sábado, 26 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20276: Notas de leitura (1230): "Retalhos das memórias de um ex-combatente", de Ângelo Ribau Teixeira (1937-2012): excerto do capítulo 11, "Mina na Companhia 305", evocação, pungente, da morte do cap inf Oscar Fernando Monteiro Lopes, vítima de mina A/C, na estrada Buela-Pangala, Norte de Angola, em 10/7/1962


Angola > c. 1962/64 > Uma GMC destruída por uma mina A/C. Foto de Ângelo Ribau Teixeira, " "Retalhos das memórias de um ex-combatente" (edição de autor, 2009), p. 52. Com a devida vénia...

Do preâmbulo pp. 10/11): 

"As minas eram um terror! A estrada por onde teríamos de passar quando íamos ao abastecimento em São Salvador do Congo, numa zona de descida para o rio Luvo, era um local de terra barrenta que fazia derrapar as viaturas. Tinha sido atapetada com grainha de cobre – estávamos perto das minas do Mavoio – e esses restos do cobre evitavam a derrapagem das viaturas. Só que veio a guerra, e o inimigo aproveitando essa condição montava aí minas, onde era impossível o detector localizá-las. Ia sempre a cantar, como nós dizíamos. A única solução era a utilização de ferros afiados numa ponta com os quais picávamos a estrada.

"Para nós foi o período mais difícil. Estávamos preparados, física e psicologicamente para sofrer emboscadas e reagir a elas, para montar emboscadas e reagir à reacção do inimigo (IN). Mas como reagir ao rebentamento de uma mina anti-carro, não sabíamos! Se ao menos o IN fizesse fogo nós reagiríamos. Mas não, as minas eram armadas e colocadas durante a noite e bem dissimuladas. Que raiva…

Foi especialmente nessa zona que alguns companheiros nossos perderam a vida POR ANGOLA.
Só mais tarde descobrimos uma picada - caminho de pé posto - que passava perto desta zona e então compreendemos o que se estava a passar. Essa picada era passagem de reabastecimento do IN que, vindo do Congo, se dirigia para a região dos Dembos, aproveitando a sua passagem para nos deixarem tristes 'recordações' " (...)
.


1. Da leitura, rápida, do livro que me chegou às mãos,  em formato pdf, esta semana, da autoria do nosso camarada Ângelo Ribau Teixeira (1937-2012),  ex-2º srgt mil, CCE 306 / BCAÇ 357 (Angola, 1962/64), "Retalhos das memórias de um ex-combatente" (edição de autor, 2009, 167 pp.) (*), chamou-me a atenção o capítulo 11, "Mina na Companhia 305" (pp. 62-64)...

Nesse trecho, pungente, são referidas as circunstâncias da morte do comandante da Companhia de Caçadores Especiais 305, vítima de mina A/C, no itinerário Buela - Pangala. A CCE 305 era  uma das subunidades de quadrícula do BCAÇ 357 (Angola, 1962/64).

O autor não identifica o oficial, mas sabemos que se tratava do cap inf Óscar Fernando Monteiro Lopes (Porto, 1927 - Buela, Pangala, Angola, 1962), um dos 47 oficiais da Escola do Exército / Academia Militar que morreram em combate, na guerra colonial (**).

Há uma gralha na data; não foi num domingo dia 10 de julho do ano de 1963, mas sim em 1962, numa terça feira,  dia 10 de julho.

O livro tem uma dedicatória tocante aos pais e esposa do autor, mas também "àqueles que lutaram mas, por eles, nem os sinos dobraram. Tudo à Pátria deram, e dela nada receberam, Por sua alma" (p. 1),

Também no prefácio escrito por antigo companheiro de armas, J. Eduardo Tenderio, lê-se_ ""Os que, sem serem militares de carreira, sem preparação específica, arrancados das suas vidas calmas para serem lançados na voragem de uma guerra – a guerra do Ultramar de tão triste memória – onde generosamente deram o seu melhor a despeito das muitas dúvidas que os assaltavam, como eu, certamente encontrarão na leitura destes escritos algum lenitivo."

O livro publicado já no acaso da vida do autor (, em 2009, presume-se), terá sido escrito em resposta às perguntas, persistentes e pertinentes, da sua neta Ana Rita, de 10 anos, como se percebe do preâmbulo (pp. 10/11):

"Olha, Ana Rita, és muito nova para te contar tudo o que lá se passava naquela época, mas eu prometo-te que vou escrever tudo, para tu, quando fores grande, leres e perceberes o que os 'rapazes' da minha idade lá passaram."...

