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quinta-feira, 30 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24177: Dossiê Pidjiguiti, 3 de agosto de 1959 - Parte III: A nossa obrigação de contribuir para a desmistificação das inverdades e meias-verdades que se contam (Leopoldo Amado / Mário Dias)


Guiné > Bissau > A pacata cidadezinha colonial do início dos anos 60. A Praça da República. Postal da época. Cortesia de João Varanda, ex-fur mil, CCAÇ 2636  (que esteve em Có/Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/70, e depois Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1970/71).


Guiné > Bissalanca > 1959 >   Fotografia tirada na despedida do gerente da NOSOCO, Monsieur Boris, que nesse dia regressava a Paris (está ao centro de fato e gravata)  [nº 1, a amarelo]. O avião era, naturalmente, da Air France [5].

O João Rosa [2], o guarda-livros, [e que foi um dos fundadores do MLG - Movimento de Libertação da Guiné e um dos primeiros contactos políticos de Amílcar Cabral, tendo feito reuniões clandestinas, na sua casa, com o próprio Amílcar Cabral e outros nacionalistas guineenses; morreria no hospital, na sequência da sua prisão e tortura pela PIDE, em 1961, segundo informação do Leopoldo Amado], está na segunda fila à direita ; à sua frente, o segundo da direita é o Toi Cabral [António da Luz Cabral, irmão do Luís Cabral e meio-irmão do Amílcar Cabral] [3]. 

Os restantes elementos da foto são alguns (quase todos) dos empregados do escritório da NOSOCO em Bissau, entre eles, talvez o Mário Dias, ou talvez não: não conseguimos ainda identificá-lo, mas  já lhe pedimos em tempos  para "validar" esta legendagem... Ele pode (ou não)  ser o elemento que está a seguir ao nº 4, e que se apresenta em calções e meia branca; em 3 de agosto de 1959 ele estava a acabar a recruta, tendo frequentado o 1.º CSM - Curso de Sargentos Milicianos, realizado na Guiné.  Parece que foi na altura em que ele estava na tropa que a NOSOCO encerrou as suas portas, conforme se depreende do que ele escreveu no poste P268, de 14/11/2005:

(...) "Já agora, e apenas também como curiosidade, eu fui trabalhar para o Sindicato porque, enquanto estava no serviço militar (com o Domingos Ramos, Rui Jassi, Constantino Teixeira, etc. etc.), a NOSOCO, firma comercial francesa onde eu trabalhava, encerrou a sua actividade na Guiné.

A sede da NOSOCO ficava junto ao rio, estendendo-se as traseiras para a actual Rua Guerra Mendes, mesmo junto a um dos baluartes da Amura. Ao lado era a PSP, comandada pelo major Pezarat Correia, pai do actual brigadeiro (ou general?) ligado ao 25 de Abril de 1974. Este edifício foi, durante a guerra, sede e armazém da Manutenção Militar. "(...)

O quarto elemento conhecido do grupo [4] é, a contar da esquerda, o Armando Duarte Lopes, o pai do nosso amigo Nelson Herbert, e velha glória do futebol guineense... (Esteve em 1943 no Mindelo, sua terra natal, integrado numa força expedicionária, vinda do continente, que veio reforçar o sistema de defesa da Ilha de São Vicente durante a II Guerra Mundial; viveu depois, trabalhou e casou em Bissau. Conhecido como o Armando 'Bufallo Bill', seu nome de guerra, foi o melhor futebolista da UDIB, e do Benfica de Bissau, tendo sido nternacional pela selecção da antiga Guiné Portuguesa...).

Recorde-se que o apelido Herbert, no caso do nosso amigo Nelson, antigo jornalista na VOA (Voz da América), vem do avô materno francês, que foi o representante local, na Guiné, da CFAO - Compagnie Française de l'Afrique Occidentale, fundada em 1887, e que, com a NOSOCO e a SCOA, foi um das peças importantes do sistema colonial francês.

Foto (e legenda): © Mário Dias (2006), Todos os direitos reservado. [Edião e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Temos vindo a recuperar alguns postes com versões de contemporâneos dos tristes acontecimentos de 3 de agosto de 1959, a que o futuro PAIGC e a historiografia com ele alinhada chamaram, inapropriadamente ou não,  o "massacre do Pidjiguiti". Uma das versões é do nosso camarada Mário Dias, ainda a fazer a recruta, em Bissau, nessa data, e a outra é do Luís Cabral, que trabalhava então na Casa Gouveia como guarda-livros (*).

É possível que o assunto pouco interesse  aos nossos leitores, e nomeadeamente aos antigos combatentes que só conheceram a Guiné dos anos 60 e 70... Mesmo assim, e tendo em conta a divergência na descrição e interpretação dos factos, é bom que se acrescentem mais algumas achegas, incluindo as do historiador guineense, e nosso saudoso amigo Leopold0 Amado,  precocemente desaparecido (morreu de Covid-19 em 2021,  com pouco mais de 60 anos).

Lembrando-nos que tudo tem o seu verso e o seu reverso, Leopoldo Amado (1960-2021) (que era doutorado em história pela Universidade de Lisboa) escreveu o seguinte (em 16/2/2006) (**)  s0bre o depoimento do Mário Dias:

(...) A importância do texto que Mário Dias produziu sobre o Massacre de Pindjiguiti ou assim chamado, interpelou directamente a minha sensibilidade de interessado nessa guerra enquanto historiador guineense, mas também enquanto cidadão do mundo, pelo que aqui fica a minha promessa de nos próximos dias produzir um comentário crítico sobre o mesmo, não obstante ver-me antecipadamente e desde já na contingência de dar os meus vivos parabéns ao autor por mais esta importante contribuição que, além de animar um debate que reputo construtivo e altruísta, ainda possui o condão – assim espero – de trazer ao de cima senão toda a luz e toda a verdade (porque imossível, ao menos irá contribuir para a desmistificação histórica dos aspectos próprios dessa guerra, reduzindo consequentemente as zonas cinzentas, as inverdades ou as meias-verdades que essa recente historiografia necessariamente comporta, porquanto é igualmente recente o correspondente sujeito histórico. (...)


2. Texto do Mário Dias (originalmente publicado no poste P572, de 26 de fevereiro de 2006) (***):

Caro Luis

Estive a ler atentamente, e com a compreensível dose de emoção, o texto que o Leopoldo Amado anexou à sua mensagem.(**)

Começo por dizer que tão excelente trabalho só poderia vir de alguém que, tal como Leopoldo Amado, seja possuidor de uma extraordinária cultura, conhecimentos académicos e poder de síntese.

Fiquei mais rico e esclarecido sobre as movimentações que existiam no seio dos nacionalistas guineenses, que eu sabia que existiam mas cujos recortes me escapavam (tal como disse em recente poste).

Assim, este texto lança um pouco de luz sobre o desconhecimento daquilo que "do outro lado" se passava e confirma o que várias vezes tenho referido: o empolamento na informação dos acontecimentos por parte de ambos os contendores.

Do PAIGC, pela necessidade de afirmação perante a comunidade internacional e apoio psicológico aos seus combatentes. Das nossas tropas... bom, aqui a motivação (isto não passa de uma opinião pessoal) parece-me outra: a vontade de "mostrar resultados" subindo no conceito dos superiores hierárquicos e com isso... todos sabemos. Que me perdoem os muitos que sempre foram verdadeiros nas suas informações e relatórios operacionais. Felizmente, constituem a maioria.

Porém, o resultado prático traduziu-se no exagerar dos feitos praticados, principalmente no número de baixas causadas e, conforme muito bem refere Leopoldo Amado, facilmente chegamos à conclusão que não podem ser as apontadas pelo nosso Estado-Maior.

Outro aspecto referido neste texto prende-se com a intensa actividade existente nos movimentos nacionalistas que vieram, na prática, a desembocar no PAIGC e que, fiquei agora a saber, é bastante posterior ao evento do Pidjiguiti. A minha admiração - que já era muita - pela eficácia conseguida e pelo sigilo de todas as movimentações aumentou bastante mais. Tudo "me passou ao lado".

Em jeito de "desculpa esfarrapada" por tamanha ignorância e ingenuidade,  tenho a meu favor a pouca idade à época dos factos. Só queria divertir-me como é próprio da idade. Assuntos tão transcentes estavam, confesso, fora das minhas cogitações.

Reiterando os meus agradecimentos e admiração ao Leopoldo Amado, termino respondendo à sua estranheza por eu não ter referido a presença no cais do Pidjiguiti do Domingos Ramos, Constantino Teixeira e outros soldados africanos. Claro que eles lá estiveram, não no recinto do cais propriamente dito, mas nas imediações do mesmo tal como os restantes soldados. Eles faziam parte da companhia que regressava do aeroporto e para lá foi desviada.

Pareceu-me supérfluo estar a nomear a constituição dessa companhia (o que, aliás, nem conseguiria) e que era formada na sua esmagadora maioria por soldados africanos. Não me moveu qualquer espécie de reserva ou tentativa de manipulação com "meias verdades", defeito que não faz parte dos muitos que tenho. 

Podem todos crer que se alguma omissão ou menor exactidão houver em comentários meus, passados ou futuros, será apenas e exclusivamente por compreensível falha de memória.

Um grande abraço para todos os tertulianos.
Mário Dias

PS - Antes de enviar este mail, fui dar uma espreitadela ao blogue e vi que já começaste a postar o notável texto do Leopoldo Amado. Talvez seja melhor aguardar a publicação integral do mesmo, antes deste meu desabafo, caso aches que deva ser publidado.

Como tem sido recentemente muito referido o João Rosa, guarda-livros (actualmente designados contabilistas ou técnicos de contas) da NOSOCO, resolvi anexar uma fotografia tirada em Bissalanca na despedida do gerente da referida firma, monsieur Boris, que nesse dia regressava a Paris (está ao centro de fato e gravata). 

O João Rosa está na segunda fila à direita; à sua frente, o 2º da direita, é o Toi Cabral. Não sei se será o mesmo que o Luis Cabral refere como um dos principais obreiros na fuga do Carlos Correia. Gostaria obter essa confirmação mas não sei como consegui-la. Os restantes elementos da foto são alguns (quase todos) dos empregados do escritório da NOSOCO em Bissau.

[ Fixação / revisão de texto / negritos: L.G.]
____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


24 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24166: Dossiê Pidjiguiti, 3 de agosto de 1959 - Parte II: A versão do guarda-livros da Casa Gouveia, e dirigente do PAI, o Luís Cabral

(**) Vd. postes de;

16 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P525: Pidjiguitgi, o verso e o reverso da verdade:comentários ao post do Mário Dias

Vd. também postes de:

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2501: O Nosso Livro de Visitas (7): David Monteiro, ex-Fur Mil da CCAÇ 2636 (Guiné 1969/71)

Guiné > Região do Cacheu Có > CCAÇ 2636 (1969/71) > João Varanda, em Có, num posto de vigia, localizado num poilão ...O João Varanda, residente em Coimbra, foi furriel miliciano na açoriana CCAÇ 2636, que esteve na região do Cacheu: Có/Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/70) e depois mudou-se para a zona leste (Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1970/71)... O João foi camarada do David Monteiro, que vive hoje na cidade da Praia, onde é médico veterinário, e que gostaríamos muito que ingressasse na nossa Tabanca Grande.

