quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20154: Fotos à procura de... uma legenda (117): os bombeiros voluntários de Bolama, em 1938, e o Sporting Clube de Bafatá, em 1958



Fonte: Câmara Municipal de Lisboa > Hemeroteca Digital > Jornal programa, editado pelo Sport Lisboa e Bolama, novembro de 1938, p. 4 (com a devida vénia).(*)


1. Não sei se o nosso camarada e amigo António Estácio, autor de "Bolama, a saudosa" (edição de autor, 2016, 496 pp.) nos sabe dizer quem era o comandante dos Bombeiros Voluntários de Bolama, em 1938, talvez o próprio autor, R. C. P.,  do texto que acima reproduzimos.  

O eng. Estácio não era desse tempo, nasceria  nove anos depois, em 1947, em Bissau, no chão Papel, mudando-se depois, com os pais, para Bolama, onde fez a instrução primária. Mas deve estar lembrado desta humanitária associação, de que reproduzimos também uma imagem, embora de muita fraca qualidade e pior resolução...

Tal como as equipas de futebol, raros os eram  negros, da Guiné, que faziam parte destas e outras associações, como por exemplo os clubes desportivos... mesmo 20 anos depois, como era o caso do Sporting Clube de Bafatá (vd. foto a seguir).

Enfim, as duas fotos merecem uma legenda! (**).


Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > 1958/59 > Foto nº 242: > "Equipa de futebol do Sporting Clube de Bafatá"

Foto enviada pelo nosso camarada Leopoldo Correia (ex-fur mil da CART 564, Nhacra, Quinhamel, Binar, Teixeira Pinto, Encheia e Mansoa, 1963/65). (***)

[Observação do LC:"Fotos de Bafatá, de 1959, tiradas por um familiar ligado ao comércio local (Casa Marques Silva), casado com uma senhora libanesa, filha do senhor Faraha Heneni",


2. Recorde-se aqui alguns dados do recenseamento populacional de 1950,  na colónia da Guiné,  para se perceber melhor a estrutura social do território: havia uma clara distinção entre  uma pequena minoria de "civilizados" (os que tinham a  cidadania portuguesa),  e a grande maioria dos  "indígenas". 

"Civilizados" eram então 8320 residentes, dos quais 501 originários da metrópole, 1703 provenientes  do arquipélago de Cabo Verde e os restantes 4644 da própria Guiné.  Dos 366 estrangeiros, a maioria deles eram imigrantes libaneses e seus descendentes. A taxa de analfabetismo dos "civilizados" ultrapassava os 43%. Os "indígenas" eram cerca de meio milhão de indivíduos, distribuindo-se por 30 grupos étnicos. (****).

"Índigenas" eram todos os guineenses que não podiam ser "assimilados a europeus": (i)  eram  "de raça negra (sic) ou dela descendentes"; (ii) não sabiam ler nem escrever (o português); (iii) não possuíam bens ou profissão remunerada;  e, "last but not the least",  (iv)  praticavam "os usos e os costumes do comum da sua raça" (sic)...

Mais exatamente, em 1950, a população era constituída por "negros" (503 035), "mestiços" (4 568) e "brancos"  (2 263), num total de 510 776.  Os "brancos" (, europeus, na sua grande maioria) representavam apenas 0,4% do total da população. Só depois da II Guerra Mundial, é  que o seu número começou a aumentar: 1226, em 1930,  1419 em 1940, 2263 em 1950, 13686  em 1960...

Enfim, em 1950, o ensino oficial obrigatório abrangia apenas um escasso milhar de alunos, que frequentavam as 13 escolas primárias. As escolas das missões católicas acolhiam, por sua vez, cerca de 10 mil alunos. Em 1949, com a criação do Colégio-Liceu Honório Barreto, os guineenses passam a ter a oportunidade de aceder ao ensino secundário.

Em 1961, a distinção entre "civilizados" e "indígenas" foi finalmente abolida... No consulado de Sarmento Rodrigues, na segunda década de 1940, a colónia fez um notável esforço de modernização... de que o PAIGC vai recolher frutos: os seus melhores quadros saem da nova "elite crioula"...

Enfim, em 1973, no final do consulado de Spínola, já havia cerca de 4 centenas de "escolas oficiais" (mais cerca de 8 dezenas de escolas das Missões), para um total de 46 mil alunos... Mas quantas dessas escolas eram apenas simples "postos escolares militares" ?... Um esforço digno de nota,  que não foi inglório mas que pecou por tardio...

___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 17 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20152: Jorge Araújo: memórias de Bolama: a imprensa e o comércio locais há oito décadas atrás.

4 comentários:

Fernando Ribeiro disse...

Já que se fala no ensino na Guiné, deixo a pergunta:

Quantos guineenses terão aprendido a ler por este livro? http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/geral/L-00000012&p=1

Este e outros livros encontram-se disponíveis no site Memórias de África e do Oriente, da Fundação Portugal-África e da Universidade de Aveiro.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O futebol, embora popular e transversal, é um fenómeno urbano... Na déacada de 193o, os putos guineenses, que nem sequer eram escolarizados, não sabiam o que era uma bola de futebol...

Sobre o futebol guineense, onde o Amílcar Cabral também foi buscar gente para o PAIGC, vd o poste:

25 DE OUTUBRO DE 2011
Guiné 63/74 - P8947: Notas de leitura (292): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte II): Futebol e Nacionalismo (Nelson Herbert / Luís Graça)

Valdemar Silva disse...

Realmente, muitos de nós se lembra de nunca ter visto, nas tabancas da Guiné, os putos jogar à bola.
Neste caso, não aparecer brancos nos bombeiros e na equipa de futebol julgo tratar-se de 'organizações' da colónia, como assim era tratada a comunidade dos portugueses residentes….só deveria ser por causa disso.
Mas, no Brasil muitos dos actuais grandes clubes de futebol começaram por ser clubes de regatas ligados a elites da população branca, sendo proibida a inclusão de negros nas equipas. O primeiro jogador negro (Carlos Alberto) do Fluminense jogava com a cara toda coberta de pó-da-arroz. O Vasco da Gama, clube dos portugueses, foi o primeiro clube a incluir muitos negros na equipa e conquistou o titulo de Campeão Carioca de 1923, o que deu azo a outros clubes formarem uma Liga alternativa e exigindo que o Vasco da Gama expulsasse os jogadores negros.
Evidentemente que se tratava de um caso de racismo: negro é para trabalhar, não para jogar pelota.
Depois apareceram Leónidas, Pelés, Eusébios e por causa do Matateu o 'Belenenses' era simbolizado, não por uma águia ou um leão, mas por um negro.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

... Eusebio, a "pantera negra". O futebol é uma boa arma contra o racismo. Mas não há dúvida que começou, em Inglaterra, o desporto de elite, ligada à universidade... O mesmo se passou com o hóquei em patins, introduzido em Portugal pelos ingleses... A malta de Lisboa e da linha é que jogava hóquei, de resto um desporto caro pelo equipamento e infraestruturas...Só muito mais tarde chegou à "província"... LG