domingo, 15 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20149: Controvérsias (138): Ainda o atentado terrorista de 1 de Novembro 1965, em Morcunda ou Morocunda, Farim: "pessoal bandido não gostava de fulas e mandingas", era o que se ouvia dizer na época... Vi a "cara amassada" do Júlio Pereira... Infelizmente queimaram-me, em Bissau, o rolo de fotografias que tirei, onde estavam os suspeitos, detidos num campo vedado a arame farpado (António Bastos, testemunha dos acontecimentos)


Guiné- Bissau > Região de Oio > Farim > Março de 2008 > Cádi ou Cati, uma sobrevivente dos trágicos acontecimentos de 1 de novembro de 1965. O António Paulo Bastos conheceu-a,  na Missão Católica, na altura da sua 3ª viagem à Guiné-Bissau.

Foto (e legenda): © António Paulo Bastos (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do nosso camarada António [Paulo] Bastos (ex-1.º cabo, nº 371/64, do Pel Caç Ind 953, Cacheu, Bissau, Farim, Canjambari e Jumbembem, 1964/66; esteve adido ao BCAV 790 e ao BART 733):

Data: sábado, 14/09/2019 à(s) 12:04
Assunto: 1 de Novembro 1965.

Bom dia, Luís e camaradas da Tabanca Grande:

Luís, mais uma vez vou falar sobre esse dia pois eu estava em Farim  [, nesse fatídico dia 1 de novembro de 1965, pelas 21:30, estava eu de passagem por Farim esperando transporte para Canjambari], quando se deu o rebentamento... Não estava na Morcunda [ou Morocunda] mas estava à porta da caserna do Pelotão de Morteiros, claro peguei logo na arma e esperei o pior (um ataque de  morteiros do Oio).(*)

Logo no outro dia,  fui a Morcunda ver onde rebentou a granada, ainda se via sangue e muitas coisas pessoais pelo chão.

Também ouvia os familíares [das vítima] dizerem que "pessoal bandido não gostava de Fulas e Mandingas".

Também em 2008, quando estive novamente em Farim, ao falar com o Gibril Candé e com a Kati, onde lhe tirei as fotos, foram unânime em dizer que foi o Júlio [Pereira] da Ultramarina [, o responsável pelo atentado]. (**)

Também fui à1ª Companhia [, a CART 730, que estava em Nema, Farim], a   ver os presos que já lá estavam onde vi o Júlio [Pereira] com a cara toda amassada e outros mais.

Tenho pena de,  em Bissau,   me terem queimado as fotos que eu tirei onde estavam os presos no campo vedado a arame [farpado]

Também li há dias o que o jornal 'O Democrata' dizia e não estou de acordo que tivesse sido a PIDE (***), que mandou lançar a granada, se bem que eles muito competentes de fazer isso e muito mais. 


Um abraço

A. Paulo do Pelotão Caçadores 953. (***)
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


1 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7205: Efemérides (54): O fatídico dia 1 de Novembro de 1965 (António Bastos)

(**) Último poste da série > 12 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20144: Controvérsias (137): Craveiro Lopes em Bolama, em visita de Estado... Era presidente da câmara municipal o Júlio [Lopes] Pereira, que passa, em dez anos, de cidadão respeitável a proscrito social... (Recorte de imprensa: "Diário Popular", Lisboa, 6 de maio de 1955)

Vd. também postes anteriores:

11 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20142: Controvérsias (136): Não consta que o Amílcar Cabral, o "pai da Pátria", tenha reivindicado a autoria (moral e política) do "atentado terrorista" de 1 de novembro de 1965, em Morocunda, Farim, e muito menos denunciado ou condenado esse ato monstruoso... Pelo contrário, até lhe convinha, para memória futura, que as criancinhas de Farim continuassem a repetir, em coro, estes anos todos, na escola, que esse ato foi obra maquiavélica e tenebrosa dos "colonialistas portugueses"...

10 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20140: Controvérsias (135): as duas noites de terror, em Farim, as de 1 e 2 de novembro de 1965, para as vítímas (mais de uma centena) do atentado terrorista, e para os indivíduos (mais de sessenta, o grosso da elite económica local) detidos e interrogados pela tropa pela PIDE, por "suspeita de cumplicidade"...