Foto: ©
João Varanda (2005). Direitos reservados.

1. Mensagem de David Monteiro, de 22 de Janeiro de 2008, dirigida ao nosso camarada Humberto Reis:

Boa tarde Sr. Humberto.

Antes de mais as minhas desculpas por esse incómodo. Pois, ao consultar um site que me foi facultado por um amigo, deparei-me com algumas informações e que me levaram a recuar no tempo, uns bons 36 anos, isto é, o período em que estive na Guiné-Bissau a prestar serviço militar obrigatório.

Para começar, gostaria de me apresentar. Chamo-me David do Rosário Monteiro, sou natural de Cabo Verde, Ilha de S. Vicente e actualmente vivo na cidade da Praia (cerca de 21 anos). Sou Veterinário de profissão e neste momento sou Administrador da Agência de Regulação e Supervisão dos Produtos Farmacêuticos e Alimentares (ARFA).

Fui Fur Mil da CCAÇ 2636 que esteve na Guiné de 1969 a 1971, tendo começado por e depois em Março de 1970, mudou para Bafatá, até ao término da comissão em 1971.

Desde essa data nunca mais ouvi falar dos camaradas desse tempo e para tal gostaria, caso fosse possível, obter alguns contactos.

Os meus agradecimentos e aproveito para lhe apresentar os meus melhores cumprimentos

David Monteiro

2. Resposta de Humberto Reis em 23 de Janeiro de 2008:

Sr. Dr. David Monteiro

Como seria de esperar, a sua mensagem deixou-me satisfeito (e vai deixar todos os tertulianos também satisfeitos) por verificar do seu interesse em encontrar antigos camaradas do seu tempo de serviço militar.

Também eu estive na Guiné, de Maio de 1969 a Março de 1971 (Junho e Julho de 1969 em Contuboel, a norte de Bafatá e depois como companhia de intervenção (CCAÇ 12) aos sectores L1 Bambadinca e L5 Galomaro.

Fui algumas vezes a Bafatá, pois além de ir à civilização, tinha lá um amigo de infância, Fur Mil Sapador na CCS do BCAÇ 2856, o Cruz, que veio a casar com uma das filhas da D. Rosa, que certamente também conheceu, era a dona de um café (era, e é, pois felizmente ainda está viva e reside aqui em Portugal com uma das filhas).

Por coincidência também estive no ESQ CAV FOX, tinha um amigo de infância, o Fur Mil Espírito Santo, igualmente amigo do Cruz.

Todos os militares que passavam, ou estavam em Bafatá, iam à D. Rosa beber uma cerveja só para ver as filhas. Hoje rio-me disso quando falo com elas, pois sou visita de casa do irmão delas, que foi alferes nos pára-quedistas e mora aqui nos arredores de Lisboa.

Frequentei várias vezes a Transmontana para comer um bife com batatas fritas às 8 da manhã e beber umas cervejas 2M.

A coluna que todos os dias saía de Bambadinca para ir buscar o correio, gelo e géneros alimentícios, parava mesmo em frente à Transmontana e no regresso formava-se em frente ao café do Teófilo (pai da Rita que trabalhava nos CTT), já na estrada de saída para Bambadinca, próximo da rotunda de acesso ao Agrupamento e ao Esquadrão Fox.

Julgo que será do seu interesse visitar o nosso blogue cujo endereço é blogueforanadaevaotres.blogspot.com (2). Aí encontrará as regras de acesso ao mesmo se for do seu interesse aderir à nossa Tabanca Grande.

A partir daí o tratamento entre todos é por tu sem quaisquer distinções de postos, títulos académicos, situações profissionais, políticas, etc.

Como se verifica envio esta mensagem com conhecimento aos nossos editor e co-editores do blogue.

Com os meus cumprimentos

Humberto Reis

3. Em 23 de Janeiro de 2008 foi endereçada uma mensagem a David Monteiro:

Caro camarada David Monteiro:

Como informação complementar ao que disse o nosso camarada Humberto Reis, posso dizer-lhe que no nosso Blogue temos um tertuliano da sua Companhia. O ex-Fur Mil João Varanda (1).

Procurei também na página do nosso camarada Jorge Santos http://guerracolonial.home.sapo.pt/encontroguine.htm e encontrei dois pedidos de encontro de gente da sua Companhia.

Um deles é precisamento do João, o outro é de Virgílio Rodrigues, telemóvel 967 004 846.

Do João temos três endereços de mail que são: jvaranda@fd.uc.pt, jvarandas@fd.uc.pt e jvarandafd@hotmail.com

Aconselho a mandar mails para os três endereços, porque algum deles pode não estar activo.

Espero ter ajudado e reforço o convite do Humberto para ingressar na nossa Tabanca Grande, como é conhecido entre nós o Blogue do Luís Graça e Camaradas da Guiné que pode visitar em http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/ (o endereço que o Helder escreveu não está correcto, o que não admira por o nome ser tão grande) (2)

Pode ainda visitar a página da nossa tertúlia em http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial_tertulia.html.

Teremos imenso gosto em que venha a fazer parte deste grupo de ex-combatentes, que são acima de tudo amigos daquele território chamado hoje Guiné-Bissau e daquela gente, que nos marcaram para sempre.

Um abraço do camarada
Carlos Vinhal

_______________________

Notas do co-editor CV :


(1) - Vd. postes do João Varanda:





quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1368: Concurso O Melhor Bagabaga (4): Có (1969) (João Varanda)





João Varanda, em Có, de pé e sentado num enorme bagabaga (ou termiteira) (duas primeiras fotos) e num postod e vigia, localizado num poilão (terceiro e última foto)...

O João Varanda, residente em Coimbra, foi furriel miliciano na açoriana CCAÇ 2636, que esteve na região do Cacheu: Có/Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/70) e depois mudou-se para a zona leste (Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1970/71) (1).

Estas fotos foram seleccionadas pelo editor do blogue para o Concurso O Melhor Bagabaga

Fotos: © João Varanda (2005). Direitos reservados.

_______

Notas de L.G.:

(1) Sobre a história da CCAÇ 2636(Có, 1969/71), vd posts do João Varanda:

22 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLIII: Notícias da açoreana CCAÇ 2636 (Bafatá, Contuboel, Saré Bacar, Pirada)

15 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCI: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (1): De Santa Margarida ao Cupilom... (João Varanda)

16 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCIII: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (2): "Periquito vai no mato, que a velhice vai p'ra Bissau"... (João Varanda)

26 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIV: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (3): O espírito de grupo (João Varanda)

26 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCXV: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (4): A acção psicossocial (João Varanda)

19 Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXXIX: CCAÇ 2636 (Có, 1969/70) (5): Gastando o primeiro par de botas e as letras do alfabeto (João Varanda)

19 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXC: CCAÇ 2636 (Bafatá, 1970/71) (6): Mimos do PAIGC em Mansomine (João Varanda)

(2) Vd. posts anteriores:

7 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1347: Concurso O Melhor Bagabaga (1): Bambadinca (Humberto Reis / Luís Graça)

7 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1348: Concurso O Melhor Bagabaga (2): Bissau (David Guimarães)

14 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1367: Concurso O Melhor Bagabaga (3): Fajonquito (1964) (Tino Neves)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

Guiné 63/74 - P371: CCAÇ 2636 (Bafatá, 1970/71) (6): Mimos do PAIGC em Mansomine


Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > O João Varanda, junto à sede do BCAÇ 2856, "frente à casa da Dona Rosa Libanesa"...

Acrescente-se que o "café das libanesas" era, juntamente com o Restaurante "A Transmontana", um dos sítios mais populares na nossa época (CCAÇ 12, 1969/71), constituindo um verdadeiro porto de abrigo para quem vinha do mato...

© João Varanda (2005)

"À porta do célebre café das libanesas, filhas da D. Rosa. Sou amigo pessoal do filho, ex-ten. cor. paraquedista, que mora cá, em Portugal, em Linda-A-Velha, e também amigo de infância de um dos genros dela que mora aqui em Lisboa, e com o qual, por acaso, já tenho tido relações profissionais".

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 1996 >

O Humberto Reis, "à porta do célebre café das libanesas, filhas da D. Rosa". Acrescenta o autor: "Sou amigo pessoal do filho, ex-tenente coronel paraquedista, que mora cá, em Portugal, em Linda A Velha, e também amigo de infância de um dos genros dela que mora aqui em Lisboa, e com o qual, por acaso, já tenho tido relações profissionais".

© Humberto Reis (2005)

Texto do João Varanda (ex- furriel miliciano, CCAÇ 2636, Có/Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/70; Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1970/71).


SECTOR DO CAOP - 2

A CCAÇ 2636 através da nota nº. 1107 de 2 de Abril de 1970 do Comando de Agrupamento Leste foi transferida para o Sector de Bafatá, ficando agregados, para efeitos administrativos, alojamento e alimentação, dois grupos de combate e os especialistas ao BCAÇ 2856. Os outros dois grupos de combate, para o mesmo efeito, ficaram agregados ao EREC [Esquadrão de Reconhecimento] 2640.

A CCAÇ 2636 ficou de intervenção ao Agrupamento Leste (que engloba 5 sectores), tendo dois grupos de combate, sido destacados para os destacamentos fronteiriços de Ualicunda e Sare Uale em 9 e 17 de Março de 1970, respectivamente. Os outros dois grupos de combate estacionados em Bafatá continuariam na actividade operacional, ora entrando em operações ora montando emboscadas.

Manteve-se assim o carácter permanente operacional. Assim, e no cumprimento da missão a que ficamos vinculados, iniciamos a actividade operacional com horário de vinte e quatro sob vinte e quatro horas.


OPERAÇÃO FAREJA MELHOR > 19-21 de Março de 1970

Tratou-se de um simples treino operacional, a fim de adaptar os grupos de combate àquelas andanças, contudo, também nos avisaram, que deveríamos ir atentos, pois que na Guiné, até dentro do quartel se corria perigo. Ainda que esse quartel se situasse em Bafatá.

Era fim de tarde, cerca das 19.30 horas, quando partimos de Bafatá para Fá Mandinga (sede leste da 1.ª Companhia dos Comandos Africanos ), localidade a cerca de cinquenta quilómetros de Bafatá.

O transporte foi feito em viaturas auto (Berliets) e cada uma levou vinte e quatro homens armados e equipados. O trajecto fez-se depressa. Não demoramos duas horas. Uma vez chegados, iniciamos a marcha em direcção ao local do “objectivo”, um simples patrulhamento com montagem de emboscada.

Seguimos por uma picada abandonada. Havia muito tempo que as viaturas do exército tinham deixado de a utilizar por causa das minas. No entanto, nós caminhamos por ela, sujeitando-nos a levar com uma mina pela frente. Felizmente não existiam, o que foi uma sorte, já que, de noite, não havia a mínima possibilidade de as detectar.

- Para treino operacional, é muito arriscado! - dizia o cabo António Alves de Medeiros (Machinho), um camarada que possuía já uma certa prática de guerra.
– O que vale é não irmos na frente! - retorqui eu – E segundo creio não será tanto o azar que iremos pôr os pés fora do local, onde os outros já pisaram!

A noite estava muito escura e nós progredimos agarrados uns aos outros para não nos perdermos. Um pequeno descuido e a coluna partir-se-ia e depois não haveria outro remédio senão esperar que o novo dia nascesse para nos voltarmos a encontrar. O sono começava a atormentar-me.

