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segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27267: PAIGC: quem foi quem ? (15): Leopoldo Alfama (Duke Djassi) (1945-2025), comissário político em 1974, governador da região do Cacheu até 1980; o pai era era o dono da Ponta Alfama, perto de Bula


 PAIGC > s/l > s/d > O "comandante Duke Djassi", algures, em conversa com um simples guerrilheiro. De seu nome civil, completo, Leopoldo António Luís Alfama, nascido em 1945, no antigo território da Guiné Portuguesa, de pai cabo-verdianmo, dono da Ponta Alfama, nos arredores de Bula. Foto original do Arquivo Amílcar Cabral / Portal Casa Comum, com a devida vénia

Citação: (1963-1973), "Leopoldo Alfama em conversa com outro combatente do PAIGC", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43548 (2025-9-29)




PAIGC > s/l > s/df > "Comandante" Duke Djassi, nome de guerra de Leopoldo António Luís Alfama (guineense, de origem cabo-verdiana, nascido em 1945; foi comissário político e, depois da independência, governador da região do Cacheu até 1980; deve ter "caído em desgraça" depois do golpe de Estado de "Nino" Vieira, dada a sua origem cabo-verdiana, pelo lado do pai... (Recorde-se que Amílcar Cabral, "Abel Dajssi", nome de guerra, também era  guineense, com origem cabo-verdiana, pelo lado do pai.)

Leopoldo Alfama, em 2014, aos 69 anos. Morreu em 2025, aos 79.
Casado com Fátima Alfama, tinha três filhos.

Fonte: Cortesia de  Barros Brito


1. Através do nosso camarada José Macedo (Zeca, para os amigos, nascido na Praia, ex-ten fuzileiro especial, DFE nº 21, Cacheu 1972/74, e que vive nos EUA), soubemos da morte do Leopoldo António Luís Alfama, antigo "comandante do PAIGC" (nome de guerra, "Duke Djassi" ou "Duke Djassy").


O falecimento ocorreu em 15 do corrente. Em Lisboa, num hospital do SNS. A notícia também a li no Facebook. Mas não chegou aos jornais de referência de Cabo Verde (Expresso das Ilhas, A Nação, A Semana, este último mais próximo do PAICV, agora na oposição)...

Duke Djassi não foi propriamente um dirigente do PAIGC de 1ª linha (*). Embora o elogio fúnebre que passou nas redes sociais, da parte de militantes ou simpatizantes do PAIGC, vai no sentido de destacar o seu papel na guerrilha (como "comandante" e, depois da independência, cvomo governador da região do Cacheu, cargo que exerceu até 1980, "continuando sempre fiel aos ideais de justiça, liberdade e unidade nacional" (Página do facebook de Henrique Monteiro, de 15 de setembro de 2025).

2. No portal de Barros Brito (Genealogia dos cabo-verdianos com ligações de parentesco a Jorge e Garda Brito...), ficamos a saber algo mais sobre o Leopoldo Alfama:

(i) nasceu em 23 de setembro de 1945, na antiga Guiné Portuguesa, muito provavelmente na Ponta Alfama, perto de Bula, e que era propriedade do pai;

(ii) o pai era Luís António Alfama (1886-1947), natural da cidade da Praia, e falecido em Bissau, aos 60 anos; a mãe, Maria Irene da Costa, nascida na Guiné;

(iii) o Luís Alfama instalou-se na região de Bula; foi ponteiro, na "Ponta Alfama (que ainda hoje pertence à família) plantava,  entre outras frutas, abecaxis".


Este pormenor biográfico é interessante: como outros "históricos" do PAIGC (onde passou a militar "muito jovem"), o Leopoldo era filho de pai cabo-verdiano,  ponteiro, cidadão português; pertencia, portanto, a uma pequena burguesia, neste caso rural. com acesso à catequese e à escola. Na região de Bula havia inúmeras pontas: identifiquei mais de uma dúzia, ao longo do curso dos rios Dingal, Bula, Binar, afluentes do rio Mansoa (vd,. infografia, a seguir):

Quem vinha para estas terras inóspitas, palúdicas, inseguras ?... Só os cabo-verdianos, fugidos da seca e da fome... Deviam, naturalmente, usar nas suas pontas, mão de obra local, indígena, com destaque para os desgraçados dos balantas, que era pau para toda a colher... Os seus filhos, os dos ponteiros, os Semedos, os Brandões, os Alfamas, etc.,  irão ser "comandantes" e "comissários políticos" e os seus "balantas" carne de canhão do PAIGC... 

