terça-feira, 22 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20267: Controvérsias (140): é verdade que Contuboel, na zona leste, região de Bafatá, nunca foi atacado ou flagelado ? ( Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, 1972/74)



Foto nº 1 > A velha ponte de madeira, sobre o rio Geba (Estreito), em Contuboel


Foto nº 2 > No "barco turra", a navegar no rio Geba... O Manuel Oliveira Pereira, à proa, à direita... É bom lembrar que ele foi um dos co-fundadores da famosa Companhia Terminal (Bissau,1973/74) (*) devendo ter feito várias viagens nos "barcos turras", com abastecimentos para o seu batalhão e outros do leste...


Foto nº 3 > No "barco turra", a navegar no rio Geba.. À direita, na margem direita do rio, no sentido Xime / Bamadinca, palmares típicos das margens do rio...


Foto nº 4 > No "barco turra", a navegar no rio Geba... Não parece ser a mesma viagem, o "artista" vai de camuflado... 


Foto nº 5 > No "barco turra", a navegar no rio Geba... O Manuel Oliveira Pereira, para onde iria, em farda nº 3 ?... 


Foto nº 6 > No "Barco turra", a navegar no rio Geba... Comendo a "ração de combate", que a viagem era longa... Adivinham a marca da lata de sumo de fruta...


Foto nº 7 > No "barco turra", a navegar no rio Geba... Noutra viagem, de camuflado e de G3...

Guiné > Região de Bafatá > CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884 (Contuboel, 1972//74) > O Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, membro da nossa Tabanca Grande, da primeira hora. Fotos de álbum do Manuel Oliveira Pereira, cortesia da página do Facebook  da Companhia de Caçadores 3547 - Os Répteis de Contuboel, página criada em 2011.

Fotos (e legenda): © Manuel Oliveira Pereira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Comentário do Manuel [Oliveira] Pereira,   ex-fur mil, CCAÇ 3547, "Os Répteis de Contuboel", (Contuboel 1972/74), subunidade que pertencia ao BCaç 3884 (Bafatá, 1972/74); hoje advogado, vive em Ponta de Lima (**)


Meu caro Zé Saúde, camarada e amigo. Como me sinto lisonjeado com as tuas palavras. Na verdade, estivemos tão perto (Nova Lamego e Madina Mandinga) e ao mesmo tempo nunca nos encontramos. Depois, já na vida civil, trabalhamos na mesma secção, tivemos cumplicidades múltiplas e viemos também a residir no mesmo prédio.

Foste ao meu casamento, os meus filhos tiveram, durante algum tempo, por "ama" uma tia tua e nesse tempo NUNCA abordámos,  e até julgo desconhecermos, a nossa situação de combatentes e percurso nas "fileiras". Foram precisos anos, muitos anos, para nos "reencontrarmo-nos"!...


Lido o teu texto, aqui vão algumas achegas: A minha Unidade Operacional pertencia ao BCaç 3884 sediado em Bafatá, e tinha por perímetro de acção o sector de Contuboel. Era a CCaç 3547,  conhecida por "Os Répteis de Contuboel" que, devido à sua localização e, não havendo "guerra", funcionava como Centro de Formação de Milícias. 

Assim os seus Grupos de Combate (Pelotões) [, da CCAÇ 3547,] andavam sempre destacados em reforço de outras unidades. Foi deste modo que a CCaç 3547 fez, nos seus quase 28 meses de Guiné,  um "périplo turístico" por Bafatá, Bambadinca Tabanca, Sonaco, Sare Bacar, Nova Lamego, Madina Mandinga, Galomaro e Dulombi. 

Outra curiosidade que também desconheces, talvez, o teu ex-cmdt de Batalhão,  ten-coronel Castelo e Silva, veio a ser meu cmdt, e de quem eu fui  (e continuo a ser) amigo. Vive actualmente em Valpaços. 

Como vez, muitas coincidências! Esqueci de referir que a partir do 3º mês de Guiné e, enquanto operacional, fui sempre Cmdt de Pelotão e em funções administrativas Delegado de Batalhão.

Um abraço. Manuel Oliveira Pereira, Fur Mil,  BCAÇ 3884/CCAÇ 3547.


2. Comentário de Valdemar Queiroz [, ex-fur mil, CART 11,
(Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) 
(**):

Contuboel, um caso interessante na guerra da Guiné.