9 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20135: Controvérsias (134): os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, em 1 de novembro de 1965: a memória das vítimas e o risco de falsificação da história... Excertos de reportagem do jornal "O Democrata", Bissau, 13/11/2014

7 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20130: Controvérsias (133): Os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, de 1 de novembro de 1965, um brutal ato de terrorismo, cuja responsabilidade material e moral nunca foi apurada por entidade independente: causou sobretudo vítímas civis, que estavam num batuque: 27 mortos e 70 feridos graves
(***) Vd. poste de 18 de agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2060: Bibliografia de uma guerra (14) : o testemunho de Pedro Pinto Pereira. "Memórias do Colonialismo e da Guerra", de Dalila Cabrita Mateus (Virgínio Briote)

(...) Que assistira ao fabrico de uma bomba. Quando eles (PIDE) é que tinham deitado uma bomba em Farim, onde mataram muita gente,

(...) (quem lançou a bomba?) Foi a PIDE que mandou, tenho a certeza disso. Lançou a bomba para depois dizer que nós até matávamos africanos. Ali não havia quartéis, só havia casas comerciais, onde era fácil lançar bombas e fugir. Porque é que não lançavam as bombas nos quiosques, frequentados pelos militares portugueses? E iam deitar onde só estava a população? Queriam arranjar pretexto para fazer prisões. Havia, então, uma festa numa tabanca e morreram mais de cem pessoas. Isto passou-se no dia 1 de Novembro de 1965. (...)

(...) Nota da historiadora Dalila Cabrita Mateus: 


Confirmado o incidente, a PIDE, em mensagem por rádio existente nos arquivos de Salazar [, Arquivo Oliveira Salazar, 1908-1974, Torre do Tombo],  afirma que, no dia 1 de Novembro de 1965, cerca das 20 horas, fora lançado um engenho explosivo para o meio dos africanos que se encontravam num batuque em Farim. A explosão teria provocado 63 mortos e feridos, na sua maioria mulheres e crianças.

Foi detida meia centena de pessoas. Confissões obtidas levaram à detenção de um tal Issufo Mané, que declarou pretender atingir militares (?). Para o fazer, teria recebido 14 contos de Júlio Lopes Pereira, o qual, por seu lado, actuara por indicação do chefe da Alfândega de Farim, Nelson Lima Miranda. E este teria vindo a declarar que a bomba fora lançada a mando da direcção do PAIGC.

(AOS/CO/UL- 50-A, Informações da PIDE, 1965-1966, 86 subdivisões, pasta 2, fls. 636, 637, 638, 641 e 642).

9 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

António, obrigado por esta informação complementar... Mas deixa-me que te diga o seguinte: pela exploraçao do Arquivo Amílcar Cabral (ou do que resta dele), disponível "online", na Casa Comum, desenvolvido pela Fundação Mário Soares, não há "indícios" que apontem para a filiação, como militante do PAIGC, do Júlio Lopes Pereira, genro de um dos maiores "colonos" da Guiné, o Benjamim Correia... Nem do Nelson Lima Miranda. Eles pertenciam à "pequena burguesia" do território, na sua maioria com aspirações e simpatias "nacionalistas", ligados ao comércio e às principais casas comerciais... donde, se resto, vieram alguns dos dirigentes, mais políticos do que operacionais, do PAIGC: Luís Cabarl, Aristides Pereira, Elisée Turpin...

Nem o "dinheiro sujo" apreendido pela PIDE ou pelos militares do BART 733, ao Júlio Pereira seria proveniente de Conacri... Nem sequer as granadas... Conacri ficava longe. E o PAIGC nessa altura não tinha dinheiro para mandar cantar um "didjiu", ou mesmo dizer, no nosso português, "mandar cantar um cego"... Pelo menos a acreditar nas queixas, ao Lu+is Cabral, do Lourenço Gomes, resposnável pela "fronteira Norte". e quue abancava em Samina, ali perto, na província de Casamansa.

António, tem o resto da história da unidade, o BART 733 ?... Aquele abraço. Luís

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Aqui temos uma opinião resumidamente equilibrada.
Qualquer das duas hipóteses: a da PIDE e a do PAIGC (MLG) são verosímeis.
Acho absolutamente ridículo que se saia da matéria em análise e se prolonguem considerações acerca dos navegadores, do Infante, similares e quejandos.

O máximo que podemos dizer é que tudo é suspeito, pelos resultados do atentado (conseguidos ou não), pela actuação do terrorista(?) e pelas investigações realizadas(?) em 24 horas e seus resultados. Pelo número de presos, sua funções e profissões, grupos étnicos, etc. teremos que admitir que o ambiente em Farim e arredores era mau e que o PAIGC estava(?) muito bem representado, o que, por si só questionaria a presença do Exército naquela localidade.
Os sobreviventes civis e os militares presentes parece que não foram muito eficazes na conservação da memória, pelos motivos que conhecemos. Julgo que, na altura da descolonização o assunto estava "esquecido", mesmo a nível local, o que hoje só permite complicar a análise do sucedido. O que dirá o arquivo da PIDE, na Torre do Tombo sobre este assunto?
Deverá ser possível ler os autos e os relatórios do tempo e, certamente que será possível deduzir qualquer coisa.

