1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 10 de Abril de 2012:
Queridos amigos,
Às vezes faz bem retornar sem pressas às fontes escritas e rever o que os dirigentes políticos propuseram para a questão guineense. É curioso verificar que todos aqueles que se pronunciam sobre o assassinato de Cabral não cuidem de atender às súplicas de Spínola a Caetano para ter um encontro com Cabral, documento político da época, o que nos leva a perguntar se era imaginável que alguém que implorava conversações com um dirigente político tivesse alguma responsabilidade com a sua morte. E Silva Cunha, como veremos, também nos reserva surpresas.
Um abraço do
Mário
Marcello Caetano, Silva Cunha e a Guiné (1)
Beja Santos
É fundamental carrear para o blogue elementos doutrinais e informativos provenientes dos ideólogos políticos do regime deposto em 25 de Abril de 1974 e dos seus críticos.
A descolonização da Guiné possui ainda meandros de interpretação confusa e que requer o cruzamento de leituras, de olhares. Nesta aceção, é indispensável cruzar o que se disse antes do 25 de Abril com o que se escreveu depois. Por exemplo, no seu “Depoimento”, a primeira obra que Caetano escreveu no Brasil, ele refere uma reunião do Conselho Superior da Defesa Nacional em que questionou se a Guiné era defensável, tendo escrito que o marechal Costa Gomes respondera afirmativamente. Na longa entrevista que este oficial deu à historiadora Manuela Cruzeiro, afirmou perentoriamente que a Guiné era defensável nos termos da nova manobra do dispositivo que iria ser recuado até os aquartelamentos das nossas tropas não ficarem ao alcance dos morteiros 120. E mais afirmou que teria dito que a Guiné era defensável desde que não entrasse em ação a aviação que iria ser posta à disposição do PAIGC. Ficámos igualmente a saber que as atas deste Conselho Superior de Defesa Nacional desapareceram misteriosamente.
Enfim, é da maior utilidade pôr em cima de mesa os argumentos e deixar os historiadores falar. Na sequência do “Depoimento”, Marcello Caetano concedeu entrevistas que apareceram sobre o título “O 25 de Abril e o Ultramar”, sobre os quais é muito raro os estudiosos pronunciarem-se. Ora este texto é, a vários títulos, da maior importância. Logo a páginas 12, Caetano admite que a política que estava a executar “deveria conduzir à independência dos grandes territórios, criando condições para se tornarem Estados”. Os documentos que anexa incluem uma carta ao General Spínola, datada de 26 de Fevereiro de 1973, que é uma peça de filigrana da epistolografia política, onde quer que seja. As relações mútuas arrefeceram, Caetano justifica-se pelo facto de ter proibido uma entrevista de Spínola a um periódico nacional, bem como o litígio decorrente do estatuto da Guiné. Spínola responde em 6 de Março e justifica o seu desapontamento por sentir que a “autonomia progressiva” é alvo de calúnias e que o próprio presidente do governo dela se está a afastar. E há um trecho que pode ser uma mais-valia para perceber como os dois entraram em rota de colisão: “Afirmou-me Vossa Excelência que tendo os africanos optado pela intolerância face à presença do branco, qualquer solução política corresponderia a apressar a nossa saída de África; ouvi também a Vossa Excelência a opinião de que mais facilmente aceitaria uma derrota militar do que uma solução política que implicasse quaisquer concessões; e, anteriormente, já Vossa Excelência, perante a perspetiva de um cessar-fogo, me tinha expressado opinião de que considerava inconveniente o termo da guerra da Guiné por tal facto originar a deslocação da luta para o arquipélago de Cabo Verde”.