De Fevereiro a Maio de 1969 estive em Contuboel e não houve o mínimo indício de guerra a não ser ruídos noturnos de outras tabancas a 'embrulhar' e também não tive conhecimento de anteriormente ter havido.

Depois, no resto do ano de 1969 e até Dezembro de 1970, quer em Nova Lamego ou em Paunca, nunca tivemos conhecimento de nenhum ataque a Contuboel.

Agora venho a saber que até 1974, ou seja, até ao final da guerra, Contuboel nunca foi atacada.

3. Comentário do editor LG:
Eu e o Renato Monteiro,
o "homem da piroga", no rio Geba,
com a ponte de madeira ao fundo...,
e que lhe ia seno fatal!

Foto (e legenda): Luís Grça (2005)

É verdade. Zé Saúde e Manel Pereira ? Trabalharam juntos, e nunca tinham falado da Guiné e da guerra , até se encontrarem em Monte Real, num Encontro Nacional da Tabanca Grande ? 

Manuel, Contuboel (, o quartel e a tabanca,)  nunca foi mesmo atacado ou flagelado pelo PAIGC em todos estes anos de guerra ?  Ou, pelo menos, no teu tempo ?

O Valdemar e eu estivemos lá, no 1º trimestre de 1969, na altura Contuboel era um CIM (Centro de Instrução Militar) e e eu descrevia como um "oásis de paz" a ponto de termos feito a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional) nas suas imediações, em farda nº 3, com as nossas praças, do recrutamento local (, refiro-me à CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) apenas com balas de salva nas cartucheiras da G3... Só os graduados levavam bala real (***).

Contuboel era local de passagem para quem ia comprar vacas a Sonaco... Quem, da malta do leste, não foi pel menos uma vez a Sonaco ? De facto, também nunca me constou que o quartel tenha sido atacado ou flagelado pela guerrilha do PAIGC, tanto o de Contuboel como o de  Sonaco. É verdade ? (****)

Contuboel tem mais de noventa referências no nosso blogue.

Um abraço especial para o Manel, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora. Conhecemo-.nos no I Encontro Nacional da Tabanca Grande, na Ameira, Montemor-o-Novo, em 14 de outubro de 2006, já vão 13 anos!...
_____________

Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 2 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3264: A Companhia Terminal , Bissau, 1973/74 (Manuel Oliveira Pereira)

(**) Vd. poste de 21 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 – P20265: Memórias de Gabú (José Saúde) (88): Manel Pereira, um amigo. (José Saúde)

(***)  Vd. poste de 28 de junho de  2005 > Guiné 63/74 - P86: No oásis de paz de Contuboel (Junho de 1969) (Luís Graça)

(****) Último poste da série > 21 de setembro de  2019 >  Guiné 61/74 - P20165: Controvérsias (139): louvor, em ordem de serviço, do comando do BART 733 (Farim, 1964/66), aos seus militares, pelo pronto, abnegado e eficiente socorro prestado às vítimas do atentado terrorista de 1 de novembro de 1965 (João Parreira, ex-fur mil op esp, CART 730 / BART 733, Bissorã, 1964/65; ex-fur mil cmd, CTIG, Brá, 1965/66)

18 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Manel, onde é que a malta de Contuboel vinha apanhar o barco turra ? No teu tempo, claro ? Bafata, não me parece... talvez Bambadinca ou Xime. Não conhecia estas fotos...alfabravo, Luís

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Estes domínios do nosso amigo e colaborador,dor permanente do blogue, Chernobyl Balde... Ele é de Fajonquito, setor de Contuboel...Pode confi

Tabanca Grande Luís Graça disse...

...pode confirmar a notícia. Mas eu não tenho de ter havido um ataque ao quartel de Contuboel. Porquê, pode perguntar-se. Haverá mais povoações que escaparam á sanha libertadora do PAIGC ?

