domingo, 1 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14209: Libertando-me (Tony Borié) (2): 10 de Junho e a visita do Primeiro Ministro de Portugal à Comunidade Portuguesa de Newark

Segundo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Eu andava por ali, falava com muita gente, fazia parte de diversas agremiações portuguesas, não só de carácter social, como de angariação de fundos para ajudar pessoas e causas, entre outras. Por altura do “Dia de Portugal”, o senhor Cônsul de Portugal em Newak solicitava a minha colaboração para que mostrasse alguma coisa do passado do meu País, em exposições e não só. Porque me relacionava com muitos ilustres da comunidade Portuguesa, era fácil convidarem-me para isto ou para aquilo.

O Senhor Primeiro Ministro, actual Presidente da República de Portugal, veio com a sua esposa aos USA, fizeram-lhe uma recepção em Nova Jersey, o senhor Cônsul de Portugal em Newark, convidou-nos, lá fomos, era à noite, no salão do mais representativo e antigo clube português em Newark. Na altura havia alguns casos com assuntos relacionados com propriedades e direitos dos emigrantes em Portugal, portanto, cá fora havia manifestações dos descontentes, falavam-se alguns nomes, até mesmo frases, não muito correctas, mesmo obscenas, quase tudo na língua de Camões, gestos não muito usuais, mas tudo em ordem, sem provocações directas, pois a polícia estava lá e não admitia qualquer violência.

Passámos pela multidão e, como tanto eu como minha esposa, íamos com roupa lavada, um pouco de cerimónia, também “levámos pela tabela”, como por exemplo, “também és do tacho”, (como nessa altura me lembrei das noites que dormi sobre neve fria, com outros descamisados, à beira do “Passaic River”, que por acaso era mesmo ali, logo após duas quadras, para os lados de Nova Iorque), mas passámos. Entrámos mostrando o respectivo convite, levaram-nos a sentar numa mesa ao lado do Senhor Primeiro Ministro e esposa.


Começou a cerimónia, discursos de “beija mão”, muitas palmas, empregados de luvas brancas a servirem qualquer coisa, que devia de ser “caviar e champanhe”, todos a falarem uma linguagem que, ou eu sou mesmo “burro”, ou então não compreendo nada de português e, os anos que passei na escola do Adro em Águeda não seviram de nada, pois falavam de grandezas, investimentos, produtos que em Portugal eram quase de graça e aqui rendiam fortunas, pois os “estúpidos dos americanos”, não sabem o que compram, entre dois goles de champanhe. Diziam qualquer coisa como, “o nosso grupo é forte e o melhor”, ou “o nosso Banco tem investimentos em todo o mundo, é o mais sério, é gerido por uma família honrada” e, de vez em quando, olhavam para nós e diziam, “qual é o vosso ramo, em termos de seriedade e eficácia, somos só nós”.

Como o “nosso ramo” era o trabalho honesto do dia-a-dia para irmos tentando sobreviver, colocando comida na nossa mesa de jantar todos os dias para que os nossos filhos se sentissem em casa, com carinho, incentivando-os nos estudos para que no futuro pudessem ter uma educação superior, portanto ouvíamos aquelas personagens fazendo não perceber a ironia das perguntas, sorrindo, aquele sorriso que nós dizemos que é “amarelo” quando não simpatizamos com as pessoas ou o local em que nos encontramos, mas eles teimavam, esticando o pescoço e puxando os braços no sentido da mesa, ocupando o seu espaço e o que normalmente seria nosso, continuavam dizendo, “não tente investir no nosso ramo, nós somos os melhores”, e, depois falavam qualquer coisa baixinho, como a dizerem-nos um segredo ao ouvido, que era mais ou menos, “aquilo é um dinheiro tão fácil, quando nos avisam que chega mais uma ajuda da Europa, é só meter o requerimento, é um dinheiro limpinho, a fundo perdido”.

As senhoras, na sua maioria vindas de Portugal, mostravam lindos vestidos adornados de colares com algum valor e, esperando um elogio, diziam, “não é lindo, amanhã vou a Nova Iorque comprar outro para levar para Portugal”.

Era demais, o ambiente não era o nosso, não esperámos pelo resto do serviço com a desculpa “de que temos que nos retirar, pois temos outros compromissos”. Saímos. Cá fora, os manifestantes e descontentes, depois de nos ouvirem, ao sermos interpelados por alguns jornalistas, alguns locais que nos conheciam, que queriam saber se já tinha acabado o jantar, dizendo nós, que não, ainda nem tinha começado, pois estavam lá todos muito contentes, mas o ambiente não era o nosso, alguns riram-se, bateram palmas e disseram palavras de alegria. Acabámos por ir comer qualquer coisa ao restaurante de um amigo, do nosso tempo de Newark, que depois de lhe contarmos o motivo da nossa presença ali, nos disse: “vou à cozinha buscar comida e vou sentar-me com vocês, cada vez tenho mais orgulho em ser vosso amigo”.

Tony Borie, Fevereiro de 2015
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 25 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14186: Libertando-me (Tony Borié) (1): A leste do paraíso, a oeste do Inferno

3 comentários:

Luís Graça disse...

Meu caro Tony, tu continuas a honrar Portugal e os portugueses, onde quer que estejas, e isso é que interessa. Nem sempre povo e elite dirigente batem certo...

JD disse...

Olá Tony, bom dia!
Dou-te os parabéns por introduzires a reportagem política na Blogue. De facto, pode isso não estar comtemplado nos seus objectivos, mas gosto dessa genuinidade de relato sobre o relacionamento dos poderosos portugueses com o povo que os sustentas; estes costumavam mostrar-se honrados com a visita de S.Exas., agora a coisa já muda de figura, mas aqueles ainda não compreendem que devem pensar mais no bem comum (o interesse público) do que nos seus umbigos.
Aqui estamos com um problema com o mau tempo, mas temos um problema maior de dificil resolução, que se associa à ambição dos que chegam á política com uma mão à frente e outra atrás, mas, insaciáveis, saem com invejáveis fortunas mobiliárias e imobiliárias, enquanto se perde o património e não se notam melhoras nos valores da dívida, pelo contrário, está prestes a aumentar volumosamente.
Com um abraço
JD

Tony Borie disse...

Olá comandante Luis, José Dinis, pois é esta a maneira que eu gosto de vos chamar e, restantes companheiros.
Tenho abusado do "nosso blogue", dando notícias que, de uma maneira ou de outra, pelo menos no entender de alguns nossos companheiros, que andaram lá, sofreram, e claro, manifestam perfeito desacordo com estas notícias, pois, no seu pleno direito, esperam "coisas" da guerra que vivemos e, não estão lá muito de acordo com estas notícias, mas tudo isto faz parte do nosso passado de combatentes, creio mesmo, que de uma maneira ou de outra, é útil!.
Depois da "Guerra do Ultramar", muitos de nós saímos de Portugal, na procura de outros horizontes e, os USA receberam muitos antigos combatentes, sendo Newark uma espécie de "porta de entrada", onde depois da revolução de 25 de Abril, muitos novos políticos por aqui apareciam, na procura de popularidade e, como alguns diziam "vinham usar os bilhetes de avião, que ainda lhes restavam antes do ano terminar", tenho algumas histórias dessas personagens, creio que alguns ainda andam pelos corredores do poder!.
De uma maneira ou de outra, vou dando notícias, desculpem lá os meus erros na caligrafia, pois o dedicado do companheiro Carlos Vinhal, vai corrigindo!.
Um abraço,
Tony Borie.