CCAÇ 675
Relação das minas que tanto nos fustigaram
Datas e consequências
As minas são, como soe dizer-se, autênticos diabos à solta; outros demónios, também estuporados, são as emboscadas e as armadilhas. De entre todas… que o diabo escolha!
A Primeira mina - que tão profundamente nos marcou - 28/12/1964 – eram 12H30 – na estrada de Bigene, entre Sansancutoto e Genicó-Mandinga. Vínhamos duma patrulha ao nosso “far-west”. A mina explodiu sob a roda de trás, direita, da segunda viatura, o unimog MG-01-86, conduzido pelo sold. cond. auto n.º 2577, Virgílio M. M. Carvalho (mais conhecido por “Malveira”). Foi seguida duma emboscada duríssima!
Provocou:
a) Um morto – o fur. mil. Álvaro M. Vilhena Mesquita; ele seguia, precisamente, sobre a roda que fez explodir a mina. Segundo a opinião abalizada do nosso Dr. Barata, no local, quando o Mesquita “aterrou” já nos tinha “abandonado”… para sempre.
b) 3 feridos muito graves:
- Sold. at. n.º 2085, António Filipe – quase quatro anos de internamento, no HMP, em Lisboa.
- 1.º cabo n.º 2231, M. Craveiro da Silva – mais de três anos no HMP.
- Sold. trans. n.º 2978, Severino D. M. Nunes – dezoito meses internado no HMP.
Nota: Enquanto esteve internado, o António Filipe fez o 5.º ano dos liceus – uma proeza digna de registo.
c) Quatro feridos ligeiros:
- Sold. at. n.º 2096, J. Tomás Marques;
- Sold. at. n.º 1909, F. Ribeiro dos Santos;
- Alf. mil. J. M. Fernandes Costa;
- Sold. nativo n.º 06/63/U- Nashastima Dum.
D) Do unimog sinistrado restou, apenas:
- Um pneu;
- O depósito da gasolina;
- Um monte de ferros retorcidos e calcinados.
Valeu-nos a presença, entre nós, do Padre Eterno… que conduzia a primeira viatura.
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Segunda mina – 05/01/1965, cerca das 17H00, na picada de Guidage, a meio caminho, entre Cufeu e Ujeque – precisamente, oito dias, após a primeira. Era uma ameaça incomensurável!
Vínhamos de uma badalada “operação”, na península de Sambuiá; demolimos quanto, por ali, havia de pé!
Esta mina foi detetada pelo sold. cond. auto n.º 2775, Firmino A. Carola Padre Eterno, ao volante da sua GMC.
Ele contou:
- Encabeçando a coluna, eu vinha a seguir as pegadas de uma vaca, na areia da “picada”; de repente, em vez das pegadas, apareceu o rasto dum pneu. Como a viatura não tinha travão de pé, eu usei o de mão com toda a força; a GMC parou, ficando uma roda de cada lado da mina.
O nosso furriel Pedra barafustou e eu respondi:
- “Está ali uma mina!”
Ele não acreditou e meteu lá o pé; apercebendo-se daquela bomba, ele quase virou “calhau”!
Alguém que gosta de se rir e fazer rir os outros, comentou:
- Tu seguiste as pegadas da vaca mas, na verdade, o que tu tiveste foi uma vaca… do caraças.
O indómito inventor do “quadrado móvel” provocou a explosão da mina, no local, sem riscos para ninguém.
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Terceira Mina – 09/03/1965, ao fim da tarde, junto ao entroncamento de Genicó – Mandinga.
Explodiu sob a roda da frente direita da 6.ª viatura – caso estranho!
- Seria telecomandada?
Suspeitou-se que sim mas – não seria, certamente! - Havendo viaturas com mais de vinte pessoas a bordo, não selecionariam uma com apenas cinco.
Provocou:
- Dois feridos muito ligeiros:
- Sold. cond. auto n.º 2569, J. Galvão de Oliveira (o Barbosa);
- Um soldado africano (ou milícia?) cujo ferimento foi tão ligeiro que o seu nome não ficou… para a história.
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Quarta Mina – dia 11/04/1965, junto à segunda ponte da bolanha de Cufeu – seriam 06H45.
Foi seguida de uma violentíssima emboscada, a partir da margem direita da bolanha.
O local foi, inteligentemente, escolhido! Os independentistas não eram burros!
No fim da bolanha, a estrada curvava, ligeiramente, à direita e os nossos adversários colocaram-se mesmo no enfiamento da estrada que sobrelevava a bolanha.
Ao entrar naquela zona alagadiça, foram criados, naturalmente, espaços significativos, entre as viaturas – contrariamente ao que já estava determinado.
