sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14226: A guerra vista do outro lado... Documentos apreendidos ao PAIGC em Nhacobá em 17 de maio de 1973 - Parte I (António Murta, ex-alf mil inf, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513. Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)


Solidariedade - Boletim de informação, agência Novosti, 4, 1971



Foto (em muito mau estado de conservação) de um militante do PAIGC algures na ex-URSS


Guia de marcha do PAIGC

Fotos (e legendas): © António Murta (2015). Todos os direitos reservados [Edição de CV]


1. Mensagem, com data de 8 de janeiro último, do António Murta [ex-alf mil inf , Minas e Armadilhas,   2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513. Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74] [, foto atula à direita]



Camaradas amigos, Luís Graça e Carlos Vinhal..

Gostava de vos entregar, para avaliarem o interesse, de alguns documentos que trouxe de Nhacobá em Junho de 1973, depois de esta base ter sido tomada pelas nossas tropas 20 dias antes.

Dado que não gosto de me alongar muito a escrever aqui, segue em anexo um texto explicativo em Word. Também em anexo seguem os documentos que no texto refiro.

Votos de boa saúde neste ano que agora começa para o Luís e para o Carlos e suas famílias.

Saudações fraternais do 
António Murta.


2. Camaradas amigos Luís Graça e Carlos Vinhal:

Mais de 40 anos depois, digitalizei algum material que trouxe de Nhacobá, pouco depois de as NT terem expulsado daquela base as tropas do PAIGC.

Isso aconteceu em 17 de Maio de 1973 com a acção da sacrificada CCAV 8351 do Cap Mil Vasco da Gama e, no dia seguinte, de novo com esta Companhia e, creio, com CCAÇ 18.

Guardei essas coisas até hoje pelo significado que têm para mim, e não tanto pelo possam valer. É pouca coisa  mas dava demasiado nas vistas ter “desviado” mais documentos naquelas circunstâncias.

São:

(i) dois  boletins informativos e de propaganda da ex-URSS, um de 1969 e outro de 1971; não posso precisar se existiam outros desta colecção no espólio encontrado em Nhcobá; chamam-se SOLIDARIEDADE – Para a Amizade Soviéto-Africana e eram editados pela Agência NOVOSTI. (formato 14,3 x 21,3 cm com 24 páginas cada);

(ii) um a fotografia não datada e em mau estado de conservação (está como estava), de um africano na ex-URSS; tal como os papeis que refiro a seguir, encontrava-se dentro dos boletins citados:

(iii) um discurso, não datado nem assinado, de agradecimento ao PCUS e à URSS, depois de um estágio militar naquela nação; foi redigido por alguém que se expressa em perfeito português e escreve com uma caligrafia primorosa; provavelmente o proprietário de todo o material encontrado, que era o comdt da força em Nhacobá; não parece fazer sentido ter na sua posse o manuscrito de outra pessoa;

(iv) uma guia de marcha com data de 3 de Dezembro de 1971, passada em Bolama, pequeno papel com os nomes bem claros dos intervenientes;  (quem sabe, alguém os possa identificar);

(v) um pedido de ajuda de um guerrilheiro em desespero, dirigido «ao camarada Caetano Semedo»;  É assinado por Fode Djassi (?)  em 16-09-1971 – Gansala; esta carta e o citado discurso estavam dobrados até ao formato A8.

No meu diário é referido como fazendo parte deste conjunto, o livro “Palavras de Ordem Gerais”.  de Amílcar Cabral, mas perdi-lhe o rasto.

Não creio que tenham grande importância para serem divulgados, mas ocorreu-me que se fizessem parte do espólio da nossa Tabanca, quem sabe, um dia, tenham algum interesse histórico ou, simplesmente documental. Ainda pensei fazer acompanhar estes pequenos documentos, que envio em anexo, da transcrição parcial do meu diário, onde dou conta das circunstâncias do achado (com direito a referência na história do meu Batalhão) em Nhacobá em 8 de Junho de 1973, cerca de 20 dias depois de se ter lá entrado e instalado. Mas depois pensei que é um assunto sem grande interesse para os demais.

Tratou-se apenas de uma mochila encontrada pendurada e oculta numa árvore, já depois de várias inspecções às instalações abandonadas pelos militares e pela população. Era um autêntico escritório e arquivo ambulantes, com uma quantidade surpreendente de documentação militar e particular do então comandante da base.

Foi tudo entregue ao Comandante do nosso Batalhão (4513), menos o que, alguns e eu incluído, conseguimos “desviar”, coisas sem importância militar mas que eram manga de ronco. No meu caso, conhecedor de sempre das ajudas soviéticas ao PAIGC, FRELIMO e MPLA e, com alguma formação política, ter ali à mão, pela primeira vez, as provas dessas ajudas (claro que já tinha as provas do material bélico) e o sabor das coisas clandestinas e “subversivas”, esse material tinha para mim um significado mais profundo. E,  vindo de quem vinham, tornaram-se objecto de estima. Até que ficaram no esquecimento nas caves escuras da memória. Havia também uma pistola de fabrico soviético, mas sumiu. (Ainda hoje, não sei se se podem referir estes factos...).

Perante isto, fica ao vosso critério publicar, guardar ou, simplesmente eliminar. Em qualquer dos casos, passa a fazer parte do espólio da Tabanca,  se o entenderem.

Os boletins SOLIDARIEDADE integrais seguem em PDF, mas tenho tudo também no formato JPEG.

Saudações fraternais,
António Murta
9 de Janeiro de 2015



Solidariedade - Boletim de informação, agência Novosti, 8, 1969




Pedido de ajuda, pungente,  de um guerrilheiro, Fodé Djassi, dirigido ao camarada Caetano Semedo; com data de 6-09-1971, Gansala.




Discurso, não datado nem assinado, de agradecimento ao PCUS e à URSS, depois de um estágio militar naquela nação; foi redigido por alguém que se expressa em perfeito português e escreve com uma caligrafia primorosa; provavelmente o proprietário de todo o material encontrado, que era o comdt da força em Nhacobá.

Fotos (e legendas): Fotos (e legendas): © António Murta (2015). Todos os direitos reservados [Edição de CV]

2 comentários:

Antº Rosinha disse...

Estes são documentos importantíssimos para um dia a nossa guerra "ULTRAMARINA" ser compreendida em toda a sua dimensão.

A nossa geração aguentou uma guerra mundial, porque agora ao lado desta publicação da NOVOSTI deviam aparecer as "amizades" da USAID, que é uma ajuda da CIA aos pobrezinhos do mundo à compita com os soviéticos.

Mas não só a nossa guerra, mas a de toda a África tiveram africanos desde KIEV até ao Azerbeijão a aprender a libertarem-se dos europeus.

Cumprimentos

Mesmo a francófona e anglófona

Luís Graça disse...

Apesar de tudo, conseguimos estabelecer laços de afeto com os guineenses, "de um lado e do outro", que os russsos, os chineses, os cubanos, os suecos, etc., não conseguiram...

O caso do nosso amigo e grã-tabanqueiro Cherno Baldé, que estudou na antiga URSS, é um exemplo disso... Por muitas queixas que ele possa ter (e tem) em relação ao período colonial, à descolonização, etc.