E é do "terror das minas" que o autor guarda recordações mais dolorosas, como se pode ler no excerto a seguir reproduzimos, como nota de leitura (***)


Ângelo Ribau Teixeira, 2º srgt mil,
CCE 306 / BCAÇ  357 (Angola, 1962/64).
Nasceu em 1937, na Gafanha da Nazaré, 
Ílyavo, em 137,
 e faleceu em 2012)
"Retalhos das memórias de um ex-combatente" > 11. Mina na Companhia 305, pp. 62-64 

[excertos, com a devida vénia... e em homenagem ao autor, Ãngelo Ribau Teixeira,  nosso camarada,  já falecido, bem como ao infortunado cap inf Óscar Fernando Monteiro Lopes]


(...) Grande “Makas”

De repente, ouço um estrondo, muito ao longe. Parecia um trovão. “Que diabo é isto?!” Olhei em volta. Notava-se, ao longe, para os lados da Buela, uma coluna de fumo. Não era queimada! O fumo da queima do capim é cinzento, este era escuro. Era produto da queima de combustível de uma viatura. “Meu Deus - interroguei-me - outra mina?!”

Desci rapidamente do Posto de Observação e dirigi-me ao Comando, informando o Capitão do que tinha ouvido e visto.

- Deixa lá, não há-de ser nada! – respondeu ele.

Foi fora da nossa zona. Só pode ter sido alguma viatura na Companhia 305, que tinha o acampamento não muito distante do nosso.

- O que for,  soará – foi a sua resposta. E continuou sentado onde estava.

Desiludido com tal atitude, dirigi-me à nossa caserna, contando o sucedido.

- Aqui dentro não ouvimos nada – disseram os que lá estavam.

- Mas houve “maka” – afirmei com veemência. 
–  Vão lá acima ao Posto de Observação e ainda verão os restos do fumo da explosão.

Alguns assim fizeram e, ao regressarem, conversavam entre eles:

- Houve merda, pela certa. O tipo de fumo é igual ao da explosão que houve com o nosso pelotão.

O Sargento de Transmissões dirigiu-se logo ao Posto de Rádio para fazer uma “exploração” e ver se havia alguma comunicação. Pouco depois o Sargento Tendeiro informou-nos de que possivelmente teria havido um problemazeco qualquer mas que a recepção não estava nas melhores condições. Só quando chegasse a hora das comunicações com o Batalhão, tudo ficaria esclarecido.

Estranhei a atitude do Tendeiro que, rapaz de poucos fumos, se tenha sentado à mesa, tirado um cigarro que acendeu, e puxando grandes baforadas que expelia para o ar, ficava a olhá-las até desaparecerem contra o zinco quente do telhado.

Olhei-o de frente. Ao notar que estava a ser observado, olhou-me e encolheu os ombros. A minha resposta foi também um encolher de ombros.

Perto da noite veio a informação do Batalhão - havia um morto e um ferido. O morto era o Comandante da Companhia 305, o ferido tinha sido o Cabo Condutor, a quem no acampamento da Buela o médico, à falta de melhor alfaia e para evitar a gangrena, lhe tinha amputado o braço com um serrote de cortar madeira! Um alferes e um soldado sofreram ferimentos menos graves.

Ainda hoje recordo ter recebido do meu irmão mais velho (à espera da mobilização no Colégio Militar, no qual dava aulas), um aerograma perguntando que raio de guerra era esta, em que um Capitão morre com uma mina anti-carro! O Capitão tinha também dado aulas no Colégio Militar, onde era muito estimado! (****)

O meu irmão era de Artilharia e estava longe de imaginar o sítio para onde mais tarde o iriam mandar: para o coração dos Dembos!

Sobre este caso, tão chato, só agora o Tendeiro se abriu. Não podia revelá-lo antes, por ser uma mensagem confidencial. Só o Comandante do Destacamento podia ter conhecimento dela. Disse-nos, então, que quando sintonizou o rádio na frequência usada pelos pelotões em operação, ouviu o rádio da patrulha chamando aflitivamente para a Buela. Uma viatura tinha pisado uma mina anti-carro. Dos quatro ocupantes um tinha tido morte imediata, outro, o condutor do veículo, tinha o braço direito meio decepado e os outros dois estavam só ligeiramente feridos. Pediam duas macas com urgência, pois o condutor estava a esvair-se em sangue, embora o maqueiro já lhe tivesse aplicado um garrote!

