sexta-feira, 18 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9919: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte V : Depois de Piche: de novo em Bissau e Mansoa, a dar instrução a artilheiros, antes de ir para o sul (Bedanda, Gadamael e Guileje)





Guiné > Região de Tombali >  Picada de Gadamael / Guileje >  1969 > Foto do álbum fotográfico de João Martins, Guiné 1967/69, disponível na sua página do Facebook >  Foto nº 188/199 >  "Na picada a caminho de Guileje onde os contactos eram frequentes e muito pesados"...


 [Depois de ter estado em Piche, desde setembro de 1968 (com férias em agosto, na Metrópole, na sua amada praia de São Martinho do Porto), e de ter regressado a Bissau, para dar instrução, no BAC 1, o nosso camarada João Martins é colocado no sul, na região de Tombali, passando sucessivamente por Bedanda, Gadamael e Guileje, antes de ir de novo de férias a Portugal, em agosto de 1969... Esta foto, uma coluna de Gadamael até Guileje, deve ter sido tirada nos primeiros meses de 1960, na época seca... Parte das legendas foram recuperadas da página do Facebook.]



Guiné > Região do Oio >  Farim > 1969 (?) > Foto º 79/199 > "Uma Dornier e um T6 na pista de Farim" [, Quando o João Martins regressou, de Piche a Bissau, de Dakota, em finais de 1968 ou princípios de 1969]



Guiné > Região de Tombali >  Catió > 1969 (?) >  Foto do álbum do João Martins > Foto º 119/199 >"Quartel de Catió" [, De passagem para Bedanda, na época seca, princípios de 1969] 



Guiné > Região de Tombali >  Catió (?) > 1969 (?) > Foto nº 16/199> [O autor diz que esta foto é de Catió, quando por lá passou a caminho de Bedanda... A mim, parece ser o campo de futebol de Mansoa, por onde o João Martins andou quando voltou de Piche, para dar instrução do GA 7, em Bissau]


Guiné > Região do Oio >  Mansoa> 1969 (?) > Foto º 54/199 > "Habitações tradicionais"...



Guiné > Região do Oio >  Mansoa (?) > 1969 (?) > Foto º 48/199 > [Vivenda colonial]


Guiné > Região do Oio >  Mansoa (?) > 1969 (?) > Foto º 52/199 > [Rua com candeeiros de iluminação pública]


Guiné > Região do Oio >  Mansoa (?) > 1969 (?) > Foto º 53/199 > [Rua, com vivenda e mulheres a caminho da pesca (?)...]


Guiné > Região do Oio >  Mansoa (?) > 1969 (?) > Foto º 49/199 > [Rua,  edifício público (?) e agente da polícia administrativa]




Guiné > Região do Oio >  Mansoa> 1969 (?) > Foto º 47/199 >  " Monumento Nacional e escola primária atrás" [de 1951?].



Guiné > Bissau ou Mansoa > 1969 (?) > Foto nº 18/199 > "Mercado"


Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Fotos editadas e parcialmente legendadas por L.G.; no que diz respeito às legendas, o editor  correu deliberadamente o risco de ter cometido algum erro grosseiro, pelo que todas as ajudas serão bem vindas para posteriores correções]



ÍNDICE

1. Curso de Oficiais Milicianos
1.1. Mafra – Escola Prática de Infantaria
1.2. Vendas Novas – Escola Prática de Artilharia – Especialidade: PCT (Posto de Controlo de Tiro)
2. Figueira da Foz – RAP 3 - Instrução a recrutas do CICA 2
3. Viagem para a Guiné (10 de Dezembro de 1967)
4. Chegada à Bateria de Artilharia de Campanha Nº. 1 (BAC 1) e partida para Bissum
5. Bissum-Naga
6. Regresso a Bissau para gozar férias na Metrópole (Julho de 1968)
7. Piche
8.  Bissau, BAC 1
9. Bedanda
10. Gadamael-Porto
11. Guilege
12. Bigene e Ingoré
13. Em anexo, artigos do jornal Defesa da Beira de Esmeralda Antas e de Pinheiro Salvado




Memórias da minha comissão na Província Ultramarina da Guiné - Parte V (*)

por João Martins (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69)

(Continuação)




8. Bissau, BAC 1


[Depois uma temporada em Piche, para onde fui em setembro de 1968, recebi ] uma guia de marcha para me apresentar em Bissau. Lembro-me de ter regressado [, por Farim,]  num Dakota, que parecia ser da última grande guerra tal era a vibração da fuselagem e o barulho que fazia o motor.