Caminhávamos há várias horas, ora avançando, ora parando. As esperas eram demasiado curtas para nos sentarmos, enquanto as progressões não passavam, por vezes, de mais de uma centena de metros, seguidos de nova paragem. Esta maneira de avançar era muito mais cansativa do que a progressão contínua e chegava a ser irritante.

Trás! … Bato com a cabeça nas costas do furriel Paiva e acordo. Vinha a dormir de pé. Nunca me passara pela mente que tal fosse possível. Agora, contudo, tinha tirado a prova. Mais uma que tenho para contar quando chegar à Metrópole, um episódio em que, muito possivelmente, ninguém vai acreditar. Se … chegar!

(...) A primeira fase da operação foi o patrulhamento à península sul com cambança em Temato – Manssomine – Sissau. Sem vestígios de passagem há quatro ou cinco dias de dezenas de elementos que se dirigiam a Noroeste. Nossas tropas pernoitaram emboscadas na região cota 17 bolanha de Dembel Jule. Amanheceu, com centenas de macacos – cães, fazendo uma algazarra tremenda e caminhando pela copa das árvores em saltos gigantescos. Nunca tinha visto macacos daquela raça.

Eram bichos enormes. Alguns quase do tamanho de homens e com os caninos desenvolvidos, semelhantes aos dos cães. Não pareciam nada felizes com aquela intromissão nos seus domínios, o que levou alguém do grupo a comentar ironicamente:
- Bolas, nem os macacos gostam de nós! …

Saímos da picada para um caminho de pé-posto, trilho muito batido. Via-se perfeitamente que passavam por ali, dezenas de pessoas por dia. Fiquei apreensivo porque, à partida nos tinham, dito que aquela zona era desabitada. E preocupado, indaguei do alferes Martins Ferreira.

– Ouça, meu alferes! O que pensa destes sinais? Serão da população, ou dos turras?
– Olha pá, tanto podem ser da população que a carta assinala lá mais para a frente, de guerrilheiros armados, ou ainda das duas coisas ao mesmo tempo. Aqui na Guiné não se sabe bem quem é guerrilheiro, nem quem não é, portanto o que tens a fazer é ires preparado para tudo. – E acrescentou:
- O seguro morreu de velho, não achas! … O kápa!
– Entendido.

A caminhada continuou em silêncio ainda por mais de meia hora até que o Comandante da Companhia, capitão Manuel Medina e Matos, mandou fazer alto e sair do trilho.

Íamos montar a enboscada a Dembel Jule. Afastámo-nos cerca de vinte metros da picada, ficando paralelos a esta. Fizemos uma zona de morte de mais de trezentos metros que reforçámos com um dispositivo de armadilhas eléctricas à base de granadas de mão, defensivas, e minas M 7. Estas eram accionadas por um “explosor”, logo que alguém se aproximava da nossa posição. Findo este trabalho que não levou mais de alguns minutos, recolhemos à mata e ficamos a aguardando.

(...) O calor começara a fazer-se sentir, já estávamos a 20 de Março / 70, segundo dia da operação e às 10.00 horas era quase insuportável, mesmo debaixo das árvores, o que, aliado ao cansaço produziu os seus efeitos. A tarde, mais de dois terços dos grupos de encontravam-se a dormir.

De repente em Dembel Jule, no fim do trilho avistámos três elementos inimigos, dois armados não reagiram fugiram em direcção ao rio, um no cimo de uma palmeira (Chefe de tabanca de Manssomine), controlada pelo PAIGC, foi capturado enquanto extraía vinho de palma.

A captura deste elemento só por si deu-nos saldo positivo desta operação, embora ficassemos paralisados pela surpresa, ao mesmo tempo completamente amedontrados.

Sem perder tempo continuamos a operação, patrulhando vários trilhos na região sul de Dembel Jule, na mata marginal direcção norte até cota 13 para 19, sem vestígios foi onde decidimos fazer uma refeição de ração de combate, para depois pernoitarmos.

Na manhã de 21 de Março de 1970 acordámos cedo, ao som de “costureirinhas” (PPSH) num matraquear infernal. Os projécteis cortavam ramos de árvore por cima das nossas cabeças ou ricocheteavam, levantando terra, ali mesmo na frente dos nossos olhos.

Nunca nos víramos num assado daqueles, era a hora da vingança do PAIGC. Todavia reagimos rápido e corri para detrás de um baga – baga que por sorte, se erguia ali perto. O suor escorria-me pela cara e sentia como que um aperto na garganta e no peito, à altura do coração.

A fogachada não parava e nem sequer diminuía de intensidade. Apontei a minha espingarda G - 3 para o local de onde me pareciam vir os disparos e carreguei no gatilho. A arma saltou-se nas mãos como se tivesse vida própria e três segundos depois, tinha esvaziado o carregador. O primeiro da guerra do leste, numa guerra em que eu ainda pensava ser a minha. Foram trinta e cinco minutos, debaixo de fogo ininterrupto, em que nenhum de nós conseguiu levantar a cabeça.

Do lado dos guerrilheiros do PAIGC chegava-nos uma algazarra tremenda. Chamavam-nos nomes e alguns nada abonatórios. Entre eles, havia alguém que, em bom português, nos insultava:
- Vão para a vossa terra, filhos da puta!...Enquanto andam aqui na guerra, as vossas mulheres, andam em Lisboa a fornicar com quem lhes apetece! …

Do nosso lado o Comandante da Companhia, sem sair detrás do enorme baga – baga, incitava ao ataque:
- Para a frente! Nós somos os melhores!...Agarrem-nos à mão, agarrem-nos à mão! Pago uma grade de cervejas a quem me trouxer um!

A resposta não se fez esperar. Alguém de entre nós gritou:
- Apanha-o tu, meu herói de merda!... De heróis mortos está o inferno cheio! … O capitão ficou pior que uma barata, mas, ao tentar indagar quem fora o engraçadinho, chocou com uma muralha de rostos fechados. Estávamos todos de acordo com o nosso camarada.

O fogo guerrilheiro acabou. De um momento para o outro, nem mais um tiro, e a mata voltou a mergulhar no mais absoluto silêncio. Parecia que nada se havia passado. Entretanto na Companhia, ia um verdadeiro pandemónio. Era difícil entender como nos deixamos surpreender daquele modo, estando emboscados, portanto com todas as vantagens do nosso lado. Fora um erro gravíssimo e, ao mesmo tempo estúpido, que nos custou caro e nos podia ter custado muito pior.

No chão, dois feridos bastantes graves, contorciam-se com dores e gemiam baixinho enquanto um enfermeiro lhes prestava os primeiros socorros.

Um com um tiro nas costas que só por milagre não lerpou. A bala atingira-o de raspão, passando-lhe por debaixo das costelas sem lhe atingir os pulmões, e saindo pelo ombro abrindo um enorme buraco.

O outro levara um tiro na mão direita e ficou com alguns dedos esfacelados. Ficaria deficiente para o resto da vida. A recuperação dos feridos tornara-se impossível de helicóptero, seria difícil aterrar no meio da mata, extremamente cerrada. Só restava uma solução. Regressar a Fá Mandinga com os feridos e de lá enviá-los de ambulância para o Hospital de Bafatá. Mas ao iniciar a marcha, novos problemas surgiram.

Faltava a secção do furriel Monteiro e os seus homens evaporaram-se sem deixar rasto.
Ficamos trespassados pela surpresa. Os nossos pensamentos eram unânimes naquele momento: - O furriel Monteiro deixara-se certamente apanhar pelos turras, com todos os seus homens. Que grande bronca! Como é que fora possível?

Ninguém se lembrava de o ter visto durante o combate, portanto devia ter sido aprisionado logo no início. Mas sendo assim, porque é que nem sequer gritara? …Entretanto o furriel Monteiro encontrava-se perdido na mata, com meia dúzia de homens. Não foram apanhados.

Fugiram simplesmente ao ouvir os primeiros tiros, abandonando o pelotão e levando atrás de si todos os homens sob o seu comando, pois estes ao ver o chefe cavar, não pensaram duas vezes e piraram-se com ele. O Comandante da Companhia estava resolvido a partir. Não podíamos ficar ali eternamente à espera, com dois feridos perdendo sangue, que enfraqueciam de momento a momento. Até Fá Mandinga eram mais de vinte quilómetros que teríamos de fazer a passo de tartaruga. O furriel Monteiro, conseguira estabelecer contacto rádio connosco. Ao ouvir a sua voz, através do emissor T.H.C. – 736, um suspiro de alivio.

Faltava agora que ele se juntasse a nós o que, numa situação de escuridão como aquela e sem qualquer ponto de referência, era pelo menos muito difícil.

Optámos pela maneira que nos pareceu mais fácil: disparámos espaçadamente alguns tiros para o ar, a fim de se poder orientar para a nossa posição.

Demorou mais de uma hora a chegar e com ele trazia outra vítima: O cabo Lagoa que, com o susto, perdera completamente a fala, que só passados mais de quatro meses recuperou. Esta fuga de um graduado da Companhia, logo na primeira operação na zona leste, deixou-nos muito desanimados e levou alguns de nós a pensar se, com homens assim, algum dia ganharíamos a guerra. Com a Companhia completa, iniciamos finalmente a marcha no regresso à bolanha de Sissau, cambança de Manssomine. Marcha penosa e lenta, pois um dos feridos teve de ser transportado às costas durante quase todo o caminho.

Demos por terminada a operação quando chegamos a Fá Mandinga cerca das 14.30 horas, completamente arrasados de nervos e cansaço, evacuando de seguida, os feridos para o Hospital de Bafatá.

Esta operação veio demonstrar-nos que os guerrilheiros do Movimento de Libertação , o PAIGC, não eram nada do que nos tinham feito acreditar na Metrópole, durante a instrução. Que não se borravam de medo a fugir dos Combatentes do Exército Português, mas que muito pelo contrário, nos atacavam e nos venciam com a maior das facilidades.

A Op Fareja Melhor serviu para compreender, que naquela guerra, nós iríamos ser mais patos do que caçadores.

Nota: Para a história da CCAÇ 2636 esta operação mereceu os seguintes comentários do Exmº. Comandante Interino do Batalhão de Caçadores 2856.:

“ Considera-se que a operação foi bem executada e conduzida. Oo Comandante da força executante, Capitão Miliciano de Infantaria Manuel Medina e Matos, evidenciou desde a fase de preparação excepcional interesse e entusiasmo pela operação e conduziu-a com nítido espírito de missão revelando larga experiência de comando de tropas em operações”.

Guiné 63/74 - P370: CCAÇ 2636 (Có, 1969/70) (5): Gastando o primeiro par de botas e as letras do alfabeto

Texto João Varanda (ex-furriel miliciano da CCAÇ 2636, Có)

Os primeiros quatros meses de actividade operacional da CCAÇ 2636 (Có, 1969/70)


No Sector do CAOP - 1

A Companhia chegou a Có em 4 de Novembro de 1969, tendo no dia seguinte participado na protecção aos trabalhos em curso na estrada Có-Pelundo, ao lado da CCAÇ 2584, já com alguma experiência.