Afinal, Rosinha, tal como que o que aconteceu na tua "terra", Angola, foi o luso-tropicalismo que "nos tramou"... na Guiné. Os filhos dos "ponteiros": ora cá está uma pista para se perceber melhor a história do PAIGC...

"Duke Djassi" era "comissário político-militar" (sic), Corpos do Exército 199 e 70 (sic), em 1 de junho de 1974  (**).



Guiné > Região do Cacheu > Sector de Bula  > Carta de Bula (1953) / Escala: 1/50 mil > Posição relativa de Bula, Ponta Alfama e mais de um dúzia de outras pontas, bem como os rios Dingal, Bula, Binar e Mansoa.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)



Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > "Mensagem de Duke Djassi comunicando as perdas de soldados coloniais nas minas colocadas pelo PAIGC na estrada de São Domingos. Data: Domingo, 1 de Agosto de 1971"... Cortesia da Casa Comum / Funcação Mário Soares.


Como os demais comandantes e comissários políticos do PAIGC, o "Duke Djassi" gostava de impressionar o chefe, em Conacri, com notícias deliberadamente fantasiosas como esta... que depois da "Maria Turra" transmitia na "Rádio Libertação"...


Citação:

(1971), "Comunicado - Campada", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40630 (2025-9-29)

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26744: No 25 de Abril eu estava em... (39): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte IV




(i) nasceu  em 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde;

(ii) estudou no Liceu Gil Eanes (juntamente com o  nosso camarada Manuel Amante da Rosa, seu amigo e contemporâneo no CTIG [ex-fur mil, QG/CTIG, Bissau,1973/74, embaixador plenipotenciário da República de Cabo Verde em Itália entre 2013 e 2018; membro da nossa Tabanca Grande; o pai, antes de se tornar empresário de transportes fluviais, tinha sido, até ao início da guerra, comerciante em Belim, Fulacunda];

(iii)  foi fur mil amanuense, Chefia de Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74;

(iv)  trabalhou, depois da independência,  como chefe de programação na empresa Rádio Difusão Nacional da Guiné-Bissau;

(v) deixou a Guiné-Bissau em 1975, tendo regressado à sua terra natal: aqui trabalhou como chefe de programação na empresa Rádio Nacional de Cabo Verde; e depois como diretor geral na empresa Multimedia SARL - Radio Comercial;

(vi) radialista, jornalista, historiógrafo da música  da sua terra,  e escritor, vive na Praia, Cabo Verde (ver aqui a sua entrada na Wikipédia);

(vii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, sentando-se à sombra do  nosso poilão, no lugar  nº 790; 

(viii) tem 17 referências no nosso blogue.


1. Continuação do seu depoimento sobre o 25 de Abril em Bissau (*), disponível na sua página do Facebook (Carlos Filipe Gonçalves, Kalu Nhô Roque)  e também na página do Facebook da Tabanca Grande.

 

No 25 de Abril eu estava em... (39): Em  Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG - Parte IV (*)


por Carlos Filipe Gonçalves, 
ex-fur mil amanuense 
(natural do Mindelo, 
vive hoje na Praia, Cabo Verde)



Neste ponto, publico antes de mais os meus agradecimentos: aos entrevistados para este livro (que talvez uma dia seja publicado). Deram uma contribuição inestimável para se conhecer uma época, são eles militares de ambos os lados que deixaram o seu testemunho, especialmente os militares portugueses que no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (www.blogueforanadaevaotres.blogspot.com)  e nas páginas do “Facebook” (Guiné-Recordações e Fotografias da Guerra no Ultramar, entre outras) dão uma visão.  na primeira pessoa, daquilo que viveram na Guiné.

Agradecimento especial ao Luís Graça, coordenador do blogue, que concedeu autorização para citação daqueles testemunhos e utilização de fotos. A seguir, mais um texto que recorda os dias e acontecimentos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974. Os encontros da tropa portuguesa com os guerrilheiros caíram no esquecimento, por isso aqui vão alguns pormenores, para os nossos filhos e netos.

A partir do final do mês de Maio de 1974 aumentam os encontros entre a tropa portuguesa e os guerrilheiros do PAIGC.

