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segunda-feira, 15 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25745: Notas de leitura (1709): "Missões de Um Piloto de Guerra", por Rogério Lopes; edição de autor, 3.ª edição, 2019 - Memórias de um piloto nos primeiros anos da guerra da Guiné (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
São memórias de um piloto que combateu na Guiné e Angola, um feixe de peripécias de situações omnipresentes em todo o tempo que aquela durou, desde aviões avariados, ao nascimento de crianças a bordo, o transporte de prisioneiros ou de sacos de cadáveres vitimados por uma daquelas explosões do combustível que pôs os corpos em tocha. Lembranças amargas umas, porque morreram pilotos heróicos e devotados, histórias de sobressalto, como uma cobra metida num sapato, a revelação de um sabotador em Bissalanca, os bombardeamentos noturnos, permanecer uma noite no quarto com um avião avariado e levar com uma flagelação, os T-6 na Operação Tridente, apanhando os guerrilheiros em plena praia, e não podemos deixar de gargalhar com a mulher do Governador Schulz levada pela multidão, a senhora a gritar e o Governador a pedir para apanharem a velha... Leitura que não vou esquecer tão cedo, até porque me assaltou à memória as ajudas recebidas da Força Aérea na evacuação dos meus feridos, pilotos tão solícitos e enfermeiras tão dedicadas.

Um abraço do
Mário



Memórias de um piloto nos primeiros anos da guerra da Guiné (2)

Mário Beja Santos

Rogério Lopes, (2.º Sargento Piloto, Guiné, 1963-1965), nascido em 1939, tirou a primeira licença de piloto civil em 1959 através da Escola Aeronáutica da Mocidade Portuguesa e nesse mesmo ano entrou na Força Aérea. Durante 3 anos esteve colocado na base aérea de S. Jacinto, parte para a Guiné em 1963. Passou à reserva em 1970 e foi trabalhar para a aviação civil. Das suas missões em dois teatros de guerra deixa-nos este relato que já vai em 3.ª edição, Missões de Um Piloto de Guerra, 2019.

São narrativas versáteis, revelam memórias de um espírito otimista, entusiasta, dotado de grande espírito de corpo, de muitas coisas nos falará, desde o seu batismo de fogo, a missões de socorro, o seu apreço pelos heróis do ar, avarias que não acabaram em desastre, bombardeamentos noturnos, evacuações de uma atmosfera de tempestade, crianças que nasceram a bordo, episódios picarescos, vale a pena contar um pouco de tudo, são os primeiros anos da guerra da Guiné.

Obviamente que conheceu voos acidentados e alguns deles com a fuselagem crivada de tiros. Era um piloto bem preparado e não perdia o sangue frio, veja-se este episódio:
“Aconteceu-me um incidente numa missão de correio e transporte de Auster para Gadamale-Porto, cujo quartel ficava junto a um rio com um cais no fim da pista. Acontece que a dita pista era um caminho de terra e lama, onde só se podia aterrar na maré-baixa, tendo apenas 600 metros de comprimento. Ora, nesse dia, a maré já estava a encher, o que estreitava a faixa de aterragem e aumentava o perigo de derrapagem. Depois de uma passagem baixa resolvi aterrar, correndo todos os riscos inerentes, e porque tinha uma evacuação a fazer e isso podia custar a vida a alguém. Tudo correu bem até ao preciso momento de aconchegar os travões, que eram ao contrário de qualquer outro avião, que são na ponta dos pedais, enquanto estes eram nos calcanhares. Aí é que foi o diabo, o avião começou a dar ao rabo como uma dançarina de rumba, e lá vou eu, deslizando como sabão sobre azulejo molhado. Os 600 metros acabaram, consegui apontar à rampa de 5 metros de largura que dava acesso à doca e… entrei deslizando por ali dentro, gerando a confusão total. Soldados, civis, brancos, pretos e mestiços pareciam baratas aterrorizadas. Eu é que não estava pelos ajustes que só me restava uma solução: provocara um cavalo-de-pau, ou seja, rodar 360 graus, e assim fiz.”

Guarda saudades da Aldeia Formosa, o régulo recebia-o sempre prazenteiramente. Foi inevitável, nasceu-lhe uma criança a bordo, tudo aconteceu num Do-27, voou para Farim, a bordo seguia um mecânico e uma enfermeira paraquedista, tratava-se de um parto complicadíssimo. 

“No regresso e no eclodir dos primeiros gritos a bordo, a enfermeira-paraquedista, apesar dos seus temores, arregaçou as já curtas mangas, desinfetou-se, calçou luvas próprias, ordenou ao mecânico que agarrasse a mulher e mergulhou as suas mãos energicamente. Entre os gritos da paciente, da transpiração da enfermeira e da boca aberta do mecânico, esgazeado por todo aquele aparato a que nunca tinha assistido, eu ia tentando, com o meu feito brejeiro, amenizar um pouco todo aquele stress, dizia que ia sair do meu lugar para ajudar, o que deixava a pobre paraquedista ainda mais nervosa. Depois de uma hora de luta intensa, de berros, suores e cabelos em desalinho, finalmente ouvi um grito de jubilo: Ó Lopes, olhe, já se vê a cabecinha! O nosso cabo mecânico, com uma cara assaz comprometida, continuava a desculpar-se com o seu pouco ou nenhum auxílio, dizendo que não tinha luvas para tal tarefa. Quando aterrámos o bebé acabava de nascer.”

Uma vez foi a Tite levar passageiros e correio, quando este lhe foi entregue tentou ligar o motor, nada, como último recurso rodou a hélice à mão com os magnetos ligados, nada, ali ficou à espera de auxílio, no dia seguinte. Nessa noite houve flagelação, a sua grande preocupação era o avião, saiu ileso daquele confronto, em compensação parte do telhado da caserna tinha desaparecido. Ele fora bem recebido por um Furriel vagomestre, soube na manhã seguinte que tinha sido atingido à saída do quartel. 

Também passou por peripécias com jagudis intrometidos, houve um que lhe entrou no avião com uma bala de canhão, passou um mau bocado, mais tarde recebeu um jagudi embalsamado, “oferta dos nossos soldados do quartel de Binar para o aviador que nesse dia ia perdendo a vida ao tentar entregar o correio por que tanto ansiavam e não receberam, por este ter encontrado no caminho o guerreiro jagudi”.

E vem agora o episódio mais hilariante da narrativa, intitulado “A visita oficial do Governador”:
“Bem cedo, pela manhã, com o Dornier já preparado, pouco esperei pelo Governador e comitiva, que constava apenas da esposa, que aparentava ser mais velha do que ele e tinha dificuldade em andar, e o oficial de operações às ordens.
A viagem de Bissau a Bafatá era de mais ou menos uma hora. Nos bancos de trás, ia o oficial de operações e a senhora e, ao meu lado, o general. Como simpatizávamos um com o outro, aquela hora foi passada de forma e conversa agradável, até a nossa vista alcançar a pista de dois quilómetros de terra batida, mas em bom estado, ladeada pela formação das tropas dos três ramos das Forças Armadas. Todos eles com as suas melhores fardas e ostentando orgulhosamente as medalhas. A separar a população nativa havia um cordão da polícia militar para impedir a invasão da pista. Aterramos no meio de todo aquele aparato festivo, com o clamor de palmas, gritos, fanfarra, rufar tambores, guizos indígenas e bandeiras flutuando ao sabor da agitação de centenas de mãos; assim que parámos, um diligente oficial veio rapidamente abrir a porta de trás do Dornier, para ajudar e facilitar a saída da esposa do Governador.

Ainda hoje, não sei dizer ao certo como tal aconteceu, mas a verdade é que a populaça rompeu o cordão de segurança e, rodeando o Dornier, sacou rapidamente a senhora, levando-a em ombros, acompanhada de gritos festivos, para o meio da multidão em delírio.
A senhora olhava para trás e gritava para o marido a tirar dali, e ele, por sua vez, dizia para mim, com ar assustado: Ó Lopes, eles levam-me a velha!
Depois, gritando o mais que podia, para ser ouvido pela tropa que estava tão desnorteada como nós, repetia incessantemente: Apanhem a velha, apanhem a velha!
E lá se foi todo aquele aparato disciplinar por água abaixo. As alinhadas formaturas desfizeram-se, a multidão branca e preta corria para apanhar a senhora, que continuava a gritar para o marido, no meio daquele mar colorido de civis, militares, bandeiras, estandartes e fanfarra à mistura.”


