1. O nosso Camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto da 1.ª CCAV do BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Boruntuma (a minha 1.ª CCAV/BCAV 8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá), 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem:
Caros Camarigos,
Na sequência do texto publicado neste Blog no passado dia 7 (P 14128) aqui vos deixo mais um pouco das minhas memórias da guerra, como testemunho do que se passou em Copá em Janeiro e Fevereiro de 1974.
Copá. Janeiro e Fevereiro de 1974.
Memórias da guerra. O abate do último avião na Guiné.
Entretanto Copá continuava calmo desde o dia 7 de Janeiro de 1974 e assim se manteve durante praticamente todo o resto do mês, mas o infernal dia 7 tinha deixado vários estragos, entre os quais os pneus e o depósito de combustível da viatura (única) furados, o que fez com que durante cerca de três semanas não tivéssemos viatura para irmos à água e à lenha, remediávamos com a lenha que se ia arranjando à volta do quartel e a água, ia o pessoal de cada abrigo buscar a sua com latas.
Mas, um belo dia eu acordei bem disposto e resolvi consertar os furos nos pneus e no depósito, neste último com um taco de madeira certo à feição e a meio da tarde desse dia 31 de Janeiro de 1974 eu tinha o carro pronto a andar e continuava com a mesma boa disposição com que me tinha levantado de manhã.
Fui para o abrigo e até fiz o serviço do puto, lavei a mesa e os bancos e no fim sentei-me na cama sozinho a pensar numa notícia que dias antes tinha ouvido na rádio do PAIGC e que dizia que, até ao fim do mês Copá seria arrasado, ora aquele era o último dia do mês e pensando nisto de súbito comecei a sentir uma grande tristeza, não sei por que razão, mas o meu coração adivinhava algo de mal.
Despi a roupa, peguei numa toalha e preparava-me para ir tomar um banho.
Quando já com a toalha à volta da cintura ia a sair a porta do abrigo, ouço ao longe uma saída de morteiro, que só me deu tempo a atirar-me de barriga para o chão e já estava a rebentar na minha frente.
Eram cerca das 17h30 e, começava assim mais uma violenta flagelação a Copá com morteiros 120, confirmava-se a tristeza que eu tinha sentido antes, porque durante esse ataque iria acontecer uma coisa trágica e quase inédita na guerra colonial ou pelo menos rara.
Esta era mais uma flagelação da artilharia do PAIGC a Copá, quebrando a relativa paz de quase um mês, flagelação essa que iria ter a duração de cerca de hora e meia a duas horas, tendo caído dentro do arame farpado perto de 20 granadas felizmente sem consequências. Esta flagelação a Copá, foi desferida a partir de duas bases distintas: a artilharia do PAIGC estava instalada na região da fronteira frente a PANANG R e na região nordeste de Copá, SINCHA JADI.
Visto que, como prevíamos um ataque em força, pedimos auxílio ao Comandante de Batalhão e este por sua vez pediu-o a Bissau ao Governador-Geral Bettencourt Rodrigues, que imediatamente mandou dois aviões Fiat G-91 em auxílio de Copá.
Esses aviões tinham naquela altura o nome de código de «Miquel», enquanto Copá se chamava por sua vez «Ex-Rei-Victor» e era por estes nomes que se comunicavam os pilotos dos aviões e o homem das transmissões.
Logo que os aviões Fiat começaram a sobrevoar a área de Copá, como de costume, o inimigo calou-se, os Pilotos pediram ao homem das transmissões as referências necessárias e prepararam-se com as manobras que entenderam para bombardear o local indicado, um de cada vez, o primeiro sobrevoou o local, depois baixou de altitude e largou a primeira bomba sobre SINCHA JADI, enquanto o segundo se mantinha à distância, mas quando o primeiro descarregou a bomba, começou a ganhar novamente altitude, embora estivesse a acontecer uma coisa estranha, ouviu-se um segundo rebentamento e o avião levava lume na cauda, a determinada altura, quando ele já ia bastante alto, vimos perto dele uma pequenina sombra que nos parecia um pássaro a voar, mas logo de seguida o avião guinou para o lado esquerdo, neste caso para o lado do Senegal e começou de novo a baixar, e nessa altura pensávamos nós em Copá que ele iria largar a segunda bomba numa outra base inimiga, que nos estava a flagelar a partir daquela direcção, (PANANG R) mas era puro engano, o avião ia acabar por se despenhar, talvez próximo ou dentro do território Senegalês a cerca de 3 a 4 Kms de Copá, enquanto o piloto que era a pequena sombra que antes tínhamos visto junto ao avião se tinha ejectado ao aperceber-se que fora atingido por um Míssil Russo (Strela Terra-Ar) e desceu de pára-quedas sem qualquer problema, só que, a área onde ele desceu era perigosa, porque era aquela onde se encontrava o inimigo e distante de Copá cerca de 5 Km.
