sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26010: Notas de leitura (1732): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1877 a 1880) (23) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Junho de 2024:

Queridos amigos,
Não consigo encontrar explicação para as graves omissões sobre os factos políticos que vão ocorrendo neste período, ainda por cima nos relatórios do Governador do distrito da Guiné diz-se sempre que se vive na mais completa serenidade, as preocupações ficam-se na varíola e na febre amarela. Como o leitor terá oportunidade de ver, chega-se ao cúmulo do Governador Geral de Cabo Verde louvar o seu secretário-geral por ter feito um relatório circunstanciado sobre as "ocorrências" de Bolor, das mesmas nunca se fala; este período que vai de 1877 a 1880 é, pois, tempo de gravosos silêncios, é um Boletim Oficial preenchido de formalidades e da burocracia, aqui e acolá artigos de divulgação, já estamos em 1880 e deve ter faltado dinheiro e legislação apropriada para criar a província da Guiné, os destinos da colónia ainda são decididos na cidade da Praia. Ao aproximarmo-nos do final desta incursão, estou em crer que há vantagem em se consultarem algumas Histórias de Portugal para conferir o que nelas se refere sobre este período - haverá seguramente grandes surpresas.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1877 a 1880) (23)

Mário Beja Santos

Mantém-se este meu estado de incredulidade quanto às graves omissões sobre a real situação do distrito da Guiné neste período, o Boletim Official vai despachando formalidades, nomeações, exonerações, chegadas de degredados, aparecimento de juiz, transferência de farmacêutico, um ou outro louvor, lá se vão publicando sínteses mensais em que tudo parece normal, nem uma palavra sobre o desastre de Bolor mas louva-se quem produziu o relatório; é um quase discreto silêncio o que não se regista neste período e para minha surpresa, e certamente para o leitor, a Guiné é autónoma desde 1879, mas é ainda a partir da Praia que se comanda o seu destino. Vamos aos factos, estamos no ano de 1877.

No Boletim n.º 11, de 17 de março, chegou um juiz à Guiné, como assina o ministro João Andrade Corvo: “Atendendo ao merecimento e mais circunstâncias que concorrem no bacharel formado em Direito Francisco António Duarte de Vasconcelos, advogado nos auditórios de Lisboa: hei por bem, segundo disposto no decreto com força de lei de 28 de dezembro de 1876, nomeá-lo juiz de direito da comarca da Guiné Portuguesa.” No mesmo Boletim anuncia-se a promoção a coronel do governador do distrito da Guiné, António José Cabral Viana. Folheando estes números, também se vai tomando nota de que os casos de varíola são muito intensos, sobretudo em Cabo Verde. Da varíola se fala no Boletim n.º 17, 28 de abril:
“As últimas notícias da Guiné, trazidos a esta cidade pelo cutter Cabo Verde tem a data de 15 deste mês. Não era ali satisfatório o estado sanitário, por isso a epidemia da varíola continuava a fazer estragos, não só no concelho de Bissau, mas também no de Bolama, onde grassava com intensidade. Era regular o estado alimentício e o comércio conserva a sua normal animação. Chegara a notícia de que no chão dos Nalus haviam aparecido casos de uma febre de mau carácter, que alguns supunham ser a febre amarela. Mas os pormenores de que há conhecimento tiram todo o valor a semelhante suposição e fazem crer que tal doença é de outra natureza e tem provavelmente por causa o modo vicioso e até anti-higiénico por que naquele ponto se fazem os internamentos dos gentios. No dia 8 do corrente naufragou no banco denominado Bissássema, no Rio Grande, a barca francesa Pierre, da Praça de Marselha. Havia saído de Bolama no dia anterior com um carregamento de géneros e destinava-se a Marselha. Salvou-se a tripulação e as bagagens, mas a carga reputava-se perdida.”

No Boletim n.º 25, de 23 de junho, de novo más notícias para naufrágios: “Em conformidade com o disposto no código comercial português se faz saber que no dia 14 de maio último naufragara na ponta do oeste na ilha de Bolama na Guiné Portuguesa a barca italiana Meeting, capitão G. Cavassa, propriedade de Jerónimo Jechiofuro, a qual havia saído do porto de Bolama e se destinava a Dunquerque com um carregamento de 33:481 buscheles de mancarra, salvou-se toda a tripulação e respetivas bagagens e tratava-se da salvação da carga.” E para meu pasmo o Boletim Official não volta a falar da Guiné nesse ano.

