Angola > c. 1962/64 > Uma GMC destruída por uma mina A/C. Foto de Ângelo Ribau Teixeira, " "Retalhos das memórias de um ex-combatente" (edição de autor, 2009), p. 52. Com a devida vénia...
Do preâmbulo pp. 10/11):
"As minas eram um terror! A estrada por onde teríamos de passar quando íamos ao abastecimento em São Salvador do Congo, numa zona de descida para o rio Luvo, era um local de terra barrenta que fazia derrapar as viaturas. Tinha sido atapetada com grainha de cobre – estávamos perto das minas do Mavoio – e esses restos do cobre evitavam a derrapagem das viaturas. Só que veio a guerra, e o inimigo aproveitando essa condição montava aí minas, onde era impossível o detector localizá-las. Ia sempre a cantar, como nós dizíamos. A única solução era a utilização de ferros afiados numa ponta com os quais picávamos a estrada.
"Para nós foi o período mais difícil. Estávamos preparados, física e psicologicamente para sofrer emboscadas e reagir a elas, para montar emboscadas e reagir à reacção do inimigo (IN). Mas como reagir ao rebentamento de uma mina anti-carro, não sabíamos! Se ao menos o IN fizesse fogo nós reagiríamos. Mas não, as minas eram armadas e colocadas durante a noite e bem dissimuladas. Que raiva…
Foi especialmente nessa zona que alguns companheiros nossos perderam a vida POR ANGOLA.
Só mais tarde descobrimos uma picada - caminho de pé posto - que passava perto desta zona e então compreendemos o que se estava a passar. Essa picada era passagem de reabastecimento do IN que, vindo do Congo, se dirigia para a região dos Dembos, aproveitando a sua passagem para nos deixarem tristes 'recordações' " (...)
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1. Da leitura, rápida, do livro que me chegou às mãos, em formato pdf, esta semana, da autoria do nosso camarada Ângelo Ribau Teixeira (1937-2012), ex-2º srgt mil, CCE 306 / BCAÇ 357 (Angola, 1962/64), "Retalhos das memórias de um ex-combatente" (edição de autor, 2009, 167 pp.) (*), chamou-me a atenção o capítulo 11, "Mina na Companhia 305" (pp. 62-64)...
Nesse trecho, pungente, são referidas as circunstâncias da morte do comandante da Companhia de Caçadores Especiais 305, vítima de mina A/C, no itinerário Buela - Pangala. A CCE 305 era uma das subunidades de quadrícula do BCAÇ 357 (Angola, 1962/64).
O autor não identifica o oficial, mas sabemos que se tratava do cap inf Óscar Fernando Monteiro Lopes (Porto, 1927 - Buela, Pangala, Angola, 1962), um dos 47 oficiais da Escola do Exército / Academia Militar que morreram em combate, na guerra colonial (**).
O autor não identifica o oficial, mas sabemos que se tratava do cap inf Óscar Fernando Monteiro Lopes (Porto, 1927 - Buela, Pangala, Angola, 1962), um dos 47 oficiais da Escola do Exército / Academia Militar que morreram em combate, na guerra colonial (**).
Há uma gralha na data; não foi num domingo dia 10 de julho do ano de 1963, mas sim em 1962, numa terça feira, dia 10 de julho.
O livro tem uma dedicatória tocante aos pais e esposa do autor, mas também "àqueles que lutaram mas, por eles, nem os sinos dobraram. Tudo à Pátria deram, e dela nada receberam, Por sua alma" (p. 1),
Também no prefácio escrito por antigo companheiro de armas, J. Eduardo Tenderio, lê-se_ ""Os que, sem serem militares de carreira, sem preparação específica, arrancados das suas vidas calmas para serem lançados na voragem de uma guerra – a guerra do Ultramar de tão triste memória – onde generosamente deram o seu melhor a despeito das muitas dúvidas que os assaltavam, como eu, certamente encontrarão na leitura destes escritos algum lenitivo."
O livro publicado já no acaso da vida do autor (, em 2009, presume-se), terá sido escrito em resposta às perguntas, persistentes e pertinentes, da sua neta Ana Rita, de 10 anos, como se percebe do preâmbulo (pp. 10/11):
"Olha, Ana Rita, és muito nova para te contar tudo o que lá se passava naquela época, mas eu prometo-te que vou escrever tudo, para tu, quando fores grande, leres e perceberes o que os 'rapazes' da minha idade lá passaram."...
