1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 29 de Setembro de 2016:
Queridos amigos,
É bom ter uma neta exigente, que gosta de passear e não casmurra quando se vai a mosteiros ou a centros interpretativos de batalhas.
O início da viagem foi só para ver, confirmar e registar que a região Oeste, a despeito da crise, prospera. Era período de férias e a Foz do Arelho, S. Martinho do Porto e Nazaré dispunham de multidões a banhos, passeios vagarosos e ociosidades. O nosso programa estava centrado na Batalha e Mira de Aire, compromisso entre a história de Arte, um parque aquático onde destruí um calções na roda-viva com a neta e a surpresa desse esplêndido museu de aguarela Roque Gameiro, em Minde, há anos que sonhava com esta visita, fiquei com grande vontade de voltar, tal é a magia da casa e o prodígio das aguarelas do grande mestre.
Um abraço do
Mário
Batalha, Mira de Aire e Minde
Beja Santos
Era uma vez um avô que prometera à neta levá-la às grutas de Mira de Aire e ao parque aquático, três dias de boa-vai-ela. Primeiro, a Foz do Arelho, onde o avô e a mãe passaram férias, seguiu-se S. Martinho do Porto e depois a Nazaré, dormitou-se ali para os lados do centro de interpretação da batalha de Aljubarrota, fez a visita do campo militar de S. Jorge, a Benedita manifestamente indiferente à colocação das tropas, queria era saltitar pelos campos, regalou-se a ver o vídeo, terá tido a convicção que era desenho animado. E seguiu-se para o Mosteiro da Batalha, aí a Benedita manifestou interesse e ouviu as perlengadas do avô: olha filha, aqui é a Capela do Fundador, aqui estão os primeiros reis da dinastia de Avis, olha para a beleza da cúpula, olha o túmulo de D. João I e D. Filipa de Lencastre, não achas uma beleza? Já tínhamos visto a porta, com todos aqueles pormenores das catedrais góticas, andámos pela nave central da igreja, falei-lhe na abóbada de nervuras. E o passeio prosseguiu, passámos para os claustros.
O claustro de D. João I prima pela harmonia das proporções e pela elegância do seu trabalho, é exuberante mas é comedido, para dizer a verdade até se chegar às Capelas Imperfeitas e ao seu grande portal, não se pode falar em ostentação mas sim em harmonia e equilíbrio, o mesmo direi da casa do capítulo, do antigo refeitório e até do claustro afonsino.
Entramos agora no mundo das Capelas Imperfeitas, aqui não se esconde a magnificência de D. Manuel I, um rei que não olhou a meios para o enaltecimento da arte, recorde-se a Charola do Convento de Cristo e a respetiva porta, pense-se nos Jerónimos. O grande portal faz parte desse programa grandioso com que o monarca decidira terminar as capelas, mandadas fazer pelo rei D. Duarte. O viajante só dispõe de informação primária, desconhece o súbito e repentino plano de austeridade que impediu que estas obras se concluíssem, D. João III ainda tentou concluir as capelas, no seu tempo ficou o belíssimo balcão que apraz contemplar. Belíssimo por dentro e belíssimo por fora, talvez por isso mesmo, por incompleto.
Concluída a visita ao Mosteiro de Santa Maria da Vitória, caminhou-se prestes para Mira de Aire, esperam-nos dois dias de regalo. Primeiro o parque aquático, foi até estafar, avô e neta dentro daquela tubagem e expelidos dentro da piscina, começar e recomeçar sempre. Não surpreendeu quando a Benedita se bateu com um bife bem macio, batatinhas e legumes. E disse categoricamente: estou cansada, e sei que amanhã há muito mais.
Ao amanhecer, avança-se para as grutas, ditas as maiores de Portugal, descobertas em 1947, dispõe de 3 mil lâmpadas, há ali umas boas centenas de metros para deambular em espaços todos nomeados, lê-se e depois esquece-se: Algar, cavidade natural com a forma de um poço, derivado da dissolução do calcário na vertical pela subida e descida do nível das águas; temos também a sala grande, a maior sala da gruta, o teto é formado por largas bancadas de calcário que se elevam entre os 10 e os 30 metros de altura; mas há muito mais, há a sala vermelha, a cascata, os ossos, o púlpito, a joalharia, a galeria grande, o esparguete, a alforreca, a cascata da fonte das pérolas, a galeria do polvo, o órgão, os pequenos lagos, o bar, a cara da velha, o rio negro, o lago final, as vagas de erosão. Enfim lá vamos com a prudência necessária visitar esses 600 metros de grutas que têm uma extensão total superior a 11 500 metros. Vê-se e maravilhava-se, pois então. Aqui fica um convite à visita.
No último dia regressa-se por Minde, com paragem no Museu de Aguarela Roque Gameiro, sediado na Casa dos Açores, casa espantosa, o projeto do desenho é provavelmente de Raul Lino onde o arquiteto Martins Barata introduziu benfeitorias. O museu trabalha numa lógica de rotatividade das obras daquele que foi seguramente, entre o século XIX e o século XX um dos nomes maiores da aguarela em Portugal. Coube-nos visitar a exposição “Roque Gameiro – a felicidade de observar, entender, sentir”. Primeiro enamorámo-nos da casa antes de partir na viagem pelas aguarelas. Porquê o tema? Porque o mestre Roque Gameiro nunca esqueceu as suas origens, vivendo próximo da natureza. Escreve-se no catálogo:
“Todos o conheciam sempre vestido de surrobeco castanho, chapéu de abas largas e gravata ou lenço de seda, sempre de verde-escuro com bolinhas brancas. No verão mudava para outro tipo de fato, linho grosso, sempre de cor crua”. Tradicionalista e atreito às ressonâncias da paisagem, as suas aguarelas falam no mar de seres humanos expressivos, e portanto iremos ver falésias, o rendilhado branco da espuma, paisagem com rios e lavadeiras, ruas da velha Lisboa, retratos de familiares. São estas as duas imagens que vos deixamos, estamos ainda naquele tempo de calor tórrido mesmo ao fim do dia e no regresso a Benedita, mesmo muito cansada, vai perguntando quando é que voltamos ao aquaparque… E o avô promete-lhe que será na próxima oportunidade.
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Nota do editor
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