 O militar português referido anteriormente (em Guidaje, João Dias da Silva, CCAÇ 4150, 1973/74) recorda (**), que no seu aquartelamento, em Guidaje houve uma tomada de posição da guarnição através de um comunicado, entregue ao seu comandante no dia 26 de Maio no qual se dizia:

 “Decidimos (nós,  soldados portugueses) desde então abandonar as armas e ir participar na mobilização das massas populares da nossa terra (Portugal). (…) Queremos a Paz e para que haja tal é preciso uma independência da nossa terra (Portugal). E,  se tal é a vontade do nosso povo, nós não temos nenhuma razão de lutar contra quem a defende (a independência Guiné)”. 

O referido militar assinala então que no dia 28 de Maio de 1974 houve festa em Guidaje e descreve:

 “Desde 1968 que não havia batuque devido à guerrilha, pois quando se fazia batuque havia, geralmente, um ataque”. 



Comandante Duke Djassy nome de guerra de Leopoldo António Luís Alfama (guineense, de origem cabo-verdiana, nascido em 1945; foi comissário político depois da independência, foi governador da região do Cacheu até 1980)

Leopoldo Alfama, em 2014, aos 69 anos

Fonte: Cortesia de  Barros Brito


Na sequência deste movimento interno dos militares naquele quartel, seguiu um enviado especial (dos soldados portugueses) para contactar a guerrilha (PAIGC). A resposta o PAIGC, foi dada no dia seguinte a através de uma carta, da qual apresentamos o seguinte extrato (**):

“Frente S. Domingos – Sambuaiá Combang'hor, 31 Maio 1974 (…)

Tendo escutado, hoje, atentamente o vosso interlocutor, tomei conhecimento, e em nome do Comando Militar da nossa região, decidi rabiscar, no interesse de ambas as partes, as possibilidades que facilitarão o nosso eventual encontro. A vossa iniciativa desfruta grande admiração por nossa parte, que é a única razão de nos estarmos batendo, foi sempre e sempre será pela conquista da nossa dignidade e liberdade. (…) 

Sr. Comandante! Nós que não fazemos a guerra pela guerra, nós que nunca confundimos nem confundiremos, povo com regime dum governo. (….). etc.” 

No final da carta a anteceder a assinatura pode-se ler: 

“Viva Portugal Livre! Viva o PAIGC! Que a Vitória Final Será dos Povos!  

Obrigado, prévio do camarada franco 

a) Duke Djassi Comissário Político Militar”. 

Assina Duke Djassi

Nota final - Este Duke Djassy é a minha alcunha, porque o meu nome é Leopoldo António Luís Alfama”.

Depois desta troca de cartas, acontecem gestos de boa vontade da parte do PAIGC, que o referido militar português assinala:

 “Veio hoje (2 de Junho de 1974) a Guidaje um carro civil de Carlos Vieira (irmão do 'Nino' Vieira, que se encontra estabelecido em Binta) com negócios diversos, vender/trazer mantimentos à população, o que não acontecia desde o início da guerra.” 

Finalmente, conforme recorda o ex-militar citado, foi marcado um encontro a ser realizado no dia 5 de Junho de 1974 à tarde “na tabanca senegalesa de Mariá” em que participaram pela parte portuguesa;

 “Cap António Eduardo Gouveia Carvalho – Cmdt CCaç 19 ; Alf Vítor Manuel Pereira Abreu – Cmdt 3.º Gr Comb  da CCaç 4150; Alf Luís Socorro Almeida – Cmdt  4.º Gr Comb da CCaç 19; Fur Lopes Pereira – Agente PIM em Guidage; Patrão Sonco; Ancheu (FG 12)”. 

Da parte do PAIGC participaram: 

“Mensageiro, habitante de Mariá com os elementos do PAIGC: Duke Djassy (Leopoldo António Luís Alfama, cabo-verdiano) – Comissário Político da Região S. Domingos – Sambuaiá; Manuel dos Santos (Manecas, cabo-verdiano), Comissário Político da Zona Norte; Braima Djaló (Natural de Bolama) – Cap do Exército e membro do CEL 2º Cmdt Bigrupo.” 

