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quarta-feira, 24 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25438: Humor de caserna (59): O anedotário da Spinolândia (X): Alferes, cabra de mato!... Pum, pum!!! (David Guimarães, ex-fur mil at art, MA, CART 2716, Xitole,, 1970/72

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David Guimarães, Guiné-Bissau, 2001

1. O David Guimarães (ex-fur mil at inf, MA, CART 2716 / BART 2917, Xitole, 1970/72) é um dos nossos "dinossauros", um dos nossos VCC (velhinhos como o c...).

Ele é do tempo do "blogueforanada", que deu origem ao atual blogue... Ele, o Sousa de Castro, o A. Marques Lopes, o Humberto Reis... foram alguns dos primeiros camaradas que me ajudaram a "exorcizar os meus fantasmas" da Guiné...
Tem 113 referências no nosso blogue.. E hoje faz anos. 77. Entrou tarde para a tropa, quando chegou ao Xitolee tinha já 23, e, quando regressou a casa, 25.

Claro que, ao fim destes anos todos (vinte!), só muito raramente ele aparece agora no blogue... É mais "feicebuqueiro" do que "blogueiro", como tantos outros... Mas a gente não se esquece do seu papel, na "proto-história" da Tabanca Grande. Tenho especial carinho e amizade por ele.

E, neste dia, além de já lhe ter telefonado e mandado "by air", para Espinho, um "balaio" cheio de votos de parabéns e de muita saúde e coragem para o resto da caminhada... (que de minas e armadilhas sabe ele!), vou ressuscitar duas das suas histórias deliciosas, passadas ainda no tempo em que eles "periquitos",o pessoal da CART (chegaram em maio de 1970).. Tem um fino sentido de humor, o David, ou não fosse ele um ex-fur mil at inf, de minas e armadilhas, que viu morrer um sapador (Quaresma) e outro furriel ficar cego (Leones).

Estas duas histórias merecem figurar no "anedotário da Spinolânda"... Diz o Carlos Matos Gomes, no seu novo livro ("Geração D: da Ditadura à Democracia", Lisboa, Porto Editora, 2024), a Guiné sempre foi até ao fim, "uma coutada pessoal de Spínola" 
(páf. 188), ao ponto de querer transformar os comandos africanos numa guarda pretoriana... 

Justa ou injustamente, temos falado aqui na Spinolândia (*), e no seu anedotário (que alimentava o nosso humor de caserna)... Na realidade, o nosso general parecia comportar-se, no CTIG, como se fosse o dono daquilo tudo... E o pessoal também o via como tal... 



Humor de caserna > O anedotário da Spinolândia>  Alferes,  cabra de mato!... Pum, pum!!! 
 
por David Guimarães


(i) Alferes, cabra de mato!


Um dia, novinhos ainda, piras, com as fardinhas novinhas em folha, aí vamos nós. Sai o 1º Grupo de Combate. Patrulha em volta do aquartelamento para os lados de Seco Braima, o que era normal: acampamento IN....

Era bem de manhã. E a certa altura, zás, ouve-se o matraquear de espingardas automáticas:

− Que coisa!... Oh diabo, estão a enrolar…

Os morteiros fixos lá fazem fogo de barragem. Novamente os experientes homens de armas pesadas. E que eficientes! Como eles faziam aqueles morteiros dispar tão amiúde e certeiro... Cessar fogo, tudo silêncio à volta, fora os abutres que logo foram ver o que acontecia.

− Que aconteceu? E agora... Estará alguém ferido ? O que aconteceu ? O que vamos fazer ?

Nenhum deles disse nada... mas voltaram depressa. E nós nem percebíamos ainda porque que é que eles voltaram assim tão rapidamente... Bem, lá regressa, da patrulha, o 1º Grupo de Combate. Ofegantes, e agora dentro do aquartelamento esboçando sorrisos, todos pretos... Que coisa, sempre que havias tiros ficava-se todo preto!

−Que aconteceu ?!...

Lá vem a explicação: o grupo estava a instalar-se, para um tempinho em posição de emboscada. Uma cabra de mato passa em frente... Um soldado diz para o aferes,  muito baixinho:

− Alferes, cabra de mato!
−  Atira-lhe − , responde o Alferes… 

Há rico tiro, pum, pum!!!

E não é que o IN estava lá emboscado, do outro lado da cabra ? Seriam poucos, mas ao sentirem-se detectados deram uns tiros e fugiram, pois que entretanto também começaram a cair bem perto as granadas do morteiro do aquartelamento....

− Manga de cu pequenino

Olha que sorte, a santa cabra do mato! ... Foi ela, afinal, o nosso anjo da guarda. O Correia voltou com o seu grupo de combate inteiro e o soldado que detetou a cabra... herói. Mais tarde,  foi-lhe proposto e concedido o prémio Governador Geral. Todos achámos muito bem, veio à metrópole. Se não fora assim, nunca iria lá de férias, porque não tinha dinheiro para isso...

Ninguém soube se a cabra morreu ou não, mas os homens, depois de contados, estavam todos... E os abutres também voltaram ao aquartelamento e continuaram a comer o que restava da vaca morta nesse dia...

A guerra tinha disto também, e ainda bem... Como entendê-la ? Só um combatente... Este era o nosso tempo de recreio de guerra dentro da guerra.

(ii) O Caco Baldé no Xitole

Um helicóptero que pousa na pista do Xitole, gente da alta e o Homem Grande (General, Comandante-Chefe e Governador do CTIG - Comando Territorial Independente da Guiné): António de Spinola, ele mesmo, mais conhecido por... Caco Baldé!

Spínola, Governador e Com-Chefe, era conhecido por  Caco, Caco Baldé, Homem Grande de Bissau...

Volta à companhia, verificação da posição das NT dentro do Aquartelamento... Rapidamente se forma um U, cada qual fardado o melhor que podia, era um ver se te avias.... Sua Excelência, de pernas afastadas, mãos atrás das costas, impecavelmente fardado e com seu monóculo começa assim um discurso:

− Tenho péssimas informações do Batalhão [ BART 2917, com sede em Bambadinca ], à exceção desta companhia [ CART 2716 ]... Continuem,  etc., e tal e tal...

E lá foi o homem embora: meteu-se no helicóptero e saiu pelos ares da Guiné, algures no Leste, rumo a Bissau, possivelmente.

− - Porra que elogio, mas para quê? Ele afinal até é bom!

− Porreiro !   −  dizia um...

− Que se foda !  −  dizia outro...

− Bem, sempre é melhor este elogio do que o contrário...

− Que se lixe, já foi...

− Mas seremos assim tão bons para levar este elogia? Tão novos... merda, que se dane!...

Percebemos pouco tempo depois o que ele nos queria a dizer... Tinha-se realizado a Op Abencerragem Candente (Ponta do Inglês, Xime, 25 e 26 de Novembro de 1970, que o Luís e o Humberto já têm aqui evocado várias vezes), com um porrada de mortos e feridos...

