1. Mensagem do nosso camarada Manuel
Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma,
1964/66), com data de 23 de Janeiro de 2015:
Prezado amigo e camarada Carlos Vinhal.
A atitude do jornalista escritor José Vicente Lopes de eleger o
blogue como fonte, viva, para a reconstrução da história da Guerra da
Guiné é sábia da parte dele e gratificante para nós. Essa guerra onde
empenhamos a juventude, a saúde e avida é um romance real e nós os seus
actores.
Copiei o estilo dos camaradas António Rosinha e C. Martins para o texto anexo e dá-lhe o destino que entenderes.
Com um abraço e expectativa das notícias prometidas...
Manuel Luís Lomba
“Uma Guerra Desnecessária”…
O tema da Guerra da Guiné a imputar-nos a execução de detidos, de prisioneiros e da mutilação dos cadáveres voltou ao convívio da Tabanca Grande, neste mês de Janeiro, efeméride do início da sua guerra “militar”, com o ataque a Tite, em 23/01/63), da derrota, morte e eventual profanação do cadáver do comandante paigcista Jaime Mota(1), em 7/01/74, na mesma altura em que, ali ao lado, o pelotão dos 29 valentes derrotava o cerco e assalto combinados de infantaria, artilharia e blindados do IN a Copá, narrado pelo camarada António Rodrigues(2).
Exército Português há só um, o fundado por D. Afonso Henriques e mais nenhum!
Em 1128, o rei fundador, ao comando da sua primeira batalha, derrotou o IN galego Fernão Peres de Trava, não o matou, não o maltratou e concedeu-lhe o dom da sua pessoa para o escoltar até à sua mãe, não como prisioneiro, não obstante vitorioso, mas como um homem e companheiro afectivo dela.
Num teatro de guerra, D. Afonso Henriques elevou ao auge o seu respeito pela dignidade humana do combatente.
As guerras são loucura humana, injustas, desnecessárias, exceptuando as de legítima defesa.
Quando o nosso compatriota Amílcar Cabral detonou a Guerra na Guiné, éramos país com mais de 8 séculos de história civilizacional e pluricontinental há 5 séculos. A nossa Constituição, essa lei fundamental, imperava em toda a dimensão da portugalidade e reconhecida por todas as instâncias internacionais.
“Vestiram-nos a camisola” (a farda) e expedidos para a Guiné, fazer uma guerra para acabar com aquela guerra…
Jamais o Povo da Guiné-Bissau beneficiará de cooperação tão extensa e profunda como a que lhe prodigalizou o Exército Português, ao custo de sangue, suor e lágrimas, como contrapartida…
Amílcar Cabral trocou a ética e tradições do Exército Português, que terá servido até à patente de alferes miliciano, pela doutrina e métodos de guerrilha de Mao Tsé Tung, líder da China, onde se tirocinou, em 1960, com passaporte de cidadão português…
Correspondemos sempre por cima aos martírios que nos eram impostos no teatro de operações, cedo nos apercebemos que Amílcar Cabral sabia muito melhor o que fazia do que nós que aquela guerra da Guiné não acabaria no binómio derrota-vitória: só teria fim por desistência, por falta de comparência…
Como assim, se Portugal era país, tinha exército e o PAIGC era exército e não era país? Paradoxalmente, de derrota em derrota, o PAIGC levou os portugueses a desistir primeiro… E não lhe entregaram um país em Bissau; foram desfazer-se dele, em Argel…
Por esse formato de independência, pouco mais sobrou para o Povo da Guiné-Bissau que o PAIGC de Conakry, Moscovo e Havana e o seu exército… A história vem tratando a Guerra da Guiné como “Uma Guerra Desnecessária” – citando Churchil…
No tocante aos aludidos crimes de guerra, a criminalidade é imanente à condição humana (está bem dito, Luís Graça?). Pela multiplicidade da gente que a informa, a sociedade castrense não será excepção à regra. Há muitas provas da coragem de muitos em não pactuar com ela, pelo silêncio, sabendo de antemão que passariam a ser pisados.
Trazemos à colação o testemunho e autocrítica do coronel Vasco Lourenço, o principal motor do MFA, vertidos no seu livro Do Interior da Revolução (Âncora Editora, 2009), pags. 38 e 39.
Era comandante da subunidade de Cuntima, mandou prender dois régulos, conotados com o IN, entendeu despachar o mais notório para a sede do batalhão, para ser interrogado por especialista, com as mãos algemadas atrás das costas. Só que aquele detido era príncipe da sua etnia e reagirá, não à detenção, mas ao que considerou grave afronta à sua condição, com uma greve de fome, até à morte. O general Spínola levantou-lhe um auto de averiguações e só não o terá punido porque o seu comandante do batalhão reclamou junto do Comandante-chefe a responsabilidade da ocorrência; mas não deixou de ser transferido de Cuntima para Nema…
É este o meu (nosso) Exército e D. Afonso Henriques o seu patrono…
O exército do PAIGC foi o primeiro a atormentar a vida dos guineenses, começando por destruir a sua economia, os seus equipamentos sociais, a matá-los e a estropiá-los.