A protecção aos trabalhos de estrada (intitulada Operação Via Livre), para além do desgaste físico, exigia às tropas empenhadas longas progressões a pé, quilómetros de picagem. Teve contudo um aspecto altamente positivo: a familiarização com a mata e com a técnica de pesquisa de engenhos explosivos, pelo processo da picagem.

Viu-se, assim, a Companhia empenhada nos trabalhos de estrada sob um horário rigoroso: saída às 5,00 horas da manh, chegada por volta das 14,00 horas com reflexos inevitáveis no regime alimentar pela quase sobreposição das suas refeições básicas diárias.

Passado algum tempo a Companhia com alguma experiência de mato, entrou na actividade propriamente dita (Operações de contra – penetração)


Em 1969

Operação Via Livre – Início em 5 de Novembro de 1969 – Duração 1 dia.

Finalidade - Evitar que o IN fizesse investidas contra os trabalhadores e consequentemente atrasar os trabalhos de estrada.

Devido ao adiantado dos trabalhos e para protecção das máquinas de Engenharia esta CCAÇ, conforme a progressão dos trabalhos, embarracou em Tel e mais tarde em Dimpel.

Esta Operação foi constituída pelas seguintes acções:

Valongo - Protecção trabalhos de capinagem estrada Có - Bula, região Ponta Valentim – Plama. Início às 5,30 horas da manhã do dia 5 de Novembro de 1969. Resultado: Sem contacto

Velhice - Idem, região Plama. Início 5,30 horas da manhã do dia 6 de Novembro de 1969. Resultado: Sem contacto

Vigarizar - Protecção trabalhos de capinagem na estrada Có – Pelundo, região Plataforma. Início 5,30 horas da manhã do dia 7 de Novembro de 1969.
Resultado: Sem contacto

Vírgula - Protecção aos trabalhos de capinagem na estrada Có – Bula, região Plama – Bieio . Início 5,30 horas da manhã do dia 8 de Novembro de 1969.
Resultado: sem contacto

Vintém - Protecção aos trabalhos de capinagem na estrada Có - Pelundo região 4,5 km a Oeste de Có. Início 5,30 horas da manhã do dia 9 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto.

Vantagem - Segurança afastada aos trabalhos de capinagem na estrada Có – Pelundo, cruzamento estrada velha com estrada nova. Início 2,00 horas da manhã do dia 11 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto.

Viscoso - Protecção aos trabalhos de capinagem na estrada Có – Pelundo, região cerca de 0,5 km. Oeste de Có. Início 5,30 horas do dia 11 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto.

Vitrola - Idem, região 5,600 km. Oeste de Có. Início 5,30 do dia 12 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto

Vitrina - idem, região cerca de 6,00 km. Oeste de Có. Início 5,30 horas da manhã do dia 12 de Novembro de 1969.
Resultado: sem contacto

Valéria - Idem, região cerca de 6,00 km. Oeste de Có. Início 5,30 horas da manhã do dia 13 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto.

Valete - Segurança afastada aos trabalhos de capinagem no cruzamento da estrada velha com estrada nova. Início 2,00 horas da manhã do dia 13 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto

Virgem - Patrulha e emboscada nas tabancas: Bedasse – Bejimate – Cassama – Cantintanha e Utanque. Início 2,00 da manhã do dia 13 de Novembro de 1969.
Resultado: sem contacto

Varsóvia - Segurança afastada aos trabalhos de capinagem região de Tel, região cerca de 2,00 km. Sudoeste de Catora. Início 2,00 horas da manhã do dia 14 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto

Valente - Protecção aos trabalhos de capinagem na estrada Có – Pelundo, região cerca de 6,00 km. Oeste de Có. Início 5,30 horas da manhã do dia 14 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto

Viena - Patrulha e emboscada na região cerca de 3,00 km. Nordeste de Có. Início 5,30 horas da manhã do dia 14 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto.

Vácuo - Segurança afastada aos trabalhos de capinagem na região a cerca de 11,00 km. Oeste de Có. Início 2,00 horas da manhã do dia 15 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto.

Vacina – Protecção dos trabalhos de capinagem na estrada Có – Pelundo, região cerca de 8,00 km. Oeste de Có. Início 5,30 horas da manhã do dia 15 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto.

Vagão - Segurança afastada região de Tel a cerca de 1,5 km. A Sudoeste de Catora. Início 2,00 horas da manhã do dia 16 de Novembro de 1969.
Resultado: Sem contato

Vagabundo - Protecção trabalhos de capinagem estrada Có – Pelundo região cerca de 6,00 km. Oeste de Có. Início 5,30 horas da manhã do dia 16 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto.

Valgio - Patrulha nocturna na região a cerca de 2,00 km. Nordeste de Có. Início 19,30 horas da noite do dia 16 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto.

Valioso - Segurança afastada aos trabalhos de capinagem região cerca de 10,00 km. Oeste de Có. Início 2,00 horas da manhã do dia 17 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto.

Valido - Protecção trabalhos de capinagem estrada Có – Pelundo região cerca de 6,00 km. Oeste de Có. Início 5,30 horas da manhã do dia 17 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto.

Vicente - Protecção descontínua cerca de 4,00 km. Nordeste de Catora, região de Tel. Início 3,00 horas da manhã do dia 18 de Novembro de 1969.
Resultado: sem contacto.

Violino - Protecção aos trabalhos de capinagem estrada Có – Pelundo e picada pedreira de Tel, região cerca de 8,00 km. Oeste de Có. Início 5,30 horas da manhã do dia 18 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto.

Vocação - Patrulha e emboscada região Calonque. Início 5.30 horas da manhã 30 de Novembro de 1969. Resultado: sem contacto.

Vitreo - Patrulha e emboscada região cerca de 4,00 km. Norte de Catora (Quedanga). Início 5,30 horas do dia 1 de Dezembro de 1969. Resultado: sem contacto.

Vitelo - Patrulha e emboscada região Quete e Dulequene. Início 5,30 horas da manhã do dia 2 de dezembro de 1969. Resultado: sem contacto

... A rotina da actividade operacional lá continuou ao longo do mês de Dezembro, sem contacto nem vestígios do IN:

Vitelo (2), Verruga (3), Vagoneta (4), Vagem (4), Vapor (9), Varal (11), Varandas (12), Via Livre 25 (13), Vareira (14) , Varina (20), Varredoura (24)...

E em 1970, a CCAÇ continuou o seu suplício de Sísifo, com mais patrulhas e emboscadas, em acções sempre designadas, obsessivamente, por termos começados por V:

Vaselina - Patrulha e emboscada região de Tel. Início 6,00 horas do dia 1 de Janeiro de 1970.
Resultado: sem contacto.

Vassalagem- Patrulha e emboscada região de Tel. Início 6.00 horas da manhã do dia 3 de Janeiro de 1970. Resultado: sem contacto.

Vaticano - Patrulha região Pelundo 4B8. Início 5,30 horas do dia 4 de Janeiro de 1970.
Resultado: sem contacto


Intercalada com a protecção da estrada, viu-se a CCAÇ 2636 empenhada em operações de contra penetração:

Operação Dália Velha

– Realizada em 9, 10 e 11 de Janeiro de 1970.

Comandante Capitão Miliciano de Infantaria: Manuel Medina e Matos.

Finalidade: Bater toda a Península de Quedanga – Pieme, procurando detectar e aniquilar quaisquer elementos IN na região.

Evolução da Acção: A força iniciou a progressão para o ponto de referência 309, inflectiu para o ponto 306, iniciando uma batida para Norte (área de Quedanga) onde emboscou os trilhos que dão acesso à mesma.

A força caminhou para o ponto de referência 307, onde se encontrou um acampamento IN, já destruído pelas NT na região de Pelundo 5F – 6 – 63 junto à bolanha. Depois de ter pernoitado no referido ponto, a força caminhou para o ponto de referência 309, deste para o 308 onde detectou um acampamento IN, com 13 palhotas e abandonado no máximo há 3 dias, na região Pelundo 5 – G5 – 65.

Iniciada a busca foram encontrados diversos documentos, utensílios vários e 125 cartuchos de 9 m/m escondidos nos ramos das palmeiras. Depois da busca feita, a força iniciou a progressão para o ponto de referência 311 e daí para a base em Dimpel em fim de missão sem contacto.

Depois da operação realizada esta mereceu as seguintes considerações feitas pelo Exmº. Comandante das Forças Territoriais de Có:

"A operação foi bem dirigida, cumprindo-se o planeamento anteriormente estabelecido".
Também mereceu as seguintes considerações do Exmº. Comandante do CAOP 1:

"Não se oferecem comentários ao planeamento e à execução da operação. O Comandante da força conduziu a acção com determinação e tenacidade cumprindo o planeamento e explorando os indícios detectados".

Mas as acções continuaram em Janeiro de 1970: Veículo (13), Verbo (19), Velhaco (20), Velhinha (20), Veneno (24), Venera (26), Venida (27), Verbena (30)... E em Fevereiro: Verdugo (4), Vermute (10), Verniz (11), Vertical (14), Vertigem (19), Vegetal (21), Vespa (21)...

Entretanto, parece que se esgotou a letra V e recorreu-se à úlima do alfabeto, o Z:

Zelar - Protecção aos trabalhos de reparação de bolanha em Ponta Luís Cabral. Início 7,00 horas da manhã do dia 25 de Fevereiro de 1970.

Apenas na acção Velhaco (Patrulha com emboscada na região da Peconha – Bacar, com início pelas 4,30 horas da manhã do dia 20 de Janeiro de 1970) houve um contacto ligeiro com o inimigo: em sinal de registo da nossa passagem, o IN saudou-nos com uma rajada de costureirinha... Agradecemos e ripostamos com umas boas morteiradas de morteiro 60.

Operação Incrível Almadense

Realizada em 22, 23 e 24 de Janeiro de 1970.

Comandante – Manuel Medina e Matos – Capitão Miliciano de Infantaria.

Finalidade: Bater toda a Península de Quedanga – Pieme, procurando detectar e anular quaisquer elementos inimigos que se revelem e destruir todos os meios de vida.
Evolução da Acção: A força iniciou a progressão em 22 de Janeiro de 1970 às 4,00 horas da manhã em direcção ao ponto de referência 306. Eram 11,00 horas quando foi detectado o acampamento inimigo assaltado pelas NT. na operação “Cesário Verde” (C.Caç. 2584). Foi passada uma rápida busca durante a qual foram detectados 5 buracos cobertos onde estavam enterrados elementos inimigos. Mais tarde a força emboscou o trilho Quedanga – Pieme. No dia seguinte caminhou para os pontos de referência 307,308, e 309 e daí para a base de Có em fim de missão sem contacto.

Após esta operação a mesma mereceu as seguintes considerações do Comandante das forças territoriais de Có:

“Operação bem dirigida “. Notou-se a preocupação de reconhecer antigos acampamentos, na procura de novos indícios de presença do inimigo.

Nota: Esta operação deu-nos um gozo especial, já que eramos periquitos atrevidos, pois no ponto 307 onde encontramos um acampamento inimigo já destruído pelas nossas tropas na região de Pelundo 5F-6-63 junto à bolanha, foi local e serviu para pernoitarmos (sinal de desprezo pelas tropas do PAIGC), mas deu para perceber que o grupo inimigo era reduzido uma vez que este se encontrava entre quatro palmeiras e coberto por tarrafo e parte do nosso grupo de combate pernoitou fora daquele palco.