E Spínola brande um argumento que irá funcionar nas justificações que levarão ao 25 de Abril: “Uma tal hipótese, a meu ver, só nos oferece como alternativa o prolongamento da atual situação de desgaste até que a Nação se esgote ou, a exemplo da Índia, sobrevenha uma derrota militar, pois não vejo, no quadro da análise ponderada da situação militar, que outras alternativas se nos oferecem na hipótese de rejeição das outras soluções políticas. Não ignoro que uma derrota militar possa ser encarada em certos sectores como fatalidade solucionadora; mas se a derrota militar pode oferecer à expiação os seus responsáveis imediatos, a história não deixará de julgar quantos a não souberam evitar”. E depois espraia-se sobre o federalismo, as negociações que deviam ter continuado com o presidente Senghor, reafirma a fórmula de autonomia progressiva e o esforço desenvolvido na Guiné quanto à africanização das instituições, conservando no seu seio os germe de portugalidade.
Caetano responde a 22 de Março, volta a justificar porque não aceitou a proposta do encontro de Spínola com Amílcar Cabral, seria um precedente de consequências incalculáveis: “E era quanto a esse precedente que eu dizia preferir perder a Guiné por derrota militar, mas combatendo pelo nosso direito, do que entregá-la em negociação mais ou menos feliz”. E desloca o teor da conversa para o facto de o PAIGC ser liderado por cabo-verdianos e que a independência da Guiné levaria a deslocação da guerra para Cabo Verde. Para Caetano, “É na África austral que se joga verdadeiramente o nosso destino ultramarino. Se fosse só a Guiné, tudo seria para nós muito mais fácil”.
Silva Cunha escreve o seu livro “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril” em 1977, publica-o na Atlântida Editora. Temos aqui outro documento de incalculável valor. O último ministro da Defesa Nacional de Caetano e que esteve no governo no Ministério do Ultramar durante 12 anos tece justificações sobre a grande opção ultramarina, dando uma panorâmica do ambiente internacional do pós-guerra, como se processou a subversão da África portuguesa e as diretrizes para a defesa militar. Aí a páginas 40, refere abundantemente a Guiné: as preocupações de Senghor, quer com a Guiné Conacri quer com a passagem de material do PAIGC pelo seu território. Fala também de preocupações da Nigéria, da incógnita da atitude dos EUA e da tentativa de Senghor contribuir para o cessar da luta na Guiné, isto logo em 1963 e afirma explicitamente: “O Doutor Salazar deu abertura à solução que infelizmente, porém, não chegou a concretizar-se”.
Mesmo depois do corte de relações diplomáticas entre Portugal e o Senegal não pararam as diligências para o fim da Guerra. Foi a Dakar o Dr. Alexandre Ribeiro da Cunha acompanhado pelo inspetor da DGS em Bissau, Matos Rodrigues. Senghor pedia a suspensão das operações militares para poder ter contactos com os chefes do PAIGC e encontrar uma forma aceitável para ambas as partes. “Foi decidido transmitir instruções ao Governador e Comandante-Chefe da Guiné para que evitasse lançar operações ofensivas, limitando-se à defesa contra eventuais ataques dos guerrilheiros”. Factos subsequentes levaram a crer que as diligências do Senegal não interessavam ao PAIGC. Houve ainda encontros entre autoridades senegalesas e portuguesas em Paris, com carácter altamente secreto. Sugeriu-se a escolha de uma personalidade imparcial que pudesse vir a fazer um juízo objetivo sobre a ação do PAIGC e das forças portuguesas com o objetivo último de evitar novos incidentes transfronteiriços. Os contactos seguintes fizeram-se por intermédio do General Spínola. O resultado da reunião foi transmitido em Lisboa: Senghor oferecia-se como medianeiro para obter uma suspensão nas hostilidades, primeiro passo para entabular conversações com o PAIGC. Discutiu-se politicamente o que seriam as consequências desse cessar-fogo. E veio a avaliação feita por Silva Cunha: “Embora se começasse a fazer sentir no país, mas especialmente nas forças Armadas, um certo cansaço da luta, a verdade é que a opinião pública não estava preparada para aceitar uma mudança radical na orientação da política ultramarina”. Realizou-se uma reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional presidida por Américo Tomás para tratar da questão da Guiné. Todos os presentes concluíram não haver razão para seguir as sugestões de Senghor e que eram defendidas acerrimamente por Spínola.