O Exército Português bombardeava e assaltava as suas bases, na floresta; o exército do PAIGC flagelava as vilas e tabancas densamente povoadas, que aboletavam guarnições militares (chegou a dirigir 300 por mês). As baixas dos relatórios registam as vítimas do costume: velhos, mulheres, crianças e incapazes…
Em 1962, o exército do PAIGC começou a atormentar e a matar guineenses em Catió, Susana, Varela, S. Domingos - e nunca mais parou…
A malta grisalha que foi envolvida nessa guerra, vai-se reunindo a curtir a nostalgia do tempo que não volta, sem patriotismo africano saudosista. Haja libertação e libertadores, mas mitologias à parte.
Amílcar Cabral foi o instituidor da pena de morte na Guiné, há 100 anos abolida por Portugal, aplicando-a a delitos comuns e a delitos políticos, no I Congresso de Cassacá, em Fevereiro de 1964, e ordenou execuções imediatas. Quando em 1 de Junho de 1970 foi a Roma receber as bênçãos de S. S. o Papa Paulo VI, poucos dias antes havia ordenado fuzilamentos em Quitafine, pelo delito de oposição política, entre os quais o de Abdulai Seck, chefe da segurança do partido, em Ziguinchor.
Todos os homens são iguais e guerra é guerra – parafraseando o ex-sapador Braima Cassamá.
Um abraço para o Luís Graça, os editores, camaradas intervenientes, extensivo ao José Vicente Lopes(3).
Descansa em paz, comandante Jaime Mota.
Manuel Luís Lomba
____________
Notas do editor
(1) Vd. postes de:
15 de janeiro de 2015 > Guiné
63/74 - P14150: Casos: a verdade sobre... (1) Jaime Mota (1940-1974),
combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto
em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 (Virgínio
Briote / Amadu Djaló / José Vicente Lopes)
15 de janeiro de 2015 > Guiné
63/74 - P14151: Casos: a verdade sobre... (2): Jaime Mota (1940-1974),
combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto
em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte II
(Virgínio Briote / Rachid Bari, ex-sold trms, CCAÇ 21, Bambadinca,
1973/74, natural do Quebo e residente em Portugal)
17 de janeiro de 2015 > Guiné
63/74 - P14156: Casos: a verdade sobre... (3): Jaime Mota (1940-1974),
combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto
em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte III
(Luís Graça / José Vicente Lopes / José Manuel Matos Dinis)
e
18 de janeiro de 2015 > Guiné
63/74 - P14160: Casos: a verdade sobre... (4): Jaime Mota (1940-1974),
combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto
em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte IV:
"Guerra é guerra, meu irmão", dizia-me em 2008 o antigo guerrilheiro
Braima Cassamá que reencontrei em Guileje (José Teixeira)
(2) Vd. poste de 7 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14128: Efemérides (181): Copá – Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)
(3) Vd. postes de:
3 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné
63/74 - P10221: Notas de leitura (387): Aristides Pereira, Minha Vida,
Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (1) (Mário Beja
Santos)
6 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné
63/74 - P10230: Notas de leitura (388): Aristides Pereira, Minha Vida,
Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (2) (Mário Beja
Santos)
e
10 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10247: Notas de leitura (390): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (3) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 27 de Janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14193: Casos: a verdade sobre... (6): Tratamento de prisioneiros do PAIGC (ex-fur mil armas pesadas inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Obrigado, Manuel Luís, pelas tuas reflexões sobre este tema de algum melindre... Se, por acaso, tiveres informação factual sobre o caso do Jaime Mota (que já não é do nosso tempo, meu e teu) manda-nos.
Um abraço. Luis
Olá, prezado camarada Luís Graça.
Como instituíste um blogue como fonte viva da verdade e da justiça histórica da Guerra da Guiné, o meu texto vem opor-se à confusão da nuvem com Juno. Os crimes`praticados por militares não fazem a instituição criminosa.
Quanto à morte do régulo, do constrangimento do então capitão Vasco Lourenço, terá sido abreviada como paciente da diabetes. Quanto ao cadáver do comandante Jaime Mota, se não foi sujeito de rituais tradicionais (foi abatido por africanos - a maioria daquele GC), o seu esquartejamento terá decorrido da autópsia, a que comprovadamente foi sujeito. Contraditório? Esperamos que o teu repto receba prova "viva".
Um Ab
Manuel Luís Lomba
Manuel Luís:
Não tenho muitas esperanças de que apareçam muitos mais testemunhos, em primeira mão, como os do Rachid Baldé e do Amadu Bailo Djaló, militares da CCAÇ 21, recolhidos pelo nosso coeditor Virgínio Briote... (Recorde-zse que a CCAÇ 21 era constituída apenas por camaradas nossos do recrutamento local, muitos dos quais já não estarão vivos).
E esses dopsi testemunhos, quanto a mim, para já valem muito mais do que as fantasiosas versões recolhidas em Cabo Verde sobre o "martírio" do Jaime Mota...
Gostaria muito de apurar a verdade sobre este caso, até porque temos com Cabo Verde (e com a a Guiné) uma relação muito especial... Cabo Verde não precisa destes "mártires"... E a guerra da Guiné não foi a guerra da Argélia, em matéria de tortura e de execução sumárias... Nesse aspeto orgulho-me de ter pertencido a uma companhia "africana" como a CCAÇ 12...
Se o Jaime Mota morreu em combate, de arma na mão, isso é suficiente para ele ser lembrado pelos seus patrícios como um homem que lutou pelos seus ideiais. Espero que tenha morrido com dignidade e honra.
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