- Que raio! Será que não conseguimos pôr a vista em cima dos gajos?! Serão invisíveis? Nem com todos os cuidados conseguimos evitar as baixas no nosso Batalhão! Merda p‟ra isto!

A nossa Companhia já tinha conseguido eliminar um inimigo. E da nossa parte já quatro haviam perdido a vida nesta luta do gato e do rato!

“Tic”...
O cap inf Oscar Fernando Monteiro Lopes
(1927-1962). Foto: cortesia de
Morais da Silva (2019)



Em Cuimba encontrei companheiros da 305. Falei com o Sousa, tentando saber mais pormenores sobre a mina que eles tinham accionado. Contou-me tudo o que eu já sabia, como é que actuava uma mina. Mas contou-me mais! A esposa do Capitão estava na Buela quando se deu o acidente. Julguei que em zona de guerra isso fosse proibido! Mas afinal não era como eu pensava.

Foi o Sousa que deitou os restos mortais do Capitão na cama – eram mesmo restos – compondo-os o melhor que pode. Pôs tudo em ordem e saiu.

A esposa queria ver o marido! Deixou-a entrar. Esta ficou a olhar, imóvel. O rosto do Capitão estava intacto - este tipo de minas actua de baixo para cima. A senhora nem uma palavra balbuciou. Que pensamentos eram os seus naquela hora? Ninguém sabia!

Os presentes retiraram-se em sinal de respeito.

Pouco depois ouviu-se um “tic”. Correram para trás e encontraram a senhora com a pistola encostada à cabeça. A sorte (?!) dela foi a arma não ter balas, tiradas propositadamente pelo Sousa antes de sair do quarto. Pensou, ou foi um anjo que lhe disse, que a pistola do Capitão, mesmo carregada, já não serviria para nada.

Aquela mulher, perante a impotência de acabar com o seu sofrimento, sentou-se numa cadeira e chorou copiosamente. Perante a surpresa deste infortúnio, não fazemos uma pequena ideia do quanto sofria aquela alma!

Lágrimas que o Império tece…
________________

Notas do editor LG:

(*) Vd.poste de 24 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20273: O Spínola que eu conheci (34): um testemunho, de um ex-combatente, Ângelo Ribau Teixeira (Angola, 1962/64), que mostra não ter sido inspiração de circunstância o conceito de “Por uma Guiné Melhor” que o meu saudoso Comandante-Chefe materializou na Guiné anos mais tarde (1968) (Morais da Silva, cor art ref, cmdt da CCAÇ 2796, Gadamael, 1970/72)

(**) Vd poste de 26 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19441: In Memoriam: os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte X: cap inf Óscar Fernando Monteiro Lopes (Porto, 1927 - Buela, Pangala, Angola, 1962)

(***) Salvo, seria o Manuel Ribau Teixeira, meu colega da Universidade NOVA de Lisboa, mas  que eu não conheço pessoalmente:

(i) doutorado em Física pela Universidade de Lisboa em 1984; (ii) como investigador foi responsável pelo Grupo de Investigação de Desenvolvimento e Aplicações de Lasers, de 1984 a 1996, no Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial; (iii) professor convidado do Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, de 1985 a 2000,  responsável pelas disciplinas de Óptica e Optoelectrónica, da Licenciatura em Engenharia Física desta Universidade; (iv) aposentado.

Fonte: Gazeta de Física vol 34  nºs 3/4 , julho de 2011, com a devida vénia...

Último poste da série de 25 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20275: Notas de leitura (1229): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (29) (Mário Beja Santos)

17 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não tenho (ainda) netos, como muitos dos nossos leitores, ex-combatentes, já têm... Quando os tiver (e a primeira neta está a nascer, por estes dias...), não sei ainda o que lhe hei de responder, se me fizeram "essa tal pergunta (embaraços) ao avô", tal como o fez a Ana Rita Ribau Teixeira:

- Avô, porque guardas todas estas fotografias de quando andaste na guerra na Guiné ?

- Avô, era muito difícil a guerra? Havia na Guiné meninos e meninas como eu? Eles também morriam na guerra? (...)

A morte, a guerra, as crianças, a Guiné, Angola, Moçambique... Ele há perguntas tramadas!... Sobretudo as perguntas das crianças, as perguntas dos nossos netos...