Nota – Significado das siglas: Cap = Capitão; Cmdt = Comandante; CCaç = Companhia de Caçadores; Gr Comb = Grupo de Combate; Alf = Alferes; Fur = Furriel; Agente PIM = Agente Polícia Informação Militar criada no seguimento da extinção da PIDE; CEL=Corpo de Exército de Libertação

 Nota final: todos documentos, pessoas citadas, etc. beneficiam no livro de notas de rodapé que citam as fontes e dados que certificam a sua credibilidade. Infelizmente, este tipo de publicação, não aceita essas notas.— com José Luiz Ramos e
9 outras pessoas.   

(Revisão / fixação de texto: LG)

_________________

Notas do editor LG:

(*) Postes anteriores da série:


(**) Vd. poste de 14 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2939: No 25 de Abril eu estava em... (3): Guidage (João Dias da Silva, ex-alf mil op esp, CCAÇ 4150, 1973/74)

sábado, 14 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2939: No 25 de Abril eu estava em... (3): Guidage (João Dias da Silva, ex-alf mil op esp, CCAÇ 4150, 1973/74)

1. Damos início a uma nova série (No 25 de Abril eu estava em...). Apelamos à contribuição de todos os que quiserem e puderem dar o seu testemunho, directo, pessoal, de como os acontecimentos foram vividos em 25 de Abril de 1974, na Guiné (Vb).


O 25 de Abril em Guidage

por João Dias da Silva


Mensagem de João Dias da Silva (1) , de 27 de Maio último:

Meus caros,

O prometido é devido e aqui estou a dar sinal de vida.

Comemorámos há pouco mais de um mês o 34.º aniversário do 25 de Abril de 1974. Propositadamente utilizei a forma verbal comemorámos em vez de comemorou-se. É que este é muito impessoal, é sinónimo de algo que outros fizeram ou organizaram, enquanto que comemorámos significa que cada um se empenhou em comemorar aquele acontecimento da forma que melhor entendeu e pelas mais variadas razões, sejam elas quais forem, pela positiva ou pela negativa, pois cada um, desde aquela data, é livre de o fazer em obediência aos ditames das suas convicções e opiniões.

E refiro este aspecto porque me tenho apercebido que têm sido expressas no nosso blogue opiniões bem diferentes, antagónicas mesmo, acerca de diversos assuntos, por vezes de uma forma bastante apaixonada que, pensava eu, um período de 34 anos já teria moderado.

Os historiadores é que sabem quando afirmam que é necessário deixar passar sobre os factos o tempo suficiente para que haja um distanciamento tal que permita à razão sobrepor-se à emoção, ou seja, pensar mais com a cabeça do que com o coração.

De todo o modo, mesmo que se esgotem todos os motivos para comemorar o 25 de Abril, eu terei sempre pelo menos um para o comemorar – a minha comissão durou apenas um ano porque, entretanto, ocorreu a queda do regime.

É frequente ouvir-se ou fazer-se a pergunta: onde estavas no 25 de Abril? Eu estava em Guidaje.

O 25 de Abril em Guidaje e primeiras consequências

Respigando uma ou outra das minhas poucas notas pessoais e consultando alguns documentos (apenas as transcrições manuais feitas na altura, mantendo as pontuações e os erros ortográficos, porque os originais ficaram nas pastas de arquivo respectivas) os ecos do 25 de Abril chegaram a Guidage titubeantes, mas logo começaram a produzir efeitos.

Para nos situarmos, será bom relembrar que nesta altura a guarnição de Guidage era composta por duas companhias – a CCaç 19 (africana) e a CCaç 4150 – e um pelotão de artilharia.

25 de Abril de 1974 – Parece que hoje houve um GOLPE DE ESTADO MILITAR, em Lisboa.
Passámos todo o dia à volta do rádio, ouvindo as edições especiais da BBC em língua portuguesa, a tentar saber algo sobre o sucedido.

Por enquanto está tudo muito, muito confuso, pois todas as notícias são precedidas de "parece que" ou finalizadas por "não confirmado". Vive-se por aqui um certo estado de tensão por não se saber nada em concreto. Há que aguardar.