Dedica um texto e muito emotivo à morte do alferes Pité, como igualmente nos relata a tragédia de fuzileiros falecidos mortos a caminha de Madina do Boé. Uma bazucada rebentara o depósito de combustível de um dos carros e todos os que ali iam foram consumidos pelas chamas, tiveram uma morte horrorosa. Os camaradas eram uma máscara de dor, com os seus gritos dilacerantes. E Rogério Lopes, pesaroso, descreve os voos para transportar os cadáveres envolvidos em enormes sacos de plástico preto. “Foram quarenta atrozes minutos em que as minhas narinas ficaram impregnadas de um cheiro que jamais esquecerei, assim como a pena por aqueles infelizes fuzileiros, que não conhecia pessoalmente, mas que admirava pela coragem demonstrada no campo de combate.”

Em maio findou a sua comissão, em junho foi condecorado no Terreiro do Paço com uma Cruz de Guerra, ao lado do seu Comandante na Guiné. Sentiu uma saudade imensa por aqueles que jamais voltariam.

Não vou esquecer tão cedo tão memorável, dura narrativa, recheada de peripécias inusitadas e outras não tanto, onde paira sempre o sentido de ver alanceado pelo otimismo.



Cruz de guerra, 3.ª classe
T-6 em pleno voo
O Do-27
O Auster
_____________

Notas do editor:

Post anterior de 8 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25726: Notas de leitura (1707): "Missões de Um Piloto de Guerra", por Rogério Lopes; edição de autor, 3.ª edição, 2019 - Memórias de um piloto nos primeiros anos da guerra da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 12 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25738: Notas de leitura (1708): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1867 e 1868) (11) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 8 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25494: Estórias do Zé Teixeira (63): O “Diário” do José Cuidado da Silva (Conclusão) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)


Segunda e última parte do "Diário" do José Cuidado da Silva, chegado até nós através do nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381[1]

Buba, 22 de julho de 1968

Neste dia saímos do quartel às seis da manhã, e fomos emboscar na estrada de Buba para Aldeia Formosa para passar a coluna vinda de Aldeia. Neste dia estivemos sem comer durante todo o dia, e a coluna chegou já de noite ao quartel. 

Ao entrar dentro do quartel os turras começaram a atacar, mas graças a Deus só houve dois feridos, um alferes e um cabo, e a mim coube-me uma coisa sem importância, pois fiquei dentro de um oleoduto [?] que cheirava mal, ainda pior do que fosse uma retrete, e assim termino este meu [...] , sobre o ataque que eu tive nesta data.


Aldeia Formosa, 19 de agosto de 1968

Neste dia, há
   volta das oito horas da noite, mais um lindo ataque dos turras, mas as morteiradas não chegaram cá, pois apenas caíram duas perto do quartel, mas com certeza eram de canhão porque nós apenas mandamos cerca de dez morteiradas e o ataque durou cerca de vinte minutos, e assim com estas palavras termino.


Aldeia Formosa, 20 de agosto de 1968

Nesta data fomos fazer uma coluna a Gandembel e partimos de cá da terra (Aldeia Formosa) eram 11.30, e sempre a picar a estrada por causa das minas. 

A primeira ponte estava destruída. Tivemos de montar as pranchas para as viaturas passarem, e assim fomos andando. Mais à frente estava o chão cheio de minas, e assim tivemos de parar e o furriel Pedro foi rebentá-las, e rebentou cerca de cinco minas e um dos meus colegas rebentou uma com a vara e caiu para o chão como morto, e foi imediatamente o enfermeiro tratá-lo e foi transferido para Bissau, para o hospital de helicóptero. 

Como a estrada estava cheia de minas, e já era quase de noite tivemos ordem para regressar para o quartel. Este pobre rapaz é de perto da Foz do Arelho e chama-se António.


Aldeia Formosa, 22 de agosto de 1968

Neste dia tivemos de ir novamente fazer a coluna a Gandembel. Partimos de Aldeia eram 6 horas da manhã, e a estrada sempre picada pelo meu pelotão. 

Chegamos ao mesmo sítio anterior onde estavam as minas. Nós rebentamos cerca de 17 minas, e levantamos também algumas, não sei quantas. E aonde estavam também os paraquedistas a montar segurança. Eles levantaram cerca de trinta minas antipessoais, e quando as viaturas iam a passar rebentou uma debaixo de uma viatura, sem haver novidade, e assim chegamos a Gandembel, e tivemos de sair de lá cerca das quinze horas e depois regressar até Aldeia Formosa.

Chegamos até a Chamarra e tudo a correr bem. Daí em diante viemos nas viaturas a cavalo, bem descansados da nossa vida, quando sofremos uma emboscada no caminho e começaram as morteiradas a cair por cima da gente e a costureirinha a trabalhar, etc...

Estava um bombardeiro em Aldeia Formosa, de aonde levantou voo, e foi ter com a gente, ainda nos encontrávamos debaixo de fogo. Ele lá largou as suas mesinhas em cima daqueles cabrões, e eles logo deixaram de dar fogo. Houve cinco feridos. Três soldados da minha companhia e um furriel que era o Samouco e um soldado dos velhos. Destruíram também uma viatura. 

No dia seguinte o primeiro pelotão foi fazer o reconhecimento, e encontraram um morto e manga de sangue, um cantil e um carregador. Assim termino esta minha história vivida pelo meu pelotão e pelo quarto pelotão e alguns homens do Pelotão Fox.


Aldeia Formosa, 25 de agosto de 1968

Na data indicada em cima, tivemos uma tarde de festa que começou cerca das cinco horas, e demorou cerca de 15 minutos. Neste dia andavam africanos a jogar a bola com colegas meus, e o jogo era na pista de aviação.

 Pois os turras quando começaram a atacar, mandaram as canhoadas e as morteiradas para a pista, mas não houve novidade nenhuma dessa parte da pista, e depois começaram a cair para os lados das tabancas, e encontravam-se pessoas [militares ?]  no lado das tabancas. Quando iam a fugir para o quartel, um homem da companhia dos velhos levou com um estilhaço na barriga, e seguiu para o hospital em Bissau.

E estas são as últimas palavras deste ataque.


Aldeia Formosa, 27 de agosto de 1968

Fomos fazer uma coluna a Buba, que nela tivemos pouca sorte, e por isso tenho sempre escrito estes grandes sacrifícios que eu tenho passado junto dos meus colegas. 

E por isso vou agora contar o que se passou nesta coluna. Ia o 4º Pelotão a picar a estrada, tudo a correr bem, e aonde estava uma anticarro debaixo de um cibe e o 4º Pelotão não deu com ela. Passou a primeira viatura, sem haver problemas e quando ia a segunda viatura a passar arrebentou, e foi a uns poucos metros de altura, e o condutor também, pois ficou a contar estar muito esmagado por dentro, e a viatura ficou toda destruída. Ia a montar segurança entre a primeira e a segunda viatura, apenas caiu terra por cima da gente, mas não houve qualquer outro ferimento, e assim começamos a andar. 

Mais à frente estava a ponte destruída, pois tivemos de a arranjar, e aonde estavam quatro minas antipessoais, e um condutor da minha companhia pôs o pé em cima que ficou com o pé todo escavacado, e as três minas o furriel alevantou-as. Pois esse pobre rapaz, desde as 9.15 horas, sempre a gritar que até metia horror, pois só quase à noite é que veio o helicóptero buscar este infeliz. Quando chegamos a Nhala eram oito horas da noite. 

Chegamos de noite devido às pontes estarem destruídas pelos turras. Passamos a noite em Nhala e só no outro dia é que partimos para Buba, tudo a correr em bem graças a Deus, mas esse pobre infeliz rapaz que arrebentou a mina debaixo do pé teve de levar a perna cortada, e assim são estas últimas palavras desta minha guerra.


Aldeia Formosa, 9 de setembro de 1968

Mais um ataque neste dia por esses grandes parvos dos turras. Já era de noite quando eles atacaram, mas as morteiradas e as canhoadas não chegaram ao quartel, e nós mandamos só quarto morteiradass e seis obuzadas e os gajos assim nos deixaram a gente em paz. Ao fim de ter passado à volta de uma hora, mandamos dez obusadas para a Guiné francesa, e assim terminou este encontro.


Aldeia Formosa, 12 de setembro de 1968

Mais outra festa neste dia acima indicado, e assim vou contar esta história. Já quase de noite, os homens da Fox saíram fora do quartel com as Daimlers, e os turras estavam emboscado para atacarem o quartel, mas como ouviram o barulho dos carros a avançarem, logo atacaram os homens das Fox e o quartel ao mesmo tempo. O morteiro do quartel mandou quatro morteiradas e os obuses mandaram duas ameixas, e assim terminou a festa e o pessoal das Fox regressou depois para o quartel sem haver problema. 