Eu ando-me a "preparar à pressa"... LG

Valdemar Silva disse...

Luís
A pior pergunta será, com os eternos 'porquês' das crianças:
-Porquê que foi a guerra?

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

A minha neta de 13 anos, vai fazer um 'trabalho' da escola, sob o tema de 'a guerra'.
Já me perguntou se pode contar comigo, pois são umas 3 ou 4 meninas.
Já me ando a preparar há muito, já seleccionei algumas fotos, mas deparo-me com um dilema:
Que perguntas vão elas fazer-me?

Estarei à altura de responder, ou vou fazer de conta?

Eu não quero enganar ninguém, mas não me acho com tendência a fugir às perguntas.

Ainda não sei o dia e hora para esta palestra, oxalá se adie por muito tempo.


Virgilio Teixeira

Anónimo disse...

Morte trágica do Cap Oscar Fernandes e nas circunstâncias envolventes.
Paz à sua alma, e força para a esposa de for viva, oxalá o seja, pois deve a sua vida a um homem do carago, o Sousa. Bem hajas Sousa.

E por coincidência, eu também sou Oscar, e o meu irmão mais velho, também Oscar, estava por lá perto nessa altura, ele percorreu Angola de ponta a ponta, na sua especialidade de Radio Montador, foi ele que fez a primeira ligação de Cabinda para Portugal por rádio, falando com o meu pai.

Virgilio Teixeira

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Virgílio, as crianças percebem quando estamos a mentir ou quando estamos a fugir com o rabo à seringa...

E essas perguntas dos nossos netos são para quem fez a guerra e para quem fugiu da guerra:

- Avô, por que é que foste para a Suécia e fugiste da guerra ?

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Não há dúvidas: os ex-combatentes são os maiores pacifistas. Ou talvez não. Se se decidirem a participar numa guerra serão os mais convictos.
É óptimo que os miúdos façam "trabalhos da escola", sob o tema de 'a guerra'.
Tomar a guerra como algo de ue não se fala é mau. Quando ela se perfilar não poderão ser surpreendidos.
Não devemos temer as perguntas vão elas/es fizerem. é só responder com humildade e verdade, o que não é nada difícil.
Jamais fazer de conta ou, pior ainda apresentarmo-nos como heróis.
É necessário responder sem fugir à verdade e, se falhámos... falhámos.
Na nossa idade não temos que temer e a nossa maneira de sermos eternos é passar a "mensagem".
Avô porque foste à guerra é a pergunta mais fácil de responder: para nada! Não serviu para nada a minha ida à guerra.
Se te vires atrapalhado, ripas de "A Minha Guerra a Petróleo" e tens lá a resposta.
Mas evita o "se não nos púnhamos a pau ainda ganhávamos aquilo" e descreve o ambiente sócio-político que nos rodeava, chamando os bois pelos nomes. Nunca recorrer a eufemismos e dourar a pílula.

Um Ab.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Eu acho que muitos de nós querem deixar um testemunho, sobre a guerra (na Guiné, em Angola, em Moçambique...), aos seus filhos e netos (mesmo que ainda não venham cá ler o blogue)... Recordo aqui o saudoso capitão SGE Zé Neto (1929-2007), o primeiro de nós, grã-tabanqueiros, a partir para a última viagem...

Dizia ele no ppste de apresentação, em Zé Neto, em 8/1/06,

"Meu caro Luis: Depois de muito meditar cheguei à conclusão de que, pelo menos tu, mereces a minha confiança para partillhar contigo uma parte muito significativa das memórias da minha vida militar.

"São trinta e três páginas retiradas (e ampliadas) das 265 que fui escrevendo ao correr da pena para responder a milhentas perguntas que o meu neto Afonso, um jovem de 17 anos, que pensava que o avô materno andou em África só a matar pretos enquanto que o paterno, médico branco de Angola, matava leões sentado numa esplanada de Nova Lisboa (Huambo). Coisas de família." (...)

E bem sabemos como ele tinha uma relação tão bonita com os netos, a começar pela neta, a Leonor, que com 17 anos foi a dar-nos a notícia do avô, que era acarinhado aqui como o nosso "patriarca", o nosso "mais velho".