Chegado a Bissau, nova tarefa me esperava, dar instrução de manuseamento de obuses a duas secções de instruendos. Depois de umas explicações sobre as partes constituintes, expus o seu funcionamento, e entrámos na parte prática com base no manual de instruções.

Não me foi difícil perceber que o que estava no manual não era o mais eficaz, pelo que alterei a manobra de alguns dos instruendos de modo que passaram a executá-las com mais rapidez como se veio a verificar nas marchas finais, em Mansoa, onde fizemos tiro e pude tirar algumas fotografias.

Dei-me muito bem com estes instruendos, de tal modo que, se ao princípio os obrigava a fazer muitas flexões porque não estavam habituados a estar com atenção ao que se lhes dizia porque não tinham treinado a concentração; para o fim, isso já não acontecia. Estavam de tal modo à vontade comigo que me perguntaram se podiam falar abertamente sem risco de quaisquer represálias, é claro que lhes disse que sim, e expliquei-lhes o meu ponto de vista sobre as causas desta guerra de terrorismo que os nossos “inimigos”, dentro e fora do país, chamavam de “libertação”.

Alguns não sabiam de que lado se haviam de colocar, não tanto por razões do passado, até porque viam nos portugueses da Metrópole pessoas amigas, que lhes queriam bem, mas porque, no futuro, se os portugueses se retirassem, ficariam à mercê do inimigo que provavelmente não lhes “perdoaria”.


Guiné > Zona leste > Piche (?) > s/d > Foto nº 120/199 > [Criancinha, mulata, com a mãe...] "Suponho que era filho de um capitão que por lá passou"…


Expliquei-lhes que o que eles sofriam era idêntico ao que os portugueses da Metrópole também sentiam, um fraco desenvolvimento económico em consequência de uma apropriação de rendimentos do trabalho exagerada por parte do Estado em termos de impostos, e também, regra geral, por parte das empresas que prosseguiam políticas de baixos salários, e ainda pelo facto dos custos energéticos e financeiros serem demasiado elevados. Em consequência, criavam-se poucos postos de trabalho.  

Expliquei-lhes que era frequente as empresas enfrentarem tribunais pouco céleres pelo que, em caso de conflito com clientes com dívidas de cobrança duvidosa, podiam correr o risco de ir à falência; também os intermediários apostados em importar bens sucedâneos e em praticar margens de comercialização elevadas contribuíam para a asfixia económica e financeira dos seus fornecedores nacionais, o que os impedia de aumentar os vencimentos, e, desse modo, contribuir para um poder de compra mais elevado, o que, se tal acontecesse, permitiria um desenvolvimento económico em que todos ganhariam.


 Guiné > Zona leste > Piche > 1968 >  Foto nº 107/199 > [ Gazela, a prisioneira....]  


Dei então o exemplo dos USA, em que a realidade era a inversa, e tendo como consequência um significativo desenvolvimento económico. Expliquei-lhes que Henry Ford II dizia que era um industrial do ramo automóvel que tinha consciência de que, para poder produzir e comercializar os seus automóveis, tinha que ter clientes com poder de compra suficiente para os adquirir, pelo que, em consequência, era importante aumentar os ordenados da generalidade dos trabalhadores; pelo contrário, em Portugal, como nos países do Leste Europeu, a filosofia era a oposta, daí a elevada emigração para países que praticavam políticas salariais mais favoráveis e em que era evidente a preocupação do aumento do poder de compra das populações.

Relativamente à Guiné, disseram-me que, uma das razões que a propaganda do IN apontava.  para justificar a retirada dos portugueses da Metrópole, era que se tal acontecesse as suas casas ficariam para eles.