Aí percebemos melhor o discurso do General quando na ordem de serviço veio o seguinte (reproduzo de cor): Segue para a Metrópole o tenente coronel de artilharia M. F.,  por ser incompetente para comandar um Batalhão... Em seu lugar nomeio João Polidoro Monteiro, tenente coronel de infantaria, etc. etc. etc... 

Nestas coisas, o Caco Baldé não brincava em serviço, cortava a direito... Não percebo por que é poupou o major A.C. (dizem que foi por ser antigo professor da Academia Militar...).

− Ai,  olha, ele varreu com o Nord Atlas  −   assim chamávamos nós ao M. F. (um bom homem, mas que de guerra efectivamente só deveria saber o que vinha nos livros)... 

Apanhou uma porrada desse nível e, ainda por cima, estava de férias, enquanto o A. C., o principal responsável pelo fracasso dessa operação e o consequente desastre, ficava...
 
__________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 6 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25396: Humor de caserna (58): O anedotário da Spinolândia... O "Fugitivo", por Manel Mesquita ("Os Resistentes de Nhala, 1969/71", s/l, ed. autor, 2005, pp. 130/132)

terça-feira, 16 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25396: Humor de caserna (58): O anedotário da Spinolândia (IX)... O "Fugitivo", por Manel Mesquita ("Os Resistentes de Nhala, 1969/71", s/l, ed. autor, 2005, pp. 130/132)


Capa do livro do Manel Mesquita, 
"Os Resistentes de Nhala", ed. de autor, 2005, s/l, 2055, 144 pp. 
(Gráfica: Quadra - Produções Gráficas Lda, Vila Nova de Gaia.)
(Contactos do autor: tel 22 762 07 36 | telem 963 525 912)


1. Não havia só as anedotas do "Caco Baldé", ou do "Gasparinho"... Havia uma Spinolândia, do Cacheu ao Cacine... Naquela guerra, todos os bons pretextos para um gajo se rir ajudavam a passar o tempo e amenizar as agruras do arame farpado e das operações no mato (*)... 

Há "cromos" que ficam para a eternidade, "grafados" no papel. Outros vão desaparecer dos neurónios da nossa memória.  Já aqui citámos alguns dos "heróis" do livro do Manel Mesquita,   "Os Resistentes de Nhala, 1969/71" (ed. de autor,  s/l, 2005, 144 pp.), como por exemplo o Mário...

O Mário já estava farto de estar na Guiné e um dia encheu-se de coragem e interrompeu o general, em plena parada, em Aldeia Formosa, para expor a sua situação: "Vossa Excelência, meu general, dá-me licença ?" (**)...

O general deu-lhe "licença" e o Mário ganhou um "bilhete" para regressar a casa  no primeiro barco... A história foi contada pelo Manel Mesquita, o autor dos "Resistentes de Nhala",  soldado da CCAÇ 2614 / BCAÇ 2892 (Bissau, Nhala e Aldeia Formosa, 1969/71). 

O nosso crítico literário já lhe dedicou em tempos, ao livro e ao seu autor (que conheceu a caminho de Fátima), duas saborosas e generosoas "notas de leitura" (***)

(...) "Este testemunho deixa-me emudecido, o Manel é um coração pacífico, nunca mais esquecerá Nhala. E o que ele vai registar de tipos humanos, camaradas que encontrou, gente inesquecível, é surpreendente." (...) 

Nessa galeria de figuras humanas, do tempo da Spinolândia, está o "Fugitivo"... Merece figurar aqui num poste, na montra grande do nosso blogue. Não sei se o Spínola o conheceu, mas deveria, por certo, de gostar de o conhecer. Nós gostámos e pedimos licença ao Manel Mesquita para partilhar o seu retrato-robô com os nossos leitores. É um retrato feito a traço grosso, convenhamos. Mas o leitor vai-se rir a bandeiras despregadas, como nós rimos. 

É uma figura bem típica da "literatura  pícara" da nossa guerra. Como é nosso timbre, não fazemos juízos de valor sobre os nossos camaradas... A verdade é que "a tropa mandava desenrascar"... E o "Fugitivo" era um militar desenrascado... À letra, desenrascado é alguém que se sabe "livrar de um perigo, de apuros, de dificuldades."...

Reproduzimos aqui, com a devida vénia, essas duas páginas do livro. É também uma homenagem aos "resistentes de Nhala", os bravos da CCAÇ 2614.


O "Fugitivo"

por Manel Mesquita

O "Fugitivo" era natural e residente no concelho de Sintra. Era fisicamente muito baixo e entroncado, um artista a jogar futebol, preferia o lugar de médio atacante.

Quando fomos para a recruta, rodava na televisão uma série com o nome "O Fugitivo". Ele assentou praça com um braço ao peito por fratura. Como havia outro, o outro levou com a alcunha de "Maneta". E o nosso Manuel Pedro M... levou com a alcunha de "Fugitivo". 

Nunca se importou. Era uma pessoa alegre e com sentido de humor. 

(i) A tomar banho, um dia, deu nas vistas o seu curto pénis, foi motivo de chacota durante toda a comissão, principalmente na presença de mulheres africanas. Ele não desarmava, dizia que era proporcional ao corpo.

(ii) Quando veio de férias, gabou-se e passou a constar-se que andava com uma determinada moça jeitosa e com dote. Tinha barba muito forte, uma manhã foi ao barbeiro, todos os cumprimentaram o recém-chegado e deram-lhe a vez. 

Quando o barbeiro lhe passava a navalha de barba pela parte da frente do pescoço, perguntou-lhe:

− Então você é que é o tal que se gaba que anda a comer a minha filha?!

O Manel Pedro (como é lá conhecido) perdeu o sentido de humor, quase perdia a fala:

− Eu?!..., na, na, eu não!... É mentira. Isso é uma grande mentira..., eu até nem gosto de mulheres!!!...

O barbeiro voltou-se para a sua mesa de trabalho, passando a navalha pelo assentador.

O "Fugitivo" mostrou  por que lhe chamavam tal nome: levanta-se da cadeira, larga as toalhas e, junto da porta, grita para dentro:

− Eu... eu até sou paneleiro!

Fugiu da barbearia com a barba meia feita e meia por fazer e toda por pagar, nunca mais  por ali ele quis passar. 

Mostrou, mais uma vez,  que não foi por acaso  que o batizaram como "Fugitivo". Ficou então a saber a que a tal Maria do Carmo era a filha do barbeiro...

(iii) Quando convidado para um petisco, era sempre o primeiro a aparecer. Era um bom garfo! Para trabalhar e para as saídas (para o mato) era sempre o último. Quando preparávamos a saída, o alferes perguntava se estava o "Fugitivo"; se sim, estava tudo, podíamos sair.

Escapava-se,  sempre que podia,  às faxinas e outros serviços de quartel.

(iv) Um dia segredou a um de nós que a namorada se queixava que nos aerogramas e cartas não lhe mandava palavras doces... Então o "Fugitivo" encheu-lhe uma aerograma de palavras como: marmelada, geleia, mel, açúcar, compostas, etc., isto para o pequeno-almoço;  para o almoço: laranjas, tangerinas, etc.; para  o lanche, marmelada, mel, geleias, etc.; para o jantar:  uvas, figos, maçãs, pêras, etc. 