Operação Nunca Falha

Realizada em 30 e 31 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 1970.

Comandante: Manuel Medina e Matos, Capitão Miliciano de Infantaria.

Finalidade: Bater toda a Península da Peconha procurando detectar e aniquilar quaisquer elementos inimigos na região.

Evolução da acção: A força saiu de Có para o ponto de referência 337 e daí para o ponto de referência 336 (Peconha). Desta ponto (Peconha) a força saiu para o ponto 335 indo emboscar próximo à bolanha no ponto 333. Levantada a emboscada e depois de contornada a bolanha a força atingiu o ponto 331 indo pernoitar a 1 km. a Norte de Bacar. No dia seguinte a força seguiu para Bacar onde emboscou os trilhos Bacar – Peconha, Bacar – Beloi – Có e a cambança para Dulaquete.

Pelas 15,00 horas a força seguiu para Igate depois de Beloi onde emboscou. No dia seguinte pelas 6,00 da manhã a força seguiu para Có em fim de missão sem contacto.
Depois da operação realizada esta mereceu as seguintes considerações feitas pelo Exmº. Comandante das Forças Terrestes de Có:

"A operação foi bem conduzida cumprindo-se o planeamento anteriormente realizado, tendo o Comandante da CCAÇ 2636 demonstrado mais uma vez determinação e tenacidade no cumprimento da missão".


Operação Melhor Êxito

Realizada em 15, 16 e 17 de Fevereiro de 1970.

Comandante: Luís Mendes Alferes Miliciano de Infantaria.

Finalidade: Bater toda a Península da Peconha.

Evolução da acção: A força saiu de Có e dirigiu-se para o ponto de referência 329, seguiu para Bacar onde emboscou os trilhos Bacar – Peconha e Bacar – Beloi – Có.

Seguiu depois para Igate onde emboscou o trilho Igate – Peconha, no dia seguinte dirigiu-se para os pontos de referência 336,335 e 334 onde emboscou a cambança para Ponta Matar. Levantada a emboscada a força deslocou-se para Sul e em Beloi emboscou o trilho Có – Beloi – Bacar. No dia seguinte dirigiu-se para Có em fim de missão sem contacto.

Resultado: sem contacto


Operação Ovo Grande

Realizada em 25, 26 e 27 de Fevereiro de 1970.

Comandante Manuel Medina e Matos – Cap. Milº. de Infª.

Finalidade: Bater toda a Península da Peconha, procurando detectar e aniquilar quaisquer elementos Inimigos na região.

Evolução da acção: A força saiu de Có para o ponto de referência 333 onde emboscou a cambança para Ponta Matar. Depois de levantada a emboscada, a força circundou o Norte da Península, seguiu para o Sul de Bacar onde montou nova emboscada junto à bifurcação dos carreiros que vêm da Peconha e Beloi., pelas 19.00 horas a força seguiu para Igate onde pernoitou. No dia seguinte a força deslocou-se para a cambança da Peconha onde montou nova emboscada. Levantada a mesma a força progrediu até à Bolanha e contornou a Península até ao ponto de referência 329. Pelas 19.30 horas a força emboscou o carreiro Có – Beloi – Bacar e no dia seguinte pelas 6.00 horas a força dirigiu-se para o Aquartelamento de Có em fim de missão sem contacto.

A actuação da Companhia de Caçadores 2636 no Sector da AOP – 1 mereceu a seguinte citação elogiosa do Exmº. Comandante do BCAÇ 2884 transcrita na Ordem de Serviço nº. 51 de 2 de Março do BCAÇ 2884:

“Que muito me apraz distinguir todo o pessoal da C.Caç. 2636, pela disciplina, preparação militar, espírito de sacrifício e dedicação demonstrada em todas as missões, serviços e actividade operacional intensa em que foi empenhada durante a sua permanência temporária de 4 meses na zona de Có.

"Constituída por um conjunto de graduados briosos comandados por um Capitão do Quadro de Complemento, desembaraçado, muito dedicado, leal, perfeitamente enquadrado e compenetrado da missão que superiormente lhe fora determinada, a C. Caç. 2636, pelo seu aprumo militar, valor cívico e moral e muito há a esperar em novas missões em que for encarregada”. A presente citação foi considerada como sendo dada pelo CAOP – 1 na sua Ordem de Serviço nº. 8 de 21 de Março de 1970.

Assim foram passados quatro meses, onde por terra fomos a tudo quanto era sítio. Sem conta os kms. percorridos. Gastámos o primeiro par de botas, e no dia 2 Abril de 1970 partimos para nova aventura: o Sector Leste – Bafatá esperava por nós.

domingo, 27 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P296: BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71), o primeiro batalhão do João Tunes

1. Alferes milicianos da CCS do BCAÇ 2884, com sede no Pelundo, em alegre e descontraído convívio, no dia 1 de Janeiro de 1970.

João Tunes, ex-alferes de transmissões, é o segundo da esquerda, de costas e de quico na cabeça, abraçando um camarada (talvez o médico ou o capelão) ...


A camaradagem e a cumplicidade entre milicianos foram fundamentais para a sua sobrevivência (física e mental) no teatro de operações da Guiné. Davam-lhes força para enfrentar oficiais fascistas e incompetentes como aquele que puniu o nosso camarada e amigo com um dia de prisão, agravada para três, por ordem do Com-Chefe.

© João Tunes (2005):

Texto do João Tunes:

Camarada João Varanda,

Parabéns pelo excelente texto sobre os "quatro oficiais" assassinados no Pelundo (1). Julgo até que adianta bastante nos dados históricos sobre a guerra na Guiné. Embora não concorde integralmente com o modo decisivo como dás como adquirido que, com o eventual sucesso no chão manjaco, a guerra podia estar ganha. 

Julgo que a norte, poderia haver uma mudança importante na correlação de forças, mas parece-me voluntarista demais dizer-se que o PAIGC, com a entrega de um bigrupo, ia cair como um baralho de cartas. E no sul e leste? Sobretudo no "reino do Nino" como se ia dar a volta? Evidentemente que a zona de penetração a partir do Senegal era a mais fácil de conter, pois Sengor sempre jogou com um pau de dois bicos. Mas por onde o PAIGC penetrava a partir da Guiné-Conacry, a música era e seria sempre bem diferente. Enfim, nestas coisas, impossível é haver unanimidade. Mas, repito, o teu texto é um documento valiosíssimo. Parabéns.

Obrigado por finalmente teres avivado a minha memória, lembrando-me o número do meu Batalhão do Pelundo. É isso, BCAÇ 2884, sob comando desse Tenente-Coronel de pacotilha Romão Loureiro (antes da Guiné, o tipo havia feito a maior parte da sua carreira "militar" na União Nacional, tendo chegado a Presidente da Câmara de Viseu... e foi fazer aquela comissão para poder ascender a Coronel, mas [...] sabia tanto de guerra como eu sei da cultura de alcagoitas)(2).

Abraços.
João Tunes
______

Notas de L.G.

(1) Vd. post de João Varanda, de 26 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIII: A morte de três majores e de um alferes no chão manjaco

(2) Sobre este militar de opereta, vd. o retrato (de antologia!) que lhe faz o João Tunes no seu blogue Bota Acima > Abril 7, 2004 > Jogo de Cartas. É uma peça (fundamental) para se compreender a prepotência, a incompetência e a arrogância de alguns (não sei se muitos) oficiais superiores que conhecemos no teatro de operações da Guiné (eu conheci!) e que muito terão contribuído para precipitar o fim da guerra... De facto, o mérito não foi só do PAIGC!

sábado, 26 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P295: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (4): A acção psicossocial (João Varanda)


Texto do João Varanda (ex-furriel miliciano da CCAÇ 2636, Có 1969/71).

© João Varanda (2005)

A CCAÇ 2636 vivia Có nas suas 24 horas (1). A moral da companhia era sempre muito elevada, os sucessos já tinham surgido de forma muito significativa, a autoconfiança era enorme e tudo apontava para a continuação da boa estrela que nos estava a acompanhar. A nossa entrega era total, assim fomos compreendendo que muito havia a fazer encaixando-nos no sistema para que tudo se tornasse mais fácil. Para a Companhia era certo que em tempo de guerra teríamos de ser pau para toda a obra, tínhamos muito trabalho pela frente, por isso era extremamente necessário pôr mãos a toda aquela obra.

Colocada a tropa no terreno, as nossas acções na área foram sempre muito objectivas. O inimigo não se furtava a um contacto decisivo, naquele sector eram as nossas forças que comandavam e, como o inimigo não se colocava a descoberto, era por isso importante trabalhar na vertente social da campanha.

Vou respigar de memória alguns episódios para enaltecer o valor da campanha de apoio social, moral e médico que demos, à margem dos combates, às populações e aos nossos próprios homens.

Como Có era uma pequena e exígua tabanca, a dureza do conflito sobrepunha-se à sua riqueza e importância territorial, sustentando-se mesmo assim uma economia de mercado que permitia, sem dificuldade, assegurar a sobrevivência de uma população de poucas exigências. Seguindo a orientação de Spínola, conseguimos construir uma pequena urbe, abrindo caminhos, desenvolvendo a economia, melhorando o nível de vida das gentes locais.

Sobre a vertente social da campanha deixamos umas breves notas do conjunto de actividades encetadas a vários níveis de actuação:

1 – A tenda de campanha a CCAÇ 2636 possuía posto de socorros permanente para efeitos operacionais, constituindo uma mais valia não só para as tropas que ali viviam em ambiente de combate intenso, como também para as populações africanas, que usufruíam dos seus serviços assistenciais.

A equipa, tulelada pelo Furriel Miliciano do Serviço de Saúde António Silva Pratas e três Cabos enfermeiros, compenetrados da sua missão e sempre animados do melhor espírito de colaboração, desempenharam sempre tais funções com muito mérito e dedicação.

Era gratificante presenciar esse quadro diário. Muito cedo pela manhã, a população acampava junto ao Posto de Socorros em filas permanentes de mulheres, homens e crianças com a orientação do chefe de tabanca ou a um seu delegado que, por vezes, servia ao mesmo tempo de intérprete quando tal se justificasse. A maioria da população necessitava de acompanhamento clínico, devido a doenças endógenas de foro tropical, com base no paludismo. A prescrição era na maior parte das vezes com base em comprimidos ou injecção, para os africanos a aceitação da injecção era melhor, sem pruridos de qualquer natureza, coxas e rabos eram mostrados à espera de penetração da agulha. Toda a medicação era fornecida gratuitamente pelas Forças Armadas.

Ainda na vertente da saúde, diariamente se visitavam várias tabancas em busca de casos e de situações mais complexas ou mais raras que necessitavam de observação, diagnóstico ou tratamento. Casos que existiam, esconsos, envergonhados, escondidos na sombra de alguma miséria profunda. Nestes e em todos os outros que se impusesse, era providenciada imediata evacuação para Bissau, por via terreste, com escolta, ou por via aérea, conforme a urgência e a gravidade da situação encontrada.

Sobre os cuidados de saúde ministrados às populações, algumas outras reflexões compete aqui traçar. A primeira, para revelar a grande competência e, fundamentalmente, a extrema dedicação de todos os que connosco trabalharam, com parcos meios à sua disposição, com pessoal desprovido de formação, com largas de dezenas de consultas e tratamentos diários, com situações clínicas invulgares em muitos casos para abordarem. Eles foram, no seu ofício, heróis assumidos desta guerra particular.

