quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26001: Historiografia da presença portuguesa em África (445): A Guiné Portuguesa em 1878 - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, últimos meses de 1883 (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de julho de 2024:

Queridos amigos,
O Governador Pedro Ignácio de Gouveia pautou-se pela firmeza, pelo diálogo, fora-lhe aparecendo colaboradores competentes, os acontecimentos bélicos no Forreá perderam intensidade, dir-se-á que o governador teve sorte, mas também fez por isso. Obstinou-se junto do Governo de Lisboa para haver uma nova divisão concelhia, esta, que vem totalmente referida no texto que se junta, merece ser refletida, temos aqui uma forma rigorosa de avaliar o que era a presença portuguesa na Guiné, a redação do documento é cuidadosa referindo sem prazos nem meios que poderá haver estabelecimentos a fundar-se, outros pontos a ocupar, ainda não havia fronteiras, era tudo uma nebulosa, à cautela fala-se da nossa presença no Casamansa, não há uma só palavra sobre a Península do Cacine. Não deixa de ser tocante a peça de teatro que entusiasmou a população de Buba, a propósito do dia natalício de sua alteza o Príncipe Real. E a solidariedade não era palavra vã, como se viu a recolha de dádivas para socorrer as vítimas da estiagem em Cabo Verde.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, últimos meses de 1883 (4)


Mário Beja Santos

Ao longo deste ano, como se referiu anteriormente, foram sendo introduzidas alterações de monta na vida organizativa da província, um caudal de regulamentos e regimentos, e pelo Boletim Oficial n.º 34, de 25 de agosto, surge a divisão concelhia da Guiné, quatro circunscrições com a denominação de concelhos: - Bolama, com sede na ilha do mesmo nome, compreendendo a denominação denominada Colónia, ilha de Orango, todos os pontos ocupados na margem esquerda do Rio Grande, desde a feitoria D. Amélia até ao fim dos domínios de Portugal, fronteiro ao arquipélago dos Bijagós, e bem assim tofos os estabelecimentos vierem a fundar-se no dito arquipélago; - Concelho de Bissau, compreendendo a vila de S. José, o presídio de Geba, Fá e S. Belchior e todos os demais pontos ocupados ou a ocupar nas margens dos rios de Bissau, do Corubal e do Geba; - Concelho de Cacheu, com sede em Cacheu, formado pela praça do mesmo nome, pelos presídios de Farim e Ziguinchor, pelas povoações de Mata e Bolor, e por todos os pontos ocupados, ou que de futuro vierem a ser ocupados nas margens dos rios de Farim e de S. Domingos; - Concelho de Bolola, com sede na povoação deste nome, compreendendo Sta. Cruz de Buba e todos os pontos que de futuro forem ocupados na margem direita do Rio Grande.

Temos procurado não ser repetitivos quanto à descrição de nomeações e exonerações, autorizações para férias, movimento criminal, chegadas e partidas de navios, receitas alfandegárias, quadros de situação locais, em que se fala do estado sanitário, alimentício, comercial, sossego público, obras públicas e municipais, agricultura e ocorrências policiais. Mas não deixa de ser bastante curioso o boletim de informação referente ao mês de agosto de 1883, constante do Boletim n.º 38, de 22 de setembro, assina o administrador do concelho de Bissau, que também já vimos como comandante militar, Carlos Maria de Sousa Ferreira Simões:
“O comércio tem corrido pouco animado, o que não é para estranhar por não ser esta a estação própria. As chuvas, que têm sido torrenciais, têm causado algum atraso à agricultura. Há sossego em todo o concelho, exceto nas imediações de Geba, onde ainda se conservam os Fula-Forros, capitaneados por Bakar Kidaly, auxiliando os Biafadas contra os Fula-Pretos. Bakar Kidaly enviou emissários ao régulo Dembel e ao seu chefe de guerra – Mussá, Fula-Preto, propondo-lhe paz. Supõe-se que estra proposta será aceite.

Os mouros principais de Begine foram expressamente a Geba visitar o chefe daquele presídio, o alferes Marques Geraldes, e agradeceram-lhe a proteção que ele tem dispensado, dentro da praça, aos indivíduos daquela raça que lá vão negociar.
A última guerra contra os Balantas está produzindo os efeitos desejados.

Há dias, um soldado do destacamento, movido pela embriaguez, furtou um pano a um Balanta de Oco. O gentio, sem dizer uma só palavra ao soldado, dirigiu-se à secretaria da administração do concelho e queixou-se; mandei indagar que soldado tinha sido e na presença do próprio gentio o mandei prender e dei ao Balanta um pano novo na substituição do roubado, que era muito velho. Na tarde do dia imediato voltou o mesmo Balanta à administração, então acompanhado de outros indivíduos da sua raça e disse que me vinha pedir para que eu fosse à sua terra porque desejava que todos lá me conhecessem, e que eu havia de ser seu hóspede. Respondi-lhe que lá iria passando a estação invernosa.
Registo este facto por ser mais uma prova além das muitas que já tenho de que estes homens, apesar de verdadeiros selvagens, conhecem bem quando com eles se procede com justiça e imparcialidade.”


