar, conforme o objectivo a atingir, sendo normal a sua actuação com 3 bigrupos, 2 grupos de artilharia ou canhões sem recuo e 1 grupo de foguetões a 2 rampas. (CECA, 2015, p. 435)

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa (2015), (Com a devida vénia...)

A avaliar pelo documento do PAIGC que acima se reproduz, o Amílcar Cabral depositava muitas esperanças (talvez demasiado altas) nesta arma, que de facto foi utilizada, sem grande eficácia, contra alguns alvos militares e civis (Bissau, Bissalanca, Bafatá, Bolama, Catió, Nova Lamego,  povoações fronteiriças, etc.).

Por outro lado, o peso total do  foguete (mais de 50/60 e tal quilos), a par do sistema de lançamento, tubo,  etc., além do seu comprimento, também  levantavá problemas logísticos,  embora o PAIGC tivesse muitos '"burros de carga"  (nunca ninguém ousou falar aqui de "trabalho forçado" nas "áreas libertadas" de que vítimas os elementos civis, usados nas "colunas logísticas"...).  Já não falando  do "preço" ... destes brinquedos de morte!... (O Amílcar Cabral nunca levanta esta questão, incómoda, mesmo sabendo que um dia teria que pagar a "fatura da libertação": homem inteligente, mas cínico, sabia que a "solidariedade internacionalista" também tinha um preço...)

A utilização correta da arma implicava competências em matéria de literacia e numeracia que faltavam à generalidade dos guerrilheiros do PAIGC, a par das cartas (militares), do reconmhecimento do terreno, etc.... Daí vários dos comandantes serem cabo-verdianos, com mais habilitações literárias e formação específica  no estrangeiro (Rússia, Cuba...), caso do Manecas dos Santos, Agnelo Dantas, Amâncio Lopes, Júlio de Caravalho e Olívio Pires (contei, pelo menos , cinco cabo-verdianos, no documento supra, pág. 3),  O mesmo se irá passar com os Strela (comandados pelo Manecas dos Santos).

Felizmente que também os homens que operavam o "sistema Grad" eram mais artilheiros... (Veja-se aqui o poste P9352, de 14 de janeiro de 2012:  Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (4): Os foguetões 122 mm que vi, ouvi e contei ao longo de quase dois anos...

O Amílcar Cabral teve a lucidez de reconhecer que quem ganha (va) as guerras, são  (eram) os homens e não as armas. Hoje diriamos: o segredo da vitória está no "mix" hardware, software e humanware.... (material,  conhecimento,  pessoal)... Mas a "sorte das armas" depende também de outros factores, a começar pelos aliados, a diplomacia, a geopolítica, o contexto histórico e geográfico, etc, que são factores "exógenos".
____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série de 10 de maio de 2023 > Guiné 61/71 - P24305: Armamento do PAIGC (4): Morteiro pesado 120 mm M1943, de origem russa, usado nos ataques e flagelações a aquartelamentos das zonas fronteiriças, como Gandembel, Guileje, Gadamael, Guidaje, Copá ou Canquelifá

Vd. postes anteriores: 

19 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24234: Armamento do PAIGC (3): peça de artilharia 130 mm M-46, cedida pelo Sekou Turé para os ataques, a partir do território da Guiné-Conacri, contra Guileje e Gadamael, em maio/junho de 1973

8 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24208: Armamento do PAIGC (1): As polémicas viaturas blindadas BRDM-2 que teriam sido utilizadas contra Copá (7/1/1974) e Bedanda (31/3/1974)

13 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24220: Armamento do PAIGC (2): Ainda as viaturas blindadas BRDM-2: em finais de 1973/princípios de 1974, o PAIGC teria apenas 2 viaturas blindadas...


Em comentário o  nosso especialista em armamento, o Luís Dias,  acrescentou:

(...) O nome GRAD dado ao míssil soviético 122mm, embora incompleto, é correcto. De facto, e como referi no meu post, os russos aperfeiçoaram um foguetão / foguete (também lhe chamei assim), a partir de 1963, ao qual denominaram BM-21 GRAD e a partir de 1964, foram produzidos diversos tipos desta série e também um míssil portátil - o Foguete 9P132/BM-21-P, no calibre 122mm (mais curto que o modelo standard, embora também pudesse ser usado por um multi-tubo, a ser lançado por um único tubo – o lançador 9M28/DKZ-B e que é também um GRAD.(...)