Depois de ter passado uma hora, os obuses estiverem sempre a trabalhar toda a noite, pois mandaram dezasseis obuzadas para a Guiné francesa e já terminei.


Aldeia Formosa, 1 de outubro de 1968

Em virtude de me encontrar na Província Ultramarina da Guiné tenho de escrever mais estas seguintes palavras que foram passadas na data indicada acima em Aldeia Formosa. Assim vou escrever o que se passou durante cerca de sete horas, pois choveu tanto, e fazia tanto vento que queria levar as casernas, mas levou, apenas, as chapas de zinco, que estavam a fazer de telhas numa pequena caserna onde estava a secretaria e pessoal da minha companhia a dormir. 

Os papeis da secretaria ficaram todos molhados, e a sorte de um rapaz foi de trazer a mala às costas, senão tinha ficado ferido. Uma chapa de zinco caiu em cima da mala, aonde a cortou ao meio e ainda coisas que continha dentro, e assim com estas palavras, não houve feridos, mas sabe Deus como nós nos vimos nesta aflição. Rebentaram cerca de seis armadilhas devido ao temporal, e assim são estas as últimas palavras deste temporal.


Aldeia formosa, 22 de novembro de 1968

Mais uma história que vou contar desta minha guerra. Nesta data fomos fazer uma coluna a Gandembel, aonde iam com a gente os paraquedistas. Levávamos oito viaturas com géneros, e a malta ia a pé, porque íamos a picar a estrada. Chegamos a meio do sector com tudo a correr bem, e depois tivemos de montar a ponte para as viaturas passarem, e daí em diante nós já fomos encima dos carros, mais à frente tivemos de passar por outra ponte que é a Ponte Balana. 

Ao passar a última viatura a ponte caiu, aonde houve dois feridos da minha companhia e dos paraquedistas, aonde foram logo transportados de helicóptero para Bissau. Depois regressamos a Aldeia Formosa, e assim chegamos ao nosso destino com tudo a correr pelo melhor.


Aldeia Formosa, 31 de dezembro de 1968

Nesta data indicada acima, tivemos mais um ataque ao quartel, e nós já estávamos sabedores, porque o nosso capitão mandou formar a companhia para nos dizer. Eu estava de reforço ao portão dois, eram perto das seis da tarde quando nós ouvimos arrebentamentos. Assim que nós ouvimos arrebentamentos fomos imediatamente para a paliçada, e quando eram perto das dez horas, nós começamos a fazer fogo, quando eles atacaram com mais umas morteiradas e canhoadas. Os melros não conseguiram meter nenhuma dentro do quartel, e só acabou era meia-noite e meia. 

Assim entramos no ano de 1969 ao som das morteiradas e canhoadas. Os melros atacaram com seis canhões sem recuo e morteiros 120, e vieram com viatura pois foi a Companhia velha foi fazer o reconhecimento e nada encontraram. Esta guerra por hoje terminou.


Buba, 4 de fevereiro de 1969

Como andamos a fazer uma estrada de Buba até Aldeia Formosa, e já temos perto de dez quilómetros, e neste dia nós íamos com a nossa calma pela estrada fora quando caímos numa emboscada. Iam dois pelotões pelos flancos. Era o meu e o quarto, mas a emboscada rebentou do lado onde ia o quarto. 

Eles tinham dois fornilhos montados, e quando ia a passar o quarto pelotão, eles arrebentaram com um fornilho, aonde mataram um pobre rapaz cujo nome era o "Velhinho",  e houve cinco feridos, e nós tivemos ainda muita sorte foi o outro fornilho não ter rebentado.

Quando fomos fazer o reconhecimento, só encontramos quatro granadas de roquete. Isto será o fim [deste episódio] .


Buba, 9 de fevereiro de 1969

Neste dia tivemos um ataque ao quartel que quando começou eram 10.30h. Eu já me encontrava a dormir, mas o ataque era tão grande que eu até acordei. Alevantei-me da cama, e ia para fugir para a vala, mas já estava tão cheia que fui para debaixo da cama. 

Assim terminou o ataque, metendo só uma que furou uma parede de uma caserna aonde estava a companhia de Gandembel . Apenas houve um ferido dessa companhia, e esse foi para Bissau, e depois essa companhia foi no dia seguinte fazer o reconhecimento, aonde eles atacaram com 10 canhões e 4 morteiros 82, e encontraram manga de granadas de canhão, e pronto já está escrito.


Buba, 13 para 14 de fevereiro de 1969

Na noite de 13 para 14 de fevereiro às cinco da manhã sofremos mais um ataque estava a malta ainda a dormir quando elas começaram a cair. Eu não tive nada. Fui para debaixo da cama, e vários camaradas também. Eles meteram muitas canhoadas e morteiradas dentro do quartel, mas só houve um ferido da Companhia 2382 que foi o “Esgota-pipas”, e foi para o hospital, e o meu pelotão e o segundo foram fazer o reconhecimento donde eles nos atacaram com 14 canhões, 3 morteiros 82 e com armas ligeiras. Apenas apanhamos algumas granadas de canhão, e isto é o fim.


Buba, 19 de abril de 1969

Tudo isto é guerra. Mais um ataque que começou pelas oito da noite. Apenas meterem duas canhoada,s e uma delas furou a parede da minha caserna, mas sem haver qualquer acidente, e durou cerca de 10 minutos. No dia seguinte foram dois pelotões da minha Companhia fazer o reconhecimento, aonde estavam 18 granadas de morteiro, e encontraram postas de sangue. Atacaram com 8 canhões e 3 morteiros, e pronto por hoje já chega.


Buba, 4 de maio de 1969

Fomos fazer uma coluna até Nhala e ia a engenharia também, mas a engenharia ficou no segundo pontão, e aonde estava minada de minas, pois alevantamos 38 minas antipessoais e uma anticarro, e mais à frente nós íamos a picar, e encontramos a estrada toda escavacada e aonde alevantamos três minas, e havia outra que um rapaz da minha companhia lhe pôs o pé encima, e ficou com o pé todo partido. Foi socorrido pelos primeiros socorros e depois foi para o hospital em Bissau. 

Ao fim de cinco minutos da mina ter arrebentado, rebentou uma emboscada e caíram duas morteiradas de 82 a 3 metros da estrada aonde se encontrava o pessoal, e trabalhou a "costureirinha", e armas pesadas, mas não houve mais feridos. 

Depois eu estava à rasca da cabeça, e fui pedir ao alferes para vir para o quartel, e ele deixou-me vir. Vim mais o rapaz que tinha arrebentado a mina com o pé e chama-se Miguel. Vim sempre a segurar a perna, e o resto da malta seguiu até Nhala, e alevantaram mais mina anticarro, e depois tudo correu bem, e assim termino. Tudo isto é guerra


Mampatá, 17 de maio de 1969

Estive em Mampatá cerca de 15 dias, e no dia 16 os turras fizerem um pequeno ataque. Foi apenas com lança.roquetes, e armas ligeiras, mas não houve qualquer novidade, e no dia seguinte fomos fazer o reconhecimento e nada encontramos. 


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250, Os Unidos de Mampatá (1972/74) > Um foto aérea de povoação e aquartelamento... A unidade de quadrícula anterior terá sido a CCCAÇ 3326 (1971/73, Mampatá e Quinhamel) a que pertenceu o nosso camarada António Amaral Brum, há 36 anos emigrado no Canadá. Em 1968, no último trimestre, esteve aqui destacado o José Teixeira, o José Cuidado da Silva, o Eduardo Moutinho Santos, o José Belo, o José Manuel Samouco  e outros "Maiorais" (CCAÇ 2381, 1968/70).

Foto: © José Manuel Lopes (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Mampatá, 31 de maio de 1969

Neste dia saímos de Mampatá na coluna de Aldeia Formosa para Buba, e foram alguns rapazes da minha companhia a picar a estrada até ao meio do sector. Ao fim de alguns quilómetros tivemos uma emboscada, onde houve dois mortos e seis feridos. Os mortos e os feridos eram de uma companhia que já tinha dezanove meses, e assim seguimos para diante. 