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Era uma localidade importante, lembro-me de haver uma serração, uma mesquita, um ímã muito respeitado... Mas ficava um bocado das rotas da guerrilha, longe das suas bases... Já Bafata ficou mais vulnerável, a sudeste, com a retirada de Marina do Boe em 6/2/1969.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

...Marina do Boe, queria eu dizer.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Manel, a viagem foi longa... Até Bissau ? Não te esqueceste da da ração de combate... O ar do Geba fazia fome, e deves ter partido de madrugada, que a maré é que mandava. Um abraço do Luís.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Viagem inesquecível, para quem a fez, como tu, eu, o Valdemar e tantos outros camaradas do leste...Em passando a Ponta Varela, depois do Xime, a malta ia mais descontraída até Bissau.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A foto nº 1 é fabulosa, deve ter sido tirada no tempo seco, com o rio com menos caudal do que me julho de 1969... A velha ponte de madeira fazia um "açude", uma verdadeira ratoeira para os banhistas, e sobretudo dos "destemidos mergulhadores"...

Lembro- me da minha aflição ao ver o Renato Monteiro, um "lacrau" que esteve comigo em Contubel em junho/julho de 1969, fur mil da CART 2479 / CART 11, dar aqui um mergulho... Passou-se uma "eternidade" e ele nunca mais vinha à superfície!... Temi o pior!... Estávamos sozinhos e não havia por nenhum... "nadador-salvador", diplomado!...

Por fim, ele lá voltou ao reino dos seres terráqueos, completamente esbaforido!... Já lhe falei várias vezes nesta cena... Não se lembra de nada!... Pudera..., podia ter ficado preso para sempre naquela maldita "ratoeira"...

Confesso aqui um "segredo": nunca dei um mergulho num rio, ria ou braço de mar da Guiné!... De resto, eu era (e ainda sou) "fraco nadador"...mesmo tendo nascido à beira-mar... Há uma explicação: fui vítima, em pequeno, dos rituais do 24 de junho, quando os tios da aldeia, ia à praia, uma vez por ano... E pegavam nos putos, a espernear e a berrar, e lançavam-nos à bruta para as ondas de rebentação... Era para "enrijar as carnes", diziam!... E para eles,putos, se fazerem uns homens... valentes, soldados, marinheiros e cavadores de enxada

Valdemar Silva disse...

Luis
Provavelmente, a Marina do Boé ficava no Corubal junto do luxoso Beli-Cheche Resort.
Ah!ah!ah!ah!ah!
Malvado sarcasmo. Que me desculpe toda aquela rapaziada que tanto sofreu, e par lá morreu, naquela zona.
Nunca tinha visto a Ponte de Contuboel, assim com o Geba tão baixo.
Seria interessante o Manuel Oliveira Pereira explicar sobre as viagens no Geba que aparecem nas fotos e se, realmente, nunca houve 'guerra' em Contuboel.

Ab. e saúde nos 'minitros'
(essa da Marina é do caraças)
Valdemar Queiroz

Manuel OLIVEIRA PEREIRA disse...

Caros CAMARIGOS aqui vai uma pequena abordafgem às vossas questões:

1 - Na verdade Contuboel foi sempre (?) um Centro de Instrução de Milícias. Pelo menos com a minha Companhia (C.Caç.3547) e com outras duas - tenho a certeza porque tenho amigos dessas Unidades - que a antecederam;
2 - No período destas três (3) comissões não houve registos de qualquer "incidente";
3 - Razoes, não sei. Sei todavia, que a "acção psicológica" mantida pela minha Companhia junto das populações nativas eram a "nossa" primeira prioridade, tendo por cabeça o Cmd Companhia, o Cap. Mil. Carlos Rabaçal Martins;
4 - Poderei acrescentar ao ponto anterior e, até porque já lá vão 45 anos sobre o retorno, algumas inconfidenciais que podereis confirmar - já foi escrito e ainda estamos todos vivos - que mantivemos contacto com "intermediários" do PAIGC, fizemos permutas de bens essenciais à nossa sobrevivência e por último (?) e depois de muitas diligencias, uma "reunião", bem no interior da mata e DESARMADOS (eu, na altura como Cmd do Destacamento de Sonaco e o Cmd Comp. Cap. Martins), condição que nos foi imposta pelo "IN" e por nós aceite, com um alto dirigente e comitiva do PAIGC. Eles bem armados, à excepção do alto dirigente e comitiva do PAIGC. Desse encontro, enre outras coisas, resultou um "pacto de não agressão". Este encontro teve eco na Rádio "Maria Turra", pois fomos apelidados dos "Asas Brancas" (símbolo da paz) de Contuboel;
5 - Esta reunião mostrou-se profícua, quer no "quadricula" afecta à Companhia e Destacamento (Contuboel e Sonaco), como também nas nossas permanências em reforço de outras Unidades e muito em especial na "REOCUPAÇÃO" - tinha sido abandonado pelo Batalhão de Galomaro - do Aquartelamento do DULOMBI, ali nas margens do Rio Corubal, por mim e pelo "Pelotão" que tive a honra de comandar e que resultou em "nenhum" ataque por parte do "IN";
6 - As Fotografias são viagens diferentes no tempo e reportam-se à minha "missão" enquanto DELEGADO de BATALHAO. Sim porque para além de "operacional" também tive, entre outras, funçoes de ambito administrativo que me proporcionou, correndo perigos evidentes, "viajar . por mar, rio e pelo ar. Nesta última missão permitiu-me conhecer quase "toda (?)" a Guiné, desde Bissau, Bafatá, Xime, Porto Gole, Farim, Mansoa, Bambadinca, Nova Lamego, Aldeia Formosa e Cacine;
7 - As fotografias são a bordo dos barcos que faziam o "REABASTECIMENTO" para os Batalhoes/Companhias Independentes, no caso, presumo serem todas no Rio Geba;
8 - Para melhor compreensão vejam, aqui no "Blogue" algumas postagens minhas, nomeadamente " Guiné 63/74 . P3264".