(v) Um colega estava com uma máquina fotográficas na mão, ele meteu-se  todo dentro de um bidão e... pediu-lhe:

− Tira-me uma fotografia de corpo inteiro para mandar à moça.

(vi) Num dos patrulhamentos, parámos para descansar junto à "Bolanha dos Passarinhos". Tirou a carga para descansar e,  quando levantámos, nunca mais se lembrou que deixara ali no chão o cano suplente da HK 21. 

Quando chegou oa aquartelamento deu pela falta. Preocupado, disse a todos a enrascada  em que estava envolvido, que tinha que ir lá  buscar o cano. 

Como raramente falava a sério, ninguém se acreditou. Era noite, preparou-se e começou a ir sozinho. Foi aí que o pessoal se acreditou, e apareceram voluntários a comunicar e a pedir autorização ao capitão para ir ao local.

O "chefe" comprendeu a aflição do soldado e mandou uma viatura. Soubemos que havia correio em Buba, aproveitámos  e fomos lá buscar o que para nós era importante receber. A viatura avariou, e não havia mecânico. Desenrascámo-nos, mas chegámos ao aquartelamento era quase meia-noite, sem jantar e sem comunicações com ninguém, mas já com o cano que era considerado material de guerra.

(vii) Dizem que um dia mandou dizer à mãe (não sei esta é verdade, ele nega; "lerpar" era um calão que queria dizer, para nós, morrer)... Ter-se-á referido a um colega duma aldeia vizinha, nestes termos:

− Minha mãe, o ... (nome do fulano) lerpou. Vai antes do tempo. Um dia destes ele vai chegar aí, num barco.

Na volta do correio, a mãe respondeu-lhe:

− Meu filho, vê se lerpas também, para vires mais cedo daí! 

(Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação deste poste no blogue: LG)

Fonte: in Manel Mesquita, "Os Resistentes de Nhala", ed. autor. s/l, 2005, pp. 130/132.
(Gráfica: Quadra - Produções Gráficas Lda, Vila Nova de Gaia.)

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Notas do editor:

(**) Vd. poste de 26 de março de  2024 > Guiné 61/74 - P25308: O Spínola que eu conheci (36): A história do Mário, da CART 2478, contada pelo Manuel Mesquita, da CCAÇ 2614 ("Os Resistentes de Nhala: 1969/71", ed. autor, 2005)

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23826: Humor de caserna (57): O anedotário da Spinolândia (VIII): "Porra, porra, lá iam lixando o Comandante-Chefe" (Gen Spínola, abril de 1972, quando o seu heli terá aterrado, por engano, numa clareira do mato, cercada de "turras", confundidos com comandos africanos)

Guiné > Algures > s/d (c. 1969) > O alf mil pil heli Al III Jorge Félix (BA 12, Bissalanca, 1968/70) e o gen Spínola (Com-Chefe e Governador Geral, CTIG, 1968/73)...  O Jorge Félix terá sido um dos pilotos de heli, com quem o general mais terá gostado de voar...   E com ele não nenhum susto como o de abril de 1972, uma história insólita contada neste poste...

Foto (e legenda): © Jorge Félix (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 364 pp.).


1. Não sei se esta história é verdadeira ou não. Mas tenho que a  tomar como verídica, já que foi contada em primeira mão por um capitão do quadro, comandante da CCAÇ 3399/ BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), o cap inf Horácio José Gomes Teixeira Malheiro, que esteve na "periferia dos acontecimentos" (*).

Temos que admitir que, quando se falava das peripécias do gen Spínola,  no CTIG, muitas vezes se mistura(va)  ficção e realidade.  Daí esta história  vir "engrossar" a nossa série "Humor de caserna" e o "anedotário da Spinolândia" (**). A história do heli  é perfeitamente verosímil e desta vez o general (e os seus acompanhantes) terá apanhado um valente susto...

A história consta do livro do nosso já saudoso Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022),  "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 364 pp.), cuja capa se reproduz acima. 

Vamos reproduzir aqui um excerto do capítulo 10º ("O capitão de Aldeia Formosa, Horácio Malheiro"). É um depoimento do comandante da CCAÇ 3399 sobre a excelente articulação e cooperação, em operações, com o cap inf Rui Ferreira e os seus homens da CCAÇ 18 (pp. 179-196), não obstante os graves incidentes do Natal de 1971, rapidamente ultrapassados e esquecidos (*).

O cap inf Horácio Malheiro (não sabemos que posto tinha em 2014, aquando da publicação do livro, "Quebo"), dá vários exemplos de ações conjuntas que se traduziram em  "êxitos para o Batalhão" (pág. 191).

Uma delas, louvada de resto pelo gen Spínola, terá sido na sequência da Op Muralha Quimérica, em abril de 1972. "uma operação que visava evitar a entrada na Guiné de elementos da ONU que vinham verificar a existência de Zonas Libertadas onde o Exército Português não entrava e assim seriam reconhecidas internacionalmente como legítimas representantes dos Povos da Guiné" (pág. 192).

Decorreu durante 12 dias e envolveu forças  da CCAÇ 3399, CCAÇ 18, paraquedistas, comandos africanos e o Grupo Especial  do Marcelino da Mata. A operação teve como comandante, o ten cor paraquedista, Araújo e Sá, do BCP 12.


2. Um situação insólita em que o Com-Chefe se ia lixando...

por Horácio Malheiro

(...) Lembro-me de uma situação insólita que se passou nessa altura. Estava a minha Companhia de reserva em Aldeia Formosa quando recebo ordens urgentes  para embarcar nos helis, que  estavam estacionados  na pista,  e seria já no voo que teria conhecimento do destino  e missão.

Embarcámos de imediato e quando nos preparávamos  para descolar, soube nessa altura  que a missão era resgatar o general Spínola que presumivelmente teria sido aprisionado  pelo IN quando o seu heli  teria aterrado no meio de forças IN na altura confundidas com os Comandos Africanos.

Na altura da descolagem,  o meu piloto, comandante da  esquadrilha de helis, recebeu, via rádio, uma comunicação do heli do general Spínola informando que já vinha a caminho, pelo que apeámos s e aguardámos a sua chegada.

Quando chegou o heli do general, este saiu todo sujo de fuligem bem como o seu ajudante de campo, capitão Tomás, cujas mãos tremiam descontroladamente ao cumprimentar-me.

O general teve só um comentário ao desembarcar: "Porra, porra, lá iam lixando o Comandante-Chefe", e seguiu para a sede de Batalhão.

Já no bar,  em conversa, soube que o general tinha mandado aterrar o heli numa clareira da mata onde vislumbrou  militares africanos IN de camuflado que confundiu com os Comandos Africanos por terem adoptado no terreno um dispositivo de segurança à aterragem.

Quando aterrou e apeou,  foi recebido a tiro e todos se atiraram ao chão que tinha sido queimado e daí o terem ficado cheios de fuligem. Passado este instante de estupefacção, entraram a correr para o heli que descolou de imediato, debaixo de fogo IN,  que mal adivinhava  que tinha tido ao seu alcance o maior "ronco" da guerra da Guiné, que seria a captura ou abate do (...) Comandante-Chefe  [do Exército Português] " (pp. 192/193).