Mais à frente encontramos uma mina anticarro, e por cima ainda estava um antipessoal. Passei eu e mais outro rapaz ao lado dela. A nossa sorte foi ele não a ter pisado, pois se a gente a pisasse, nem sequer se viam os nossos ossos, pois alevantamos a mina e começamos a andar. Ao fim de alguns quilómetros houve outra emboscada, aonde caiu uma roquetada aquase ao pé de mim e dos meus camaradas ferindo dois rapazes da minha companhia.

Um chama-se Manuel Luís que é da Azinheira e o outro era o Silva, e nós ao fim destas duas emboscadas já não tínhamos aquase 
[sic]   nenhum material de guerra.

 Tivemos de ser abastecidos de helicóptero, e mais à frente tivemos mais outra emboscada que o fogo durou cerca de vinte minutos. Aquase que não tinha fim, e era aquase de noite. Houve um rapaz das Fox que levou um tiro na testa, e aonde veio a falecer ao fim de alguns momentos. Os bombardeiros andaram todo o dia por cima de nós, e os Fiat andaram também, cerca de quinze minutos, e também tivemos mais à frente outra emboscada, mas os bombardeiros deram com eles, e fizeram fogo, e depois daí em diante tudo nos correu bem até chegarmos a Buba, mas com muitos sacrifícios não chegamos, menos aqueles infelizes que morreram.


Empada, 13 de junho de 1969

Aqui, neste pequeno quartel de Empada, foi o meu primeiro ataque que eu tive na data indicada acima. Nada me meteu medo. Eu nessa altura estava a comer galinha e a beber aqueles copos da ordem junto de alguns camaradas.

 Nós ficamos tão descansados, como não fosse nada connosco pois elas caíram a 500 metros desviadas do quartel e assim por hoje já chega. Envio cumprimentos para os turras desta emboscada. José Cuidado da Silva


Empada, 16 de junho de 1969

Era uma hora da noite e eu estava dormindo num pequeno abrigo, mais alguns camaradas bem descansados, mas foi só ao som das canhoadas e morteiradas que nós acordamos. 

Fomos ver, eram os nossos amigos turras a darem-nos os bons dias, mas além de ser um quartel pequeno, eles ainda conseguiram meter algumas lá dentro ferindo dois rapazes. Um foi para o Hospital, o outro não foi preciso, e também caiu uma canhoada dentro da tabanca matando dois africanos e deixando um em perigo de vida. 

 No dia seguinte fomos fazer o reconhecimento e só encontramos invólucros, e agora termino. Cá fico esperando os turras para um novo ataque.


Empada, 28 de junho de 1969

Mais uma vez uma linda festa feita pelos turras. Eram oito horas quando eles começaram a mandar morteiradas e canhoadas, mas elas caíram bem longe deste pequeno quartel, pois ficaram a meio do caminho. 

Quando a festa começou eu estava no café a beber aqueles copos da ordem, e eu ainda naquele momento disse estas seguintes palavras ao Eusébio: "Dá-me agora mais um tinto, e se quiseres beber aproveita agora, pois agora vai à saúde dos turras, não é verdade? Eles de vez em quando lembram-se de nós."


Buba, 31 de julho de 1969

Mais umas palavras tenho a acrescentar, mas desta vez é em Buba. Neste dia fomos picar a estrada para a coluna de Aldeia Formosa passar. O meu pelotão picou até cerca de quatro quilómetros, e foi tudo a correr bem. Depois rebentou uma mina na viatura da frente, aonde levava cerveja e tabaco. Foi tudo pelos ares, e nós a beber cerveja e roubar tabaco. Foram aquelas bebedeiras da ordem, e os pretos a roubar sabão, pois só houve dois feridos. Um era da minha companhia, e o outro era africano. 

Depois trouxemos a viatura para Buba e a coluna seguiu para Aldeia Formosa e pronto.


Buba, 3 de agosto de 1969

E agora, mais uma vez, aproveito cinco minutos para escrever estas palavras. Mais um lindo ataque neste tão belo dia. Eram seis da tarde quando caiu uma canhoada dentro do quartel e feriu duas vacas. Foi uma pena não as ter matado…e todas. 

E não houve mais novidade. Talvez para a próxima já haja novidades. Tu és Buba o alvo de canhoadas e morteiradas, mas só me faltam sete meses para acabar os meus sofrimentos.


Buba, 19 de setembro de 1969

Eram perto das seis da tarde, quando os turras começaram a atacar, mas elas caíram todas dentro do rio, e eu nessa altura estava dentro do refeitório para arreceber  
 [sic] a comida quando elas começaram a assobiar, e houve apenas um ferido e houve apenas um ferido [repetido] , mas foi devido a fazer fogo com o morteiro 60, e esse partiu dia 20 para o hospital, e não houve mais problema, apenas um preto fugiu no mesmo dia com uma G3. Pronto.


Buba, 21 de setembro de 1969

Eram 4.30 da tarde quando os turras resolveram novamente atacar, mas as morteiradas e canhoadas caíram todas dentro do rio, e apenas só nos assustaram, e nada mais.


Buba, 29 de setembro de 1969

Mais um ataque. Pois eram perto das 4 horas da tarde quando algumas morteiradas e canhoadas caíram dentro do rio. Apenas uma caiu dentro do quartel, e algumas também assobiaram por cima, e assim se passou mais um ataque sem haver problema, e quando eram perto das seis horas voltaram novamente, mas essas ficaram todas dentro do rio. Decerto era para matarem o peixe, e nós nesse segundo ataque não fizemos fogo, e por hoje já chega.


Buba, 10 de outubro de 1969

Neste dia fomos fazer uma coluna a Nhala, e quem foi a picar foi a minha malta. Saímos do quartel eram 6 horas da manhã, e nós ao meio do setor encontramos um fornilho. Quem o encontrou foi o Rio Maior. Era um fornilho com carga elétrica. O furriel Pedro alevantou-a, e assim começamos novamente a andar. Avançamos mais um km. e ficamos emboscados. Aguardamos perto das cinco horas, e depois viemos nas viaturas até Buba. 

Era quase de noite quando nós chegamos, e foi quando começou mais um ataque, mas as morteiradas e canhoadas ficaram a meio do caminho, e nós nem sequer fizemos fogo, e assim termino este historial.


Buba, 12 de outubro de 1969

Eram 5.30 horas da tarde quando os turras mais uma vez nos atacaram. Caiu manga de canhoadas e morteiradas dentro do quartel, mas não houve feridos, e assim que acabou o fogo, a malta saiu fora do quartel, e fomos ao local que eles estiveram a atacar.

 Nada encontramos, e já era quase noite, e amalta regressou ao quartel. Também estavam cerca de trezentos turras do outro lado com armas ligeiras para fazer a tentativa para entrar dentro do quartel, estava um pelotão da 2382, e a milícia emboscados, e quando os turras fizeram o seu esforço para entrar, a malta abriu fogo, e assim eles fugiram, pois no dia seguinte foram os fuzileiros fazer o reconhecimento, aonde encontraram 150 granadas de morteiro 82, 3 de roquete, seis de canhão e também uns binóculos, manga de fio e ainda telefone. Atacaram-nos com 8 canhões e quatro morteiros 82, e pronto e nada mais por hoje.


Empada, 9 de janeiro de 1970

Mais um ataque no qual arderam 6 tabancas, e não caiu nenhuma dentro do quartel. Eram 11.30 horas quando nos atacaram. Noutro dia seguinte fomos fazer o reconhecimento, e nada encontramos, e eles roubaram mandioca aos pretos, pois fomos atacados a quinhentos metros do arame com roquetes e outras armas ligeiras.


Empada, 13 de janeiro de 1970

Eram dez horas da noite quando a festa começou pelos turras, mas desta vez ainda não caiu nada dentro deste tão pequeno alvo. Apenas queimaram seis tabancas. Noutro dia seguinte fomos fazer o reconhecimento, e nada encontramos. Atacaram-nos com um canhão, um morteiro 82, roquetes e outras armas ligeiras.


Empada, 31 de janeiro de 1970

Mais um ataque com canhões e morteiros 82, mas não caiu nada dentro do quartel. Ficaram ao meio do caminho. Noutro dia seguinte fomos fazer o reconhecimento. Os nossos morteiros não chegaram lá, e assim foi o último ataque que nós tivemos. Depois viemos para Bissau, e aonde nos encontramos à espera de um autocarro para nos levar até à Metrópole, para visitar as nossas famílias.

Parti para esta Província da Guiné em defesa da Pátria - 1 de maio de 1968 e terminei a 9 de abril de 1970

Assim termino esta minha comissão de reforço com suor e lágrimas no meio destas matas em defesa da Pátria. Agora quero ir embora abraçar os meus pais.