A segunda nota é para descrever, em poucas palavras, situações vividas no terreno para provar a nossa ligação sentimental e efectiva aquela gente, tão profunda que nunca poderíamos regatear qualquer tipo de colaboração, partindo quase sempre essa iniciativa da nossa parte. Mais do que o imperativo da missão, era a solidariedade verdadeira que nos movia. Dos muitos exemplos, escolho o daquela bajuda que iria ser mãe pela primeira vez.

Cerca das 3 horas da manhã, o chefe da tabanca contacta com o quartel transmitindo a necessidade de apoio médico à dita bajuda que, com o passar das horas, não dava sossego nem tranquilidade na tabanca. De imediato um camarada de serviço de segurança ao quartel foi ao abrigo subterrâneo à procura do primeiro que estivesse à mão para dar apoio e resolver a situação. Escusado será dizer a azáfama do pessoal dos serviços de saúde perante aquele caso que nunca se nos tinha deparado.

Após uma mini-reunião prestou-se-lhe os primeiros socorros e tomou-se a medida adequada, que era evacuação para Bissau para o Hospital Civil. Assim, e de imediato, a bajuda foi colocada no primeiro veículo à mão (por acaso o jipe cedido pelo Capitão Medina e Matos) e lá foi na companhia de um enfermeiro, um homem de transmissões e um atirador de metralhadora.

Estrada fora, lá foram os nossos camaradas, com as luzes do veículo nos máximos, num acto de desprezo pelo adversário, a todo o gás, direitos a João Landim, com o homem das transmissões a contactar com os fuzas para nos proporcionarem àquela hora a disponibilidade da jangada para fazermos a travessia rumo a Bissau. Cerca das 5 horas da manhã, esta malta dava entrada com a bajuda no hospital e, enquanto no guichet de atendimento entregávamos a papelada para tratamento de dados, ela seria mãe de um rapagão a quem foi dado o nome Mamadú Baldé.

2 – As gentes africanas de Có e subúrbios eram inconfundíveis: de grande estatura e carisma, eram irmãos de sangue e de luta pela mesma causa. Enaltecer os seus predicados seria esgotar toda uma panóplia de adjectivos. Por muito que o tentasse nesta singela crónica, não teria palavras para o fazer.

Naturalmente simpáticos, empenhados, compreensivos e sensíveis a todos os nossos argumentos, entre eles e nós havia uma empatia total, uma identificação absoluta em torno de todo o tipo de problemas desde os operacionais até aos da vivência da tabanca. Tudo se processava entre nós num perfeito sincronismo e entendimento, franco, despido de preconceitos.
Era muito fácil conviver com esta gente. Isto para dizer que, após todas as prestações de consultas de primeiros socorros, a tenda da enfermaria mais parecia um aviário de frangos e galinhas ofertados pelos pacientes, permitindo-nos depois fazer fabulosos pitéus nos momentos mais condicionados pela fome e pelo cansaço. Recusar a oferta de galinha ao africano era ofensa impensável.

3 – No percurso operacional tivemos um comportamento modelar, na área do bem-estar e do apoio social tudo também fizemos para colmatar muitos problemas locais, quer das NT, quer da população em geral. Para o bem-estar do pessoal, ao fim de pouco tempo, construímos um novo conjunto de cozinha, refeitório e cantina/bar para as praças.

Construímos ainda um espaçoso e seguro paiol subterrâneo para as centenas de granadas que jaziam praticamente a céu aberto, um sistema de filtragem de águas para beber e para banhos, uma oficina auto com fossa para lavagem e lubrificação de viaturas, com água corrente, para os nossos Unimog - para os grandes Furriel Marques e Teodoro Simões ( Nanza) nos proporcionarem transporte seguro -, um heliporto para evacuação de feridos e doentes para a capital Bissau, um sugestivo e elegante monumento alusivo à nossa passagem pela aquela terra, evocando os nossos mortos brancos e africanos. O qual, mais de trinta anos depois, ainda se mantém incólume e erecto conforme me relatou o Capitão do PAIGC Eduardo Sanhá que veio, após o final de guerra colonial, cursar Direito na Universidade de Coimbra.

Capinámos os principais troços das estradas envolventes ao destacamento de Có, reparámos aquelas mais necessitadas, construímos ou melhorámos pontes e pontões. Em relação à população africana, dadas as condicionantes da guerra envolvente que limitavam, por razões de segurança, as áreas agrícolas aproveitáveis, disponibilizávamos meios pessoais e viaturas para os enquadrar nas suas safras diárias, permitindo assim uma actividade agrícola e pecuária razoavelmente normal e produtiva.

Para salvaguarda do bem-estar e equilíbrio emocional do pessoal, junto ao improvisado estaleiro de apoio da brigada de engenharia, para a feitura da estrada Có – Pelundo construímos um campo para a prática do futebol, fenómeno universal e abrangente, que servia às mil maravilhas para descomprimir, sendo a sua utilização diária. Largas e longas tardes dedicámos ao jogo da bola.

Ampliamos a tabanca de Có com habitações construídas com uma espécie de argamassa feita de barro e capim seco com cobertura a colmo de palmeira ou chapa de zinco, made in U.S.A., à porta das quais se plantaram duas bananeiras, sinal vivo de África.

Todos estes tipos de apoio às populações autóctones - que em guerra clássica de guerrilha como era aquela é absolutamente fundamental e constante em todos os manuais que tratam o assunto -, eram feitos por nós não só com esse intuito. A nossa ligação sentimental a essa gente era tão profunda, que nunca poderíamos regatear qualquer tipo de colaboração, partindo quase sempre essa iniciativa da nossa parte. Mais do que os imperativos da missão, era a solidariedade que nos movia.

(Continua)
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(1) vd posts anteriores do João Varanda:

15 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCI: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (1): De Santa Margarida ao Cupilom...

16 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCIII: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (2): "Periquito vai no mato, que a velhice vai p'ra Bissau"...

Guiné 63/74 - P294: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (3): O espírito de grupo (João Varanda)

Guiné > Região do Cacheu > Có > 1969: As lavadeiras da tropa, na bolanha de Có.

© João Varanda (2005)

Texto do João Varanda (ex-furriel miliciano da CCAÇ 2636).

História da CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) > 3ª parte.

Na Guiné, exceptuando o arquipélago de Bijagós (sem interesse militar), o terreno define duas zonas militarmente diferenciadas:

(i) O litoral – da costa até uma linha definida de norte para sul por Cuntima, Jumbembem, Porto Gole, Xime, Xitole eAldeia Formosa;

(ii) O interior – para leste da linha anterior até às fronteiras com o Senegal e a Guiné – Conacri.

Contudo, durante a guerra quer os comandos militares portugueses, quer o PAIGC dividiram o território em três zonas, separando o litoral em Norte e Sul do rio Geba.

A divisão da Guiné em zonas de operações obedeceu à compartimentação do terreno, mas teve em consideração as importantes clivagens étnicas e religiosas dos grupos humanos da Guiné e os apoios que os países vizinhos deram à luta militar.

Foram assim estabelecidas três zonas de Operações:

(i) Zona Norte: São Domingos (fronteira), Farim, Teixeira Pinto (Canchungo), Óio / Moirés, Bissau.

(ii) Zona Sul: Fulacunda (Quinara), Cubisseco, Catió / Cantanhez, Quitafine, fronteira.

(iii) Zona Leste: Bafatá, Gabu (Nova Lamego), Madina, fronteira norte (Pirada), fronteira leste (Buruntuma).

Assim, e perante este quadro, verifica-se o que foi a imensa saga do combate na Guiné – hoje historicamente reconhecida como “o Vietname Português” – no contexto da complexidade, diversidade e riqueza étnicas de uma comunidade como aquela.

Có – e conforme vimos pelo teatro das operações antes da nossa chegada para tampão de zona - foi terra fustigada; no terreno, travava-se então lutas que pareciam eternas, mas a moral da CCAÇ 2636 era muito elevada, já que com os nossos comandos, na pessoa do jovem Capitão Miliciano Manuel Medina Mato e do 2º. Sargento Cruz, em pleno mato, às portas do combate do dia a dia, sentimos sempre o prodígio do apoio dos escalões superiores, traduzido em todas as valências, com oportunidade e eficácia.

Tivemos o privilégio de servir na Guiné na CCAÇ 2636, no período de 28 de Outubro de 1969 a 6 de Setembro de 1971. Foi uma unidade de que guardamos as melhores recordações, a de ter cumprido as suas difíceis e diversificadas missões, com eficiência, dignidade, correcta postura no ambiente político-militar da época. Esse saetimento era partilhado por todos os seus efectivos, continentais, insulares (Açores) ou do recrutamento local.

Foi uma companhia bem comandada por um jovem capitão de infantaria no início da sua carreira, que revelou possuir uma generosidade e dedicação exemplares e uma capacidade de compreensão do conflito, não apenas na sua vertente militar, mas sobretudo nos seus aspectos político-sociais, humanos e psicológicos, aqueles que sem dúvida constituíam a componente nuclear da Guerra da Guiné e condicionaram os desenvolvimentos da situação, os sucessos e os insucessos da luta armada até ao desfecho que se conhece.

Os factos mais salientes revelam-se com a recordação e narrativa de pequenas histórias nas quais os traços militares não relegam para segundo plano os aspectos humanos, as emoções, as alegrias e tristezas, as frustações e os receios que todos os que serviram o País nas Guerras de África bem conhecem e compreendem em toda a profundidade e a quem a leitura destas crónicas reconfortará, lembrará bons e maus momentos e ajudará a uma melhor compreensão dos acontecimentos de que foram protagonistas.

Sublinho, para elogiar, a importância que para nós foi a acção de todo o colectivo militar e o recrutamento local (Milícias ) que formaram o todo da CCAÇ 2636. Alguns deram a sua vida para a paz no Chão Manjaco , chão esse que sentimos e defendemos com inegualável coragem e em plena liberdade de consciência. Sem constrangimentos, obsessões, cedências, estivemos sempre por inteiro com muito ânimo e vontade, mesmo que, a cada dia que passava, a guerra fosse ganhando contornos cada vez mais sérios e cenários que se estendiam cada vez mais no tempo e no espaço.

Com o passar do tempo as hipóteses de tudo ser transitório, passageiro, fácil de gerir, eram cada vez mais distantes e o conflito encaminhava-se para uma situação duradoira, de difícil solução, tanto a nível interno como a nível externo. Não cabe agora e aqui tecer comentários sobre os seus antecedentes, causas e razões que a motivaram, nem tão pouco comentar a sua legitimidade, sob qualquer das suas vertentes mais críticas. Hoje o assunto, por muito debatido e assumido, está fora de discussão.

