terça-feira, 15 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9906: FAP (68): O Óscar e os meus relógios (Miguel Pessoa)





1. Texto e fotos publicados pelo nosso camarada Miguel Pessoa* (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado) na Tabanca do Centro, aqui reproduzidos com a autorização do autor e a devida vénia ao camarada Mexia Alves.






O ÓSCAR E OS MEUS RELÓGIOS

Logo num dos primeiros encontros organizados pela Tabanca do Centro – estamos portanto a reportar-nos aos primeiros meses de 2010 – dirigia-me eu para o local de reunião no Café Central quando dei de caras com um velho conhecido meu, o Óscar. Reconhecemo-nos – eu mais facilmente a ele do que ele a mim… - e trocámos os cumprimentos efusivos de quem não se via há já um par de anos. Bom, não propriamente um par de anos; a última vez que nos tínhamos encontrado terá sido em finais de 1987, há quase quinze anos, quando abandonei as funções que tinha no Grupo Operacional 51, da Base Aérea de Monte Real, e voltei a Lisboa.

Mas já nos tínhamos cruzado há quarenta anos, em 1971/72, sendo eu um jovem tenente colocado na BA5 para ganhar a minha qualificação nos aviões F-86 e Fiat G-91 e assim poder avançar para a minha comissão em África. O amigo Óscar era um dos funcionários que nos “tratava da saúde” na messe de oficiais da Base, pois era um dos empregados de mesa que ali trabalhava.

Sendo solteiro e longe do meu habitat aproveitava o tempo para entabular conversas mais ou menos prolongadas com o pessoal que nos apoiava, e rapidamente descobri que o Sr. Óscar (vamos só chamar-lhe Óscar, que não lhe sei o apelido e não gosto de associar o “Sr.” ao primeiro nome…), bom, o Óscar era um bom relojoeiro e tinha um razoável stock de material para fornecer ao pessoal.

Ora, já me tinham referenciado que o cronómetro do F-86 – o avião que eu ia voar – era de difícil leitura com a trepidação em voo e que seria boa ideia eu dispor de um relógio de pulso com função de cronómetro. O que eu tinha era básico – dava as horas, o que já não era mau – por isso encarei de imediato a hipótese de lhe adquirir um relógio à maneira. E devo dizer que não me arrependi da compra pois ele acompanhou-me em momentos importantes da minha vida, nomeadamente no episódio da minha ejecção e estadia no mato, já na Guiné.

Saímos aliás os dois um bocado maltratados desse episódio, pois se eu tive que recuperar da coluna e da perna, o relógio depois de levar com 18 Gs de aceleração perdeu o botão que accionava o cronómetro e dobrou o ponteiro do cronómetro, que encalhava na marca dos 25 segundos…

Quando regressei da Guiné fiz chegar o relógio ao Óscar, para uma revisão/reparação completa que o tem mantido a funcionar até aos dias de hoje.

Regressei à BA5 para comandar o Grupo Operacional e voltei a encontrar o Óscar, que por lá se mantinha. Achei então que estava na hora de arranjar material mais avançado e decidi comprar-lhe um novo relógio, de quartzo. Estávamos então em Outubro de 1985. Fiquei desconfiado quando ele me disse que a pilha duraria cinco anos e verifiquei que não era bem verdade, pois tive que mudar a pilha em Outubro de 1995, portanto… dez anos depois…

Este relógio está hoje guardado pois esta segunda pilha finou-se ao fim de… mais quinze anos… Desde então aguarda uma decisão minha sobre o que lhe hei-de fazer. Conversando há pouco com o Óscar – agora já reformado e vivendo em Monte Real - este aconselhou-me que não fizesse nada, pois o relógio está exteriormente bastante desgastado e não se justificaria uma reparação cara. Assim, voltei a usar o primeiro relógio que lhe tinha comprado. Só que recentemente o cronómetro deste voltou a pifar. O Óscar já me disse que quando quiser lhe leve o relógio que ele mo arranja. Mas, tenho pensado eu – o Óscar está reformado, eu estou reformado; não será altura de reformar também os dois relógios e deixá-los descansar calmamente na gaveta, com os achaques próprios da sua idade?