30 de maio de 2007
Guiné 63/74 - P1801: In Memoriam: Capitão José Neto (CART 1613, Guileje, 1967/68), a última batalha

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É interessante o vacábulo "maka" (ou maca), usado aqui pelo autor, no contexto da guerra da Angola, ainda no seu início... Eu pensava que era um termo do "angolês", usado sobretudo depois da independência...


maca s.f.

substantivo feminino
1. [Angola] Problema (ex.: podemos passar mais tarde, não há maca).

2. [Angola] Conflito, discussão, zaragata (ex.: isso vai dar maca).


"maca", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/maca [consultado em 27-10-2019].

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Na edição odo postes troquei, inadveridamente as fotos do malogrado cap inf Oscar Monteiro Torres com o nosso cor inf ref António Manuel Morais da Silva, membro da nossa Tabanca Grande e que nos fez chegar o livro, em cópia digital, do Ângelo Ribau Teixeira. Alertado para o grosseiro erro, apressei-me a corrigir e a apresentar as minhas desculpas:

(...) !Meu caro António; que crueldade, a minha!...Ou melhor, peço imensa desculpa. estou a precisar de férias... Já corrigi. Abração, Luis

E depois acrescentei o seguinte "post scriptum", que quero partilhar com os nossos leitores:

(...) Não temos razão para pôr em dúvida a versão do Sousa (CCE 305) e do Ribau Teixeira (CCE 306) relativamente à esposa do nosso camarada Oscar Lopes... É delicada, a cena (do "tci"), mas só o Sousa terá presenciado o gesto da senhora (, gesto esse que poderá ter muitas leituras...).

A perceção humana é complexa. E ainda mais o nosso comportamento face ao irremediável da morte. Em princípio, as mulheres não se suicidam com armas de fogo (, a desfiguração do rosto é-lhes, física, simbólica e culturalmente, repulsiva..), os militares e forças militarizadas, esses, sim, porque têm-nas à mão e têm pulsões mais destrutivas...

O Oscar Lopes já era um oficial calejado na guerra... Mas eu pergunto ao Morais da Silva: Era normal levar as esposas de oficiais do quadro permanente para o Norte de Angola, nessa época ? O meu amigo nessa altura estava a entrar na Academia, o Oscar era de outra geração... Mas estas coisas chegavam aos ouvidos dos cadetes, não ?...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Três irmãos Ribau Teixeira, todos gafanhões (, naturais da Gafanha da Nazaré,) encontraram-se em Angola, na guerra... em 1962.

O Ângelo escreveu uma dedicatória muito bonita, que é um verdadeiro hino de amor aos pais e à esposa... Merece ser aqui reproduzida:


(...) Aos meus pais:
Que tiveram quatro filhos na tropa ao mesmo tempo, três dos quais na Zona de Intervenção Norte.

- O meu pai, era marnoto e agricultor, seco de carnes, mas com ossos duros de roer, temperados pelo sal das águas da Ria. Só o vi chorar duas vezes: a primeira em 1961, quando um dos meus irmãos foi mobilizado e se veio despedir da família. Era verão, o milho estava alto no aido. Ele desapareceu no meio do milheiral e só apareceu depois de o meu irmão se ter ido embora. Via-se que tinha estado a chorar. Uma lágrima furtiva ao canto do olho não o deixava mentir.

- A minha mãe, doméstica e agricultora, dividia o seu tempo entre as duas profissões e a educação dos filhos. Católica por educação e convicção, muito deve ter rezado nesse período. A sua fé foi compensada, pois todos regressámos sãos e salvos (graças a Deus, diria ela).

À minha esposa:
Que deixei com um filho pela mão e outro em gestação. (...)

Ângelo Ribau Teixeira, "Retalhos das memórias de um ex-combatente" (edição de autor, 2009)

Anónimo disse...

MOrais da Silva:
27 out 2019 12h11

Caro Luís Graça

Cerca de 18 anos me separam, em idade, do meu camarada Monteiro Lopes que não conheci.

Ingressou na Escola do Exército 17 anos antes de mim e, já capitão, fez uma comissão na Índia para onde foi em fins de 57 e regressou no início de 60.

Em 61 fez o Estágio de OE/Lamego e marchou para Angola em Abril de 62. Não tinha experiência de combate e ainda não havia veteranos para ensinar o que a vida dura lhes tinha ensinado.