Confrontados com estas duras realidades, houve que enfrentar os acontecimentos, preparar a guerra, fazer a guerra, com todas as suas incidências. E essa guerra era e foi uma guerra de verdade. Para que a história , a nossa, não o esqueça, deixo uma segunda e não menos relevante palavra de apreço e justificação para os homens da CCAÇ 2636. Não só por eles ou para eles.
Mas porque eles simbolizaram de forma admirável todo o espírito de sacrifício, dedicação e entrega a que toda uma Nação em armas se votou em torno desta guerra. Foram eles que permitiram colher todo este manancial de experiência viva e rica, protagonizando momentos de indescritível beleza, sofrimento, angústia e coragem física e moral, que só um ambiente desta natureza pode exprimir e permitir. Sem reivindicações, subterfúgios, queixumes. Ao nível de verdadeiros heróis, anónimos, simples descomplexados, humildes, mas muito verdadeiros e humanos. Do melhor que temos.

Formámos sempre e em todas as circunstâncias um conjunto sincronizado, harmónico, sinergético, de uma vontade única e de um só querer. O Capitão Manuel Medina Matos, o 2ºs. Sargentos António Cruz e José Rosa Coelho, os Alferes José Américo Martins Ferreira, Luís Mendes, João Manuel Magalhães, e o Baltazar Silva Dias Santos, os Furriéis António Agostinho Ramos, David Rosário Monteiro, Leonel Santos Sousa Morais, Alcides Carolino Trindade, Fernando António Oliveira , José Adalberto Esteves Teles Paiva, José Silva Rodrigues Alves, Francisco Joaquim Pais, Francisco José Salema, Manuel Costa Alves, António Silva Pratas, Manuel Marques, António Armando Teixeira, Diogo José Moura Proença e, eu próprio, João Varanda eram o exemplo que estimulava e convidava os nossos soldados à entrega, ao empenho e à vontade de ir mais longe, permitindo-se avançarmos, mais seguros e confiantes.

Era este o espírito de entrega, de verdadeira missão, que se estendia muito mais para além do soldado combatente. Todos os restantes, que não tinham sido escalados para esta tarefa sublime sentiam, tinham tanto como os outros o direito e a obrigação de tudo fazerem e conseguirem, na retaguarda competente, para apoiarem o sacrifício, solidarizando-se com os operacionais, trabalhando com eles e para eles, sofrendo por vezes as mesmas angústias, os mesmos temores.

Em redor de toda esta vivência, é justo sublinhar, e de forma acentuada, o labor desenvolvido por todos os que nos acompanharam nas incidências do mato, do combate. Eles não só nos acrescentaram experiência e saber às nossas arremetidas, mas constituíram também verdadeiros exemplos de abnegação e heroísmo.

Ainda no terreno concreto da luta umas breves palavras para enaltecer todos os que acreditaram na “Guiné Melhor” ao nosso lado: às Milícias que acreditam nos Portugueses, o comportamento das populações e autoridades que connosco partilharam as agruras da comissão, populações nativas e brancas porque estiveram sempre ao nosso lado, por razões eventualmente diversas, talvez, mas com o mesmo acolhimento e apoio.

Todos tinham também uma crença inabalável nos nossos feitos, nos destinos da guerra em curso, na conquista do bem – estar para todos. Sempre e em todas as circunstâncias manifestavam o seu júbilo pelas conquistas realizadas, o seu pesar pelos inêxitos, repartindo com todos nós momentos de grande satisfação e admiração. Construíram em nosso redor um ambiente de elevada estima, reconfortante e estimulante, permitindo-nos fazer esquecer as ansiedades próprias no contexto em que ali nos encontrávamos. Foram a nossa família afastada, neles encontrámos força e ânimo para prosseguir, teimar, lutar e mantermo-nos fieis ao compromisso histórico então travado.

As autoridades locais, com quem tivemos o ensejo de contactar e conviver, foram também exemplares na compreensão da sua e da nossa missão, contribuindo de modo muito significativo para um natural e necessário ambiente de bom entendimento. Sem constrangimentos de qualquer espécie, com ligações funcionais excelentes, o seu contributo para o êxito dos nossos propósitos foi decisivo.

Por isso, toda esta gente, nos seus sectores de actuação e de representação, não poderia deixar de ser citada com muito orgulho e estima da CCAÇ 2636.

Guiné 63/74 - P293: A morte de três majores e de um alferes no chão manjaco (João Varanda)


João Varanda, no destacamento de Tel, na zona de Có-Pelundo, em pleno chão manjaco, região do Cacheu, 1969.

A CCAÇ 2636, uma companhia açoreana, fez na primeira parte da sua comissão a segurança à construção da estrada Có- Pelundo - Teixeira Pinto.

A 14 de Novembro de 1969 um grupo de combate da CCAÇ 2636 foi destacado para Tel.

© João Varanda (2005)

Texto do João Varanda (ex-combatente da CCAÇ 2636, Có/Pelundo e Teixeira Pinto; Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1969/71)



Nota introdutória:

Temos de prestar homenagem a todos quantos combateram e perderam a vida na Guiné-Bissau, tanto da parte portuguesa com da parte do PAIGC. Todos foram heróis e neste escrito sincero acrescento também o Alferes Mosca, em termos que não deixam margem para dúvida. E, ao citá-lo, presto-lhe uma homenagem e faço-lhe a reparação de uma dívida histórica, porque foi esquecido, mesmo sendo um militar notável na companhia dos três Majores - Magalhães Osório, Pereira da Silva e Passos Ramos - que não resistiram ao brutal assassinato feito pelo inimigo, o PAIGC, nas condições mais adversas, nas matas da zona de Pelundo – Teixeira Pinto (1).


MORTE DOS TRÊS MAJORES E UM ALFERES EM 20 DE ABRIL DE 1970 (2)

Em 20 de Abril de 1970, três Majores do Exército Português, acompanhados pelo Alferes Joaquim Palmeiro Mosca e seus acompanhantes, foram brutalmente assassinados na Região de Teixeira Pinto, mais precisamente em Jolmete [a norte do Pelundo, junto ao Rio Cacheu].

Os Majores Passos Ramos, Pereira da Silva e Magalhães Osório e o Alferes Joaquim Palmeiro Mosca morreram no decorrer daquela que é sempre a mais arriscada e aliciante de todas as actividades de um militar: trazer o inimigo para o seu lado. Estes três oficiais (Majores), prestavam serviço no Comando de Agrupamento Operacional (CAOP), com sede em Teixeira Pinto [hoje, Canchungo] (3): o primeiro como chefe do Estado Maior, o segundo como oficial de operações e o terceiro como oficial de informações; o quarto miliar, o alferes Mosca, como operacional. Os três oficiais superiores portugueses tentavam realizar uma operação de aliciamento de comandantes e dirigentes do PAIGC na área.

A acção em que perderam a vida, mortos pelos elementos com os quais se iam encontrar, é exemplificativa do ambiente que se vivia naquele teatro de operações e do modo como ali se conduzia a guerra.

As expectativas criadas pelo General Spínola para a resolução política da guerra, com as conversações que estabeleceu com Senghor para, através dele, chegar a Amílcar Cabral, o convencimento de que a política da “Guiné Melhor” atrairia cada vez maior número de habitantes, incluindo combatentes do PAIGC, a análise que o Estado Maior de Spínola fazia das clivagens étnicas e a situação militar no terreno, ainda favorável às forças portuguesas, haviam criado o ambiente propício para acreditar que alguns elementos daquele partido poderiam abandonar as suas fileiras e aderir à nova política, o que seria um passo para mais tarde trazer Amílcar Cabral.

Estes oficiais acreditavam que isso era possível e montaram uma rede de informações para conseguir chegar até aos dirigentes do PAIGC. O Major Pereira da Silva, oficial de informações, efectuou dez reuniões com eles, o Major Passos Ramos esteve presente em seis, o Major Magalhães Osório em quatro. Os três estiveram na primeira realizada na região de Umpacaca e nas que se realizaram em Pigane, Capunga e Jolmete, onde foram mortos com o Alferes Mosca e seus acompanhantes.

O PAIGC entendeu esta operação como aquilo que ela era: uma tentativa de levar elementos seus à traição e a deserção. O PAIGC o reagiu matando os oficiais portugueses, que seguiam desarmados e sem escolta, mas o facto de os órgãos dirigentes do PAIGC terem decidido eliminá-los em vez de os fazerem prisioneiros, a fim de os apresentar como troféus, revela a insegurança em que as cúpulas do partido se sentiam perante a política conduzida por Spínola e as dúvidas sobre o seu grau de penetração, mesmo no mato com o nosso General Spínola. Ali se iniciou o diálogo mas, entretanto, mantendo nós a posição de força.

No teatro das operações, os vitoriosos da guerra éramos nós e não o PAIGC. A Op Chão Manjaco era vital para nós: era começar a puxar a ponta, contactar Senghor, os bigrupos, usar o prestígio do agrupamento operacional.

Eram quatro pedras basilares, três majores e um alferes, peças fundamentais: - um da intelligence, Perereira da Silva; um operacional, o homem que puxava os cordéis da guerra, o Major Osório; e um major de eleição, sonhador mas pragmático, o Passos Ramos; mais o operacional, o Alferes Mosca. Foram quatro homens, e peças fundamentais da política de abertura ao diálogo com o PAIGC.

De maneira nenhuma o PAIGC nos enganou na questão relativa à Op Chão Manjaco. Luís Cabral mente quando aborda esta questão. O chão manjaco foi completamente dominado por nós e a morte dos nossos três majores e do alferes uma barbaridade cometida pelo PAIGC que, reconheçamos, não tinha outra saída.

E afirmamos que ele mente porque ainda hoje não tem a coragem de dizer: “ Que não tinham outra saída senão decapitarem aqueles grandes Senhores da Guerra, que estavam a prejudicar o PAIGC “. Dizem que queriam prender o General Spínola e assassinaram quatro combatentes portugueses que foram ao encontro de chefes militares do PAIGC, completamente desarmados.

Luís Cabral, não só mente como não assume a responsabilidade do seu partido. Percebemos perfeitamente que o PAIGC, com a corda na garganta como estava, não tinha outra saída: ou decapitava o Comando do Agrupamento Operacional e dava cabo daquele, ou tinha os bigrupos do chão manjaco a combater connosco. O PAIGC foi encostado à parede e não tinha outra saída senão, que foi catastrófica para nós, porque no plano político perdemos a capacidade de diálogo com o PAIGC. O Estado Português, na pessoa do General Spínola, estava no mato em diálogo com o PAIGC. Sentados com uns três ou quatro, estiveram a conversar. As conversas eram na base de que os bigrupos do PAIGC no chão manjaco acreditavam na nossa boa fé. É de acreditar que, se tivéssemos conseguido êxito na Op Chão Manjaco, o PAIGC teria caído como um baralho de cartas.

Tal não aconteceu e, a partir do desaparecimento daquela equipa, tudo começou a correr mal para as nossas hostes.

Manuel dos Santos (Manecas), comandante de artilharia do PAIGC, diz - ainda sobre os três Majores e o Alferes Mosca portugueses - QUE quem no mato falava em nome dos bigrupos do PAIGC eram os Comandantes, André Gomes e o José Sanhé. Contudo ressalva que eles não estavam a negociar com os três Majores e o Alferes Mosca.

O que aconteceu foi que os Majores e o Alferes Mosca iniciaram uma acção, que é um tipo de acção corrente em qualquer guerra, que foi a de tentar aliciar os comandantes do PAIGC na área. Chegaram à fala com eles através das populações que circulavam por ali. É evidente que, tanto eles como nós portugueses, tínhamos agentes entre alguns dos seus quadros.