Como tenho, ainda, boa memória, estou ao dispor para qualquer dúvida que possa suscitar.
Um Abraço a todos.
Manuel OLIVEIRA PEREIRA
Fur. Mil. do B.CAÇ.3884 / C.CAÇ.3547 - Guiné, Março de 72 a Julho de 1974.

Valdemar Silva disse...

Caro Manuel Pereira
Não me recordo, se anteriormente à chegada da minha CART.2479 e, depois, da CCAÇ.2590, de Fev. a Maio 1969, houve outras Companhias a dar instrução a milícias em Contuboel. Estas Companhias referidas não deram instrução a milícias, estas Companhias dera instrução a recrutas que, depois, incorporaram e formaram duas Companhias de Intervenção, a CART.11 e a CCAÇ.12.
Esse pormenor 'confidêncial' de contactos com IN é muito interessante, mas não explicas que conversações foram para não serem atacados, ou teriam sido depois do 25 Abril 1974? Nós também nunca fomos atacados e acho que não houve nenhum encontro com elementos do PAIGC, ou teria havido sem nós sabermos? É um assunto para analisar, até por haver lá um Furriel de Informações com caçadores nativos informadores e termos ido com ele apanhar uns grandes bioxenes a Sonaco e regressar de noite sem problemas.
Quanto ao resto, como eram as vossas instalações em Sonaco? No meu tempo não havia instalações nem tropa em Sonaco. Que grandes sortudos vocês foram.

Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Vd.poste de

22 DE OUTUBRO DE 2019
Guiné 61/74 - P20268: (De)Caras (112): Camaradas da Companhia de Terminal (Bissau, 1973/74), que em menos de 2 meses carregou mais de setenta barcos para o Leste (Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547, Contuboel, 1972/74)

Manuel OLIVEIRA PEREIRA disse...