Enquanto cadete conhecia a guerra dos livros do Laterguy pois os meus instrutores eram jovens alferes e tenentes que ainda não tinham ido à guerra e os veteranos professores nada nos diziam (valha a verdade que sendo maioritariamente do Corpo de Estado Maior também da vida no mato a combater, pouco ou nada saberiam).

Quanto a mulheres no mato com os maridos conheço um ou dois casos mas era uma raridade (e mesmo uma temeridade).

Nunca me passou pela cabeça levar a mulher pois duplicaria as minhas preocupações. Sabê-la, com um filho de meses, protegida pelos pais e com conforto deixava-me solto para me preocupar com a minha “tribo”-

Diferente foi com os camaradas QP e Milicianos que ficaram instalados no bem-bom dos grandes e médios centros, tipo Luanda, Lourenço Marques, Beira, Bafatá ou Bissau. Conheço dezenas de casais, com filhos pequenos, que fizeram a comissão juntos. Mas tenho notícia de casos raros em que as mulheres partilharam a difícil vida dos maridos porque assim entendiam o seu dever matrimonial. Terá sido o caso desta senhora que, infelizmente, passou pela provação de presenciar a morte brutal do marido.

Há uma tese de Maria de Fátima Chaves Carreiras/ISCTE/2013 (Entre o silêncio e a memória: As mulheres portuguesas que acompanharam os maridos militares na Guerra Colonial) que é interessante por abordar este assunto. Certamente conhece-a.

Saúde e bom Domingo.

Abraço amigo

Morais Silva (artilheiro /infante)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, António, por me deixar partilhar este seu pequeno texto na caixa de comentários...

Pode ser que algum camarada nosso pegue no tema, delicado, as esposas de milicianos e de pessoal do QP que arriscavam trazer as esposas para aquartelamemtos no mato, em particular, sedes de Batalhão (caso de Bambadinca,no meu tempo, 1969/71). Isto, na Guiné. E presume-se que vinham com a devida autorização hierárquica.

A presença de senhoras em unidades militares do interior tinha vantagens e desvantagens. Outra questão era a logística hoteleira e a serança militar...

Não estou à espera do testemunho destas senhoras, mas há camaradas nossos, aqui da Tabanca Grande, que bem poderiam escrever sobre o tema... Não sei se havia "doutrina" sobre este tópico, no seu/nosso tempo...

Abraço, Luís

PS - Não eram só esposas, nalguns casos até filhos pequenos que apanharam ataques ou flagelações ao quartel (caso de Bambadinca, Nova Lamego, Bafatá...)

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

Aqui vai uma poesia escrita por uma esposa que esteve em Mansabá.
Repara na crueza da descrição e na sensibilidade da poetisa.
Como podes ler na "Minha Guerra a Petróleo, não era única que por ali andava...
Mas não leste...
Creio que, nessa altura ainda não tinha 20 anos e tinha um filho de meses. Era mulher de um dos furriéis M/A que fazia trio comigo no campo de Mamboncó.

FOGOS DE GUERRA

Trovoadas...
Fogos-de-artifício riscando o céu.
Aflição, aquele espectáculo de fogo.
Labaredas, chamas vermelhas
disparadas numa noite de breu.
Trovoadas...
E eram os sons, as saídas...
Os rebentamentos, distantes...
Ou tão perto como um toque
Que te enchia de pavor...
Deu-se o estrondo e os estilhaços
Já entravam pelas frestas das janelas...
Trovoadas...
Na terra, surgindo do nada
Trazendo o caos e o medo
Num cenário de luto e tragédia...
Episódios de guerra.
De relatos, de vivências inesperadas.
Homens que saem para o mato...
Para matar, para morrer.
Tudo lhes pode acontecer!
Saem “para as minas” os que as têm
no seu caminho, no seu destino!
E o destino levou pernas...
O destino levou olhos...
Levou vidas mal vividas!
No caminho, perdeste a esperança,
nasceu-te o medo e ganhou raiz...
Foi uma dor que ainda teima em doer,
como te doeu a distancia,
como te doeu o medo
como te doeu a solidão.
Como te dói a certeza que hoje tens,
A certeza de que o teu sacrifício
Não fez crescer o teu país
Como quiseram que acreditasses.
Perdeste o sonho...
Perdeste o tempo de sonhar...
E nem viste as trovoadas...
Os raios e os trovões que
A natureza te quis mostrar.
Mas tu não, tu nem as viste.
Não viste o seu encanto,
Os seus raios de mil cores
Riscando o céu de madrugada.
Não viste como naquela terra
Em que só a guerra era triste,
Eram belas as trovoadas.