12 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Felizmente que nunca apanhei com nenhum "jacto do povo" na sopa...

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Este texto não traz nada de novo. Um dia atacaram-me com 6 jactos do povo e um ficou, à boa maneira russa ficou espectado no chão, mas fora do arame. Fui medir a azimute e o ângulo de queda. Depois se tivéssemos, como devíamos ter uma tabela de tiro, poderia determinar donde tinha partido. Ao chegar ao 122 mm com um petardo para o detonar, um grupo da minha malta andava aos chutos e pontapés aos bocados do Grad e todos inteiros. Não há dúvida: Deus, às vezes é português.

Um Ab. e bom domingo
António J. P. Costa

Valdemar Silva disse...

Oi, ouvi-os passar por cima da cabeça que pareciam foguetes a subir zzzeeeeeeee ao céu para rebentar em dia de romaria, mas com pouco entusiasmo.
Foi em Nova Lamego a 5-4-1970, na História da Unidade está escrito:

"05ABR - Cerca das 20H30 o IN desencadeia uma flagelação a Nova Lamego com foguetões 122.
Os disparos foram executados com grandes intervalos, tendo sido encontrados seis pontos de
de impacto entre COIADA e a estrada de BAFATÁ junto ao topo Oeste da nova pista de
aterragem.
Não resultou qualquer baixa ou prejuízo para as nossas tropas nem para a população.
Qualquer que tivesse sido o objectivo a atingir, povoação e instalações militares ou a
pista de aterragem, a precisão dos disparos revelou-se bastante precária".

Julgo que seria para acertar na nova pista de aterragem, mas nenhum rebentou.
No outro dia, foi o meu Pelotão que descobriu o local da instalação da "rampa" de lançamento dos 122, que devia ter sido accionada por baterias auto (?), a cerca de 12 km de Nova Lamego.

Saúde da boa, e cuidado com o excesso de vitamina D que pode causar enjoo ao cozido à portuguesa, arroz de polvo e outras comidinhas das boas.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Apesar dos três "foguetões" do Agnelo Dantas em meados (?) de 1973 contra Bissau (e que erraram o alvo), não tenho ideia de ter havido "debandada geral" das famílias dos militares ali estacionados...

Ou houve ?

Testemunhos precisam-se!

Abilio Duarte disse...

Olá Valdemar,
Era esta situação que tu relatas, que anteriormente quis relatar.

Então , é assim, estava eu e mais alguns camaradas a jantar no libanês, em Nova Lamego, depois de um bom bife, e estava na sobremesa, verdade, um gelado, quando começaram a assobiar os foguetes sobre Gabú...

De seguida, sem fazer conta com o dono do restaurante, a malta começou a correr para o nosso aquartelamento ( Quartel de Baixo), como era conhecido.

Porra, estava de havaianas, comecei a correr como um desalmado como os outrso, e cheguei ás nossas valas, descalço, e os pés todos f..d..os.

Por isso estranhei anteriormente, falarem nestas armas do PAIGC, só em 73 e 74, quando em 70, já estávamos a levar com elas.

Este ataque a Nova Lamego, foi antes da inauguração, da renovação da pista para terem os Fiats, que foi inaugurada pelo Silva Cunha, ministro da ditadura.

A minha companhia. C.ART.11, nesse dia fez, a segurança móvel a Nova Lamego, sempre em movimento, e em viaturas, e no palanque do evento, nunca tinha visto tantas amarelas, era oficiais da NATO e mais, tudo a monte , naquele pequeno território.

No reconhecimento, que o Valdemar fala, o meu pelotão também esteve presente, assim como no local onde os foguetes caíram, deram caco de um cajueiro, no fim da pista. A pista não tinha sido atingida, e as celebrações, foram efetuadas.

Até á próxima.

Abílio Duarte

Eduardo Estrela disse...