Olá camarigos!...
Vamos lá então falar um “bocadinho” sobre as vossas questões. Vou começar por responder ao Luís Graça. Deixo para depois o Valdemar.
È verdade nunca falei com o Zé Saúde (José Saúde) sobre a Guiné. Em momento algum, desde dia em que nos conhecemos, nunca o assunto “tropa” foi aflorado. As minhas, nossas preocupações era gozar a vida. Éramos novos, vindos da guerra (mas não abordada) e precisamos de “viver”. Foram no meu caso 28 meses de Guiné (só passei à disponibilidade em Agosto) e mais um mês “adido” ao RAL1 (RALIS), já que tinha por missão – todos já estavam em casa desde de Junho – levantar do “Niassa”, ancorado na Rocha Conde d’Óbidos, as bagagens (caixotes) da malta do Batalhao, trazer para o RAL1, organizar (agrupar) por regiões/distrito/concelho e transportá-los até à estação da CP de Sacavém, fazer o seu carregamento nos vagões, selar e dar ordem de marcha para as estações mais próximas dos destinatários. Obviamente, a minha missão era meramente administrativa. A minha farda velhinha era respeitada quase como se de um “herói” se tratasse. Voltando ao Zé Saúde.
Como dizia, o tempo disponível era para fazer a desforra de tantas privações. Na altura (75), as movimentações politicas, ocupavam-me grande parte do tempo. Na faculdade eram as RGE e as RGA. No trabalho as Comissões de Trabalhadores e actividade sindical. No exterior, havia que apoiar o “povo em luta”. Fazer algo pelas cooperativas. Ajudando de borla, inclusive pagandodo meu bolso o transporte para ir apanhar azeitona e outros produtos. Havia que dar corpo e voz à ADFA e no aspecto mais pessoal – aqui entra o Zé – o querer conquistar todas as mulheres bonitas. Não havia tempo, queríamos, talvez, esquecer. As “boîtes” e bailinhos em casas particulares completavam-nos. Foi assim que numa noite “bem bebida” quem sofreu as consequências foi o carter do “Morris Mini” do Zé Saúde.
È verdade! Só em MONTE REAL, falamos da Guiné. Fiquei curioso quando vi o nome dele na lista para o “encontro” e por isso não poderia deixar de estar presente. Foi muito bom!
A minha afirmação de Contuboel nunca ter sido atacada ou flagelada, tem duas fontes. A primeira, a minha (Companhia), porque durante toda a “comissão” (Março de 1972 a Junho de 1974) passamos incólumes. A segunda porque tenho amigos ( 68/70 e 70/72 ), um até sogro do meu filho, de seu nome Plácido Lamas, esteve em Contuboel – foi ele e mais alguns que construiu a “moradia” no exterior do arame farpado, quase colada ao parque da “ferrugem”, entrada lado direito da “porta de armas”.
Relativamente ao “centro de instrução de milícias – no meu tempo – foi um facto. Antes de nós, a informação chegou-me pelos os amigos referidos acima. Talvez não percebido a diferença entre Tropas nativas e Milícias.
NOTA: Gostaria de incluir algumas fotografias. Como se faz?

Manuel OLIVEIRA PEREIRA disse...

Respondendo agora ao Valdemar (Parte 1/3).

SONACO, era quando lá cheguei (Abril de 72), um Destacamento militarizado. Vindo do Cumeré onde fiz (fizemos) o IAO, e depois de uma curta passagem (dois dias) pela sede da Companhia, fui render o Pelotão da Companhia “velhinha”. A guarnição era composta por 30 militares europeus (Grupo de Combate + Cabo Enfº.+ Condutor auto + Sold Transmissões + Cozinheiro civil, o Malan) e um Pelotão de Milícias com 21 elementos. O aquartelamento era uma antiga casa colonial, esventrada, sem janelas mas com alguma habitabilidade. Situava-se logo à entrada da parte “urbana” da Vila, lado esquerdo e junto ao “mercado”. Ou seja a nascente da “avenida” .A poente tínhamos o Posto de Correio a Igreja (capela) o “Palacete” do Chefe da Circunscrição, um Chefe de Posto de “nível mais elevado”, e já à saída na direcção de Nova Lamego a Pista de Aviação e a “Estação Meteorológica”. Ao longo da “Avenida” situavam-se muitas casas comerciais e o “Café do Sr. Orlando Gomes” o homem que vendia vacas.
Sobre os contactos com o IN muito poderia dizer mas vou resumir. A minha Companhia era composta nos seus quadros por “milicianos” . A única excepção eram o 1º e 2º Sargentos. O Capitão era um quase Engenheiro civil, Dois dos Alferes, andavam em Direito. O terceiro Alferes era já médico (exerceu na Companhia). Dos Furrieis, um a caminho de Direito, outro de Economia e ainda mais dois dos Institutos Industriais o um quinto do Instituto Comercial. Não cito os outros, porque não faziam parte das “conversas privadas antirregime”, nem tão pouco as suas leituras passavam pelo jornal “República”. ou ouvintes da BBC, Radio Portugal Livre, Radio Moscovo ou voz da América. Do mesmo modo pouco lhes interessava a “corrente Marcelista da Assembleia Nacional” e desconheciam Miller Guerra, Francisco Lumbrales (Sá Carneiro), Francisco Balsemão, etc..
Éramos um grupo, aparentemente acomodado, mas preocupados com o rumo que a guerra estava a tomar. Os problemas por nós vividos no terreno. Deslocados quase permanentemente da nossa base em reforço de outras unidades. O ocupar zonas – uma delas, Bambadinca Tabanca – sem que houvesse um aquartelamento. Para nos abrigarmos nos primeiros dias “requisitamos/tomamos posse” de umas moranças (tabancas) de cana e colmo. Depois cavaram-se as valas e os abrigos. A alimentação, inicialmente “ração de combate” e depois a eterna “vianda”, por vezes, acompanhada por mais vianda. A agua recolhida a alguma distancia onde o perigo espreitava a todo o instante. A morte e feridos de companheiros no Batalhão levaram a um repensar na forma de actuar, principalmente no perímetro de actuação da Companhia e Destacamento.
Num dos períodos em que estou como Cmd do Destacamento de Sonaco, tomo a iniciativa – já vinha abordando de forma subtil o velho comerciante Libanês e a sua esposa (uns anos bem mais nova que o marido), com quem por vezes jantava – de alargar o meu leque de “amigos” (ficaram mesmo amigos) entre os Homens Grandes, o Cmd da Milícia o Mali e o Cmd de uma das secções do Pelotão de Milícias, o Djassi. Basicamente a questão era: “… como vocês acham que o IN reagiria se lhe propusemos um “encontro de cavalheiros” ?,
(continua…)