Um Ab. e bom domingo
António J. P. Costa

Cherno AB disse...

Caro Luis Graça,

Interessante este teu achado histórico mt relevante, que "O PAIGC nessa altura não tinha dinheiro para mandar cantar um Djidiu". Fartei-me de rir....Os Djidius hoje são uma classe em extinção. As crises de diferentes ordens e natureza não poupam nada e ninguém.

Na verdade, 14 contos (?) era mt dinheiro e não acredito q os movimentos nacionalistas enveredassem por vias que, certamente, os condenariam rapidamente ao fracasso. Por outro lado estamos a falar de um periodo em que se acreditava na boa fé ou nas fraquezas do regime que deveriam permitir uma rápida autonomia...sim autonomia, porque todos eles eram nacionalistas, mas também portugueses de alma e coração.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Valdemar Silva disse...

Não se percebe a razão da inclusão, do Relatório policialmente pormenorizado, na 'História da Unidade' do BART 733.
As 'História da Unidade' eram redigidas com RESERVADO dactiligrafado na parte superior das páginas, no mesmo momento da descrição cronológica dos acontecimentos e não à posterior com o CONFIDENCIAL (carimbo?) como aparece nestas folhas.
Estas 'História da Unidade' eram enviadas/entregues aos respectivos militares dessas Unidades, quando acabava a comissão de serviço. Não se percebe o RESERVADO e, neste caso, o CONFIDENCIAL se a partir do momento da entrega passava a ser do conhecimento de toda a gente. Não há duvida que a partir desse momento o IN passa a ter conhecimento de muitos pormenores operacionais, que até então não saberia.
Houve alguém acusado/criminalizado e preso por ter dado informações ao IN, devido a isso?
Eu recebi a minha 'História da Unidade', em 1972, enviada pelo correio. Já não me recordo se foi lida por mais alguém a não ser eu e se fiquei receoso por causa disso.
Gostava de saber mais opiniões sobre este assunto.
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, obrigado pelo teu comentário. Vou publicar, amanhã. a tal carta do Lourenço Gomes ao Luís Cabral a queixar-se de que não dinheiro para pagar os calotes da Farmácia nem sequer paar encher o carro de gasolina... Ele pensa inclusive em pôr o cargo à disposição do Partido!...

Quantos aos "14 contos" pela carnificina... É bom termos hoje uma noção do que era essa quantia, na Guiné, 1m 1965... Era quanto o Júlio Pereira, da ULtramaria, pagaria a um camponês de Farim por 14 toneladas de mancarra (14 mil quilos, 140 sacos de 100 quilos!)... Em 1965, a Guiné exportou 15,2 mil toneladas de mancarra, a 4,23 contos por tonelada...

Mantenhas!... Luís


31 DE OUTUBRO DE 2015
Guiné 63/74 - P15309: Historiografia da presença portuguesa em África (64): Cem pesos era "manga de patacão" para o camponês guineense, produtor de mancarra... Era por quanto venderia um saco de 100kg ao comerciante intermediário... Em finais de 1965 o governo de Lisboa garante a compra pela metrópole da totalidade da produção exportável da mancarra guineense e fixa o preço por quilo em 3$60 FOB (Free On Board)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Em meados da década de 1960, a área cultivada pelos produtores de mancarra atingia os 100 mil hectares, ou seja, um 1/4 do total da área cultivada da província!... A produtividade era muito baixa: 600 kg / ha (2 mil kg /ha em casos excecionais)... O camponês de Farim para ganhar 14 contos, de rendimento bruto, precisava de cultivar mais de 23 hectares!...

Anónimo disse...


Pelo que li no blog até agora, não se sabe, ao certo, qual era a origem do Lourenço Gomes, admitindo-se, a certa altura, que fosse de etnia papel . Sendo ele uma personalidade tão importante dentro do quadros PAIGC (durante e após a luta armada), não se consegue saber mais nada sobre ele?!... Está afastada a hipótese de ser cabo-verdiano ou de, pelo menos, ter ascendência cabo-verdiana?!... Agradeço contributos.
Mário Migueis

António J. P. Costa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tabanca Grande Luís Graça disse...

A malta confunde o Lourenço Gomes com o i Juvêncio Gomes, este, sim, "intratável"... Não faço ideia do qu aconteceu ao "ti Lourenço"... que devia ser cabo-verdiano. LG