Na frente, seguia a mercedes do sold. cond. auto n.º 2466, J. A. Jesus Alexandre, bastante isolada.
A mina era comanda, a distância! Temos a certeza! A explosão ocorreu antes que a roda a pisasse.
Assim, os danos no pessoal foram mínimos. O único ferido foi o condutor atrás citado – ferido ligeiro (aparentemente), num pé. Foi evacuado para o HM de Bissau e, logo, para o HMP, em Lisboa.
Em consequência… passou à disponibilidade, porque já tinha mais de quinze meses de comissão.
Devido à explosão, o motor da mercedes (pesaria mais de meia tonelada) “voou” e “mergulhou” na bolanha, onde ficou submerso; talvez se encontre lá, ainda! O mesmo aconteceu à espingarda G3 do sold. at. n.º 2176, M. Duarte Frade que seguia, ao lado do condutor.
Os independentistas, nossos adversários, abrigados atrás de árvores e no “enfiamento” da estrada, desencadearam uma violentíssima emboscada. Logo, o Frade “roubou” a espingarda a um milícia e, absolutamente sozinho, enfrentou, corajosamente, todo o “peso” brutal daquela emboscada, abrigando-se, na “cratera” provocada pela explosão da mina anticarro.
Os outros militares “avançaram por lances”, ao longo da via demasiado estreita; sentiram enormes dificuldades para, passando ao lado da viatura sinistrada, se irem juntando ao Frade; alguns rastejaram sob a mercedes para aumentar o número de combatentes, na cabeça da coluna.
Apercebendo-se que o número de soldados, lá na frente, ia aumentando e temendo poder vir a ser cercados, os guerrilheiros “deram corda aos sapatos”; terão procurado refúgio, em Sambuiá, donde terão partido – só pode!
Segundo averiguámos, haveria, ali, mais de trinta guerrilheiros; terão aguardado pela nossa tropa, durante dois ou três dias.
Hoje, não tínhamos, ali, o Padre Eterno mas… valeu-nos o Jesus Alexandre! Tínhamos sempre boas companhias!
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Quinta Mina – 13/05/1965 – cerca das 08H00, próximo de Faer, região de Sanjalo.
Provocou um ferido ligeiro (perfuração do tímpano), o sold. at. n.º 1887, António S. Gregório; não chegou a ser evacuado para o HM 241, em Bissau, porque, por si só, ou devido aos medicamentos ministrados, o tímpano regenerou-se.
A intensíssima deslocação de ar, provocada pela explosão da mina, foi tal que “enfureceu” um enxame de abelhas localizado na árvore sob a qual a mina explodiu. Alguns militares viram-se obrigados a abandonar as espingardas para se defenderem das “abelhas loucas”, à bofetada.
O senhor Ribeiro, o madeireiro de Binta, levou tantas e tão intensas picadas que o nosso médico, Dr. Barata, teve de o tratar, durante vários dias, quase em permanência.
A velha GMC (heroica resistente da segunda GG) teve de ser rebocada. Fomos bafejados pela sorte, porque era o dia de Nossa Senhora de Fátima e porque o Padre Eterno estava ao nosso lado, mais uma vez, mas… a sua viatura preferida foi pró maneta! Antes a viatura que os homens!
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Sexta Mina – Estrada de Guidage, ao lado da antiga tabanca de Ujeque – 10/02/1966, cerca das 11horas.
As viaturas passaram no local, a caminho de Guidage; como não estava prevista grande demora, aquele sempre perigoso local não ficou sob vigilância da n.t. (nossa tropa), contrariamente ao que era habitual.
O instalador de minas estaria de atalaia e, em tempo breve, tê-la-á colocado. Com a pressa ou temendo que nós aparecêssemos, a mina não terá ficado, devidamente, “camuflada” – graças a Deus!
Foi detetada e, logo, “levantada” pelos nossos “sapadores privativos” – que não tínhamos. Os tais sapadores foram substituídos por “voluntários acautelados”. A mina foi levantada… sem qualquer perigo – há horas de sorte! Era uma TM46.
Em resposta, enviámos para a base de Sambuiá, via SPM, com pedido de urgência, meia dúzia de granadas de morteiro. Pretendíamos avisar aquela base temível que estávamos todos vivos… ainda.
Aquela mina seria – pensámos nós – uma resposta dos guerrilheiros a uma “falsa e desconexada visita” àquela base, alguns dias antes.
As nossas “chefias” deveriam saber que, se decidimos “bater”, temos de agredir mesmo, em força, porque na guerra não há lugar a “cócegas” e, quem não bate… leva!