E é do "terror das minas" que o autor guarda recordações mais dolorosas, como se pode ler no excerto a seguir reproduzimos, como nota de leitura (***)
O livro tem uma dedicatória tocante aos pais e esposa do autor, mas também "àqueles que lutaram mas, por eles, nem os sinos dobraram. Tudo à Pátria deram, e dela nada receberam, Por sua alma" (p. 1),
Também no prefácio escrito por antigo companheiro de armas, J. Eduardo Tenderio, lê-se_ ""Os que, sem serem militares de carreira, sem preparação específica, arrancados das suas vidas calmas para serem lançados na voragem de uma guerra – a guerra do Ultramar de tão triste memória – onde generosamente deram o seu melhor a despeito das muitas dúvidas que os assaltavam, como eu, certamente encontrarão na leitura destes escritos algum lenitivo."
O livro publicado já no acaso da vida do autor (, em 2009, presume-se), terá sido escrito em resposta às perguntas, persistentes e pertinentes, da sua neta Ana Rita, de 10 anos, como se percebe do preâmbulo (pp. 10/11):
"Olha, Ana Rita, és muito nova para te contar tudo o que lá se passava naquela época, mas eu prometo-te que vou escrever tudo, para tu, quando fores grande, leres e perceberes o que os 'rapazes' da minha idade lá passaram."...
E é do "terror das minas" que o autor guarda recordações mais dolorosas, como se pode ler no excerto a seguir reproduzimos, como nota de leitura (***)
Ângelo Ribau Teixeira, 2º srgt mil, CCE 306 / BCAÇ 357 (Angola, 1962/64). Nasceu em 1937, na Gafanha da Nazaré, Ílyavo, em 137, e faleceu em 2012) |
[excertos, com a devida vénia... e em homenagem ao autor, Ãngelo Ribau Teixeira, nosso camarada, já falecido, bem como ao infortunado cap inf Óscar Fernando Monteiro Lopes]
(...) Grande “Makas”
De repente, ouço um estrondo, muito ao longe. Parecia um trovão. “Que diabo é isto?!” Olhei em volta. Notava-se, ao longe, para os lados da Buela, uma coluna de fumo. Não era queimada! O fumo da queima do capim é cinzento, este era escuro. Era produto da queima de combustível de uma viatura. “Meu Deus - interroguei-me - outra mina?!”
Desci rapidamente do Posto de Observação e dirigi-me ao Comando, informando o Capitão do que tinha ouvido e visto.
- Deixa lá, não há-de ser nada! – respondeu ele.
Foi fora da nossa zona. Só pode ter sido alguma viatura na Companhia 305, que tinha o acampamento não muito distante do nosso.
- O que for, soará – foi a sua resposta. E continuou sentado onde estava.
Desiludido com tal atitude, dirigi-me à nossa caserna, contando o sucedido.
- Aqui dentro não ouvimos nada – disseram os que lá estavam.
- Mas houve “maka” – afirmei com veemência. – Vão lá acima ao Posto de Observação e ainda verão os restos do fumo da explosão.
Alguns assim fizeram e, ao regressarem, conversavam entre eles:
- Houve merda, pela certa. O tipo de fumo é igual ao da explosão que houve com o nosso pelotão.
O Sargento de Transmissões dirigiu-se logo ao Posto de Rádio para fazer uma “exploração” e ver se havia alguma comunicação. Pouco depois o Sargento Tendeiro informou-nos de que possivelmente teria havido um problemazeco qualquer mas que a recepção não estava nas melhores condições. Só quando chegasse a hora das comunicações com o Batalhão, tudo ficaria esclarecido.
Estranhei a atitude do Tendeiro que, rapaz de poucos fumos, se tenha sentado à mesa, tirado um cigarro que acendeu, e puxando grandes baforadas que expelia para o ar, ficava a olhá-las até desaparecerem contra o zinco quente do telhado.
Olhei-o de frente. Ao notar que estava a ser observado, olhou-me e encolheu os ombros. A minha resposta foi também um encolher de ombros.
Perto da noite veio a informação do Batalhão - havia um morto e um ferido. O morto era o Comandante da Companhia 305, o ferido tinha sido o Cabo Condutor, a quem no acampamento da Buela o médico, à falta de melhor alfaia e para evitar a gangrena, lhe tinha amputado o braço com um serrote de cortar madeira! Um alferes e um soldado sofreram ferimentos menos graves.