Manuel OLIVEIRA PEREIRA disse...

Respondendo agora ao Valdemar (Parte 2/3).

A Vila de Sonaco era um centro de comércio muito importante. No meio de tanta multidão que diariamente aliam faziam suas trocas, compras e vendas era impressionante. Obviamente, o IN tinha aqui a sua oportunidade para se infiltrar. Assim, de forma persistente, mas cautelosa, foi alimentando junto dos meus interlocutores a vantagem de uma aproximação da qual ambas as partes beligerantes beneficiariam. Entretanto a acção psicológica – a mesma que o Capitão – prosseguia com “oferta” de víveres (farinha, arroz, sal, etc.) acesso ao médico e ou ao serviço de enfermagem, medicamentos, transporte para Bafatá e para reuniões da Assembleia Popular, etc.. Numa palavra: dentro do possível sempre disponíveis!
O tempo foi passando e em mais um jantar na casa do comerciante Sr. Libanês, este atira-me com esta: “…alguém do PAIGC, está aberto a um encontro, mas você terá que ir desarmado (???)…” Incrédulo, perguntei: “Onde e quando?” – Aguarde, disse ele. No dia seguinte, fui a Contuboel e chamei o Capitão de parte para lhe comunicar que sem ele saber, andei a tentar chegar à fala com o IN. Olha-me de alto a baixo, puxa uma “passa” mais forte no cigarro e diz-me: “sabe que também tenho andado a fazer o mesmo?” . Então e agora o que fazemos? – Nada, esperamos!...
Duas semanas ou três após esta conversa, recebo o Cap. Martins em Sonaco. Salta do Unimog, dirige-se a mim e faz-me sinal para o seguir ao interior do aquartelamento e com o dedo aponta no mapa que eu tinha afixado na parede do meu “quarto”, dizendo, “é hoje e aqui!”.

Seguimos quase de imediato. Subimos para o Unimog e como escolta, uma secção reforçada, escolhida a dedo entre “os melhores” do Pelotão. Durante todo o percurso não trocamos uma palavra. A dado momento o Capitão dá ordem de paragem – estamos no interior de uma mata densa, no triângulo Sonaco/Contuboel/Nova Lamego – manda a secção fazer segurança em circulo e para estar atenta. Nós os dois e apenas com a pistola à cintura, entramos mata dentro, numa caminhada de medo, mas determinada. Alguém viria ter connosco. E veio! – Eram quatro ou cinco guerrilheiros bem armados que nos emboscaram. Um deles, talvez chefe, diz: “o acordo é desarmados. Entreguem as pistolas”. Não, responde o Capitão. Se nos permitem e para que o “encontro se realize”, iremos fazer a entrega aos nossos camaradas que estão a quinze vinte minutos de distância. O mesmo guerrilheiro concorda. Viramos para o ponto de partida e sempre pensei que naquele momento íamos ser abatidos com um tiro pelas costas. Felizmente não aconteceu. Feito o deposito das armas aos nossos camaradas o Capitão deixa a ordem que caso não regressamos dentro de duas horas, deveria ser dado o “alarme” para que aquela zona fosse bombardeada. Diga-se que o nosso pessoal não sabia nem soube – só já em Portugal vieram a saber – qual a razão daquela incursão na mata. Recordo que já no aquartelamento o Sold. Pinto me perguntou se as bajudas eram boas (?)
(continua…)

Manuel OLIVEIRA PEREIRA disse...