[Selecção / revisão e fixação de texto / parênteses retos, para efeitos de publicação deste poste: LG]

___________


Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23817: In Memoriam (463): Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022)... Um excerto do livro "Quebo" (2014): Recordando os tristes acontecimentos que ensombraram Aldeia Formosa, na noite de Consoada de 1971, "se não a pior, uma das mais trágicas da minha vida"

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23516: Humor de caserna (56): O anedotário da Spinolândia (VII): a outra alcunha do nosso general, Aponta,Bruno! (referência ao seu ajudante de campo, o então cap cav João Almeida Bruno, falecido ontem, aos 87 anos)


Guiné > Região de Cacheu > Bula > Pecuré > Op Ostra Amarga > 18 de outubro de 1969  > Depois da embocada, o general Spínola, ao centro, ladeado à esquerda pelo major João Marcelino (2.º comandante do BCAV 2868, então em Bissau e que apanhou boleia no heli) e o ten cor Alves Morgado, comandante do BCAV 2868 que acompanhou o desenrolar da acção. À direita de Spínola, o seu ajudante de campo, o cap cav Almeida Bruno (que faleceu ontem, 10/8/2022, aos 87 anos) (*), empunhando uma G3, e de costas  o cap cav José Maria Sentieiro, comandante da CCAV 2485 que, por impedimento do comandante da CCAV 2487, foi encarregado de dirigir a Op Ostra Amarga. 

Vd. também o vídeo "Guerre en Guinée" (1969) (13' 50''), imagens da chegada do  Spinola e do Almeida Bruno, 11' 30'' ... Cortesia de INA - Institut National de l' Audividuel.

A foto acima reproduzida (e editada pelo blogue) é do Paris-Match nº 1071, de 15 de novembro de 1969 (Com a devida vénia...). Vd. também o vídeo "Guerre en Guinée" (1969) (13' 50''), imagens da chegada do  Spinola e do Almeida Bruno, ao 11' 30'' ... Cortesia de INA - Institut National de l' Audividuel.


1. Recordando Spínola e o seu mais conhecido ajudante de campo, o então cap cav João Almeida Bruno  (*)... Excertos de um poste, velhinho. de 16 de março de 2006, da autoria do Zé Teixeira (*)

Luís, a propósito do Caco Baldé, toma outra alcunha do gen Spínola (*):

− O Aponta, Bruno... Aí vem o Aponta, Bruno !  dizia logo o pessoal quando se avistava o Héli que o transportava.

Porquê? Toda a zona de Buba, Nhala, Mampatá, Chamarra e Aldeia Formosa esteve uns tempos a comer, ao almoço e ao jantar, arroz com arroz e de vez em quando uma amostra de chispe. A barcaça que levava os mantimentos foi afundada pelos nossos amigos, e ficamos a ver... barcaças !

Isto gerou um mal estar que mais se agravou com o ataque às 5 da matina, como já contei no meu Diário. Devo dizer que a minha companhia estava reduzida a 36 homens operacionais, dado esforço que se estava a fazer com a protecção à nova estrada de Buba para Aldeia Formosa, em que saíamos com o que seriam três pelotões às seis da matina. Regressávamos à tarde, no dia seguinte estávamos de serviço à segurança do quartel e logo de seguida abalávamos de novo para a estrada.

Então o homem chega e começa o discurso:

 Pátria está a exigir de vós um grande esforço e vós sois ... blá, blá, blá. Sei que a comida não tem sido a melhor, mas a Pátria exige sacrifícios... blá, blá,blá. Quando estiverdes a comer feijão ou arroz, sem mais nada, fechai os olhos e imaginai-vos a comer um belo peru recheado ou um grãozinho com bacalhau, lá em Lisboa... blá, blá, blá.

Acompanhava-o um capitão, seu ajudante de campo, que toda a gente conhece e perante as reclamações do Major e do médico, ele só dizia:

− Aponta, Bruno!

Felizmente tínhamos um excelente médico, a quem presto a minha homenagem no Blogue, o Dr. João Carlos de Azevedo Franco, que à mais pequena mazela, muitas vezes resultante do estado psicológico em que vivíamos, dava uma baixa. Recordo que nesse célebre dia do Aponta, Bruno,  o Spínola disse ao médico:

− Estes rapazes o que precisam é de umas picas, vou-lhe mandar uma boa dose de medicamentos... Aponta, Bruno!

 Ao que o médico lhe respondeu:

 O que eles precisam é de uns bons bifes e descanso.

Claro está que o Capitão Bruno não apontou o que o médico disse. Não é que oito dias depois chega a barcaça com mantimentos e duas enormes caixas de medicamentos não solicitados?! Escusado será dizer que foram devolvidas ao remetente, com a informação "medicação não solicitada" e a vida continuou. (...) (***) 
___________

Notas do editor:

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23345: Humor de caserna (55): O anedotário da Spinolândia (VI): no Cumbijã ouvi o nosso general a utilizar mais do que uma vez "a palavra que imortalizou Cambronne", para recriminar um oficial superior (Vasco da Gama, ex-cap mil cav, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74)


Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74) > Da direita: para a esquerda, o cap mil  cav Vasco da Gama, o general Spínola, o cap inf José Malheiro,  da CCaç 3399, de Aldeia Formosa, e o  comandante do BCaç 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73). Spínola visitiu três vezes a CCAV 8351 (em Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhacobá). 

Foto (e legenda): © Vasco da Gama (2009). Todos os direitos reservados Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. É uma boa história, um bom naco de humor de caserna, que nos ajuda a compreender melhor  a personalidade e a conduta do gen Spínola enquanto foi comandante-chefe e governador geral da Guiné, entre meados de 1968 e meados de 1973.

Foi contada aqui há mais de 13 anos pelo comandante dos Tigres do Cumbijã, cap mil cav  Vasco da Gama, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74), os bravo de Nhacobá. 


Visita do General Spínola a Cumbijã em 14 de abril de 1973

por Vasco da Gama


Vasco da Gama
(...) Terminei o último capítulo da história da minha Companhia com o relato de um ataque ao arame no dia 9 de Abril de 1973, a um arremedo de aquartelamento que era o Cumbijã: duas fiadas de arame farpado, quinze ou vinte tendas de campanha, valas para protecção de eventuais ataques e uma cozinha de campanha. (...)

No dia 14 de Abril de 1973, mais uma vez recebemos a visita do General Spínola.

Parei este texto neste parágrafo, vai para mais de quinze dias. Problemas da vida pessoal, mas fundamentalmente o medo de não saber expressar, ou fazê-lo de forma menos correcta, os sentimentos acerca do General Spínola, homem controverso que suscitou, e pelos vistos continua a suscitar, sentimentos de amor e desamor, tão depressa acusado como louvado, que na guerra tentava encontrar soluções ou pela via diplomática junto de Senghor, ou invadindo países vizinhos, como aconteceu com a Operação Mar Verde, autor de "Portugal e o Futuro" (mais vale tarde que nunca), abandonando o Guileje ou pelo menos não lhe dando hipóteses de uma defesa racional, recusando o convite de Marcello Caetano para ministro do Ultramar em finais de 1973, recusando-se também e juntamente com o General Costa Gomes a fazer parte da Brigada do Reumático que foi prestar vassalagem a Caetano. 

