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terça-feira, 30 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27271: O início da guerra (Armando Fonseca, ex-sold cond, Pel Rec Fox 42, mai 62 / jul 64) - Parte II: outubro de 1963: os primeiros grandes sustos com as minas A/C

 

Guiné > s/l >s/d > Pel Rec Fox 42 > A guarnição de viatura do "Alenquer" (o terceiro, a contar da esquerda para a direita, conforme indica a seta branca. Parece ser a viatura blindada canadiana GMC 4x4 M 957, armada com 2 metralhadoras Browning de 12,7mm (a do Armando usava a Borsig).   




N/M e T/T António Carlos > Navio misto, de carga e passageiros a motor, com 93m de comprimento, a sua construção data de 1946-1947 no estaleiro da Rocha, Administração Geral do Porto de Lisboa, da CUF - Companhia União Fabril. Foi encomenado pela Sociedade Geral de Transporte para aumentar a sua frota da marinha mercante. Deslocava c. 4,5 mil toneladas. Tinha 8 camarotes para passageiros.

A partir de 1959, esteve fretado ao ministério do Exército para transporte de tropas e material de guerra. Em 1971, foi vendido à Companhia Nacional de Navegação, de Lisboa, operando principalmente na carreira de Cabo Verde e Guiné. Em 1981, foi desmantelado no Cais Novo de Alhos Vedros.


Fotos (e legendas): © Armando Fonseca (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Armando Fonseca, ex-sold cond cav, Pel Rec Fox 42, Bissau, Mansoa, Porto Gole, Buba, Bedanda, Guileje e Aldeia Formosa, 1962/64; também conhecido como o "Alenquer", integra a nossa Tabanca Grande desde 22 de setembro de 2010; tem cerca de 20 referências no nosso blogue. Julgamos que nasceu em 1941. Natural de Alenquer, vive na Amadora desde 1965, depois do regresso à "peluda". É autor da série "O Alenquer retoma o contacto" (de que se publicaram 7 postes, em 2012).
 

Fotos (e legendas): © Armando Fonseca (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. O Armando Fonseca (conhecido como o "Alenquer", terra donde é natural, mas que vive na Amadora desde 1965), ex-soldado cond cav, Pel Rec Fox 42 (1962/64), foi dos primeiros militares, da arma de de Cavalaria, a chegar à Guiné, quando "oficialmente" ainda não havia guerra. Fiz ele que na guerra teve um "bom anjo da guarda". Não foi só ele, nós que ainda aqui estamos hoje, também podemos dizer o mesmo.

Cumpriu o serviço militar desde abril 1961 até julho 1964 (3 anos e 3 meses). Esteve 26 na Guiné, desde maio de 1962 até julho de 1964. Chegou ao CTIG em finais de maio de 1962. Escreveu ele:


(...) Nesta altura a guerra ainda estava muito no começo, havia aqui e ali algumas escaramuças e nós ficámos a fazer a segurança da cidade e do aeroporto. Então, fazia serviço durante 24 horas no aeroporto de Bissalanca, passando inspecções à pista e mantendo a segurança nas aterragens e nas descolagens dos aviões tanto civis como militares. Durante essas inspecções por vezes eram avistadas cobras que atravessavam a pista e nas cercanias junto do arame farpado viam-se também hienas e onças que procuravam o seu meio de subsistência.

Nos restantes dias estávamos às ordens para qualquer imprevisto a que tivéssemos que acorrer. Às vezes, muito raras, tinha um dia de folga que aproveitava para ir até à cidade, para ir ao cinema ou fazer algumas compras de certos artigos que não me eram fornecidos. (...)


Ao fim de 16 meses a sua Fox é colocada, em Mansoa, às ordens do BCAÇ 512, para fazer segurança às colunas logísticas a Mansabá e Bissorã.



