1. Comentário do nosso amigo tertuliano Cherno Baldé*, com data de 16 de Maio de 2012, deixado no Poste 9903**:
Caro Luís Graça,
A tua decisão de integrar o Suleimane na nossa Tabanca Grande terá,
certamente, pouco efeito prático, mas reveste-se de um grande
significado simbólico e de homenagem a todos os ex-milícias e soldados
africanos que serviram na guerra da Guiné que, como costumo referir,
foram voluntários da sua própria desgraça.
A desgraça das pessoas como o soldado José Carlos Suleimane não é só o
facto de ter ou não ter descontado para a aposentação porque, nas
circunstancias em que tudo aconteceu, duvido eu que houvesse alguém
que tivesse a plena consciência da sua importância, mesmo entre os
metropolitanos. Mas no fim, estes homens que serviram de forma
abnegada foram esquecidos, abandonados e o valor do seu esforço, a
causa por que lutaram e viram seus irmãos morrer foi reduzido a nada.
As suas vidas foram reduzidas a nada e entregues as mãos dos seus
inimigos de ontem, a máquina criminosa dos comissários do PAIGC.
O sinal escuro, bem visível na testa do Suleimane mostra o ardor com
que ele se dirige(ia) ao todo poderoso, na solidão do seu
(auto)isolamento, quando não lhe restava nenhuma outra forma segura de
proteção.
José Carlos Suleimane Baldé
Esta marca de profunda devoção e quiçá de desespero humano
acompanha todos os antigos combatentes fulas que eu conheci.
A
primeira vez que a vi, por volta de 1975/76 foi na cara de Mamadu
Baldé, aliás Tenente Mama que fazia parte da 2.ª (?) Companhia de Comandos Africanos que, no entanto, acabou por conseguir chegar a
Portugal e viver os seus últimos anos em paz e reunir parte da sua
família. Nunca mais voltaria a Guiné.
Quero com isso dizer que o valor do reconhecimento é muito superior ao
valor do dinheiro, porque quem arrisca a sua vida numa causa fá-lo com
convencimento do seu valor intrínseco, seja ele politico, social,
religioso etc. e não pelo valor monetário que lhe é pago para o fazer.
É importante que as pessoas, em especial aqueles que foram seus
camaradas de armas, percebam isso.
Obrigado por este teu imenso gesto humano.
Um grande abraço,
Cherno Baldé
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 27 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9817: Tabanca Grande: oito anos a blogar (15): Mensagem do Cherno Baldé, num momento de dor mas também de esperança para o povo guineense
(**) Vd. poste de 15 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9903: Tabanca Grande (338): José Carlos Suleimane Baldé, ex-1º cabo at inf, CCAÇ 12 (Contuboel, Bambadinca e Xime, 1969/74)
Vd. último poste da série de 20 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9631: (In)citações (38): Para uma leitura não-etnocêntrica dos nossos usos e costumes: o caso do casamento tradicional entre os guineenses (Cherno Baldé)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Caros camarigos
O Cherno chama a atenção para a marca (mancha) na testa e relaciona-a com a repetição, com firmeza, de gestos de devoção.
Confesso que não tinha reparado ou, caso o tivesse feito, iria pensar em alguma mancha de pigmentação ou coisa assim.
Realmente estamos sempre a aprender.
Abraço
Hélder S.
O encostar a testa ao solo,ou no Livro, quando em oracäo,provoca na verdade tais marcas emblemáticas da piedade religiosa Muçulmana.Estas serão dignas do respeito de todos nós, por resultantes de muitos anos de devocäo.Certamente é este o caso do nosso Camarada Suleimane.Infelizmente,e os muçulmanos sabem isso bem,algumas destas marcas na testa são usadas por homens ambiciosos (políticos,militares,ou chefes religiosos) para impressionar terceiros com a sua religiosidade extrema,e daí tirar vantagens que pouco terão a ver com a piedade. Alguns dormem com a testa sobre pequena pedra obtendo resultados idênticos.Será pouco cómodo,mas as ambicöes são grandes.Isto näo se aprenderá na Suécia,mas em visitas a países Muçulmanos,e conversando com as gentes locais. Um abraço.
Caro Cherno
Folgo em saber que estás bem.
Para completar a desgraça desse povo tâo sofrido parece que até agora a chuva diluviana sobre Bissau está contra vós.
Cuidado com o provável surto de cólera.
Um abraço
C.Martins
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