Veja-se a versão do General João Almeida Bruno, que é bastante elucidativa do que foi passado e vivido no tempo. Ele diz que podia na verdade dizer-se que estávamos empatados com o PAIGC.

A primeira coisa a fazer na Guiné – Bissau era ganhar a iniciativa e, por isso concentrar meios e dispositivos. Logo também nas primeiras directivas do General Spínola percebeu-se que ter liberdade de acção, ou seja capacidade de iniciativa, era um dado essencial na guerra. Não se podia jogar à defesa: a defesa era um estado preparatório para a ofensiva.

Com Spínola concentraram-se meios, ganhámos capacidade de acção e passámos ao ataque. Porque só a ofensiva conduzia à vitória. Aumentou-se a actividade operacional para dominarmos o teatro das operações pelas armas, para que pudéssemos dialogar com o PAIGC numa posição de força.

Isto não foi querer fazer a guerra pela guerra. Paralelamente foi desencadeada uma grande acção chamada "Guiné Melhor”, uma acção de natureza política que estava a ser ensaiada e concretizada no chão manjaco. E foi aqui que se abriu o diálogo com o PAIGC e que se deu o primeiro encontro entre o Governador e Comandante - Chefe das Forças Armadas e o comandante dos bigrupos do PAIGC que actuavam naquela área. Estiveram depois em várias reuniões, não eram agentes duplos, mas faziam a circulação de informações.

E chegaram à fala, houve vários encontros, mas desde o primeiro encontro que a direcção do PAIGC tinha sido advertida pelos comandantes locais de que havia essa tentativa, mas nunca puseram de parte a negociação com Portugal para chegarmos ao fim do conflito.

Consideraram o diálogo como uma acção clássica de antiguerrilha de corrupção ou de aliciamento de responsáveis da parte adversa ao PAIGC com gravadores, com dinheiro, com géneros alimentícios, com coisas. Os gravadores eram bens de consumo que qualquer indivíduo jovem – e nós éramos todos, jovens e todos os jovens gostavam de ter. Era uma tentativa de corrupção material e de aliciamento. Tínhamos lá umas centenas de guerrilheiros, mas aquilo era sobretudo para os responsáveis da guerrilha. Houve até ordem superior do PAIGC para terminar com isso, segundo se recorda (o Manuel dos Santos).

E no último encontro dos Majores e do Alferes Mosca, os combatentes doPAIGC tentaram capturá-los, e os nossos quatro homens tentaram defender-se. Para dar uma boa imagem diz ainda Manuel dos Santos (Manecas), que não é verdadeira a versão segundo o qual os Majores e o Alferes Mosca iam desarmados, e que Spínola ficou furioso, porque eram três oficiais com reputação de serem altamente capazes, de serem os melhores operacionais e os seus melhores adjuntos.

Já Luís Cabral é duro na análise sobre os quatro oficiais da Op Chão Manjaco e começa por dizer que Spínola não os conhecia e diz mais que o comandante da região, André Gomes, soube da situação que a tropa portuguesa queria negociar a rendição de tropas do PAIGC afirma esses oficiais acabaram por ser mortos, e que eles tiveram essa informação e souberam mobilizar os homens a leste, através de elementos da população que frequentavam os dois lados.

Eles começaram a fazer a aproximação, depois começaram a aceitar que lhes levassem coisas para lá e começaram eles a mandar também coisas para nós, então o comandante André Gomes resolveu fazer o jogo duplo, após ter sido posto ao corrente da situação. Aceitaram todas as prendas, todas as coisas, deram tudo, recebiam os homens desarmados e iam desarmados e combinaram o dia da rendição das tropas do PAIGC. Tudo ficou combinado e acertado na estrada do Cacheu – Teixeira Pinto, com o General Spínola.

Mas a traição foi grande. Luís Cabral nessa altura mandou para lá os seus principais responsáveis, Luís Correia (Responsável da Segurança Norte), Quintino Vieira (Responsável pela Segurança da Região) e André Gomes (Membro do Comité Executivo do Partido P.A.I.G.C.). Contudo já havia vários combatentes que não estavam a gostar daqueles contactos.

Quando o Luís Correia chegou lá, os interlocutores dos oficiais portugueses disseram: “ Nós temos que dizer a eles, que tu já chegaste, porque eles vão saber a certeza, portanto se não formos nós a dizer, vão pensar que há qualquer coisa nisto tudo “. E então era preciso ter mais cuidado, mais prudência, porque tinha chegado o Homem da Segurança Norte.

Quando se encontraram com o General Spínola, nessa estrada, disseram-lhe que esse Responsável da Segurança tinha vindo ali à região de Teixeira Pinto, para fazer uma cerimónia ali ao Deus da área, que é o Irã da Coboiana, o grande Deus da floresta. Mas ele para fazer essa cerimónia precisava de aguardente de cana.

Era preciso arranjar-lha o mais depressa possível que ele, fazendo a cerimónia, ia-se embora. Então, o General Spínola mandou comprar aguardente de cana e deu-a à malta para a cerimónia.

Havia um aspecto de desprezo pelos ideais do PAIGC, de tal maneira que pensavam ser possível com uma garrafa de uísque, até mesmo com uns brincos, desviar aqueles homens dos seus ideais de libertação e de independência. Os nossos oficiais acabaram por ser mortos porque foram lá para assistir à rendição das tropas do PAIGC. Foi feita uma emboscada e foram mortos.

O acontecido, segundo Luís Cabral, não estava nos planos do PAIGC. Afirma que o plano era prender o General Spínola, mas contudo a malta do PAIGC convenceu-se que o General Spínola não vinha ao acto. Como naquela área não tínhamos abastecimentos regulares, nem coisas para conservar esses oficiais, estavam quilhados, ou apanhavam o General Spínola ou então não saia ninguém dali.

Este depoimento foi datado de 13 de Janeiro de 1995, Luís Cabral vivia em Portugal, foi derrubado em 1979 por um golpe de Estado chefiado por Nino Vieira.

Veja-se o depoimento de Marcelino da Mata, alferes do quadro permanente do exército português, reformado, depoiimento feito em em Lisboa, em 21 de Julho de 1994. Marcelino da Mata fez denodadamente a guerra, partindo da noção de quem tinha medo morria depressa e movimentava-se à vontade no complexo território da Guiné – Bissau. Disse o Alferes Marcelino da Mata: os três Majores e o Alferes iam lá buscar o armamento e mais que todas as noites eles iam lá e os homens do PAIGC traziam armas e entregavam-nas ao nosso exército.

Naquele dia foram lá, estavam à espera de um grupo que vinha entregar material, mas em vez de material encontraram o grupo de André Gomes, que tinha vindo a Jolmete fazer patrulha e que, sem saberem o que é que se passava, mataram-no. Depois de o André Gomes matar os quatro oficiais, o exército português avançou com a guerra.

O Marcelino da Mata e o seu grupo operacional andou quatro dias a seguir as pegadas do André Gomes, acabou com o acampamento deles, mas não apanhou o André Gomes. Havia um rio, o Cacheu, e eles quando se viam apertados pegavam nas pirogas atracadas na orla da mata e fugiam.

Carlos Fabião diz que, entre as variadíssimas hipóteses para o caso dos Majores e do Alferes, ele disse a dele, o que não quer dizer que seja a verdadeira. Não estava na Guiné – Bissau quando foi o problema da morte dos nossos oficiais, mas entendia o que passou.

O PAIGC apercebeu-se de que precisava de tempo para se rearmar, reequipar conseguir arranjar-se no chão manjaco. Então começou a negociar a missão connosco. Penso que, desde o princípio, houve falsidade nos propósitos do PAIGC, porque eles só queriam ganhar tempo. Aquela reunião iria ser a última, em termos operacionais, porque eles já tinham prometido várias vezes a sua rendição e nunca se tinham rendido. Eles iam reunir-se com o PAIGC mas esses encontros eram vulgares. O General Spínola tinha estado em alguns.

O PAIGC ficava sempre em estudar as formas de rendição, mas no momento em que iam fazer a rendição falhava outra vez. Este grupo foi dizer-lhes que era a última conversa que iam ter. Pensa Carlos Fabião que era a última conversa que iam ter os homens do PAIGC. Assassinaram-nos nessa altura.

Em resumo, a propósito desta missão levada a cabo por este grupo restrito de oficiais, eles foram vitimas da sua generosidade e vontade de bem servir, acabaram por encontrar a morte na Guiné – Bissau, atraídos à vil emboscada, sob a direcção do Major Passos Ramos, talvez o oficial mais distinto e brilhante que a sua geração conheceu. Conseguiram estabelecer estreitos contactos com uma fracção muito importante dos combatentes do PAIGC, convencendo-os a abandonar a luta armada contra Portugal e serem integrados no seu exército. Foram brutalmente assassinados quando, completamente desarmados, se preparavam para a última reunião que antecedia a apresentação no Pelundo, das forças da região militar norte do PAIGC que estavam sob as ordens de Aliu Gomes.

Na estrada que liga aquela povoação ao Jolmete foram os seus corpos esquartejados e foram recolhidos pela Companhia de Caçadores nº 2586, do Batalhão de Caçadores nº 2884, comandado pelo Tenente - Coronel de Infantaria Romão Loureiro. Paz às almas destes valorosos filhos da Nação Portuguesa, cujos locais de sepultura se indicam a seguir:

- Major de Infantaria Nº. 50972511, do Comando de Agrupamento Operacional / CTIG, Alberto Fernão Magalhães Osório: Cemitério Paroquial do Baraçal, Celorico da Beira;

- Major de Artilharia Nº. 50692711, do Comando de Agrupamento Operacional / CTIG, Joaquim Pereira da Silva: Cemitério Paroquial de Galegos, Penafiel;

- Major de Artilharia com o C.E.M. Nº. 50275711, do Comando de Agrupamento Operacional / CTIG, Raul Ernesto Mesquita da Costa Passos Ramos: Cemitério Paroquial de Paranhos, Porto;

- Alferes Miliciano de Infantaria Nº. 19516168, do Pelotão de Caçadores Nativos Nº. 59 / CTIG, Joaquim João Palmeiro Mosca , Cemitério Municipal de Redondo, Redondo.

Deixo-lhes um fraterno abraço e um apelo a todos os ex-combatentes para que visitem estes cemitérios e coloquem nas suas campas um cravo vermelho de Abril.

João Varanda
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Notas de L.G.

(1) vd. post de 11 de Agosto > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo) [Texto de João Tunes]

(2) Felicito o João Varanda por este texto sobre a morte dos três majores e do alferes do Pel Caç Nat 59, na sequência da Op Chão Manjaco, em que Spínola depositou tantas esperanças de inverter o curso dos acontecimentos... Presumo que ele tenha feitas várias pesquisas documentais sobre estas mortes que nos tocaram a todos naquele tempo. Ele, porém, não cita as fontes que consultou. Seria bom citar essas fontes, fornecendo uma pequena bibliografia... Muitos dos nossos amigos e camaradas de tertúlia sabem pouco ou nada sobre este assunto (já aqui abordado pelo João Tunes, num depoimento emocionado, já que ele era amigo dos três majores, que conheceu em Teixeira Pinto) (1).

(3) Vd. post de Afonso Sousa, de 25 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXI: Coisas sobre Canchungo (antiga Teixeira Pinto)