1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Abril de 2025:
Queridos amigos,
Não faltam questões disciplinares, regulamentação do import-export, os orçamentos da colónia não permitem aventuras, a grande aposta das infraestruturas neste período é de melhorar a zona do Pidjiquiti para receber barcos de maior calado, vende-se o que é possível aos países em litígio através de Lisboa, é o caso das oleaginosas e da borracha; faltam divisas na Guiné, circula muito ouro em pó, não se diz no Boletim Oficial mas o chefe da delegação do BNU em Bissau informa constantemente que campeia o contrabando, muita da apregoada vigilância e regulamentação não passa de conversa fiada. Para quem estuda este período, é da maior utilidade ler as Conferências dos Administradores no modelo instituído por Ricardo Vaz Monteiro, são verdadeiras assembleias de formação e de consciencialização de que se vivem tempos de sobriedade.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1943 (55)
Mário Beja Santos
1943 é o ano da cedência dos Açores aos Aliados, no final do ano Salazar dirigir-se-á na Assembleia Nacional falando detalhadamente da sua neutralidade colaborante e não esquecerá Timor, a sofrer os horrores da ocupação japonesa.
A gestão da Guiné continua e continuará sujeita à contenção dos gastos. As questões da disciplina prosseguem na sequência do que já fora adotado no mandato do governador Carvalho Viegas, quem prevarica poderá vir a ser punido e o seu nome aparecerá sempre no Boletim Oficial. É o que iremos ver logo no Boletim Oficial n.º 3 de 18 de janeiro, a matéria vem do Conselho Superior de Disciplina das Colónias, tem a ver com o acórdão proferido no processo de recurso interposto pelo farmacêutico de 2.ª classe Dr. Hermínio Teixeira de Andrade. O recorrente fora punido por não ter organizado legal e devidamente, e conforme as ordens recebidas, as contas da sua responsabilidade como diretor da farmácia do Hospital de Bissau. Tinham sido feitas as devidas averiguações e no seu relatório o instrutor concluíra que o Dr. Hermínio havia cometido irregularidades na conta de gerência da Farmácia do Estado, no período entre 1 de janeiro e 11 de maio de 1941, revelando desleixo e incúria e clara desobediência às ordens superiores. No processo era proposta a pena de multa correspondente a 8 dias de vencimentos, o Conselho Disciplinar manteve a pena aplicada. Mandado apresentar no tribunal, não se fez munir da respetiva guia, fez-se auto de declarações e o chefe dos serviços puniu com 30 dias de suspensão de exercício e vencimentos, o Conselho Disciplinar manteve a pena aplicada. É agora tempo de ouvir o Conselho Superior de Disciplina das Colónias que reconhece que o recorrente não foi ouvido em processo disciplinar como devia ser, que o chefe dos serviços carece de competência para punir, deve-se anular todo esse processo, salvo o auto de infração de voltar a ouvir o recorrente. É espantoso, dizemos nós, como já naquele tempo havia queixas contra a Justiça morosa e altamente burocrática.
Como já vimos nos dois primeiros anos da guerra, tomam-se medidas regulamentadoras em diferentes domínios, mas o import-export é o que tem peso fundamental. Vejamos agora um domínio que tem a ver com a exploração e o comércio de madeiras, vem no Boletim Oficial n.º 16, de 19 de abril:
“O conflito internacional que ora decorre, provocando a falta de madeiras nos mercados metropolitanos, levou à necessidade de uma mais intensa exploração nas zonas florestais nas colónias portuguesas.
Na Guiné, onde a indústria de exploração de madeiras foi sempre reduzida, veio a sua intensificação salientar a falta de determinadas regras legais que evitassem abusos em prejuízo da riqueza florestal da colónia.
Também a alta verificada nos preços das madeiras e a influência da depressão económica mundial das receitas do Estado justificavam uma atualização das taxas que incidiam sobre a exploração e comércio de madeiras.”