Expliquei-lhes que não haveria casas para todos, mas só para os “políticos” afetos ao PAIGC, e que, mesmo que ficassem com alguma,  não teriam comida para alimentar mulheres e filhos pelo que teriam que arranjar trabalho, e para isso os portugueses da Metrópole tinham mais conhecimentos e capacidade para criarem empresas que lhes proporcionassem empregos. Caso contrário, teriam que cultivar os campos e voltar à agricultura tradicional ou dedicarem-se à pesca, tarefas a que já não estavam propriamente habituados.

No último dia da instrução, perguntaram-me se não lhes dava mais castigos, que eram por norma dez flexões por distração ou por mau comportamento, respondi-lhes que os castigos que lhes dava eram uma consequência do comportamento deles e que, por isso, eram eles que dariam a resposta, perguntaram-me mais uma vez se podiam falar abertamente, disse-lhes que sempre o tinham podido fazer, perguntaram-me se podiam emitir uma qualquer opinião ou um qualquer pedido, disse-lhes que sim e que o atenderia se me fosse possível.


Para espanto meu o pedido consistia em que eu fizesse dez flexões. Não estava à espera de tal pedido, pensei duas vezes, e rapidamente tomei a decisão de as fazer, recordando “a cena do lava-pés de Jesus Cristo afirmando que tinha vindo à terra para servir e não para ser servido”.  

 Esta minha ação comoveu uns tantos que resolveram também fazer dez flexões. No final da instrução, vieram-me abraçar com o sentimento de amizade que, de facto, nos unia, nos bons e nos maus momentos.

Terminada esta instrução fui colocado em Bedanda onde já se encontrava um pelotão com três obuses 14 cm. Tive que fazer novamente as malas e apanhar uma Dornier (DO) que,  passando por Catió,  onde tirei algumas fotografias que já não sei identificar, acabou por aterrar em Bedanda.


Bedanda foi, sem dúvida um dos locais da Guiné que me deixou mais saudades. Fazia a sua defesa a Companhia de Caçadores 6, do recrutamento da Província, uma milícia, e o pelotão de artilharia. A população era particularmente simpática e notava-se que tinha tido muito contacto com portugueses da metrópole. Aliás, a casa colonial existente era imponente.

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro camarigo João Martins

Desta parte do teu relato, para além de continuar a gostar das fotos, algumas das quais bastante boas, em definição, em enquadramento, também como valor documental, sendo que em algumas das de Mansoa já se vai vendo o céu com nuvens bem carregadas, quero sublinhas a cena das flexões.

Realmente 'chefe manda e.. comanda'
Essa atitude que relatas, a de eles depois de verificarem que estavas a satisfazer o pedido, ou seja, estas a ser 'como eles', te terem vindo saudar efusivamente e de forma que parece estarem a desenvolver uma espécie de 'irmandade' é franca e genuína, espontânea e ainda hoje será a 'pedra de toque' que de modo semelhante pode determinar se o trabalho deste ou daquele 'cooperante' dará ou não frutos, na medida em que for capaz de ser 'como eles'.

Abraço
Hélder S.

João Martins disse...

Caro Hélder Valério

Obrigado pelo teu comentário.
Tenho muito orgulho em ser português, obviamente, não pelos maus exemplos que tivemos entre nós, mas, pelos bons, e, sobretudo, pela nossa história e por todos os que souberam dignificar e honrar a Pátria que nos viu nascer.
Sei de excelentes exemplos que demos de humanismo e humanidade, e procuro esquecer os outros.
Na nossa relação com os nossos irmãos africanos, e esquecendo todos os nossos defeitos, o que mais saliento é o profundo calor humano que nos une e que brota naturalmente nas nossas relações. Não são excepção as que se concretizaram, com a maior das naturalidades, com as bajudas.
Não creio que isso tenha acontecido com tanta naturalidade com outros povos. Por isso, advogo um esforço, na medida das nossas possibilidades, de cooperação e amizade, o que estará na continuação da nossa História e na prossecução da nossa Missão de cristãos de levar "o Amor de Cristo" a todos os povos da terra.
Grande abraço a todos
João Martins