Quanto ao avião, ao despenhar-se no solo, provocou uma estrondosa explosão e chamas com uma altura enorme, o que foi com certeza motivo de grande alegria para os homens do PAIGC que acorreram todos para o local da queda e que com aquela acção se deram por satisfeitos naquele dia, tendo terminado por isso aquela flagelação a Copá.
A queda do avião deu-se por volta das 7 horas da tarde, quase ao anoitecer e o inimigo dirigiu-se imediatamente para o local, pelo que passado pouco tempo era já noite, eles lançaram do local da queda um very-light vermelho, sinal luminoso que nos indicava a presença deles naquele local. O segundo avião Fiat ao aperceber-se do que tinha acontecido ao primeiro abandonou o local a todo o gás na direcção de Bissau e ninguém mais o viu.
O piloto do avião abatido, veio a descer precisamente no local onde minutos antes tinha largado a bomba e a sorte dele, foi o inimigo ter saído dali para ir ver os destroços do avião, senão talvez tivesse sido feito prisioneiro, mas ele ao ver-se em terra, largou o pára-quedas e talvez desorientado desatou a fugir, mas não se dirigiu a Copá e, no outro dia de manhã ainda ninguém sabia dele, pelo que, nesse mesmo dia de manhã, começaram a chegar a Copá uma série de helicópteros, 2 avionetas e 2 aviões Fiat para fazerem uma busca e tentarem localizar o piloto desaparecido. Nesse conjunto de helicópteros era transportado o famoso Sargento dos Comandos Africanos, de seu nome, Marcelino da Mata e o seu categorizado e célebre grupo de homens por ele treinado e conhecido em toda a Guiné durante a guerra colonial, pela forma corajosa e eficaz como combatiam ao lado das tropas Portuguesas.
Mas as buscas durante toda a manhã com todo aquele aparato aéreo, tornaram-se infrutíferas e o piloto não apareceu, apenas encontraram o pára-quedas e algumas granadas do PAIGC e, como o homem não aparecia, ao fim da manhã regressaram a Bissau.
Mas por volta das 5 horas da tarde desse mesmo dia, chegou a Copá uma mensagem que dizia, que o Piloto Tenente Gil (8), tinha aparecido num aquartelamento prós lados de Nova Lamego (soube mais tarde que esse aquartelamento era Piche) e que tinha já contado a história da sua aventura, que era a seguinte: mal chegou a terra começou a andar praticamente sem destino e andou quase toda a noite e no dia seguinte, com a sorte de não ter sido apanhado por ninguém, até que chegou a uma certa povoação e pediu a um homem Africano que o guiasse até ao quartel mais próximo, o que realmente aconteceu e só nesse momento é que ele pode comunicar que estava vivo e livre de perigo e tinha terminado também aquela sua com certeza muito marcante aventura.
(8) Piloto Tenente, Victor Manuel Castro Gil
Link do episódio Nº. 17 da Série "A GUERRA" da RTP:
www.rtp.pt/programa/tv/p28097/e17 Um abraço,
António Rodrigues
Sold Cond Auto do BCAV 8323
Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
8 comentários:
António Rodrigues,
Camarada, eu nessa época estava em Nova Lamego, estou a escrever para rectificar um "pequeno" pormenor, o Marcelino da Mata não era Sarg. mas Alferes, nessa altura de Copá, há quase um ano.
Também não pertencia aos cmds, ele próprio tinha o seu grupo que era independente.
Hoje, depois de ter sido tratado muito mal pelos "revolucionários", fez-se alguma justiça e é Ten. Cor. do exercito de Portugal.
Foi apenas um reparo, um alfa bravo para ti do
ASantos
SPM 2558
Meu caro António Rodrigues, um dos heróis de Copá
Obrigado, meu amigo, por trazeres de novo o teu tesmunho, honesto, factual, rigoroso.
Registo:
"Nesse mesmo dia de manhã, começaram a chegar a Copá uma série de helicópteros, 2 avionetas e 2 aviões fiat para fazerem uma busca e tentarem localizar o piloto desaparecido.
Nesse conjunto de helicópteros era transportado o famoso Sargento (alferes) dos Comandos
Africanos de seu nome Marcelino da Mata e o seu categorizado e célebre grupo de homens por ele treinados e conhecidos em toda a Guiné-Bissau durante a guerra colonial, pela forma corajosa e eficaz como combatiam ao lado das tropas Portuguesas. "
Depois de Abril de 1973, com o abate de cinco aviões pelos Strelas do PAIGC, só este Fiat do tenente GIL, a 31 de Janeiro de 1974 foi abatido, não houve mais nenhum avião abatido. E o tenente Gil ejectou-se e salvou-se.
