1. Neste livro de memórias e que é também a apologia da capelania militar (ou da "pastoral castrense") (*), o autor escreve:
"O 'nosso Capelão' , assim nos tratam os militares, é modo carinhoso , revelador dum caráter familiar de muita proximidade e estima entre a classe militar. Eu, como centenas de colegas, aceitei ser esse 'nosso Capelão', durante a guerra colonial, sem o cinismo da heroicidade, o que permitiu às ideias não resvalarem para idiotices" (pág. 11).
Major do exército, ao fim de 30 anos de serviço nas Forças Armadas como capelão o padre Bártolo PaivaPereira publica este livro no 64º aniversário da sua 1ª mobilização para Angola...
E foi essa comissão que o marcou de maneira indelével. Dedica-lhe as primeiras páginas, as mais pessoais, e ao fim ao cabo as únicas do livro, embora tenha passado também por outros teatros de operações (Guiné e Moçambique).
Na Guiné, de que fala pouco, ou quase nada, sabemos que não foi propriamente capelão, mas sim capelão-chefe do serviço religioso do CTIG, entre dezembro de 1965 e fevereiro de 1968. Não sabemos, por exemplo, se alguma vez saiu de Bissau...De resto não chegou a conhecer lá o brigadeiro e depois general António Spínola, governador e comandante-chefe que rendeu o general Arnaldo Schulz. (Sobre este, não tem uma única palavra.)
Angola terá sido foi a sua "eleita do coração", passou 4 lá quatros anos, de acordo com a informação que encontrei no portal UTW - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar.- BCaç 321 (nov 61 / jan 64);
- GAC 1 (Grupo de Artilharia de Campanha) (mar 64 / dez 65).
Passou igualmente quase quatro anos em Moçambique (set 71 / jun 75).
Na realidade, o próprio autor define o propósito e delimita o âmbito do livro: não é propriamente a sua história de vida, embora contenha notas autobiográficas, é essencialmente "um livro sobre o perfil e o múnus do Capelão Militar, destacado para o conflito", ou seja, para a "guerra colonial" (sic), mas em que também se fala de lembranças e de amizades, de pessoas que ele foi conhecendo, "quando servi o Exército, em África", durante a guerra colonial e em tempo de paz" (pág. 87)...
No cap 5 (Pessoas & Acontecimentos, ppp- 87 e ss.) ele evoca militares que são figuras públicas, do Carlos Matos Gomes ao Jaime Neves, do Otelo ao Salgueiro Maia, do Spín0la ao Costa Gomes), todas falecidas com exceção do gen Ramalho Eanes. Pelo menos os três primeiros (Matos Gomes, Jaime Neves e Otelo, ele conheceu-os, foi capelão deles).
Também evoca (e traça o perfil de) 10 dos capelães militares, seus pares, alguns dos quais seus subordinados, entre os quais o conhecido Padre Mário da Lixa: "Viveu comig0 na Guiné, na Chefia do Serviço, cumprindo os dias de prisão a que foi submetido" (pág. 57u).
Numa primeira leitura, rápida e agradável, o livro pareceu-me desigual e fragmentado. É um homem lido, culto, vivido oriundo de uma diocese como a de Braga (reconhece "a diferença de mentalidade e cultura" entre a sua diocese e a de Lisboa, ao tempo do Cardeal Cerejeira)...
Enfim, é um padre que serviu duas "senhoras", duas instituições poderosas, a Igreja e o Exército, a Cruz e a Espada, e de quem, aos 90 anos, não se pode esperar um livro abertamente crítico. Para já, pretende colmatar uma lacuna: há centenas e centenas de livros sobre a guerra colonial, e tão poucos são os que falam do papel do capelão militar, queixa-se ele (pág. 39).
É um livro de afetos e de doutrina (sobre a pastoral castrense). Mas, com a sua vasta experiência de vida, de 90 anos, como homem, cidadão, sacerdote e capelão militar, ainda é de esperar que ele publique a sua autobiografia, ou pelo menos um livro com as suas memórias mais pessoais. Tem, além disso, 30 passados na Suíça, como sacerdote, no seio da comunidade lusófona, emigrante.
2. Curiosamente o autor é mais crítico em relação à figura do António Salazar e à elite política do Estado Novo: (...) "o Salazarismo não acordou para a descolonização, cometendo o erro irreparável duma guerra perdida" (pág. 32).
Mais: Salazar terá ignorado todos os sinais de alerta em relação a Angola... "Esse silêncio de Salazar é sinal do início da guerra" (pág. 33).
(...) "Angola possuía muito e produzia bastante, exportava pouco e roubavam tudo. A sua riqueza (...) serviu para uma desumana exploração do povo, anos a fio. (...) (pág. 32).
É interessante a análise que o autor faz sobre os antecentes, as causas próximas e as causas remotas da guerra. No se coíbe de afirmar que "em Angola, a guerra começa no coração avarento da burguesia austral", isto é, na sua subordinação "aos interesses do capital financeiro" (pág. 34).
Mas onde está o seu coração ?... Sem sombra de dúvidas, na sua "3ª família", a família miliar, que vem a seguir à família consanguínia e da família do seminário...
Para já, o que mais gostei foi o seu primeiro apontamento, a sua partida para Angola, aonde chega numa manhã de Todos-os-Santos, 1 de novembro de 1961. A bordo do T/T Vera Cruz. Com "muita festa", com ele a tocar ao piano a canção "Angola é nossa". Três batalhões de infantaria (pelo que sabemos, o BCAÇ 317 e o BCAÇ 325, além do BCAÇ 321, que o autor, certamente por lapso, contabiliza em 3 mil homens, o que excedia em muito a lotação normal do Vera Cruz, que era de c. 1250 passageiros + mais 300/350 tripulantes).
Tomamos a liberdade, e com a sua autorização, de reproduzir alguns excertos em próximo poste. (**)______________
(*) Vd. poste anterior 25 de setembro de 2025 > Giuiné 61/74 - P27254: Notas de leitura (1841): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte I: Apresentação sumária (Luís Graça)
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