Este homem, que foi também o primeiro Presidente da República,  após o dia da libertação – 25 de Abril de 1974  , este homem heterodoxo, será no decurso da história que vou escrevinhando acerca da minha Companhia, analisado apenas e só através de um discurso substantivo que se limitará a descrever a vivência que os Tigres do Cumbijã com ele tiveram.

No dia 14 de Abril de 1973 recebemos então a visita do General Spínola. Recordo-me da primeira pergunta que me fez:

−É do quadro ou miliciano?

Recordo-me da resposta imediata e eventualmente atrevida que lhe dei:

− Neste buraco?… Sou miliciano.

Vi nele o esboço de um sorriso, seguido de nova questão:

− Falta-lhe alguma coisa?

− Tudo |

− Tudo, o quê?

Seria fastidioso continuar esta conversa em discurso directo, pelo que os meus camaradas e amigos que são conhecedores das condições desumanas em que vivíamos, facilmente adivinharão o que durante alguns minutos lhe fui solicitando: 
  • cimento para construirmos casernas;
  • chapas de bidão cortadas;
  • apoio da Engenharia para que as coisas andassem mais rapidamente;
  • arcas frigoríficas a petróleo, pois não tínhamos direito a uma cerveja fresca;
  • um gerador;
  • e obuses, já que o apoio da artilharia quando éramos atacados nos era dado ou por Mampatá ou Aldeia Formosa, não tenho a certeza. 

A sua resposta ficou célebre entre os Tigres:

− Terá tudo isso na próxima LDG. Os obuses já estão tratados, o resto, repito, chega a Buba na próxima LDG, incluindo as arcas frigoríficas, nem que tenha de as ir buscar à messe dos oficiais de Bissau.

A parte final da frase obviamente era escusada, mas não imaginam a alegria que todos os soldados, e não só, sentiram ao ouvi-la. 

O General Spínola era exímio neste tipo de tiradas e nunca o ouvi a recriminar nenhum soldado, mas vi-o zangado com um grande do quadro, utilizando por várias vezes no seu discurso a palavra que imortalizou Cambronne (***), apesar da minha presença. 

Visitar-nos-ia ainda em Nhacobá, mas aí não houve tempo para discursos.

Só quero acrescentar que na LDG seguinte o prometido chegou! (...)

[ Seleção / revisão e fixação de texto para efeitos de publicação deste poste: LG]
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Notas do editor:


(***) Pierre Jacques Étienne Cambronne (1770 – 1842), francês, general de brigada do Primeiro Império, 1º Visconde de Cambrone, ficou célebre pelas palavras que terá  proferido na batalha de Waterloo, em 1815, à frente dos granadeiros da Velha Guarda de Napoleão.  Em inferioridade numérica,  cercado pelas pelas tropas do general inglês Charles Colville,  quando instado a render-se, com honra, ficou na história com a sua réplica: "La Garde meurt et ne se rend pas!" (A Guarda morre e não se rende!)... E terá acrescentado:  "Merde!", um típico vocábulo vernáculo dos gauleses... 

A expressão "a palavra que imortalizou Cambronne" (neste caso, "merde")  é um eufemismo, um figura de estilo com que se disfarçam as ideias desagradáveis ou as palavars grosseiras por meio de expressões ou palavaras  mais suaves...

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23221: Humor de caserna (54): O anedotário da Spinolândia (V): fardamento para pessoal de Bissum, "by air mail" (António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 , Binar, Bula e Capunga, 1969/71)


Guiné > Região do Oio > Sector de Bissorã > Bissum-Naga > CCAV 2639 (1969/71) >  Grupo de Combate do António Ramalho: "Missão cumprida, Regresso de Bissum. O autora aparece aqui, de bigode e de óculos de sol".

Foto (e legenda): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendag complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



1. M
ensagem de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), membro da Tabanca Grande nº 757 (com 32 referências no blogue),  natural da Vila de Fernando, Elvas, a viver em Vila Franca de Xira: 


Data - domingo, 1/05/2022, 23:15 

Assunto - O anedotário da Spinolândia!


Caro Luís, boa noite.

Espero que estejas bem assim como a família. 

Agradecido por referires mais uma vez aquelas passagens verídicas com o nosso General (*), pessoa das minhas simpatias, pela forma descontraída como nos aparecia, desprendida de preconceitos.

Quando estava em Bissum com o meu Gruo de Combate, "escolhido" porque não alinhámos em parvoíces, por isso fomos deslocados para aquele "resort"!

Avisado de que viria um meio aéreo com o Com-Chefe.  foi necessário enxotar as vacas para que a aterragem se fizesse em segurança, e assim aconteceu.

Ao reparar que o meu camuflado era mais adesivo do que tecido, quando o cumprimentei, reteve a imagem e perguntou a alguém... Quis saber quem eu era e porquê aquela indumentária tão fora do comum!...

À despedida, com todas as deferências e respeito a que estava obrigado, usando uma metáfora, compreendida pelo contexto em que estávamos.

– Meu general,  se eu tivesse que cobrir a pista de aterragem com adesivo, o capim viria atrás... assim acontece aos pelos do meu corpo!...

Não esboçou qualquer sorriso, nem lhe caiu o monóculo, vinha de óculos escuros!

O facto é que, passadas algumas horas, chegaram fardamentos a estrear, para todos, num meio aéreo.

Já lá vai meio século e uns meses!

Um grande abraço

António Ramalho (757)
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domingo, 1 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23218: Humor de caserna (53): O anedotário da Spinolândia (IV): "quer que embrulhe... ou levo-o no olho ?" (António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71)

1. Mais três histórias que têm por protagonista o gen António de Spínola, "duas delas presenciei-as eu, a primeira foi-me contada pela protagonista". O "compilador" foi o António Ramalho,  ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, membro da Tabanca Grande, com o nº 757. 

Como o poste P18918 foi publicado há 6 anos, no píncaro do verão, não teve, injustamente, qualquer comentários... Pode ser que agora, o nosso Ramalho (que também era da arma de cavalaria com o nosso general) tenha mais sorte


(i) Senhor Governador, quer que embrulhe ou leva-o no olho?

O nosso General teve um pequeno acidente com o seu monóculo, enviou o seu impedido a um oculista da cidade, cuja empregada era familiar do proprietário, natural duma aldeia perto da minha.

Avisado depois de reparado o monóculo, foi ele mesmo levantá-lo com aquele seu ar austero, de camuflado engomado, sempre simpático para com as populações.

No acto da entrega pergunta-lhe a empregada:

 Senhor Governador, quer que embrulhe ou leva-o no olho?
– Menina, dê cá o monóculo, no olho levam vocês!...