 O início da guerra  (Armando Fonseca,  ex-sold cond, Pel Rec Fox 42,  mai 62 / jul 64) 

Parte II:  outubro de 1963:  os primeiros grandes sustos com as minas A/C



Regressados a Mansoa, vindos de Porto Gole (*), recomeçaram as escoltas diárias a caminho de Mansabá, Bissorã e Porto Gole, até que no dia 17 de outubro de 1963 ao dirigir-me para Mansabá, próximo de uma tabanca denominada Mamboncó foram encontrados na estrada dois buracos provocados pelo rebentamento de fornilhos dois dias antes.

Foi o primeiro grande sinal de perigo, porque até aí ainda não tinham aparecido minas por aqueles lados.

No dia 19 ao fazer outra escolta a Mansabá e depois de ter percorrido mais ao menos metade do percurso, rebentou uma mina mesmo na minha cara, mas por sorte minha e dos camaradas que seguiam no carro, foi comandada uns décimos de segundo antes do carro estar em cima dela, não provocando estragos.

Foram feitas umas rajadas para reconhecimento em todas as direcções pelas "Borsig" e entretanto um dos soldados da CCAÇ 413, que seguia na coluna e que se tinha apeado, viu um fio que vinha do mato para dentro da estrada e alertou o furriel de minas e armadilhas que seguia na coluna, tendo este verificado que havia outra mina montada e sobre a qual eu já tinha passado.

Essa mina, que pesava quatro quilos cento e cinquenta, foi levantada com as devidas precauções e a viagem foi recomeçada e seguiu até ao destino.

Como a reacção do apontador das metralhadoras foi imediata, não houve tempo para o IN despoletar a outra mina, caso contrário tinha sido uma chacina, haveria decerto mortes e muitos feridos.

Esta foi a primeira de muitas das intervenções do meu bom anjo da guarda.

Em 20 de outubro, pelas cinco da manhã, lá ia a caminho de Enxalé e uns quilómetros depois de Porto Gole, perto da tabanca de Flora, estava a estrada cortada não permitindo a passagem dos carros.

Depois da intervenção dos sapadores lá fomos passando mas passadas umas dezenas de metros começaram a rebentar sobre nós várias granadas e de seguida várias rajadas a baterem no carro. Agimos de imediato e a situação pareceu acalmar-se. 

Entretanto foram avistados vários elementos IN a fugir. Alguns camaradas foram em sua perseguição, mas como havia outra autometralhadora do outro lado do morro, era uma ação arriscada porque podiam ser confundidos com o IN e haver acidentes, como veio a acontecer.

Convencido de que o perigo tinha passado, avancei e, quando cheguei ao cimo do morro para me juntar ao restante grupo que se encontrava do outro lado, senti o rebentamento de outra granada mesmo em cima do carro e novas rajadas se notavam a bater no mesmo.

Voltamos a reagir e entretanto quando tudo ficou calmo. Fomos até aos camaradas que estavam do outro lado e verificamos que eles tinham feito fogo sobre o grupo que tinha ido em perseguição do IN. Sem acidentes ao que se julgava, visto se terem apercebido que eram camaradas e não elementos do IN.

Esta nossa missão consistia em fazer passar uma autometralhadora e um "granadeiro" para Enxalé e, como a zona de perigo já estava passada, eles seguiram tendo a restante coluna regressado a Mansoa convencidos de que tudo não tinha passado de susto.

Ao chegar verifiquei que tinha uma roda furada e no outro dia ao desmanchá-la encontrei uma bala de nove milímetros introduzida entre a jante e o pneu, mas não ficou por aqui, porque pela noite comecei a ouvir uns rumores de que faltava um camarada da CCAÇ 413, que decerto teria ficado na operação do dia anterior.

Assim, no dia 22, de manhã lá me vejo de novo a caminho da tabanca de Flora, só que, cerca de um quilómetro antes do local de destino, rebentou uma mina na frente do meu carro, mas de novo sem consequências para nós. Entretanto o rebentamento foi precedido de novo ataque com a mesma intensidade do anterior. Respondemos ao ataque, tendo então um pelotão ido mato fora em busca do camarada perdido, sem resultado algum.