Pelas 22H45 chegou uma mensagem relâmpago confidencial do COM-CHEFE (Brig Bettencourt Rodrigues) a informar que corriam notícias que o Governo de Marcelo Caetano tinha sido derrubado, mas que eram só boatos, com o seguinte texto:





Mensagem vinda do Com-Chefe

AGÊNCIAS NOTICIOSAS INFORMAM QUE GOVERNO PROFESSOR MARCELO CAETANO FOI DERRUBADO POR MOVIMENTO DAS FORÇAS ARMADAS. NÃO RECEBIDA QUALQUER COMUNICAÇÃO OFICIAL. ADMITINDO QUE IN POSSA TENTAR EXPLORAR SITUAÇÃO INCREMENTO SUA ACTIVIDADE SUBVERSIVA. TODOS OS COMANDOS DEVEM ADOPTAR MÁXIMA VIGILÂNCIA E GARANTIR PRONTA CAPACIDADE REACÇÃO. COMANDANTES UNIDADES SÓ DEVEM RESPEITAR ORDENS QUE RECEBAM APÓS RIGOROSA AUTENTICAÇÃO SUA ORDEM. AUTENTICADO.

Transcrição manual da mensagem original, em impresso normalizado

26 de Abril de 1974 – Farim embrulhou às 6H00.

Continuámos a aguardar com certa ansiedade notícias daquilo que se está a passar na Metrópole quer no RCP (emissor do Movimento das Forças Armadas – é agora a emissora oficial), quer na BBC.

O Gen. Spínola deu uma entrevista sintética. Saiu o 1.º COMUNICADO oficial com o programa. É sensacional, se for cumprido integralmente. A situação ainda não está bem definida. Aguardemos. Recebemos uma MSG do COMCHEFE interino da Guiné (o Gen B. Rodrigues foi-se...).

27 de Abril de 1974 – É dia de descanso.

Saíram comunicados do Instituto Superior Técnico e da Conferência Episcopal dos Bispos reunidos em Fátima. Tudo parece encaminhado no melhor sentido e sem vítimas.

Ontem de manhã (soube-se hoje) o Batalhão de de Pára-quedistas de Bissau cercou discretamente o Palácio do Com-Chefe enquanto a PM mantinha a ordem no seu interior.

Entrou uma comissão pró-Movimento das Forças Armadas que obrigou o Gen B. Rodrigues a demitir-se. À tarde, acompanhado por um Brigadeiro e dois Coronéis (entre eles Vaz Antunes), que não aderiram ao movimento, embarcou escoltado por Páras para Cabo Verde onde todos estão exilados.
 
O Comodoro Almeida Brandão é o actual CMDT interino da Guiné e o Ten Cor Eng de TRMS Mateus da Silva o representante do Novo Governo na Guiné.

4 de Maio de 1974 – Fomos flagelados com armas pesadas.

Algum grupo de guerrilheiros do PAIGC, em deslocação do interior da Guiné, pelo corredor de Sambuaiá, para a sua base do Kumbamori (Senegal), provavelmente desconhecedor dos últimos acontecimentos políticos, aliviou-se do peso das granadas, até porque já estavam perto da fronteira, descarregando-as sobre nós.

26 de Maio de 1974 – A FORMAÇÃO da CCaç 19 entregou ao Cap Carvalho um comunicado que se encontra no "Dossier – GUINÉ".

Ex.mo CAPITÃO
Excelência

Com o maior respeito e compreensão, nós todos aqui presentes, que acabamos por compreender a situação indigna em que nos encontramos, e que queremos fazer tudo que seja natural para nos desembaraçarmos da mesma, pelo futuro melhor do nosso povo e do próprio povo português, decidimos desde então abandonar as Armas e ir participar na mobilização das massas populares da nossa terra.

Visto que é mesmo necessário fazer o nosso povo conhecer a realidade, a qual, foi-lhe sempre escondida e disfarçada durante longos anos de dominação fascista e colonialista. Queremos a Paz e para que haja tal é preciso uma independência da nossa terra. Aliás a independência é a maior aspiração do nosso povo, isto sabe-se mesmo na forma como eles têm lutado nos tempos presentes da Liberdade. E se tal é a vontade do nosso povo, nós não temos nenhuma razão de lutar conta quem a defende. Queremos pelo contrário, facilitar a obtenção de tais direitos de todos os povos do mundo.

Em nome do povo português e de todas as forças amantes da Paz, pedimos a Sua Ex.ª, a maior colaboração para atingirmos o nosso desejo pacífico. Esperamos com maior certeza que as autoridades competentes nos compreenderão.
Para terminar damos os nossos gritos de:

Viva o povo português
Viva a Paz
Viva a Junta de Salvação Nacional
Viva a Liberdade
Viva Portugal progressista
Glória ao imortal herói do nosso povo e de África:
Camarada AMÍLCAR CABRAL


O referido documento, segundo a transcrição manual que fiz na altura

28 de Maio de 1974 – Houve festa em Guidage.
Desde 1968 que não havia batuque devido à guerrilha, pois quando se fazia batuque havia, geralmente, um ataque, por isso...