Respondendo agora ao Valdemar (Parte 3/3).

Voltamos a fazer a caminhada. Antes, o Cap. Martins, faz-me sinal com os olhos com um VAMOS? – Claro que sim! O nervosismo era muito. O medo existia, mas uma força interior, me dizia que tudo iria correr bem. O desistir não fazia parte dos nossos planos. Fomos.
Os guerrilheiros voltam a surgir, mas em local diferente. Já não nos apontam as armas. Fazem-nos andar às voltas e mais voltas, até que entramos numa pequena clareira – 100 a 150 metros. À volta dela muitos guerrilheiros armados. A um dos lados, uma grande tenda branca com um avançado tipo alpendre. No solo, à entrada da tenda um enorme tapete com loiça e bules e um cheiro agradável a comida fresca. De dentro da tenda sai um individuo muito bem vestido com os trajes muçulmanos, aparentando menos de 40 anos. Atrás dele mais dois, também novos. Dirige-se a nós, estende-nos a mão cumprimentando-nos pela patente e nome. A nossa surpresa é enorme, já que os nossos ombros iam vazios e as fardas não tinham nomes. Convida-nos a sentar, o que fazemos ao mesmo tempo pergunta. . Surpreendidos? – Sim, respondemos quase em coro. Este aparato, os nossos nomes e patentes… Olha-nos e diz-nos. Sei tudo ou quase tudo acerca de vocês, A vossa forma como fazem a “guerra”, a postura e a relação com a população, a atitude como encaram a nossa luta pela libertação do jugo colonial, a acção dos vossos grupos de apoio a outras unidades da frente, nomeadamente Sare Bacar, Bambadinca Tabanca, Madina Mandinga e sobretudo o respeito que manifestam pelas gentes de Contuboel, Sonaco e Jabicunda (o grande povoado junto à Ponte de Contuboel), e na ajuda diária à sua sobrevivência.
Perante deste desenrolar de “conhecimento” sobre a Companhia, fomos ficando à vontade, não tanta, quando fomos convidados a beber o chá de menta e o ensopado, presumo de borrego, Perante a hesitação (medo de estar envenenada) o nosso anfitrião, rindo, disse: “olhem para mim. Vou comer e beber do mesmo que vos oferecemos”.
De facto a comida estava óptima. Já a bebida, uma cervejinha gelada saberia melhor, mas enfim!
Neste entretanto lá fomos dizendo das razoes que nos levaram a ter este encontro, nomeadamente a “estupidez” de nos matarmos uns aos outros, quando no cerne da resolução estava um problema meramente politico e não militar. Demos a conhecer, que a ida para a guerra por parte da juventude portuguesa, era uma imposição do regime e não do povo português. Daí propor aos guerrilheiros actuantes no nosso sector “um pacto de não agressão” Findo os nossos argumentos, ouvidos num silencio total, tivemos uma contraproposta muito curta que se resumia em continuarmos de forma mais profunda a acção que desde há muito vínhamos desenvolvendo juntos das populações do perímetro.
O nosso interlocutor, para além de ser um poliglota, conhecia a Europa, Cuba, Checoslováquia e URRS.
Corremos e andamos por muitos sítios e a certeza que “fomos” contemplados pela sorte, tivemo-la em Madina Mandinga (ali a sul de Nova Lamego e ao lado de Cabuca e na estrada para Ché Ché) e depois no Dulombi, mais a sul e também perto do Rio Corubal, onde com o meu Grupo fui fazer a ”reocupação” do quartel entretanto “abandonado/desactivado” por uma Companhia do Batalhão sediado em Galomaro.