Miguel Pessoa
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9168: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (30): Cerimónia de homenagem e comemoração dos 50 anos de incorporação das primeiras Enfermeiras Paraquedistas na Força Aérea Portuguesa (Miguel Pessoa)

Vd. último poste da série de 16 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9751: FAP (67): Os meus STRELAs. Factos e opiniões. (António Martins Matos)

4 comentários:

Sotnaspa disse...

Camarada, Miguel Pessoa.

Gostei desta tua estória sobre a " cebola" e a sua importancia na vida de um homem, principalmente sendo piloto.
O relogio funcionava, (pelo que entendi, era mais fiável), que o aparelho do F-86, o que era importante para indicar a hora de voltar para o alcatrão, não fosse faltar o JP aquela coisa.
Não tendo nada a ver com o assunto, já agora vou dizendo que essa tua decisão de reformares as "cebolas", esta correcta até porque hoje em dia quando precisamos de saber a quantas andamos, basta simplesmente olhar para o telemovel, actualmente está tudo mais facil.
Peço desculpa de tecer este comentário mas, hoje não resisti em "falar" contigo.
Cpts

Um alfa bravo.
ASantos
SPM 2558

manuelmaia disse...

Caro Miguel,

O Butex,deverias reparar.
abraço
manuelmaia

Anónimo disse...

Caríssimo:
Pois é, há “estórias” que aos poucos vão ressurgindo á luz do dia.
Em Fevereiro de 70, mais mês, menos mês, fazia o meu G.C. aquela que seria, sei-o hoje, a última operação para aqueles lados. Estávamos já de regresso ao quartel, 06º 02’ 35”.88S, 14º 40’ 46”.10E, faltava palmilhar uns seis ou sete Km para Poente. Tínhamos acabado de descansar 5 minutos numa mata, recordo-me perfeitamente de ter visto o meu cronómetro, Cauny Prima, dado pelo meu pai, quando fiz a admissão ao liceu, estava seguro por uma pulseira, dada pela minha noiva, quando vim ao “puto” de licença. Terminado o descanso, arrancamos. Aí uns dois km depois, apercebo-me que apenas o braço permanecia no seu “posto”. Olhei para o pessoal, esgotados, avaliei as perdas e, num desespero final, cheguei fogo ao capim e, ponto final…
Alguns meses depois, a bordo do Uíge, comprei um Cauny Prima, cronógrafo, numa tentativa de atenuar o desgosto. Há cerca de duas semanas, em Vandoma, comprei um Cauny que, segundo aquilo que a minha memória permite, é o mais parecido com aquele que o meu pai há perto de 60 anos, me premiou.
Apenas espero que o meu desgosto, finalmente se acalme.
Se, algum dia passar por aquelas bandas, juro que o vou procurar.
Um abraço,
António Brandão Ccaç 2336

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

O nosso amigo Miguel Pessoa tem destas coisas.... até parece que tem premonições, sabe, antecipadamente, o que lhe faz falta, e no fim, como nos casos que conhecemos, o do NSU Prinz e o do Fiat sobre o Cantanhez, as coisas acabam sempre bem, como nos filmes do faroeste.
O Maia recomenda a reparação do 'Butex' e isso é recomendável é certo mas, tal como a foto ilustra, um ao lado do outro a fazerem companhia, até que estão bem 'lindinhos'.
Quanto ao 'Cauny Prima' que o ABrandão refere, também tive um desses, de contrabando, igualmente dado pelo meu pai, igualmente como prenda pela entrada na Escola Técnica.
Mais tarde, na Guiné, comprei um Tissot PR15 na casa "Salgado e Tomé", junto à Amura, que era dum familiar do Cap. Mário Tomé. Ainda o tenho mas agora guio-me pelas estrelas. Confesso que os números do telemóvel e do mostrador do carro também ajudam...

Abraço
Hélder S.