A rapariga desmanchou-se a rir quando nos contou!

(ii) Você é que é o nosso alferes ?

Aquando da minha estadia em Capunga, vejo chegar um jipe com o nosso general a bordo, chamei imediatamente o furriel mais velho que estava jogando à bola.

A seguir às formalidades e cumprimentos da praxe, pergunta-lhe o nosso general:

– Você é que é o nosso alferes?
– Não, não sou, meu general, o nosso alferes foi buscar água a Bula.
– Pois olhe, você tem muito mais cara de alferes do que muitos que para aí há!... Transmita-lhe que eu vim cá ver o andamento do reordenamento em Capunga.

Comentários do Alferes à visita inesperada:

- Caraças... Não me avisaram!

(iii) Que belo pão, rapaz, parabéns!

Aquando da minha estadia em Bissum, fomos visitados mais uma vez pelo nosso general tendo como companhia um governante brasileiro, na ocasião!

Depois da visita à população também decidiram visitar o aquartelamento. De passagem pela padaria o nosso cabo ofereceu-lhe pão quentinho, acabado de sair do forno.

Depois de o apreciar, manifestou-se encantado pela qualidade:

- Que belo pão, rapaz, parabéns!
- Meu general, se cá voltar amanhã ainda estará melhor!
- Adeus, rapaz, então até amanhã!

... Até hoje! (**)

António Ramalho

[Seleção / revisão de texto: LG]

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(**) Último poste da série > 30 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23214: Humor de caserna (53): O anedotário da Spinolândia (III): a "melena" do cap inf Vasco Lourenço que irritou o célebre "Coronel Onze" (Fernando Magro, ex-cap mil art, BENG 447, Bissau, 1970/72)

quinta-feira, 28 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23209: O Cancioneiro da Nossa Guerra (13): a "Spinolândia", com letra (parodiada) e música de "Os Bravos", de Zeca Afonso: uma preciosidade encontrada no sítio de "Os Leões de Madina Mandinga", a 1ª CART/BART 6523/73 (1973/74)




Guião do BART 6523/3 (Nova Lamego, 1973/74). 

Cortesia: coleção de Carlos Coutinho (2009)



1. No sítio dos Leões de Madina Mandinga - 1ª Cart / Bart 6523 (1973/74) fomos encontrar uma deliciosa cantiguinha satirizando o Spínola e a política "Por uma Guiné Melhor". 

A letra é uma paródia da uma canção tradicional da Ilha da Terceira, Açores, popularizada por Zeca Afonso (Os Bravos, in "Baladas e Canções", LP, 1964).

Para conhecimento dos nossos leitores, e enriquecimento de "O Cancioneiro da Nosssa Guerra", e com a devida vénia aos "Leões de Madina Mandinga" (e aos seus editores), tomamos a liberdade de reproduzir aqui a letra da "Spinolândia".  

Há outros versos que vale a pena ler, na secção "Cancioneiro", uma boa parte deles recolhidos pelo  António Costa, ex-fur mil. Como ele próprio diz, "na nossa casa de Madina Mandinga, durante o dia e parte da noite, sempre o nosso amigo Gaipo e a sua viola a animar as tropas com as suas canções. Obrigado, furriel Gaipo"(, de seu nome completo, José Graça Gaipo, a viver em Ponta Delgada). 

Não sabemos quem é o autor da letra. Nem muito menos a data, mas pelas referências (Gadamael, ataque a Bissau, foguetões, Santo António de Bissau), deverá ser de meados de 1973, quando o género António Spínola ainda era  o com-chefe e governadot-geral.

Spinolândia

Eu fui à Spinolândia,
Bravo, meu bem,
Pra ver se embravecia (bis),
Cada vez fiquei mais manso,
Bravo, meu bem,
Com os tiros que lá ouvia (bis).

A malta do comechefe,
Bravo, meu bem,
Não conhece Gadamael (bis),
Quando atacaram Bissau,
Bravo, meu bem,
Esgotaram o papel (bis).

Santo António de Bissau,
Bravo, meu bem,
De todos o mais casmurro (bis),
Quer do preto fazer branco,
Bravo, meu bem,
E do branco fazer burro (bis).

Qualquer pobre de Bissau,
Bravo, meu bem,
Daqueles com pouca roupa (bis),
Não está livre de apanhar,
Bravo, meu bem,
Com um foguetão na sopa (bis).

[ Revisão / fixação  de texto: LG  ]


Recorde-se, entretanto,  que o 1º sargento desta companhia era o nosso saudoso amigo e camarada Fern
ando Brito (1932-2014), que ainda entrou pelo seu pé na nossa Tabanca Grande, com o posto de major SGE, reformado... Era um grande fadista e foi um grande pai e avô para o nosso amigo Cláudio Brito... Fez duas comissões na Guiné, como 1º srgt, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e 1ª C / BART 6523 (Madina Mandinga, 1973/74), Era carinhosamente tratado pelos "leões de Madina Mandinga" por Ti Brito.


Ficha de unidade > Batalhão de Artilharia 6523/73

Identificação: BArt 6523/73
Unidade Mob: RAL 5 - Penafiel
Cmdt: TCor Inf João Damas Vicente
Maj Art Óscar José Castelo da Silva
2.° Cmdt: Maj Art Óscar José Castelo da Silva
Cap Art Carlos Alberto Ramalhete
OInfOp/Adj: Cap Art Carlos Alberto Ramalhete (acumulava)
Cmdts Comp: CCS: Cap SGE José Manuel Rijo | 1ª Comp: Cap Mil Inf José Luís Borges Rodrigues  (Lisboa,  1948 - Santarém, 2019) |2ª Comp: Cap Mil Inf Franquelim Bartolomeu Viçoso Vaz | 3ª Comp: Cap Mil Inf Rui Alberto Nunes dos Santos| Cap Mil Inf António Francisco Dias Vieira
Divisa: "Honra e Dever"
Partida: Embarque em 06Ju173; desembarque em 13Ju173 ! Regresso: Embarque em 07Set74

Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, com as suas companhias, de 16Jul73 a 12Ag073, no CMl, em Cumeré, seguiu, em 13Ag073, para o sector de Nova Lamego, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com o BCav 3854.

Em 08Set73, assumiu a responsabilidade do Sector L3, com sede em Nova Lamego e abrangendo os subsectores de Madina Mandinga, Cabuca, Canjadude e Nova Lamego

Em 20Ju174, o subsector de Piche foi integrado na sua zona de acção, após desactivação do Sector L4. As suas subunidades mantiveram-se sempre integradas no dispositivo e manobra do batalhão até à extinção do sector.

Desenvolveu intensa actividade operacional, com realização de patrulhamentos, emboscadas, escoltas a colunas e segurança e protecção dos itinerários e das populações. As suas forças intervieram e colaboraram em acções de reacção a flagelações e ataques aos aquartelamentos e aldeamentos e na promoção socioeconómica das populações.

Comandou e coordenou a execução do plano de retracção do dispositivo e a desactivação e entrega dos aquartelamentos ao PAIGC, sucessivamente efectuadas nos subsectores de Madina Mandinga e Cabuca, em 20Ag074 e de Piche, em 29Ag074.