Ainda hoje recordo ter recebido do meu irmão mais velho (à espera da mobilização no Colégio Militar, no qual dava aulas), um aerograma perguntando que raio de guerra era esta, em que um Capitão morre com uma mina anti-carro! O Capitão tinha também dado aulas no Colégio Militar, onde era muito estimado! (****)
O meu irmão era de Artilharia e estava longe de imaginar o sítio para onde mais tarde o iriam mandar: para o coração dos Dembos!
Sobre este caso, tão chato, só agora o Tendeiro se abriu. Não podia revelá-lo antes, por ser uma mensagem confidencial. Só o Comandante do Destacamento podia ter conhecimento dela. Disse-nos, então, que quando sintonizou o rádio na frequência usada pelos pelotões em operação, ouviu o rádio da patrulha chamando aflitivamente para a Buela. Uma viatura tinha pisado uma mina anti-carro. Dos quatro ocupantes um tinha tido morte imediata, outro, o condutor do veículo, tinha o braço direito meio decepado e os outros dois estavam só ligeiramente feridos. Pediam duas macas com urgência, pois o condutor estava a esvair-se em sangue, embora o maqueiro já lhe tivesse aplicado um garrote!
- Que raio! Será que não conseguimos pôr a vista em cima dos gajos?! Serão invisíveis? Nem com todos os cuidados conseguimos evitar as baixas no nosso Batalhão! Merda p‟ra isto!
A nossa Companhia já tinha conseguido eliminar um inimigo. E da nossa parte já quatro haviam perdido a vida nesta luta do gato e do rato!
“Tic”...
O cap inf Oscar Fernando Monteiro Lopes (1927-1962). Foto: cortesia de Morais da Silva (2019) |
Em Cuimba encontrei companheiros da 305. Falei com o Sousa, tentando saber mais pormenores sobre a mina que eles tinham accionado. Contou-me tudo o que eu já sabia, como é que actuava uma mina. Mas contou-me mais! A esposa do Capitão estava na Buela quando se deu o acidente. Julguei que em zona de guerra isso fosse proibido! Mas afinal não era como eu pensava.
Foi o Sousa que deitou os restos mortais do Capitão na cama – eram mesmo restos – compondo-os o melhor que pode. Pôs tudo em ordem e saiu.
A esposa queria ver o marido! Deixou-a entrar. Esta ficou a olhar, imóvel. O rosto do Capitão estava intacto - este tipo de minas actua de baixo para cima. A senhora nem uma palavra balbuciou. Que pensamentos eram os seus naquela hora? Ninguém sabia!
Os presentes retiraram-se em sinal de respeito.
Pouco depois ouviu-se um “tic”. Correram para trás e encontraram a senhora com a pistola encostada à cabeça. A sorte (?!) dela foi a arma não ter balas, tiradas propositadamente pelo Sousa antes de sair do quarto. Pensou, ou foi um anjo que lhe disse, que a pistola do Capitão, mesmo carregada, já não serviria para nada.
Aquela mulher, perante a impotência de acabar com o seu sofrimento, sentou-se numa cadeira e chorou copiosamente. Perante a surpresa deste infortúnio, não fazemos uma pequena ideia do quanto sofria aquela alma!
Lágrimas que o Império tece…
Notas do editor LG:
(*) Vd.poste de 24 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20273: O Spínola que eu conheci (34): um testemunho, de um ex-combatente, Ângelo Ribau Teixeira (Angola, 1962/64), que mostra não ter sido inspiração de circunstância o conceito de “Por uma Guiné Melhor” que o meu saudoso Comandante-Chefe materializou na Guiné anos mais tarde (1968) (Morais da Silva, cor art ref, cmdt da CCAÇ 2796, Gadamael, 1970/72)
(**) Vd poste de 26 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19441: In Memoriam: os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte X: cap inf Óscar Fernando Monteiro Lopes (Porto, 1927 - Buela, Pangala, Angola, 1962)
(***) Salvo, seria o Manuel Ribau Teixeira, meu colega da Universidade NOVA de Lisboa, mas que eu não conheço pessoalmente:
(i) doutorado em Física pela Universidade de Lisboa em 1984; (ii) como investigador foi responsável pelo Grupo de Investigação de Desenvolvimento e Aplicações de Lasers, de 1984 a 1996, no Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial; (iii) professor convidado do Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, de 1985 a 2000, responsável pelas disciplinas de Óptica e Optoelectrónica, da Licenciatura em Engenharia Física desta Universidade; (iv) aposentado.
Fonte: Gazeta de Física vol 34 nºs 3/4 , julho de 2011, com a devida vénia...
Último poste da série de 25 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20275: Notas de leitura (1229): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (29) (Mário Beja Santos)