Conclusão: devemos ter em conta que as alterações que levámos a cabo para proteção do nosso pessoal, iam dando bons frutos.
O diabo não está sempre atrás da porta!
Azar desmedido na primeira! Sorte nas restantes! Coisas da vida!
Região do Oio - Localização de Binta
© Infografia Luís Graça & Camaradas da Guiné
Após a primeira mina, era necessário mudar o rumo dos acontecimentos.
Teríamos de inovar! Não podíamos esquecer o facto de termos Nossa Senhora de Fátima, o Padre Eterno e o Jesus Alexandre do nosso lado. Tivemos essas ajudas, é certo, mas teríamos de cumprir a nossa parte.
Vejamos as alterações (materiais e comportamentais) que pusemos começámos a pôr em prática, após a primeira mina.
Como sempre, a primeira palavra (inovação) pertencia ao nosso mui ilustre capitão; de seguida, era a vez dos subalternos, dos furriéis e dos próprios soldados colocarem aquelas ideias em prática. Todos nos orgulhávamos de obedecer às ordens ou sugestões de tão distinto oficial do nosso Exército.
Vejamos quais foram as decisões colocadas em prática para minimizar (ou tentar diminuir) os efeitos perniciosos das minas anticarro:
- As viaturas passam a circular sempre com pequenos intervalos entre si.
- Cada condutor tem de pisar o rasto da viatura que o precede.
- As viaturas não podem circular a mais de 30/40 km hora;
Nota: os nossos condutores terão sido ensinados, durante a instrução que, se, em alta velocidade, pisassem uma mina, quando ela explodisse, eles já estariam longe… e fora de perigo. Parece inacreditável que alguém ensinasse isso mas… era o que eles diziam. Tal ensinamento “não tinha pés nem cabeça” ou “não tinha ponta por onde se lhe pegasse” ou “não tinha pernas para andar”.
- Os estrados das viaturas vão ser cobertos com uma espessa camada de terra cuidadosamente peneirada para evitar (ou diminuir) o efeito dos estilhaços.
- Sempre que possível, as estradas serão “picadas” com estiletes metálicos para detetar minas. Aquelas barras metálicas afiladas na base eram os “detetores… dos pobres”!
- Serão colocados sacos de terra, sob os assentos, da cabina.
- O piso da cabina será coberto por uma espessa camada de terra crivada.
- Serão colocados sacos de terra sobre os guarda-lamas.
- Usaremos calhas de madeira no enfiamento dos pedais para proteger os pés dos condutores.
Enfim! Aumentámos o peso das viaturas mas as pessoas (a parte mais importante) passavam a ter mais e melhor proteção.
Coincidência ou não, as minas, como vimos, deixaram de ter os efeitos altamente perniciosos como os que sofremos com a primeira mina.
Valeu a pena!
Nada fazer (alterar) seria a maior asneira!
Lisboa, abril de 2024
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Nota do editor
Vd. post de 26 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25983: A CCAÇ 675 - A Gloriosa - Como se “inventou” e gerou o mito – verdadeiro da Gloriosa CCaç 675 (Belmiro Tavares, ex-Alf Mil)
2 comentários:
"....apareceu o rasto dum pneu."
Era usual ser dissimulada com um pedaço de pneu para tapar a terra remexida com a montagem da mina a/c.
A montagem da mina naquele terreno alagado devia ter sido complicado, por ao abrir um
buraco logo voltava a encher de água.
Minas telecomandadas? Em 1965 ainda não havia dessas modernices. As minas comandadas à distância só podiam ser por comprido fio de "rastilho" eléctrico, com um sistema idêntico ao utilizado nos rebentamentos das pedreiras, mas logo de seguida recolhido sem ser apanhado pela NT .
Pelos vistos, com as recomendações do capitão deixou de haver mortos e feridos graves apenas um motor da Mercedes a voar pelos ares.
Valdemar Queiroz
O que os turras costumavam fazer em Angola, era retirar uma roda que tivesse ficado em bom estado (incluindo o respetivo pneu incólume), de uma viatura militar sinistrada e abandonada, por ter acionado uma mina ou sofrido um acidente. Posteriormente, a seguir a terem colocado uma mina anticarro numa picada, eles rolavam essa roda por cima do local da mina, de forma a parecer que tinha passado por ali uma viatura. A roda não era suficientemente pesada para fazer acionar a mina e o rodado ficava marcado por cima dela, dissimulando a presença da mina.
Os militares que seguiam naquela viatura bem podiam erguer uma estátua ao condutor, porque ia atento e assim salvou corpos e almas.
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