O comando do batalhão recolheu a Bissau em 29Ag074, a fim de aguardar o embarque de regresso, mantendo-se um pelotão da CCS em Nova Lamego até  sua desactivação e entrega ao PAIGC, em 04Set74.


***
A 1ª Comp seguiu em 13Ag073 para Madina Mandinga, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CCav 3406. Em 08Set73, assumiu a responsabilidade do subsector de Madina Mandinga, com um pelotão no destacamento de Dara.

Com a retracção do dispositivo, efectuou a desactivação e entregaao PAIGC do aquartelamento de Madina Mandinga em 20Ag074 e do destacamento de Dara em 27Ag074, tendo seguido para o subsector de Bambadinca, na zona de acção do BCaç 4616/73, onde substituíu a CCSIBCaç 4616/73.

Em 02Set74 foi substituída pela 2ª Comp/BCaç 4616/73 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

***

A 2ª Comp seguiu em 13Ag073 para Cabuca, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CCav 3404.

Em 08Set73, assumiu a responsabilidade do subsector de Cabuca, cedendo um pelotão para reforço da guarnição de Madina Mandinga.

Em 20Ag074, efectuou a desactivação e entrega do aquartelamento de Cabuca ao PAIGC e seguiu para o subsector de Xime, na zona de acção do BCaç 4616/73, a fim de substituir transitoriamente a CCaç 12, que fora entretanto extinta e onde se manteve até ser rendida pela 2ª Comp/BCaç 4518/73 em 31Ago74, tendo então seguido para Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

***
A 3ª  Comp seguiu em l3Ago73, para Nova Lamego, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CCav 3405.

 Em 08Set73, assumiu a responsabilidade do subsector de Nova Lamego, cm um pelotão destacado em Cansissé.

Em 27Ago74, foi rendida pela 1ª Comp/BCaç 4518/73 e seguiu em  29Ag074 para Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações -  Tem História da Unidade (Caixa n." 122 - 2ª Div/4ª  Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pp. 248/ 249.
______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de fevereiro de  2014 > Guiné 63/74 - P12747: In Memoriam (180): Fernando Brito (1932-2014), major art ref, ex-1º srgt, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e 1ª C / BART 6523 (Madina Mandinga, 1972/74)

(**) Último poste da série > 16 de novembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20352: O Cancioneiro da Nossa Guerra (12): "Até p'ró ano outra vez", um "faduncho" do Francisco Santos (ex-1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65; poeta popular de Sarilhos Grandes, Montijo): "Mas nós cá vamos passando, /As lembranças vão ficando, / Conservando alguma fé; / Nem que seja de bengala, / Eu reúno em qualquer sala / P'ra relembrar a Guiné"...

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23185: Humor de caserna (52): O anedotário da Spinolândia (II): "Não, não quero falar com o teu comandante, quero falar contigo!" (Tino Neves, ex-1º cabo escriturário Tino Neves, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71)


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Natal de 1970 > Destacamento de Bindoro > Visita no gen Spínola (1)

Foto (e legenda): © José Torres Neves (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Tino Neves, foto atual,
bancário reformado,
vive na Cova da Piedade,
Almada
1. Esta história do gen Spínola, verídica, é/foi contada  pelo nosso camarada Constantino (ou Tino)  Neves, ex- 1º. cabo escriturário, CCS / 
BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71). 

Sem qualquer tom depreciativo usa, no fim, o
vocábulo "Spinolândia" para se referir à Guiné
do seu tempo. O termo, de resto, era popular durante o "consulado de Spínola" (1968-1973), e nomedamente 
na zona leste (regiões de Bafatá e de Gabu).

O nosso editor, também sem qualquer intuito depreciativo, vai incluí-la no "andedotário da Spinolândia". Muitos dos nossos leitores mais recentes  nunca a lerem. 

Spínola tem mais de 410 referências no nosso blogue, muito mais do que qualquer outro governador-geral e comandante-chefe (Arnaldo Schulz, por exemplo, tem menos de 90; Bettencourt Rodrigues tem pouco mais de 50).

Esclareça-se o que se entende por anedotário e anedota. O anedotário é uma coleção de anedotas. A anedota é. segundo os dicionários: 

(i) uma breve narrativa de um caso verídico pouco conhecido; 
(ii) uma pequena narrativa que provoca (ou pretende provocar) o riso; 
e (iii), também se diz, em tom depreciativo, de uma pessoa que, pelos seus ditos ou atitudes, provoca riso ou é motivo de troça. 

No nosso blogue não há (ou não deve haver) lugar à "anedota" nesta última aceção, referindo-se a camaradas ou a comandantes operacionais... que passaram pelo TO da Guiné, embora tenhamos conhecido alguns...

2. A spinolândia, 
por Tino Neves

Vou contar uma pequena estória do nosso General Spínola. Das poucas visitas programadas que fez, houve uma, não programada, muito especial.

Um determinado dia, pousou na pista de Nova Lamego, uma DO-27, e quando o único soldado, que estava de guarda à pista, se apercebeu de quem se tratava, já o General Spínola e o seu guarda costas 
[ou talvez ajudante de campo]um capitão paraquedista, estavam junto dele. Apalermado, correu logo para o telefone.

O General Spínola perguntou então ao soldado:

 O que é que vais fazer?
 Vou telefonar ao nosso Comandante, a dizer que o Sr. está aqui!
 Não, não vais ligar, não quero falar com ele, vim aqui falar contigo.
 Comigo???
 Sim, contigo!!!

Spínola falou com o soldado durante 30 minutos, e logo a DO-27 levantou voo.

O soldado então depois disso, ligou então a dizer ao Comandante do Batalhão, o Sr. Tenente Coronel Fernando Carneiro de Magalhães, que tinha acabado de falar com o Sr. General Spínola durante 30 minutos.

O Comandante Magalhães, admirado, pergunta:

 Então e não me avisaste?!
 O nosso General não deixou, disse que só queria falar comigo!
 Contigo???
 Sim, comigo!
 Então o que era que ele queria?
 Saber se eu gostava de estar aqui, se comia bem… assim essas coisas.

Conclusão, o General Spínola, da última vez, que tinha visitado Nova Lamego, em visita programada, tinha deparado com um quartel que estava um primor, só faltava estar todo embandeirado com pequenas bandeiras de várias cores, e os militares a dançarem o Vira, o Fandango ou qualquer outra dança tradicional portuguesa, para mostrar que estávamos todos alegres e contentes, e satisfeitos por termos nascido.