Quero ir embora para matar as saudades que há tanto tempo me encontro ausente. A caminho de 24 meses gozando (?) estas terras desta tão pequena Província da Guiné com suor e lágrimas, e assim defendi, e lutarei sempre pela Pátria.

José Cuidado da Silva

(FIM)

(Revisão / fixação de texto: José Teixeira / LG)
_____________

Nota do editor

[1] - Vd. post anterior de 7 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25491: Estórias do Zé Teixeira (62): O “Diário” do José Cuidado da Silva (1) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Auxiliar Enfermeiro da CCAÇ 2381)

terça-feira, 26 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25308: O Spínola que eu conheci (36): A história do Mário, da CART 2478, contada pelo Manuel Mesquita, da CCAÇ 2614 ("Os Resistentes de Nhala: 1969/71", ed. autor, 2005)

1. No tempo em que fazíamos inquéritos "on line" (funcionalidade que já não está disponível no Blogger), pusemos um dia à votação a seguinte questão:  "Dos 3 últimos Com-Chefes da Guiné, aquele de quem tenho melhor opinião é...". 

Os três nomes apresentados eram, por ordem de antiguidade no CTIG, Arnaldo Schulz, António de Spínola e Bettencourt Rodrigues.

O número total de votos apurados foi de  166. E a "sondagem" encerrou em 15/10/2015, às 15h32. Os resultados não nos supreenderam. 

O general Spínola apareceu destacadíssmo, reunindo mais de 70% dos votos:

  • António de Spínola (1968/73) > 119 (71,7%)
  • Bettencourt Rodrigues (1973/74) > 14 (8,4%)
  • Arnaldo Schulz (1964/68) > 10 (6,0%)
  • Nenhum deles > 16 (9,6%)
  • Não sei / não tenho opinião > 7 (4,2%)

2. Era inegável a "popularidade" de Spínola, no seu tempo, enquanto Com-chefe e Governador-Geral da Guiné (funções que acumulou tal como o seu antecessor, Arnaldo Schulz, e o seu sucessor, Bettencourt Rodrigues), se bem que as opiniões aqui expressas também  possam estar "enviesadas" pela época em que os respondentes estiveram na Guiné (e no pressuposto de que  todos eram antigos combatentes na Guiné). 

A história do Mário,  que se reproduz a seguir,  vem ajudar a perceber melhor o porquê da "popularidade" do general.  Era um comandante-chefe que fazia questão de estar próximo dos seus homens e que os visitava amiudadas vezes, nomedamente no mato (que era a "frente de batalha")... E resolvia no momento problemas do quotidiano da tropa e dos militares, muitas vezes à revelia da máquina burocrática do exército.

Como lembrou, aqui, em comentário ao poste P25238, o cor art ref Morais Silva, "a  sua severidade e exigência perante as falhas dos seus militares era proporcional ao grau de responsabilidade e ao posto do infrator. Apreciava quem cumpria e é obrigatório lembrar o especial cuidado que tinha com os feridos em combate que diariamente visitava no HM 241"

São estas e outras "pequenas histórias" que faltam na biografia deste cabo de guerra, escrita pelo historiador Luís Nuno Rodrigues (apesar de volumosa) (Spínola: Biografia". Lisboa. A Esfera do Livro, 2010, 748 pp.. il.)

2. Com a devida vénia, fomos repescar a história do Mário, ao livro do Manuel Mesquita “ Os resistentes de Nhala: 1969/71” (Ed. de autor, s/l, 2005, pp. 121/123) (**).
 
O autor pertenceu à CCAÇ 2614 / BCAÇ 2892 (Bissau, Nhala e Aldeia Formosa, 1969/71) . E o Mário  à CART  2478, que esteve em Gadamael.

O Mário

por Manuel Mesquita

Apareceu-me lá em Aldeia Formosa, em determinada ocasião, e sem que nada o fizesse prever, um moço que conheci na nossa adolescência. Nunca houvera grande amizade entre nós, mas somos conterrâneos. Foi uma alegria encontrarmo-nos na mesma guerra em terras tão longínquas. [Era] o Mário de Fontelas [. concelho de Peso da Régua]  .

Contou-me um pouco da sua vida, convidei-o a ir viver para o meu quarto. Visitou as instalações, agradaram-lhe as condições e aceitou, era por pouco tempo.

Veio de outra companhia, a [CART] 2478 , instalada em [Gadamael] Porto, onde cumpriu 21 meses em rendição individual. Foi bem comportado. O capitão sempre lhe prometeu vir com a companhia no final, apesar de ter menos um mês e meio que eles. Acompanhou a companhia até Bissau, convencido de que vinha.

A [CART] 2478 embarcou [em 23 de dezembro de 1970, juntamente com o resto do BART 2865], o Mário ficou no cais a ver os companheiros embarcar e seguir.

Do barco acenavam-lhe [com] a alegria de partir. No cais o Mário chorava o desgosto da promessa por cumprir. (…) Naquela hora, uns com o coração recheado de alegria e o Mário com o coração apertado pelo desgosto.

Ficou quase dois meses no quartel dos Adidos e, quando contava vir para Lisboa, mandaram-no para a CCAÇ 2614 [em Aldeia Formosa]. Nós com mais de 21 meses, ele com 23. Nós vínhamos em breve, ele não poderia vir connosco, era candidato a ficar lá depois de nós.

− É uma injustiça –digo eu.

− É um castigo, sem nunca ter merecido uma punição. É ter a certeza duma missão cumprida, sem saber quando termina a minha comissão. Já servi a Pátria!

− É uma dor de alma, que só não a sente quem tem um coração de pedra.

O Mário estava no segundo pelotão. Com o pelotão desfalcado há tanto tempo, mandam agora um soldado preencher um vaga. Integrou-se, e a tudo obedecia e cumpria naturalmente (nem poderia ser de outra forma).

Somos [, entretanto,] informados que o Com-Chefe nos iria visitar para provavelmente nos entregar as medalhas de missão cumprida. Tentei a todo o custo convencer o Mário de que se devia dirigir ao Com-Chefe, falar e expor o seu caso, ainda que [ele]fosse o nosso general.

Era um domingo de tarde, nós estávamos [dispensados] de serviço. Uniformizados a rigor, estávamos na parada antes da hora prevista. Não revelámos o nosso plano a ninguém.

Chegou a avioneta e logo o clarim convida-nos à formatura. (…)

É, sem dúvida, sua Excia. o gen Spínola, fiquei contente. Começa o seu discurso, dizendo que tinha as medalhas de comissão cumprida para nos dar. Saudou-nos por tal e informou que ficaríamos ali mais algumas semanas até chegar a companhia que nos [iria substituir, a CCAÇ 3399, em 27 de agosto de 1971].

Eu tinha vontade de tocar o meu amigo para se apresentar, mas estávamos em sentido e o grupo é outro. Uma voz forte e determinada se levanta, lá da outra zona e…

− Sua Excelència, meu general, dá-me licença ?

A admiração foi geral, toda a gente queria olhar, mas… Eu tremia.

O general António Spínola interrompe a conversa com o comando do batalhão [BCAÇ 2892, Aldeia Formosa, 1969/71] , e [diz]:

− Avance e apresente-se.

O Mário conhece os cânones militares, cumpre e diz porque está ali, donde veio, o tempo cumprido, este batalhão não lhe podia prometer que o levava, poderia ver partir mais um companhia, era de rendição individual, não poderia saber quando teria a missão cumprida, depois de já ter naquele momento mais de 24 meses de zona de guerra na Guiné…

Aquele frente a rente não foi longo mas toda a gente o ouviu. O general mandou que o seu ajudante de campo (um capitão ‘comando’) tudo registasse e disse:

− Fizeste bem em falar, meu rapaz. Ainda não é hoje que recebes a tua medalha. Ficarias cá depois desta companhia embarcar. Não vais hoje comigo, porque é impossível, mas embarcarás daqui [a] esta semana para Bissau, vais para Lisboa no primeiro barco.

Deu ordens ao comando para deixarem descansar até ao fim, que lhe [tratassem] do espólio, sairia dali dentro de dias para Bissau para aguardar transporte para Lisboa.

O general partiu, nós ficámos com as medalhas de missão cumprida e o Mário estava agora feliz. Parabéns, justiça finalmente [fora] feita, justiça estava a fazer-se.

Todos os militares sabiam que a comissão na Guiné era de 22 a 23 meses no total. E de 22 a 24 no máximo para os de rendição individual.

Passados três dias, o soldado Mário estava a tomar a avioneta na pista de Aldeia,com todo o espólio feito.