Este assunto fora debatido na mais referente Conferência de Administradores, em finais de 1942, recapitulou-se a legislação existente nos seus aspetos mais delicados: a salvaguarda das zonas florestais concedidas para exploração; a defesa dos povoamentos arbóreos existentes na colónia; a orgânicas dos atuais serviços da colónia, o papel que cabe aos Serviços Agrícolas e Florestais para dar instruções a seguir pelo concessionário em cada caso particular, aos indígenas permite-se o corte de árvores exclusivamente para seu uso próprio, etc., etc.
E voltamos a um não menos curioso assunto disciplinar, trata-se de um acórdão proferido no processo de recurso interposto pelo Chefe dos Serviços de Saúde da Colónia da Guiné, Dr. Fernando José de Oliveira de Montalvão e Silva do despacho do Governo em que era punido, por ter incorrido em falta de respeito para com o seu superior hierárquico na comunicação que fizera para Lisboa, em telegrama dirigido a pessoa da sua família, a pedir diligências para que o processo subisse ao Ministério com o fim de evitar uma injustiça que podia ser praticada pelo governador. O Governo determinou a este chefe de serviços que informasse a que processo se referia naquele telegrama e qual a injustiça com que contava no caso de o mesmo processo não ser remetido para Lisboa. O referido chefe dos serviços respondera que se tratava de assunto de caráter privado, o Governo insistiu para que ele clarificasse a situação, e então explicou que era um processo em que fora ouvido quanto a factos que se fundamenta a malévolas informações. Fora punido, não concordou com a pena e apresentou recurso, o Governo da colónia manteve a pena aplicada. O Conselho emite então parecer, diz-se que não se procedera corretamente em matéria processual.
E não deixa de ter a sua eloquência o despacho do ministro das Colónias, Francisco Vieira Machado:
“Este processo resulta da péssima prática de o funcionário em vez de se defender dentro do processo, usando dos meios que a lei para tanto lhe concede, e que são bem amplos, recorrendo depois da decisão proferida, se quisesse e achasse necessário, enviar telegramas particulares a pessoas de família para tentar conseguir, à sombra de influências pessoais, aliás inoperantes, como devia já saber, à margem do processo, o que julgava melhor convir à sua defesa. Injúria no telegrama há – evidentemente: pedir particularmente, para evitar o cometimento de uma injustiça pressupõe que o seu superior hierárquico – o governador ou ministro – a podem cometer. Ora o ministro e governador julgam pelo que está no processo. E não pelo que, particularmente, lhe podem dizer ao ouvido. O telegrama é, pois, fruto de certa mentalidade, infelizmente ainda existente em África, que supõe que o empenho tem mais valor do que a defesa legal de direitos. E isto num chefe de serviços, que devia dar o exemplo, é bem triste e merecedor de corretivo. Infelizmente, o Conselho, sob o ponto de vista jurídico, tem razão, pelo que tenho do homologar a conclusão do douto parecer.”
Para finalizar, e lembrando que a guerra tornara mais exigente o controlo do import-export, tenho essa intenção ao previsto no Boletim Oficial n.º 43, de 25 de outubro, em que se diz que tinham sido encontrados na Europa em alguns lotes de borracha exportados da colónia, impurezas e matérias estranhas em volume e percentagens importantes, há, pois, que repensar tais fraudes, dissuadindo-as e punindo-as. E determinava-se que a Inspeção do Comércio Geral, enquanto as circunstâncias o impusessem, iria comprar toda a borra de produção da colónia.
Há anos que não folheava a Revista das Colónias, que se publicou a partir de 1883, muito bem ilustrada e de onde retirei de números publicados em 1883 e 1884 quatro imagens referentes à Guiné, a primeira já aqui publicada, considero-a de grande valor histórico pois mostra as feitorias que existiam nas margens do Rio Grande de Buba, ao tempo das calamitosas guerras do Forreá. A Revista das Colónias existe na Biblioteca da Sociedade de Geografia, espiolhei o primeiro volume, tenho dois pela frente para procurar outras imagens curiosas alusivas à nossa presença no século XIX.
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 24 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27251: Historiografia da presença portuguesa em África (498): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1942 (54) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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