No Boletim Oficial n.º 30, de 27 de julho de 1878, publica-se um despacho do Governador Geral de Cabo Verde e da Costa da Guiné, António do Nascimento Pereira Sampaio, há que lhe reconhecer interesse:
“Considerando que o distrito da Guiné Portuguesa, pelas condições gerais em que se acha, e pelos vantajosos resultados que do seu melhor e mais rápido desenvolvimento se devem esperar, representa hoje um dos pontos mais importantes desta província, merecendo que por parte dos poderes públicos se lhe preste a mais séria atenção;
Cumprindo a este Governo Geral, não só em execução de determinações do Governo da metrópole, mais ainda no intuito de concorrer pelo modo mais profícuo para a mais breve realização dos veementes desejos que animam o Governo de Sua Majestade, promover os meios mais adequados para se conseguir o fim que se tem em vista, qual o de se dar o melhor, mais rápido e completo desenvolvimento aos interesses da Guiné Portuguesa, etc. etc.:
Hei por conveniente nomear uma comissão
(aparecem claramente referenciados os nomes) que estudará os assuntos relativos à Guiné Portuguesa, em harmonia com o questionário que lhe será dirigido por este Governo Geral e me apresentará um relatório dos seus trabalhos, indicando a opinião que tenha por melhor sobre os vários pontos do questionário e ainda quaisquer considerações que julgo de utilidade no assunto importante que se trata. As autoridades e mais pessoas a quem o conhecimento e execução da presente competir, assim o tenham entendido e cumpram.”

No Boletim n.º 34, de 24 de agosto, voltamos às informações de saúde pública, quem assina é António José Cabral Vieira, Governador do distrito da Guiné: “O estado sanitário deste distrito do meu governo é bom, relativamente aos outros anos da igual estação. As águas têm caído abundantes e quase sem interrupção desde o princípio do mês passado, alagando os campos. Por isso os pântanos, lavados diariamente por fortes correntes, não têm influído contra a saúde pública. O estado alimentício é mau, mas breve começará a abundância com a próxima colheita de milho.” E nada mais a assinalar deste ano.

No Boletim n.º 6, de 28 de fevereiro, somos informados da suspensão de funções do Governador da Guiné, Cabral Vieira, e nomeado provisoriamente para o substituir o major Joaquim José Lobato de Faria. Será ele a assinar a informação sobre o estado do distrito que vem publicado no mesmo Boletim: “Cabe-me a honra de dizer-lhe que tanto o estado sanitário como o alimentício são regulares, reinando perfeita tranquilidade, e que apenas se nota a escassez dos géneros da Europa, devido à falta de comunicação com os navios que de diferentes pontos têm afluído a este porto, e se acham de quarentena de observação, por haverem tocado por escala nas possessões estrangeiras, onde grassou a epidemia da febre amarela. De Cacheu, cujas notícias alcançam a 7 do corrente, informa o respetivo administrador do concelho que são regulares o estado sanitário e alimentício, e inalterável o sossego público, e que só no presídio de Ziguinchor tiveram lugar, a 31 de janeiro último, o falecimento de uma mulher com varíola, vinda havia dias da praça de Selho.”

No Boletim n.º 9, de 1 de março, consta o despacho do Governador Geral: “Tendo o secretário-geral deste Governo Geral, António Maria de Castilho Barreto, sido encarregado em portaria do mesmo Governo no n.º 15, de 18 de janeiro último, de seguir para a Guiné Portuguesa, a fim de se indicar de tudo quanto se prende ou os factos que motivaram as ocorrências de Bolor, e havendo aquele funcionário regressado a esta cidade e feito subir à minha presença o processo da sindicância e circunstanciado relatório sobre o resultado final da sua comissão, que muito bem desempenhou; hei por conveniente louvar este secretário-geral pela maneira por que cumpriu todos os artigos das instruções que lhe foram dadas.”

Fiquemos agora por aqui, é grande o pasmo de se falar do relatório acerca do chamado desastre de Bolor e não haver uma palavra antes nem depois sobre uma tragédia que levou o Governo de Lisboa a desafetar a Guiné de Cabo Verde.

Notícia da morte do major Lobato de Faria, Boletim Oficial nº12, 22 de março de 1879
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Notas do editor

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Último post da série de 30 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25995: Notas de leitura (1731): "O homem que via no escuro, A Lisboa de Bruno Candé", por Catarina Reis; Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2023 (Mário Beja Santos)

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