Fonte: Excertos de Manuel Mesquita, “ Os resistentes de Nhala: 1969/71”. (Ed. de autor, s/l, 2005, pp. 121/123) (Com a devida vénia...)

(Seleção, revisão / fixação de texto, parenteses retos, correção de gralhas: LG)

__________

Nota do editor:

Último poste da série > 3 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23225: O Spínola que eu conheci (35): um militar de caracter reservado, com quem me cruzei várias vezes em Bissau no desmepenho das minhas funções na Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica (Ernestino Caniço)

terça-feira, 19 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25288: O Cancioneiro da Nossa Guerra (16): "Aldeia Formosa" e "Adeus Aldeia Formosa" (CCAÇ 2614 / BCAÇ 2892, Nhala e Aldeia Formosa, 1969/71)


Guiné > Região de Quínara> Buba > 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Bula, 1973/74) > Proteção aos trabalhos de construção da nova estrada Buba - Aldeia Formosa (via Nhala).

Foto (e legenda): © António Alves da Cruz (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. No seu singelo ļivro de memórias "Os Resistentes de Nhala, 1969/71" (ed. de autor,  s/l, 2005, 144 pp.) (*), o nosso camarada Manuel Mesquita (CCAÇ 2614 
/ BCAÇ 2892, Bissau, Nhala e Aldeia Formosa, 1969/71) transcreve a letra de duas canções, que se cantarolavam em Aldeia Formosa:

(...) "Em Aldeia  o pessoal canta, para esquecer a saudade, ou porque já estamos perto do fim. Pegaram na melodia da marcha do Bairro Alto, vencedora em 1960 (talvez), 'Bairro Alto e seus amores tão delicados'...) (op. cit, pág, 120). 

Nenhuma das duas letras em título...  Mas também circulam por aí como "Aldeia Formosa" e "Adeus, Aldeia Formosa"...  A primeira é uma paródia às colunas auto na temível picada Buba - Aldeia Formosa (que no final da guerra passou a aser uma estrada alcatroada)... Vamos acrescentá-las ao Cancioneiro da Nossa Guerrra  (**).


ALDEIA FORMOSA 

Aldeia e as colunas a seguir
Para Buba,  com a malta,
Sujeita a ir para não vir
Com aquilo que nos falta.

São emboscadas e minas,
Bolanhas e covazinhas,
Viaturas rebocadas.
Deitaram - nos isto à sorte
De procurarmos a morte
Nestas tão reles estradas,

Refrão:

Viaturas velhas, mesmo a cair,
E, mesmo assim, a malta tem que seguir,
São tristes chaços, em procissão,
Andam mecânicos com as chaves de mão em mão.


(Nota: Na página "A viola é do fado", lê-se que "esta marcha data de 1938 e é da autoria de Carlos Neves. Diz-nos Daniel Gouveia, no seu excelente livro ' No fado tudo se canta' que a letra original de Nuno de Aguiar foi várias vezes alterada pelos fadistas. Sugere-se, a esse respeito, a leitura da variante cantada por Carlos do Carmo."). 

2. A segunda letra é já relativa ao fim da comissão, e ao  "regresso"  do pessoal da CCAÇ 2614, que se vai processar, numa primeira fase,  em coluna auto,  de Aldeia Formosa até Buba, passando por Mampatá, Uane e Nhala (que ficou no coração dos "resistentes")  (op. cit, pp 124/125).


ADEUS, ALDEIA FORMOSA

Adeus, Aldeia,  Formosa mas feia,
Com turras a atacar,
Adeus, Aldeia, que eu levo na ideia
De não mais cá voltar.

Despedi-me das bolanhas sem igual, 

Das bajudas da Tabanca, 
Dos alfaiates do rio Corubal,
Antes quero a minha branca.

Ai, ai, ai!...,
Não me importo de ir à toa,
O que eu quero é ver Lisboa
E a terra que eu cá sei.

Ai, ai, ai!...,
Já deixei as matacanhas, 
Pântanos e montanhas
E a Nhala que eu amei.

(Nota: A letra encaixa-se na  música da "Canção da Papoila", do filme "Maria Papoila", de Leitão de Barros, 1937: música de Raul Ferrão, letra de Alberto Barbosa, José Galhardo e Vasco Santana; Lisboa, Sassetii & C.ª Editores, 1937. Fonte: Museu do Fado)

(Seleção, revisão / fixação de texto, notas: LG)



Capa do livro do Manel Mesquita, 
"Os Resistentes de Nhala", ed. de autor, 2005, s/l, 2055, 144 pp. 
(Gráfica: Quadra - Produções Gráficas Lda, Vila Nova de Gaia.)
(Contactos do autor: tel 22 762 07 36 | telem 963 525 912)
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Notas do editor:

quinta-feira, 7 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25245: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte IX: O adeus a Aldeia Formosa, onde também tinha um sobrinho, madeirense [Fernando Costa (1951-2018), ex-fur mil trms, e músico, CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, março de 1973/ setembro de 1974)]


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > s/d [ 23 de abril de  1974, segundo o António Murta] > BCAC 4513 > A última visita do Com-Chefe e Governador Geral Bettencourt Rodrigues (de costas, de camuflado, à direita, recebendo honras militares)


Guiné > Região de Quínara > Região de Tomabali >  Porta de armas do aquartelamento ao tempo do  Comando, CCS e 1ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (março de 1973/ setembro de 74)... As outras suas unidades orgânicas estiveram em Buba (a 1ª CCAÇ) e em Nhala (2ª CCAÇ)...

Fotos (e legendagem): © Fernando Costa (2009).Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do Fernando Costa (1951-2018), ex-fur mil trms, CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Março de 1973/Setembro de 1974) (*), membro da nossa Tabanca Grabde desde 25/10/2009 (*):

Caros amigos,

Volto ao vosso contacto para enviar uma foto onde aparece o Cmdt das Forças Armadas da Guiné, General Bettencourt Rodrigues, naquela que foi a última visita a Aldeia Formosa. 

Os militares que estão a fazer a guarda de honra, são do BCaç 4513. Esta foto, se assim o entenderem, pode ser incluída com as que se encontram no poste P5160 (*).

Um forte abraço, ex-furriel mil Fernando Costa


2. Comentário do editor LG:

Lembro-me de ter falado com o Fernando Costa na noite de 1/11/2009 (**). Foi ele que me ligou. Portanto, já fez 14 anos... E há cinco ou seis anos que ele morreu!...

Já que aqui escrevi que tivemos  então uma longa conversa ao telefone. Ele era (foi a impressão com que fiquei)  um homem das Arábias, e acabava de ingressar na Tabanca Grande

Para além de chefe das transmissões em Aldeia Formosa (na ausência do alferes da CCS que ficara no em Bissau, a tomar conta das antenas das telecomunicações...), foi um homem dos sete ofícios... E sobretudo foi músico, chegou a acompanhar a Cilinha, que tinha a mania que sabia cantar o fado, nas visitas aos quartéis do sul... 

Ainda apanhou o gen Spínola, duas vezes, de visita a Aldeia Formosa.  Numa delas o Com-Chefe terá vimdo expressamente para dar uma porrada num 1.º cabo de uma das companhias do Batalhão... Com o pessoal formado e alinhado na parada, rapou de um papel e chamou o cabo. Quando este compareceu perante o velho general, arrancou-lhe as divisas e deu-lhe dois pares de estalos...

O seu sucessor, o gen Bettencourt Rodrigues, terá ido lá, uma única vez (não nos finais  de 1973 ou princípios de 1974, mas sim em 23 de abril, segundo o António Murta)... Tinha lá um sobrinho, madeirense. (***)
 ____________

Notas do editor:


(**) 2 de novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5193: Memória dos lugares (50): Aldeia Formosa, BCAÇ 4513: A última visita do Gen Bettencourt Rodrigues (Fernando Costa)

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25192: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte V: E se o aeroporto de Bissalanca e a cidade de Bissau fossem alvo de um ataque aéreo ? Em 23 de fevereiro de 1974 foi considerado inoperacional o material de deteção de alvos e de tiro...