Extraordinária a coragem permanente destes nossos pilotos que tive a sorte de tão bem conhecer, na vida e na morte, em Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/1974.
E registo outra vez as tuas palavras, meu caro António Rodrigues:
"Nesse mesmo dia de manhã, começaram a chegar a Copá uma série de helicópteros, 2 avionetas e 2 aviões Fiat para fazerem uma busca e tentarem localizar o piloto desaparecido."
E continuamos a ter neste blogue sumidades intelectuais, e anexos, a querer convencer-nos que, depois de Abril de 1973, com os Strela, perdemos a supremacia aérea, deixámos de voar, deixámos de dar apoio às tropas no terreno e fomos derrotados pela superioridade militar do PAICG.
Honra aos nosso pilotos!
Desprezo a quem conspurca a nossa História.
Abraço,
António Graça de Abreu
Olá, prezado camarada António Rodrigues. Saúdo a tua nova narrativa de factos acontecimentais, no espaço e no tempo da Guerra da Guiné, que contradiz os "velhos do Restelo" quanto à superioridade militar (combativa, admite-se) do exército do PAIGC relativa à guarnição militar da ex-Guiné Portuguesa, quando estavam iniciadas as negociações para a resolução dessa "Guerra Desnecessária".
Quanto à recolha do piloto do avião abatido, alguém me contou (não me lembro quem), que interceptou um ciclista e negociou por mil "pesos" a boleia até ao quartel mais próximo.
O tenente Gil demonstrou que não era "rambo" (não eliminou o ciclista, não se apropriou da bicicleta e esportulou mil "pesos"; integrava as FA éticas e valentes,fundadas por D. Afonso Henriques...
Manuel Luís Lomba
Camarada António Rodrigues foi com muita curiosidade e interesse que li a tua discrição desse acontecimento que foi comentado em toda a Guiné, como era costume boca-a-boca. A que me chegou na essência coincide com a que narras, mas nos pormenores não. O que ouvi na época é que o piloto tinha sido resgatado pelo Grupo do Marcelino da Mata. Por outro lado pensava que não havia condições para os Fiat aterrarem em Copa. Agora fica claro o que de facto aconteceu.
joão silva ex-furriel mil at. inf, Cabuca, 3404, Ccaç 12 e CIM, Bolama, 72-74
Meu caro ASantos!
Admito estar errado quanto ao posto do nosso Camarada Marcelino da Mata à altura destes acontecimentos em Copá, é de facto como dizes um pequeno pormenor, mas o posto de Alferes com certeza inteiramente merecido na altura só prova o grande combatente que ele foi. Obrigado pela correcção.
Um grande abraço meu Amigo.
António Rodrigues
Meu Prezado Amigo António Graça de Abreu!
Obrigado pelas tuas simpáticas palavras.
De facto, depois de toda a aquela polémica aqui neste Blog à cerca de 5 anos em que, alguns camarigos chegaram a duvidar do que eu relatava, só agora me dispus a publicar aqui uma parte das minhas "MEMÓRIAS DA GUERRA".
Já agora aproveito para informar que nos próximos dias serão aqui publicados mais 2 textos para terminar a narrativa dos restantes dias de guerra que vivemos em Copá, até sermos de lá retirados, ou evacuados.
António, um forte abraço deste que se honra de ter por Amigo.
António Rodrigues
Meu caro amigo Manuel Luís Lomba!
A versão que conheces sobre como o Piloto Gil se "safou", é de facto verdadeira porque, na altura a versão que eu conhecia foi aquela que me contaram.
Só à pouco tempo em conversa aqui no Facce com o Fernando Moreira, na altura Furriel de Transmissões em Pitche e que, no dia da queda do avião esteve em contacto rádio com o piloto e no dia seguinte o cumprimentou quando ele apareceu em Pitche, me contou aquilo que de facto tinha acontecido.
O tenente Gil durante a sua longa caminhada, com certeza morto de sede, encontrou uma tabanca onde foi pedir água; deram-lhe água e laranjas e, foi aí que ele contratou um homem africano pelos tais 1000 pesos para que o levasse até ao quartel mais próximo, o homem levou-o de bicicleta até DUNAN mas, como aí só havia tropas Africanas, o homem continuou a sua viagem e levou-o até Pitche.
Um grande abraço Manuel quando vieres ao Porto terei muito gosto em encontrar-te de novo.
António Rodrigues
Caro João Silva!
Quando me refiro à chegada a Copá dos aviões FIAT, refiro-me de facto à sua chegada pelo ar, a pista de Copá não reunia condições para a sua aterragem.
Em Copá apenas pousaram os helicópteros que transportavam o Grupo do Marcelino da Mata.
Um Abraço
António Rodrigues
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