31 de Maio de 1974 – Carta ao Cap Carvalho de DUKE DJASSY. Encontra-se no "Dossier –GUINÉ".

FRENTE S. DOMINGOS – SAMBUAIÁ

COMBANG'HOR, 31 MAIO 1974

Ex.mo Senhor
CMTE FORÇAS PORTUGUESAS
Em GUIDAGE

Em primeiro lugar os nossos mais sinceros votos de boa disponibilidade na recepção desta carta intrépida.

Tendo escutado, hoje, atentamente o vosso interlocutor, tomei conhecimento, e em nome do Comando Militar da nossa região, decidi rabiscar, no interesse de ambas as partes, as possibilidades que facilitarão o nosso eventual encontro. A vossa iniciativa desfruta grande admiração por nossa parte, que a única razão de nos estarmos batendo foi sempre e sempre será pela conquista da nossa dignidade e liberdade.

Nesta luta que escolhemos como única saída possível naquele momento de desespero, nela se encontra bem definida os interesses que nos identificam com o grande Povo Português, que aliás era vítima da mesma fera "o Colonialismo Fascista". Por isso ele, o Povo de Portugal, é o nosso primeiro aliado e hoje então é uma realidade.

Se o Sr. Comandante faz parte deste bom povo, é por certo que tecemos dos dois lados uma participação franca e de amizade neste contacto no futuro próximo.

Podíamos naturalmente, fazer os demais pormenores concernentes a este convite mas, claro está, não queremos que o mensageiro explore com astúcias as posições de ideias que nos unem e por isso preferimos fazê-lo depois de recebida a vossa resposta.

Sr. Comandante! Nós que não fazemos a guerra pela guerra, nós que nunca confundimos nem confundiremos povo com regime dum governo, nós que temos um critério eloquente entre o indivíduo e sistema político, a nossa participação nesta nova situação regional que ensaiamos criar, como aquele que no topo, em Londres, se desenrola.

A nossa parte não tem poupança de esforços no que se vai construir a Paz, que tudo ao nosso alcance será metido em acção.

Enfim, tudo depende do vosso lado, na espera duma resposta de confirmação e afirmativa.

VIVA PORTUGAL LIVRE!
VIVA O PAIGC!
QUE A VITÓRIA FINAL SERÁ DOS POVOS!

Obrigado prévio
Do camarada franco

a) DUKE DJASSY
Comissário Político Militar
CE 199 e 70

N.B. – Este, DUKE DJASSY, é a minha alcunha, porque o meu nome é Leopoldo António Luís Alfama


Carta-resposta a uma mensagem a solicitar um encontro (ou coisa do género, se bem me recordo, mas cujo conteúdo já não tenho presente, nem possuo qualquer documento), que o Cap Carvalho (António Eduardo Gouveia Carvalho, Comandante da CCaç 19) fez chegar, através de um mensageiro, a DUKE DJASSY, Comissário Político do PAIGC.

1 de Junho de 1974 – Resposta do Cap. Carvalho. Encontra-se no "Dossier - GUINÉ".

GUIDAGE
1 Junho de 1974

CAMARADA DUKE DJASSY

Começo por pedir desculpa do tratamento que lhe dou no cabeçalho. Poderá parecer incongruente da minha parte tratá-lo por camarada, a si, que com todos esses bravos combatentes durante anos e anos consecutivos, no meio das maiores privações e sacrifícios, lutaram para conseguir a liberdade deste povo oprimido e explorado por todos os camaleões do antigo regime "Colonialista fascista" que no momento mais alto da história do meu povo, foi derrubado pela união das Forças Armadas – Povo.

Dizia eu, portanto, que não me sinto com a força moral necessária e suficiente de o tratar por "camarada", mas sinceramente é assim que me dá prazer tratá-lo. Era assim que eu gostaria de o ter tratado ao lutar na mesma causa comum, infelizmente as minhas afinidades familiares sobrepuseram-se aos meus ideais políticos e eis a razão porque me encontro num exército que durante anos serviu um governo opressor dos povos africanos que lutaram pela sua liberdade, LIBERDADE essa prestes a ser atingida.