(Continua)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9886: Notas de leitura (359): As grandes Operações da Guerra Colonial (3), edição do "Correio da Manhã" (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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6 comentários:
“É na África austral que se joga verdadeiramente o nosso destino ultramarino. Se fosse só a Guiné, tudo seria para nós muito mais fácil”.
Mas Beja Santos, não era de Marcelo esta ideia, era dos soviéticos e americanos a preocupação daquela região, por causa da África do Sul.
Era esta a tambem a razão porque as Kalash e os Strellas se concentraram na fronteira da Guiné-Bissau, viu toda a gente com o que se seguiu até à perestroika, e à "descoberta" de Mandela.
Já agora, sobre Guidage (no contexto de todo o final da guerra na Guiné), transcrevo mais uma declaração de Manecas dos Santos, o homenm dos Strela, dirigente do PAIGC que, desta vez, é honesto e verdadeiro ao afirmar ao jornal Público, de 5 de Novembro de 1995:
"É bom não haver confusão sobre isto: nunca quisémos assaltar Guidage
nunca quisémos assaltar quartel nenhum." (incluindo naturalmente Guileje, que foi abandonado, digo eu, AGA) E acrescenta Manecas dos Santos: "O preço que teríamos que pagar por tomar um quartel como este, sem qualquer importância estratégica, seria muito elevado em vidas humanas e evidentemente não nos podíamos permitir ter muitas baixas."
Porque é que, com Marcelo, Costa Gomes, Spinola, com relatórios "muito secretos" e estas "sapientes" recensões nos continuam, no blogue, a vender a banha da cobra?
Abraço,
António Graça de Abreu
Camarigo Graça de Abreu (AGA)
Não sabes porque nos continuam a vender a banha da cobra?
É porque a mais antiga profissão no mundo não foi aquela que toda a gente pensa que foi.
A mais antiga profissão no mundo foi a de vendedor de banha de cobra.
E quanto ao futuro, fica sabendo que a suposta mais antiga, está em crise. Até a Câmara de Lisboa já desistiu do seu projeto.
Já os vendedores de banha de cobra, estão em franco desenvolvimento.
Abraço
Manuel Amaro
Não creo en brujas, pero que las hay... las hay!
A frase não é minha. É velha, de muito antiga. Porém, ainda há gente que vê fantasmas com muita frequência.
Com motivação na inveja? Com a pseudo-superioridade por lhes lançar umas farpazitas, que não espetam, e caiem inúteis?
Para desviar o contexto?
Enfim, o treino para campanha tem muito que se lhe diga, e haverá situações de dependência, que levam muitos anos a pagar.
É como diz o ditado sobre a "água mole"... e segue o proselitismo.
JD
"Tudo isto existe,tudo isto é triste,tudo isto é fado".
"A oeste nada de novo".
Já me perdi,deve ser da PDI..ah..só quero dizer que a guerra dita do ultramar só foi feita por causa de ANGOLA.
Os USA apoiaram a UPA, e a URSS o MPLA..depois,nós servimos de "testa de ferro" dos USA.
Atenção que a URSS apoiou os "movimentos ditos de libertação" por causa do seu "internacionalismo proletário"...ehhh.
Diziam que nós combatíamos o avanço do comunismo...
Após as independências..foi o que se viu,
Tudo isto existiu, tudo isto foi triste,tudo isto foi fado.
Nós, todos nós, não passamos de "mexilhões".
Desculpem se este meu comentário tem a ver com politica..qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
C.Martins
O que o Manecas está a dizer é que não queriam ocupar (instalar-se) em nenhum quartel.Agora tomar de assalto claro que queriam mas para isso era preciso roer muito arame farpado e comer muito chumbo e isso não é bom.Estou a ler o livro do Idálioe esse esteve lá e não vende banha da cobra(até ofereceu o livro aos camaradas).
Manuel Carvalho
C Caç 2366 Jolmete
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