Quando a escaramuça acabou, tanto eu como a restante guarnição do meu carro, estávamos intoxicados pelo fumo e pelos gases da pólvora que se acumularam dentro dele. Eu tive que ser assistido pelo médico, porque ao sair do carro se não me tivessem amparado tinha caído para dentro da bolanha.

O tempo continuou a passar com escoltas quase todos os dias, por vezes mais do que uma.

Entrou o mês de outubro e nem no dia dos meus anos (10) tive descanso, escoltas atrás de escoltas umas de dia outras de noite para colocar Pelotões ou a Companhia a fazer tentativas de emboscada ao IN.

Numa destas operações, no dia 15, eu sofri uma entorse no dedo polegar da mão direita que me deixou um pouco debilitado. Ainda continuei a fazer os serviços que me eram destinados, mas com algum esforço. Um certo dia, devido a algumas dores e a um pouco de ronha, fui queixar-me ao capitão dizendo que não podia continuar a trabalhar e teria que ir a Bissau fazer uma radiografia à mão. Ele ficou um pouco atrapalhado, mas compreendeu o meu esforço e pediu-me para ir ter com o furriel mecânico para ver se ele arranjava quem fosse capaz de me substituir.

Assim fiz e, em conjunto com o furriel, preparamos um condutor que depois de umas breves noções já se desenrascava, era um camarada de Freixo de Espada à Cinta que pertencia à CCAÇ 413.

A sua primeira e única saída, no dia 19, foi para Bissorã, e passado algum tempo da coluna ter partido de Mansoa chegou uma comunicação via rádio de que tinha rebentado uma mina debaixo da autometralhadora e que o condutor tinha ficado ferido.

Resultado, o carro ficou com a frente parcialmente destruída, tendo uma das rodas ido pelo ar e ficado em cima de uma árvore. Apenas o condutor tinha sofrido algumas escoriações no rosto e numa das pernas.

Mais uma vez o meu bom anjo intercedeu por mim e creiam que não ficou por aqui este meu fado.

Como o carro ficou inutilizado, no dia 18 de outubro regressei a Bissau, substituído por outro carro e outra guarnição.

(Continua)

(Seleção, revisáo / fixação de texto, título: LG)

___________________


Nota do editor LG:

(*) Últrimo poste da série > 30 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27269: O início da guerra (Armando Fonseca, ex-sold cond, Pel Rec Fox 42, mai 62 / jul 64) - Parte I: aquele terrível mês de setembro de 1963

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Gostava que a malta de cavalaria pudesse acrescentar aqui algo mais sobre a autometralhadora Fox...Com 8 toneladas e duas metralhadoras 12,7mm causava algum conforto, junto dos infantes, no apoio a colunas logísticas... e sobretudo em caso de emboscada no itinerário...E, claro, impunham respeito ao Zé Turra.

O problema é que elas não entravam no mato... E depois "também espantavam a caça"... Eram robustas, "bêbebas" (dizia-se que, tal com os camiões GMC, gastavam cem aos cem...). Estas unidades eram essenciais para missões de reconhecimento e escolta de itinerários, defesa de guarnições, etc. mas apresentavam problemas de mecânicas e de falta de peças sobresselentes...

Em todo o caso, eram mais úteis que as velhinhas Daimler... Em Bambadinca não me lembro de as ver a não de fotografia: uma, do tempo do Jaime Machadio, virada de pernas para o ar como a tartaruga... O raio do terreno na Guiné não ajudava nada...A cavalaria de Bafatá gostava mais de andar no alcatrão...

Mas no tempo da chuva, nas picadas do Xime e de Bambadinca-Mansmabo-Xitole-Saltinho, estes mastodontes de 8 toneladas ficariam logo atascadoss... E em caso de explosão de uma mina (ou de uma granada de RPG) eram logo "caixão de ferro" para a sua tripulação.... Não sei se houve casos...