E o nosso General sabia disso, quando as visitas são programadas. E nós também, tanto que nós dizíamos que não estávamos na Guiné, mas sim na... Spinolândia. (**)

Tino Neves
_________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1647: Estórias do Gabu (2): A Spinolândia (Tino Neves)

(**) Último poste da série > 20 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23182: Humor de caserna (51): O anedotário da Spinolândia (I): "Sabes o que é um lapso, rapaz?" (Rogério Ferreira, ex-fur mil at inf, MA, Teixeira Pinto, Bachile, Nhamate, Galomaro, Nova Lamego, Pirada, Paiama, Paunca, Sinchã Abdulai e Mareue, 1970/71)

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23182: Humor de caserna (51): O anedotário da Spinolândia (I): "Sabes o que é um lapso, rapaz?" (Rogério Ferreira, ex-fur mil at inf, MA, Teixeira Pinto, Bachile, Nhamate, Galomaro, Nova Lamego, Pirada, Paiama, Paunca, Sinchã Abdulai e Mareue, 1970/71)

1.  Não é só do "Gasparinho", "nickname", do cap e depois major art José Joaquim Vilares Gaspar (1935 - 1977) que se alimenta o anedotário da Spinolândia... 

O próprio Com-Chefe e Governador-Geral  do CTIG, António Spínola, brigadeiro e depois general, entre 1968 e 1973, alimentou o bom e o mau hunor das nossas casernas...

Caco Baldé  ou simplesmente Caco era alcunha mais popular do Gen Spínola. Mas também  era tratado por Homem Grande de Bissau,  O Velho. O Bispo... 

Origem da alcunha: vem de caco, monóculo, mais  Baldé, apelido frequente entre os fulas. O historiador Luís Nuno Rodrigues escreveu a sua biografia (Lisboa, A Esfera dos Livros, 2010; a foto ao lado é retirada da capa do livro, com a devida vénia...)

Recorde-se que o monóculo é um tipo de lente corretiva utilizada para corrigir a visão em apenas um olho, sendo constituída por uma lente circular, geralmente com um fio ao redor da circunferência do anel que pode ser associado a uma corda; a  outra extremidade da corda é então ligada ao vestuário em uso para evitar a perda do monóculo. Origem da palavra: do grego: mónos, único e do latim, oculu, olho (Fonte: Wikipedia)..

Andam por aí muitas histórias deliciosas (anedotas ou não) do militar mais carismático do nosso tempo de Guiné.  Vamos tentar compilar algumas, inéditas ou já publicadas. Elas também falam o nosso quotidiano, os nossos camaradas e os nossos chefes.  Na série "Humor de caserna" cabe toda a gente.

Só se contam anedotas de quem a gente gosta, aprecia, valoriza, respeita, teme, e às vezes ama e odeia ao mesmo tempo... E o Gen Spínola foi tudo isto, durante a guerra colonial e depois do 25 de Abril (e até chegou a Marechal, que a democracia é como o sol   quando nasce é para todos, e tem uma esponja grande para limpar as nódos do camuflado)....


2. Havia, por parte da maioria da malta do nosso tempo, do Zé Soldado, mas também dos milicianos, um sentimento algo ambivalente em relação ao Caco Baldé... Não sei se ele era verdadeiramente adorado, como ele gostava de o ser (ou de ter sido), por todos os seus subordinados, os metropolitanos e os do recrutamemto local, a par dos seus queridos "guinéus", do Cacheu ao Cacine.

De um modo geral, as praças respeitavam-no e admiravam a sua maneira de ser e de estar, de comandar, de aparecer onde menos se esperava, a sua coragem física, o seu paternalismo autoritário, o seu populismo ("avant la lettre"), o seu carisma,  a sua "mise em scène", o seu perfil prussiano, o monóculo, o pingalim, enfim, a sua demagogia também, a sua voz de "ventríloquo"...  Era uma figura militar a quem ninguém podia ficar indiferente.

O Caco Baldé, como todos os grandes chefes militares, era  amado  por muito boa gente, mas também  temido, sobretudo  por muitos oficiais superiores,  nomeadamente a nível de batalhão (desde que não fossem da mesma arma do general, que era a cavalaria, diziam as más línguas).  

Dizia-se também que os fulas e os manjacos (as duas etnias mais "leais" às autoridades  portuguesas) o tratavam, com respeito e deferência,  como o "homem grande de Bissau". Penso até que o admiravam muito, nomeadamente as hierarquias daquelas duas comunidades étnicas.  

Não havia sondagens naquele tempo, nem nunca foi feito nenhum plebiscito. Em suma, era difícil de avaliar a popularidade de Spínola com números na mão. Tudo o que se possa escrever é baseado na percepção e observação daqueles de nós que estivemos no TO da Guiné no seu tempo. Mas quem, de nós, pode dizer verdadeiramente que o conheceu? Teríamos que  ter o testemunho daqueles.

O anedotário da spinolândia é muito maior que os  textos que já aqui publicámos sobre o humor de caserna... No meu tempo (1969/71), tenho a ideia que toda a gente contava anedotas do Spínola... Mas, passados todos estes anos, parece que até as anedotas do Homem Grande de Bissau  ou do Caco Baldé se nos varreram da memória...

Fica aqui o apelo para refrescarmos as nossas memórias. O humor de caserna é um antídoto contra a crise, a depressão, o mau-estar, o azedume que a idade também traz consigo, bem as núvens negras que atingem nesta altura a Europa e o resto do Mundo...

Começamos por republicar aqui, uma história que nos foi enviada em  1 de outubro de 2008,  pelo Rogério Ferreira, natural de Santarém, ex-fur mil at inf,  Minas e Armadilhas,  CCAÇ 2658/BCAÇ 290
5 (Teixeira Pinto, Bachile, Nhamate, Galomaro, Nova Lamego, Pirada, Paiama, Paunca, Sinchã Abdulai e Mareue, 1970/71) (Foto à esquerda).


3. Anedotário da Spinolândia (1): 

Sabes o que é um lapso, rapaz ?

Quando da minha passagem por Paunca, estive num destacamento chamado Paiama [, na margem esquerda do Geba Estreito, a noroeste de Paunca,] e, alguns dias após o Natal de 70,  tivemos a visita do heli.

Mandados os soldados de piquete para a orla da mata a fazer segurança, o heli aterrou. Apareceu-nos então um sr. Capitão em passo de corrida, dizendo que era uma visita do nosso general (Caco Baldé), e que os soldados formassem como estavam nem que fosse em cuecas.

Logo instantes depois aparece o nosso General no seu camuflado de manga curta e seu monóculo. Olha em volta e, dando indícios de não conhecer o sítio, diz:
  Eu nunca aqui estive, isto quer dizer que não vos dei os votos de Boas Festas.

E virando-se para um dos nossos soldados, o J. J. 
 natural da Torre da Gadanha e cuja mãe lhe enviava umas ricas Boias, ou seja, pedaços de lombo de porco em banha numas latas tipo Cerélac, o qual hoje é carteiro na zona da Amadora  disse:
− Isto foi um lapso... Sabes o que é um lapso?
− Sei, sim, meu general, é uma coisa para escrever.

Grande risota geral, até do general.

Rogério Ferreira
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Notas do editor:


(**) Útimo poste da série > 18 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23177: Humor de caserna (50): "O meu pessoal só pode transitar em canoas balantas. E alguns não sabem nadar. Conclusão: Siga a Marinha!": um documento do "Gasparinho" que ainda hoje nos suscita um sorriso amargo (António J. Pereira da Costa, cor art ref)