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > BCAÇ 3852 (1971/73 > Antiaérea do tempo da II Guerra Mundial... "Simulando o ataque a um avião inimigo. Cada tiro, cada melro... pois aviões cá tem... A tropa não deixa de me surpreender: antiaéreas em Aldeia Formosa? Os "nossos amigos", ou IN, tinham mísseis terra-ar Strela (em março de 1973)", diz o Joaquim Costa...(*)

Que arma seria esta? E de que calibre? Parece ser uma peça AA 9,4 cm... A CCAV 8351 esteve em Aldeia Formosa entre meados de novembro de 1972 e princípios de abril de 1973... Nesta altura o pelotão AA que aqui estava, devia pertencer à Btr AAA 7040/72 (Out 72 / ago 74). Sabe-se  que o Btr AAA 7040/72 substituiu a Btr AAA3381, a partir de 1Jan73, no comando e controlo dos Pelotões da Nova Lamego, Aldeia Formosa e Nhacra. 

A bataria seguinte, a Btr AAA 7041/72, em 23Fev74, em virtude da inoperacionalidade do material de deteção de alvos e de tiro, foi desativada. A dois neses do 25 de Abril, o material 9,4 cm foi considerado inoperacional, tornando-se  necessário a criação de um Grupo de Artilharia Antiaérea da Guiné (GAAA)  (que já não chegou a sair do papel)...

Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Base naval do Alfeite da Marinha , 
30 de abril de 1974

Foto (e legenda): © Fernando Vaz Antunes (2014). Todos os direitos reservados. 
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Em todas as épocas, em todas as guerras, em todos os regimes, todos os chefes têm a sua 23ª hora... Muitos de nós, antigos combatentes, já não estávamos lá no CTIG, quando o gen Spínola bateu com a porta a Marcello Caetano e foi substituído pelo gen Bettencourt Rodrigues. Este foi o último Governador e Comandante-chefe do CTIG: a sua história efémera passa-se entre 29 de setembro de 1973 e 26 de abril de 1974. (**)

Quem já não estava lá, tem direito a saber (é esse o papel do nosso blogue) como foi a 23ª hora deste militar com carreira brilhante que acabou por fechar um capítulo da história de Portugal com 500 anos. 

Ele quexou-se em 1997, em depoimento sobre a descolonização da Guiné (no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida), que não teve tempo para fazer o que se propunha (que era a retração do dispositivo militar, de 225 guarnições para 80 e tal) porque entretanto foi preso e destituído em 26 de abril de 1974.

Naquele que consideramos o seu "testamento político-militar" (o seu depoimento para o livro, escrito por ele e mais 3 generais, J. da Luz Cunha, Kaúlza de Arriaga e Slvino Silvério Marques, "Africa: a vitória traída", Braga, Intervenção, 1977, pp. 103-143), não há estranhamente a mais pequena referência à defesa antiaérea da cidade e do aeroporto de Bissau bem como  das localidades mais importantes, vulneráves a um eventual ataque aéreo inimigo.

Sabe-se hoje que a continuação da guerra  não  estaria em causa, a não ser em  caso de entrar  em cena a aviação inimiga (que o PAIGC ainda não tinha, mas que  também podia ser a de algum dos países amigos do PAIGC, como a Guiné-Conacri onde o PAIGC tinha a sua confortável retaguarda, pese embora o regime de Séku Touré ser então uma ditadura brutal e sanguinária).

Esta questão, o palno de defesa aniaérea da Guiné, também não tem sido abordada no nosso blogue. O único "catedrático" em AAA é o nosso amigo To Zé, cor art ref António José Pereira da Costa, que, enquanto capitão, foi o primeiro a comandar a Btr AAA 3434, "As Avezinhas" (Bissau, 1971/73).
  

Excertos de CECA (2015):

• Decisão de 25Fev74 - Reorganização da AAA no TO da Guiné - proposta apresentada pelo Delegado da DEFNACIEME, Ten-Cor Art Luis M.D.A. Corte Real

"1. A DEFNAC/EME [Defa Nacional / Estado Maior do Exército] através do seu delegado, Ten Cor Corte Real, atendendo a que o material de Art de 9,4 cm não oferece condições de operacionalidade,  propõe que se deixe de utilizar, no TO daGuiné, o material de 9,4 cm em missões de AA, para o que:

- se adaptaria a BtrAAA 7043/73 (9,4 cm) a ligeira (4 cm).

- não seria rendida, no final da sua comissão (21 meses em Julho) a BtrAAA 7041/72 (9,4 cm).

 2. Após discussão do problema em reunião de Comandos, em250900Fev74, decido:

a. Concordar com a transformação da BtrAAA (9,4 cm) 7043/73 em BtrAAA (4 cm) com os problemas inerentes à sua adaptação (aumento de efectivos e instrução).

b. Aceitar a não rendição da BtrAAA (9,4 cm) 7041/72, aproveitando a disponibilidade daí resultantes para a reorganização,que se considera indispensável, da estrutura antiaérea do TO..

Assim, considera-se necessário a criação de um Grupo de Artilharia Antiaérea, com possibilidades de exercer o Comando táctico de toda a AAA do TO e acionar o funcionamento do Serviço de Informações e do Centro de Operações da AAA, e ainda, garantir:

- as transmissões entre os órgãos da AAA e as armas;

- a administração do pessoal das Batarias AA;

- a manutenção do material;

- a instrução do pessoal a formar no TO. [... ]"

Fonte: CECA (2015), pp. 464/465

Anexo n" 3 - Subunidades de Artilharia Antiaérea" (CECA, 2015):

[ Extracto da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África, 7° Volume Tomo II - "Fichas dasnidades Guiné",  da CECA, EME. Sobre este assunto consulte-se o artigo "A Artilharia Antiaérea noUltramar" do Coronel de Artilharia António José Pereira da Costa - Boletim da Artilharia Antiaérean" 3 - II Série, Outubro 2003 - Edição Especial do RAAA nº 1.]

(...) -  Quando do início da luta armada com o PAIGC, em Janeiro de 1963, já se encontrava, há um ano, instalado no aeroporto de Bissalanca (Bissau), o Pelotão de Artilharia Antiaérea n° 43, dotado de radar com peças AA 4cm "Bofors M-42/60" e metr AA quádruplas 12,7mm, para garantir a defesa AA a baixas altitudes. 

No início de 1964 foi rendido pelo Pel AAA 943; em Janeiro de 1966 este foi substituído pelo Pel AAA 1066; em princípios de 1968 nova rendição pelo Pel AAA 1257; em meados de 1969, chegou o Pel AAA 2141 e em 1970 o Pel AAA 3001.

Este último foi destacado para Nova Lamego (Sector L3). Todos estes pelotões tiveram missões semelhantes e o mesmo material AA.

- Para cumprimento do despacho do MDN de 11Ago 70 o dispositivo antiaéreo no TO da Guiné foi reforçado com Batarias de Artilharia Antiaéreas.

Em 19 Fev 71, foram aumentadas ao efectivo, a Btr AAA3381 (lª fase) e a Btr AAA 3382. A 2ª  fase da primeira Btr apresentou-se em 31 Maio 71.

A Btr AAA 3381 integrou os dois últimos Pelotões independentes acima referidos e um outro Pelotão que chegou na 2ª fase. Foi dotada com peças 10,4cm, metr AA quádruplas 12,7mm e radar nº 4 MarkVI; as guarnições tiveram pessoal de recrutamento da Província.

Após a realização da IAO foi colocada em Bissau no aquartelamento do GA7, exercendo o comando e controlo dos Pelotões que foram destacados para Bissalanca, Nova Lamego, Aldeia Formosa, a partir de 25 Jul71 e Nhacra, a partir de 01 Nov 71.

- A Btr AAA 3382, após a realização da IAO, em 13 Mai 71 foi colocada no aqt do GA7. Foi a primeira a ser dotada com peças AA 9,4cm e dispunha de radares (táctico) MK VI e (de tiro) MK VII (que através de um preditor dava pontaria direta às 4 peças), para defesa a média altitude do aeroporto, parte da cidade de Bissau,  Cumeré e paióis do CTIG.

Iniciou o estudo das posições das peças: radares e preditores de AA. Em Jan71, começou a construção das posições e do aqt na região  de  Bor (Bissau), com vista ao cumprimento da missão, tendo a orgamzação operacional ficado completa em Set72. 

Em meados de Maio, desse ano, passou a ocupar as instalações de Bor, cumulativamente ficou com a responsabilidade daquela região na dependência do COMBIS.

- A Btr AAA 3434 desembarcou na Guiné em 31Mai71; efectuou a IAO e a 04Jul71 ficou instalada no aqt do GA7. 

A partir de 20Jul desse ano,passou a realizar os trabalhos de construção de espaldões para peças de radares da área do aeroporto de Bissalanca. Foi dotada com peças AA 4cm e metr AA quádruplas 12,7 mm. Colaborou em coordenação com a BA12, na defesa terrestre das instalações daquela área.