No Boletim n.º 44, de 3 de novembro, consta uma circular difundida pela Secretaria Geral do Governo, que foi também difundida pelos comandantes militares de Cacheu e Buba e chefes de presídios:
“Sua Excelência, o Governador, encarrega-me de dizer a vossas Senhorias, para os devidos efeitos, que não se dê nunca preferência a uma raça gentílica sobre outra, salvo quando elas se diferenciarem nas melhores ou piores relações com o Governo pu pelo seu procedimento para com o comércio da província. A proteção do Governo é igual para todos sem distinção de tribos de nações ou raças, enquanto dela não desmereçam.”

Voltando um pouco atrás, ao Boletim n º 40, de 6 de outubro, da administração do concelho de Buba, assinado pelo administrador Ventura Duarte Barros da Fonseca, reserva estes parágrafos, guardam a sua eloquência:
“No dia 28, natalício de sua alteza o Príncipe Real, e da última vitória de guerra contra os Fulas teve lugar pelas 20h30 uma récita dada pelos oficiais interiores do destacamento, sendo grátis a entrada.
Constando que o 1.º sargento, Policarpo Augusto da Silva, pretendia abrir um pequeno teatro, não pude deixar de o animar, não só por ser instrutivo divertimento, mas porque atos públicos moralizadores civilizam.
À hora indicada, entrei no dito teatro e foi para mim muito agradável ter aproximadamente 50 pessoas de ambos os sexos na plateia, bem-trajadas, no maior silêncio, admirando a casa com muito apuro condecorada, e como que ansiosos por o correr do pano.
Sentando-me no lugar que me estava destinado, junto do palco, como comandante-militar, logo se deu o sinal para correr o pano e seguiu-se a representação de cenas cómicas e poesias, que durou até à meia-noite; correndo tudo na melhor ordem, prestando-se todo o entusiasmo e atenção tanta, que pessoa alguma saiu para aproveitar os intervalos.
Assistiram alguns habitantes das pontas, o rei dos Mandingas, o qual esteve sempre em pasmo, dizendo-me por fim que desejava que eu o convidasse para as outras récitas.”


Aproximamo-nos do fim do ano, retenho que o seu indiscutível interesse do Boletim n.º 49, de 1 de dezembro, o ofício do comandante militar de Buba, tenente Bernardo Francisco Luís da Cruz, ele acabara recentemente de ser nomeado administrador e comandante-militar do concelho. E tece algumas considerações:
“A decadência do tráfico mercantil ocasionada pelas últimas guerras feridas no Forreá vai desaparecendo, tendo atualmente o concelho um novo aspeto, concorrendo a ele muitos Fulas que vêm comerciar vários géneros coloniais, como arroz, manteiga, gado vacum, couros, cera e borracha, permutando-os por fazendas, tabaco, aguardente, etc. etc., com as casas comerciais Blanchard & Cª e outras. A principal agricultura do concelho é a da mancarra e milho fino.
Tratando do estado da praça, sou de dizer a Vossa Excelência que a paliçada está em bom estado, ficando o material de guerra armazenado em casa do comandante-militar, por ser de maior segurança. Torna-se de urgente necessidade que seja construído um aquartelamento para 60 praças e vários consertos no aquartelamento que hoje existe; bem como uma enfermaria com a competente cozinha e utensílios correspondentes.
As casernas acham-se totalmente arruinadas, aquartelando-se as praças em grupos de três em pequenas cubatas fabricadas pelos soldados, no recinto do aquartelamento.”


E assim termina o ano de 1883, neste volume consta um documento de precioso valor moral intitulado A Fraternidade da Guiné a Cabo Verde, foi-lhe dedicada a socorrer as vítimas da estiagem da província cabo-verdiana, é número único, tem uma tiragem de dez mil exemplares, data de Bolama, 31 de outubro. A solidariedade praticava-se.

Pedro Ignácio de Gouveia, distintíssimo oficial da Armada, sucede a Agostinho Coelho como Governador da Guiné (será Governador entre 1881 e 1884). A primeira vez que me confrontei com a sua prosa, e que muito me impressionou, foi a carta que ele dirigiu ao ministro da Marinha e Ultramar referindo a viagem do alferes Marques Geraldes até Selho (hoje no Senegal), para ir buscar mulheres raptadas de um parente do régulo local, é um belíssimo documento.
Estabelecimentos portugueses em Buba, no Rio Grande, profundamente afetados pela guerra do Forreá
A canhoneira Guiné, 1879-1883
Bafatá, avenida principal com igreja matriz reformulada por Eurico Pinto Lopes/GUC, 1950.
Foto de Ana Vaz Milheiro, 2011, com a devida vénia
Edifício do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, imagem postal da época colonial.
Bilhete Postal, Coleção “Guiné Portuguesa, 143”
Edifício do Museu Etnográfico Nacional da Guiné-Bissau (na atualidade)
A fonte pública de Bafatá, 1918. Imagem conservada no nosso blogue

(continua)
_____________

Nota do editor

Último post da série de 25 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25980: Historiografia da presença portuguesa em África (444): A Guiné Portuguesa em 1878 - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, inícios de 1883 (3) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

E assim termina o ano de 1883, neste volume consta um documento de precioso valor moral intitulado A Fraternidade da Guiné a Cabo Verde,

Fraternidade, que outros mais tarde chamavam UNIDADE.

Beja Santos traz-nos um Portugal histórico, tão diferente do Portugal contemporâneo!

A nossa geração ainda conheceu um bocadinho do Portugal histórico...que bom ou mau tem que ser respeitado, por todos, es excepção.