Romi (Rosa Maria Figueiredo Quadros)

Isto refere-se também a um "ataque ao arame" no qual os "rapazes do PAIGC" incendiaram 21 moranças e ela naõ soube do filho durante alguns minutos...
Enfim, alegrias
Um Ab.
António J. P. Costa
PS: Não se (ainda) interessa lá para a tal tese...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tó Zé:

Confesso que não vi este poema do teu livro, que de resto está numa pilha de outros livros, para ler com tempo e vagar, de lápis na mão... Mas este poema da Romi merece ir para montra grande do nosso blogue... E eu a pensar que as nossas mulheres, as que estiveram no mato, connosco, eram testemeunhas silenciosas da guerra...

Vou já tratar de lhe dar o devido destaque!... Bom dia, Romi!

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada
Este poema não está, nem poderia estar no meu livro, pois foi escrito por outra pessoa.
Contudo podes ver no meu livro que falo da presença de 3 mulheres brancas no "Campo Entrincheirado da Tropas Colonialista, Salazarista e Imperialistas de Mansabá". Pergunto mesmo no meu livro - julgo eu - se não havia guerra porque não podíamos ter as mulheres connosco? Ainda para mais, se os militares do recrutamento local as tinham com eles.
Claro que às vezes dava mau resultado como podes ver no conto verídico "Um Casal Estegânho".
Um Ab.
António J. P. Costa

António J. P. Costa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Sobre o tema de senhoras a acompanhar os maridos, conheço alguns caso.
Em Nova Lamego 67/68, o nosso médico Ten e depois Capitão Cortez, teve sempre lá a sua mulher, e um dia até foi numa coluna até Pirada na fronteira. Convivi em certas ocasiões com este casal, aliás tenho vários fotos. Ela regressou no mesmo navio UIGE que eu e o meu Batalhão.
O Comandante da CCS - foi a meio da comissão enviado para Bissau, para o QG, para outras funções. Depois chegou um Capitão (Cardoso de seu nome). maçarico, acabado de casar, com a sua jovem esposa, já foi em S. Domingos. Pouco ou nada convivi, a não ser nas refeições da messe de oficiais, nem sei o nome da senhora, está em várias fotos. Pouco vi da sua vida privada, ou até nada, eu não tinha relações com o Capitão da CCS, pois só tinha como superior hierárquico a quem tinha de prestar contas, o nosso Major - 2º Comandante, nada mais.
Havia um Alferes - o Figueiredo, do Pelotão de Reconhecimento, tinha a mulher em Bissau, onde a sua familia tinha casa, eram suponho, comerciantes em Bissau. Levou uma vez a mulher dele até um Jantar, ou de Natal, ou Fim de Ano, não me lembre, embora tenha uma foto deles e deve lá dizer alguma coisa.
O meu 2º Comandante - o Major Correia, recebia regularmente a visita da sua esposa, em Bissau, soube 40 anos depois, que ficava hospedado na casa de um familiar em Bissau, qjue era alguma coisa da PIDE. Nunca me disse nada, tínhamos um 'PACTO secreto', no qual eu lhe proporcionava a sua ida mensal até Bissau, mas não vou revelar isso agora. Uma única vez a sua mulher esteve no Quartel, não sei em que data, mas não aparece nas fotos de Natal e Ano Novo, tenho apenas fotos dela a sair do Dakota e nós a falarmos todos juntos.
Em Nova Lamego, o 2º Sargento do Pelotão Daimler tinha lá a mulher, aparece em algumas fotos de encontros.
Tenho dois amigos, eram alferes milicianos como eu, que casaram com duas irmãs, e viviam na mesma época na mesma casa em Bissau, um deles já tinha uma filha a Eunice, hoje Arquitecta no Porto, casada e vida normal- 67/69. Levei-a algumas vezes na minha motorizada. E havia ainda outro, que também lá tinha a mulher, éramos todos do mesmo grupo do Café Cenáculo.
Bem como o inigualável meu amigo, e agora meu vizinho, o tal Alferes que já falei que foi para o CHERET, e tinha lá a mulher. Casou antes de embarcar, sem dizer nada a ninguém, e foi de avião civil para Bissau, onde ficou na Pensão da D. Berta. Já mostrei fotos.

Deve haver mais mas fica para a próxima.

virgilio teixeira