Olá malta boa tarde!!
Eu não apanhei na sopa como diz o Luís Graça,mas apanhei na sobremesa.
Em 3 de Novembro de 1969 em Bolama e em 3 de março de 1971 em Cuntima.
Em Bolama a direcção e o ângulo estavam bem calculados mas felizmente que os danos foram ligeiros.
Em Cuntima a direcção estava bem calculada mas o ângulo de tiro falhou. Neste ataque a Cuntima o PAIGC utilizou para além dos foguetões, canhões sem recuo e morteiros pesados. Em meados de 1980 conheci em Faro um dos homens que comandou o ataque de 3 de Março de 1971 a Cuntima. O comandante Manuel Nandigna ( penso que se escreva assim ). Era em meados de 1980 o governador de Bolama cidade geminada com Faro. Foi um encontro muito emotivo e o comandante teve a amabilidade de me convidar a visitar Bolama. Mais tarde enviou-me uma pequena lembrança da Guiné.
Abraço fraterno
Eduardo Estrela

Valdemar Silva disse...

Certo Duarte, eu estava de serviço no Quartel.
Na primeira passagem zzzzzzeeee ninguém se apercebeu o que era, foi preciso alguém (?) dizer 'é um ataque', correr à nossa caserna buscar a G3 e vir para a Parada juntar o pessoal que a nosso serviço era a defesa do gerador público.
No Quartel, estava de passagem um 1º. Sargento velhote que ficou dentro do edifício encostado à parede e disse-me 'despe essa camisola branca'.
Juntei os soldados que apareceram e saímos para o gerador, e passaram outros zzzzeeeeees, mas nada de rebentamentos ou tiros.
Não me lembro de mais nada, quem ficou nas nossas valas e se o Canatário das armas pesadas chegou a fazer fogo com o morteiro 81 (*).

Valdemar Queiroz

(*) o abrigo/espaldão do morteiro 81 era no meio da parada.

Valdemar Silva disse...

rectifico
'correr para a nossa caserna'

O mais correcto seria dizer correr para os nossos quartos.
As instalações do Quartel de Baixo, em Nova Lamego, eram umas divisões/salas de parte do edifício da Administração Regional que nos foi cedida, e que transformamos em quartos dormitório de oficiais e sargentos.

Valdemar Queiroz

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Hoje, na Ucrânia os russos despejam GRAD aos milhares sobre o mesmo sítio.
Cada camioneta leva 40 e, como os elementos de pontaria são sempre os mesmos, é uma chuvada.
Fazem buracos no chão ou acertam nos prédios. Cada um faz uma espécie de sopro no andar do prédio. Incêndio se houver condições há incêndio. Mas claro que há mais grads melhores...
Um Ab.
António J. P. Costa

Valdemar Silva disse...

Esses GRADS russos são os foguetões Katyusha conhecidos/baptizados como "Orgãos de Estaline".
A sair 40 de cada vez algum tem de acertar no alvo.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Manuel Luís Lomba disse...

Salvo erro ou melhor opinião, "os Jactos do povo" do PAIGC eram os "Órgãos de Estaline" de 40 tubos de lançamento, que a Rússia adaptara a tripé, adequação à capacidade à sua realidade logística.

O eng.º Osvaldo Lopes da Silva (patrono do aeroporto da Praia") era o principal maestro dos misseis russos, o Strella incluído, ultrapassou o Manecas dos Santos.

A debandada de Bissau não foi uma debandada: foi a reação das famílias dos oficiais e sargentos profissionais ao contexto o contexto da retirada de Guileje, da flagelação de Bissau, da demissão do general Spínola e da gestação do MFA.
Abrç.

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Na noite de 9 para 10 de Junho de 1971 foram disparados vário GRAD sobre Bissau.
Ao mesmo tempo todas as guarnições dos arredores foram mais ou menos atacadas dom armas pesadas ou ligeira para fixar as guarnições. Porém os GRAD não acertaram em lado nenhum da cidade, mesmo os que caíram perto "Pelicano" só partiram os vidros... Deviam estar começar. Quanto aos "Órgão de Estaline" vêem da II GM e não eram muito precisos. Era mais a quantidade do que a qualidade. E parece que continua assim. Só que hoje há mais mísseis de outros tipos quer em qualidade e em quantidade...

Mas é na Ucrânia, não conta...
Um Ab.
António J. P. Costa