Tentei, portanto, integrado num exército, lutar com palavras, palavras de mentalização aos homens que me estão confiados, tentando informá-los da verdade e da justiça duma guerra em que eles estão inseridos, única e simplesmente, pela falta de informação, que nunca lhes foi confiada e prestada, e o que é ainda mais desumano, comprados à custa de dinheiro.

Como concerteza está informado, é esse dinheiro com que o governo deposto comprou a consciência de milhares de guinéus, que faz com que alguns deles, mesmo agora, tenham uma certa relutância em aceitar a LIBERDADE e a INDEPENDÊNCIA pela qual os vossos valorosos combatentes se bateram.

Será que eles são culpados? Não, só esse governo odioso, poderá abarcar com todas as responsabilidades, pois esse mesmo governo, que montou toda a máquina económico-política para deformar e comprar a consciência humana. É por isso que eu admiro todos os homens que se conseguiram libertar das algemas que os acorrentavam.

Ao ver tão próxima a liberdade por nós desejada continuo na minha mentalização a esses homens enganados, estando convencido que estou a lutar por uma causa comum e é a única causa justa. Tentando dissipar possíveis animosidades criadas durante estes anos entre homens do meu povo que deveriam ter lutado em comum, e só o não fizeram pelo facto de terem sido levados por esses agressores dos povos.

Deve, portanto, camarada deduzir que é uma honra incalculável se conhecer e falar com um dos bravos combatentes desse glorioso Partido que é o vosso. Devido, portanto, à situação especial de Guidage, ter sob o meu comando uma Companhia Armada por homens do vosso Povo, acharia conveniente, se o camarada concordar, encontrarmo-nos, nesta primeira fase, em território senegalês, num local por vós escolhido.

Estando certo que sempre nos uniu a mesma causa, apesar das situações antagónicas em que nos encontramos, espero esse encontro com a maior ansiedade e a maior brevidade possível.

VIVA A REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU!
Viva o glorioso PAIGC!
VIVA PORTUGAL LIVRE!
VIVA A LIBERDADE ADQUIRIDA PELOS DOIS POVOS OPRIMIDOS!

Do camarada que sempre admirou a causa por que vos lutastes.

a) António Eduardo Gouveia Carvalho
Capitão Miliciano de Infantaria


2 de Junho de 1974 – Veio hoje a Guidage um carro civil de Carlos Vieira (irmão do Nino Vieira, que se encontra estabelecido em Binta com negócios diversos) vender/trazer mantimentos à população, o que não acontecia desde o início da guerra.

Proposta de Duke Djassy. Encontra-se no "Dossier – GUINÉ".

2 Junho de 1974

CAMARADA ANTÓNIO EDUARDO

Saudações fraternais

Acuso ter recebido ontem carta sua, a qual, causou grande emoção, tanto a mim pessoalmente, como a todos aqueles que tiveram a possibilidade de a ler.

Mas espero que o mais importante ainda será o dia da nossa entrevista.

Por isso, quero previamente prevenir-lhe, que estarei acompanhado com mais dois ou três camaradas responsáveis, os quais, não foram, todavia, indicados pela direcção do Partido.

Gostaria que esse encontro tivesse lugar no dia 5 do corrente mês a partir das 17.00 hora TMG (quer dizer, 4.00 horas da tarde na Guiné).

Mas caso o Sr. achar qualquer inconveniente no tempo e lugar escolhidos, convém assinalar logo.

O local será entre as tabancas senegalesas de BEILAN e SECONAIA.
Aceite um abraço do camarada amigo

a) DUKE DJASSY

Seguiu oralmente, através de mensageiro, a resposta do Cap Carvalho a solicitar que tal encontro se efectuasse junto à tabanca senegalesa de MARIÁ, pois aquelas estão muito longe, e a informar que ia acompanhado por mais colegas.

4 de Junho de 1974 – O Carlos Vieira quase todos os dias tem mandado uma camioneta para reabastecer o comércio civil.