CONCLUSÃO: O único morto da nossa Companhia – um Furriel, por ter pisado uma mina.– aconteceu ao serviço de outra Unidade, na fronteira com o Senegal, entre Sare Bacar e Sare Aliu, Acrescento que NÃO era o nosso Grupo (o meu) a sair. A “besta” do Cmd. de Companhia onde estávamos destacados, deu por “castigo”. essa ordem. Daí darmos o benefício da dúvida de que a mina causadora da morte do Furriel Melo, tinha por destino a Companhia Independente sediada em Sare Bacar e NÃO o 4º Pelotão da Companhia 3547 (Contuboel).

NOTA: Queria incluir umas fotografias. Como se faz?

Valdemar Silva disse...

Caro Manuel Pereira
E esta hem? Como diria o outro.
O nosso blogue é um caso sério sobre o que se passou na guerra da Guiné.
Nunca li ou ouvi falar sobre este acontecimento. As entidades superiores, a nível de Comds.Chefes, tiveram conhecimento deste vosso encontro aqui descrito por ti? Fizeram algum relatório sobre essas conversações? Concretamente em que mês/ano foi?
Não percebi duas descrições, a primeira o interlocutor não estar fardado ou com roupa parecida, a segunda a afirmação dele de não causarem problemas na zona por causa da vossa boa convivência com a população. Então e a razão de anteriormente à vocês também nunca ter havido nenhum ataque/flagelação seria o mesmo? Seria o único local da Guiné em que isso acontecia?
E quanto è grande actividade de Sonaco nunca ter sido 'apoquentada'?
Realmente, a descrição da grande actividade que fazes de Sonaco não é a que eu tenho na ideia. Lembro-me quando, em Março 1969, fui a Socano, de ver uma Tabanca com uma grande rua central com várias casas 'coloniais' e uma bomba de gasolina, daquelas de puxar com uma alavanca, e da casa (restaurante?) onde fomos comer um ensopado feito com conservas e andar à procura da praia que devia estar de maré baixa que nem sequer a vimos.
Obrigado por teres contado esta tua extraordinária história de vida.
Venham mais explicações e fotos de Sonaco que julgo todos gostávamos de ver, por não haver imagens no blogue.

Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Caros amigos,

Acabo de regressar de uma viagem (missão de serviço) da zona Leste, mais precisamente ao Sector de Boé, tendo visitado as localidades de Canjadude, Tchetche (Che-Che), Dandum e Beli onde funcionam Centros de saúde para a população. Depois, no regresso e na região de Bafata visitamos Contuboel, Cambaju e Fajonquito. Todas estas localidades estão hoje irreconhecíveis, ima sombra do que foram, sem falar das cidades de Gabu e Bafatá que estão numa situação lastimosa. Entregaram o ouro aos bandidos e não se podia esperar melhor.

Sobre o tema do presente Poste, só tenho a dizer aliás a reiterar o que já tinha dito em tempos. Contuboel nunca foi atacada e, na minha modesta opinião, porque não fazia parte dos planos da guerrilha e porque tanto Contuboel como Sonaco estavam rodeados de postos militares que serviam de dissuasão a qualquer ataque (Geba e os seus destacamentos, Fajonquito e seus destacamentos, Saré-Bacar, Paunca, Pirada entre outros) a servir de tampão.

Mesmo Fajonquito a 20 km da fronteira e situado perto da região do Oio, só foi atacada em 1964 entre os meses de Agosto e Setembro e, nessa altura, foi muito pressionado com ataques prolongados e sucessivos como nos testemunhou o Diário do soldado Inacio Maria Góis da CCaç 764 (1964/66), mas com a resistência da companhia e a colaboração da população e autoridades tradicionais que recrutaram milicias, a guerrilha contentou-se com emboscadas e flagelações aos postos avançados. Na verdade, já tinham conseguido assegurar o isolamento do corredor de Sitató e uma vasta zona de infiltração para o Centro do país e ao Morés.

Uma observação que queria deixar ao Luis Graça é que, para quem vem de Bambadinca e Bafata, o trajecto para Sonaco faz-se por estrada a partir da localidade de Djabicunda, antes de Contuboel. Embora muito próximos, a ligação entre as duas localidades fazia-se via terrestre passando por Djabicunda por causa do rio Geba.

Com um abraço amigo.

Cherno Baldé