- A 1ª  fase da Btr AAA 7040/72 desembarcou em 200ut72 e a 2ª fase em 2Jan73. Após a IAO da la fase, no GA7, em 23Nov72, deslocou um Pelotão para Nova Lamego para realizar a sobreposição com idêntico efectivo da Btr AAA 3381 até 18Dez72: de seguida assumiu a responsabilidade de defesa AA a baixa altitudes da pista de aviação e destacamento aéreo. 

Substituiu a Btr AAA3381, a partir de 1Jan73 , no comando e controlo dos Pelotões da Nova Lamego, Aldeia Formosa e Nhacra. 

Para estas duas últimas localidades, marcharam em 4Fev73, 2 Pelotões da 2ª fase que renderam idênticos efectivos da Btr AAA 3381; colaboraram ainda na defesa terrestre das referidas localidades.

- A Btr AAA 7041/72 desembarcou em 160ut72; realizou em Bor a IAO e em 1Dez72, substituindo a Btr AAA 3382, assumiu a responsabilidade da defesa AA a médias altitudes da BA12, aeroporto, Cumeré e parte da cidade de Bissau. Foi dotada com peças AA 9,4cm. Assumiu também a responsabilidade do subsector de Bor na dependência do COMBIS. 

Em 23Fev74, em virtude da inoperacionalidade do material de deteção de alvos e de tiro, a Bataria foi desativada.

- A Btr AAA 7042/72 desembarcou em 2Jan73. Após IAO, no GA7, assumiu em 26Fev73, substituindo a Btr AAA 3434, a responsabilidade de defesa AA, a baixas altitudes, do aeroporto e da BA12, tendo-se instalado em Bissalanca; colaborou em coordenação com BA12, na defesa terrestre das instalações.

- A Btr AAA 7043/73, desembarcou em 17Nov73; foi colocada em Bor a fim de realizar a IAO e a seguir reforçar a Btr AAA 7041/72 com vista à implementação do sistema integrado de defesa AA a médias altitudes do aeroporto e da cidade de Bissau cujo estudo estava sendo efectuado.

Foi dotada com peças AA 9,4cm. Colaborou na segurança e proteção das instalações e populações do subsector de Bor, sob controlo operacional do COMBIS. 

Em 23Fev74, devido a inoperacionalidade do material, passou a realizar a adaptação ao material AA 4cm.

- Depois de feito os estudos para a sua organização foi criado por depacho do CCFAG, o Grupo de Artilharia Antiaérea da Guiné (GAAA).

Destinava-se a comandar, coordenar e controlar a actividade das Subunidades, na altura: Btr AAA 7040/72, 7041/72 e 7043/73. 

Apesar de oficialmente criado em 1Mai74 não chegou a ter existência e organização efectivas, sendo extinto em 7Set74.

Fonte: Excertos de: Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume: aspectos da actividade operaciona. Tomo II: Guiné, Livro III, Lisboa: 2015, pp.   464/465 e 491/492.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25082: Em busca de... (323): Susana Coelho procura camaradas de seu pai, falecido em 2007, Afonso Henriques Maia Coelho, 1.º Cabo(?) Radiomontador da CCS / BCAÇ 513 (Buba, Cacine, Aldeia Formosa, Gadamael, Sangonhá e Guileje, 1963/65)

Buba - Janeiro de 1964 - 1.º Cabo(?) Radiomontador Afonso Henriques Maia Coelho da CCS / BCAÇ 513


1. Mensagem de Susana Coelho, filha do nosso camarada Afonso Henriques Maia Coelho, ex-1.º Cabo(?) Radiomontador da CCS/BCAÇ 513, com data de 16 de Janeiro de 2024:

Bom dia Sr. Luís Graça
Sou a Susana e o meu pai esteve na Guiné de 1963 a 1965 no Batalhão 513.
O meu pai faleceu em Janeiro de 2007.
Ontem estive a reler umas memórias que ele escreveu onde fala na guerra colonial e na Guiné e depois comecei a pesquisar e encontrei o seu blog e um livro que eu desconhecia "História do Batalhão 513".
Por acaso conhece alguém deste Batalhão e que se recorde do meu pai Afonso Henriques Maia Coelho da Figueira da Foz?
Muito obrigada e parabéns pelo vosso blog.

Com os melhores cumprimentos
Susana Coelho


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2. No mesmo dia foi enviada mensagem resposta à nossa nova amiga Susana

Cara Susana, muito boa tarde
Incumbiu-me o editor Luís Graça de a contactar no sentido de a podermos ajudar.
Se possível diga-nos qual era o Posto e a especialidade do pai. Envie-nos também uma ou duas fotos dele, fardado, do tempo da Guiné, para que possa ser mais rapidamente reconhecido.
Como o Batalhão 513 foi para a Guiné só com a Companhia de Comando e Serviços (CCS), isto é, sem Companhias operacionais, ele pertenceria à CCS. Confirme se souber.
Informo já que será muito difícil encontrar alguém do tempo do pai uma vez que a idade não perdoa e a lei da vida, ou da morte, vai fazendo a sua selecção, mas tudo aquilo que me puder arranjar será útil.
Depois de termos em posse os elementos que lhe pedimos, faremos uma publicação no Blogue, da qual será informada em devido tempo.
Muito obrigado pelo seu contacto e pela curiosidade saudável de saber do passado militar do senhor seu pai.

Creia-nos ao seu dispor
Carlos Vinhal
Co-editor


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3. Nova mensagem da Susana ainda no mesmo dia:

Boa tarde Sr. Carlos Vinhal
Sim. O meu pai pertencia à CCS.
Aqui na minha casa não tenho fotografias do meu pai da Guiné.
Só encontrei uma e vou enviar.
O meu pai trabalhava nas comunicações e era rádio montador mas também combatia e contou-nos muito do que passou em Buba, Cacine, Gadamael Cacoca, Sangonhã e Guileje.
Foi para lá em Setembro de 1963 e voltou no navio Niassa dia 5 de Agosto de 1965.
Envio uma fotografia na Guiné em Buba, Janeiro de 1964.
Outra comigo em 1971 e a ultima em 2003.
Por acaso sabe de mais sítios onde possa ler sobre o BC 513 e ver fotografias?
Muito obrigada!

Cumprimentos
Susana Coelho


1971 - s/l - Afonso Henriques com a filha Suana ao colo
Afonso Henriques em 2003. Viria a falecer em Janeiro de 2007

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4. Mensagem da Susana Coelho em resposta a uma do coeditor, no mesmo dia:

Muito obrigado Carlos Vinhal!
Sim. Vou comprar esse livro.
Estou muito curiosa para o ler.
Já li tudo o que o Dr. Mário Beja Santos escreveu no blog sobre o 513.
Posso perguntar o que significa o A e o Ç de BCAÇ?
Vou continuar a acompanhar o vosso blog.
Tenho muitas saudades do meu pai.
Faz-me tanta fata.
Mas é assim a vida e a morte.
Obrigada mais uma vez!

Cumprimentos
Susana


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Síntese da Actividade Operacional do BCCAÇ 513 - Reprodução das págs. 53 e 54 do 7.º Volume - Fichas das Unidades - Tomo II - Guiné, da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974; edição do Estado-Maior do Exército (CECA)

Capa do livro "BC 513 História do Batalhão", por Artur Lagoela, execução gráfica no Jornal de Matosinhos, ano 2000.
Este livro pode ser adquirido consultando este sítio da internet: https://leituria.com/pt/os-livros/historia/historia-do-batalhao-513


5. Comentário do coeditor CV:

Resta-nos esperar que entre os nossos leitores esteja pelo menos um camarada que tenha pertencido ao BCAÇ 513 e se lembre do seu companheiro Afonso Henriques, infelizmente já falecido, ou apareça alguém que conheça um combatente deste Batalhão para contactar a Susana Coelho, sua filha. Podem-nos escrever através do Formulário do Contacto do Blogger, por exemplo, que nós estabeleceremos a ligação.

Para a nossa amiga Susana Coelho as nossas felicitações pela sua iniciativa. A partir de hoje passa a ser como uma filha para cada um de nós, porque o nosso lema é: filha(o) de um nosso camarada nossa(o) filha(o) é.
Continuamos por aqui ao seu dispor

CV - Coeditor

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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24907: Em busca de... (322): Combatentes do CTIG que tivessem conhecido o então Tenente-Coronel Acácio Dias da Silva, Oficial do Serviço de Administração Militar, que cumpriu comissão(ões) de serviço entre 1964 e 1968