5 de Junho de 1974 – À tarde lá foram (Dossier – GUINÉ) ao encontro, na tabanca senegalesa de MARIÁ:

- Cap António Eduardo Gouveia Carvalho – CMDT CCaç 19
- Alf Vítor Manuel Pereira Abreu – CMDT 3.º GR da CCaç 4150
- Alf Luís Socorro Almeida – CMDT 4.º Gr da CCaç 19
- Fur Lopes Pereira – Agente PIM em Guidage
- PATRÃO SONCO
- ANCHEU (FG 12) – Mensageiro, habitante de Mariá

com os elementos do PAIGC:

- DUKE DJASSY (Leopoldo António Luís Alfama, cabo-verdiano) – Comissário Político da Região S. Domingos – Sambuaiá
- MANUEL DOS SANTOS (MANECAS, cabo-verdiano) – Comissário Político da Zona Norte
- BRAIMA DJALÓ (Natural de Bolama) – Cap do Exército e membro do C.E.L.
- 2 CMDT DE BIGRUPO

Não possuo qualquer documento ou referência ao resultado deste encontro, nem me recordo de termos falado o que quer que fosse. Recordo, no entanto, que passados poucos dias o Comissário Duke Djassy veio ao Aquartelamento de Guidage, provavelmente para novo encontro. Nada sei da evolução destes contactos, até porque fomos para Bissau (COMBIS) no dia 4 de Julho de 1974.

15 de Junho de 1974 – À tarde houve um jogo de futebol entre os moços (12/13 anos) de Guidage e do Senegal. É de salientar o contraste: enquanto os de cá falavam mandinga (só falam português connosco e nem todos), os do Senegal falavam francês, correctamente. É sintomático...

1 de Julho de 1974 – Encontro na zona da bolanha de Nenecó (junto da fronteira com o Senegal, a norte de Bigene) entre PAIGC e COP3.

EM 011000 JUL74, CMDT CE 199/E/70 QUECUTA MANÉ E SEUS COMISSÁRIOS POLÍTICOS DUKE DJASSY E MANUEL DOS SANTOS (MANECAS) ACOMPANHADOS DE ELEMENTOS ARMADOS DO PAIGC ENCONTRARAM-SE COM O CMDT, OFICIAIS E SARGENTOS DO COP3, NA REG. DA BOLANHA DE NENECÓ, ONDE FORAM DEFINIDOS NOS SEGUINTES TERMOS A SUA LINHA DE CONDUTA:

- Que se o Gen. Spínola visitar a Guiné dará origem ao reinício da luta.

- Que o cessar-fogo por parte do PAIGC é da responsabilidade dos combatentes, dado não terem recebido directivas do S. G. nesse sentido, pelo que poderão recomeçar a luta quando o entenderem.

- Pretendem estabelecer contactos permanentes com metropolitanos, tropas africanas e Pop., pelo que solicitam autorização para enviar equipas de Com. Pol. para GANTURÉ – BIGENE – BARRO e BINTA – GUIDAGE.

- Que consideram a guerra como último argumento e que condenam a violência.

- Que não reiniciarão a luta armada sem aviso prévio e com antecedência às NT.

- Não têm grande esperança em que o diferendo seja resolvido entre o Governo Provisório e o PAIGC pelo que a solução final deverá ser forçada pelas NT que prestam serviço na Guiné.

- Que inicialmente pretendiam apenas contactar quadros metropolitanos, mas que agora pretendem também contactar Tropas Africanas, no sentido de as mesmas entregarem as armas, deixando de colaborar com as NT.

- Não querem voltar à guerra mas que têm um objectivo a conseguir, pelo que serão novamente guerrilheiros se essa for a última solução para conseguir o seu objectivo.

Não sei o que foi tratado neste encontro, mas tive acesso a este documento, que parece ser, pelo seu conteúdo, um memorando de ideias/convicções apresentado pelos dirigentes do PAIGC presentes no encontro com pessoal do COP3 (Bigene), cujos nomes não recordo, mas que era comandado pelo Major Carlos Alberto da Costa Campos.

4 de Julho de 1974 – Deixámos Guidage e fomos para Bissau (COMBIS).

Não fora o 25 de Abril e certamente que esta viagem só teria ocorrido um ano, no mínimo, mais tarde.

E hoje fico-me por aqui. Voltaremos a encontrar-nos.

Um abraço do
JOÃO DIAS DA SILVA.
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Notas de vb:
Adaptação do texto da responsabilidade de vb;

(1) Artigo relacionado em
6 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2812: Tabanca Grande (66): João Dias da Silva, ex-Alf Mil Op Esp da CCAÇ 4150 (Guiné 1973/74)