IN MEMORIAM
SADJO SEIDI
O Menino da CCAÇ 4540
O Menino da CCAÇ 4540
1. Mensagem do nosso camarada Eduardo Campos (ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar. Nhacra) com data de 11 de Setembro de 2013:
Hoje dia 11 de Setembro recebi a triste noticia do falecimento de Sadjo Seidi*, o HOMEM DO JERRICAN, titulo dado ao P6308, publicado no blogue em 2010.
A última vez que falei com ele, (acontecia com muita frequência), estava internado no Hospital com malária e de imediato o pânico se apoderou de mim.
Infelizmente vislumbrei este fim.
O Sadjo, o "menino" da minha Companhia que reencontrei em Buba em 2010, já não está entre nós.
Pelo orgulho que sentia por ter convivido com "tugas" e a gratidão que por nós nutria, direi que foi mais um de nós que partiu.
Até sempre Sadjo.
Eduardo Campos
Ex-1º Cabo Rádio Telegrafista
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(*) - Nota do editor:
Vamos relembrar o que está escrito no Poste 6308, de 3 de Maio de 2010, onde o nosso camarada Eduardo Campos narra como encontrou o menino da sua Companhia quando se deslocou à Guiné-Bissau em 2009, se não estou em erro.
SADJO SEIDI – O HOMEM DO JERRICAN
TESTEMUNHO VIVO
Regressei recentemente da Guiné, onde, na companhia de alguns camaradas, andei a visitar os locais onde estivemos instalados durante a guerra.
Confesso que apesar de o meu diário estar recheado de histórias bonitas e outras nem por isso, decidi ainda não enviar nada para publicar no blogue, pelo menos por agora. No entanto um acontecimento surgido em Buba, quer pela sua originalidade, quer pela minha vontade férrea em encontrar alguém conhecido e, porque não dizê-lo, pelas emoções que me causou (algumas lágrimas nos cantos dos olhos), não poderia continuar a ocultá-lo.
O motorista de uma das viaturas que nos acompanhou durante a nossa estadia, parou junto a uma esquadra da polícia em Buba, dizendo-nos que iria falar com o Comandante (seu chefe) já que o mesmo também era policia.
Nós aproveitamos a referida paragem para sairmos da viatura.
Sentados num banco estavam três polícias, um dos quais me pareceu ter uma cara familiar e, sem hesitações, logo lhe perguntei:
- Por onde andaste durante a guerra?
Ao que ele me respondeu:
- Bigene!
- E Cadique? – perguntei-lhe eu.
Ele disse:
- Nhacra!
Foi o percurso que a minha Companhia, a CCAÇ 4540, fez durante a sua permanência na Guiné, pelo que fiquei quase que paralisado. Afinal tinha motivos para que aquela cara me fosse familiar e de novo ele “ataca”:
- E tu és o Campos das transmissões.
Mas que brincadeira é esta? – pensei eu. E logo o José Carvalho me tocou nas costas e apontou-me um jerrican que estava atrás de mim com a seguinte inscrição: CCAÇ 4540.
Foi o sinal que eu precisava para lhe dizer:
- E tu, és o menino da Companhia.
Estava na presença do SADJO SEIDI, o miúdo que nos acompanhou durante os dois anos de permanência da companhia na Guiné e deixamos em Nhacra, no final da comissão, com 15 anos de idade.
Fui agora encontrá-lo em Buba, 36 anos depois, como polícia e com 51 anos de idade.
Dizia ele entusiasmado:
- Eu sabia que um dia havia de encontrar alguém da Companhia. Ando há muitos anos com o jerrican atrás de mim, sempre com a esperança que isto viesse a acontecer.
E aconteceu. Ele disse ao meu cunhado (José Carvalho), que, inteligentemente, antes de ter a ideia do jerrican com a inscrição da CCAÇ 4540, tinha um bidon de 200 litros, mas como era difícil mudá-lo de local, para poder ser mais facilmente visível, optou então pelo jerrican.
- Manga de esperto nos cabeça! - digo eu, claro.
Comentando com os meus companheiros de “aventura”, com a tal lágrima no canto do olho, dizia eu repetidamente que já tinha ganho a viagem.
Eu, entretanto, continuei a ser surpreendido pela memória do Sadjo, perguntando-me por elementos da companhia e, mais me perguntava, se ainda sei como se chamava em termos de código Cufar e Cadique, ao que eu naturalmente respondi que não.
Para ele não foi qualquer problema:
- "Ébano" e "Cação.” – respondeu-me.
Como perguntou também pelo Vasco Ferreira, de imediato lhe liguei para Portugal passando-lhe o telefone, para que o Sadjo falasse com ele (mais uma lágrima).
Os deuses estiveram comigo nesse dia e não nos queríamos separar.
Falamos, falamos… e não é que uma das viaturas que nos transportava avariou, permitindo-nos ficar mais umas horas na conversa.
O miúdo que ficou em Nhacra não teve vida fácil depois da NT entregarem as instalações ao PAIGC, esteve inclusivamente preso e só a idade dele e o bom senso do Comandante, o livraram de… aquilo que todos sabemos que aconteceu aos que “colaboraram” connosco.
Mas, finalmente, tivemos que nos separar, com um “até sempre”, que durou apenas uns dias porque o Sadjo me telefonou a perguntar se eu tinha chegado bem.
Acreditem, já sinto saudades do SADJO SEIDI.
Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados
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Nota do editor
Último poste da série de19 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11956: In Memoriam (158): João Santos Correia, ex-1.º Cabo TRMS da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, falecido em 4 de Agosto de 2013 (Manuel Marinho)
11 comentários:
Acredita, Eduardo.
Eu que nunca conhecio o teu menino, li todo o texto com emoção.
Com os Sadjo Seidi, tambem parte um pouco de nós.
Nunca tive a felicidade de reencontrar um dos muitos "meninos". que apadrinhamos na Guiné. O Campos, foi feliz e eu con(vivi) com uma dessas felicidades. Que felicidade. Em 2010 vivi esses momentos inolvidáveis.Sei que o Eduardo Campos , posteriormente até enviou dinheiro para o "Menino", não consigo continuar, +ois as lágrimas embargam-me a alma , os dedos e o teclado...aDEUS ...SADJO.
Meu bom amigo, camarada da Guiné e colega das Transmissões, E. Campos
Aquando deste teu relato no original não pude deixar de me emocionar, tanto mais que sei da tua profunda amizade por todos aqueles a quem queres bem.
Esse reencontro, até pelas suas circunstâncias, foi, como escreveste, algo que te fez 'ganhar o dia', melhor dizendo, a viagem.
Agora a triste notícia.
Nada a que não nos vamos já habituando. Está a chegar a nossa hora. Pelo menos à nossa volta os falecimentos vão acontecendo cada vez mais. É pena, é triste, mas vamos ter que nos habituar.
Mas lá que custa, custa, sim senhor.
Por isso, amigo Eduardo, aqui te deixo um abraço sentido que não resolvendo nada procura dar-te algum conforto.
Que o Sadjo descanse em paz.
Hélder S.
Mano Eduardo, Estou solidário no teu luto! Aquilo que mais gostei na Guiné, foi de todo o seu povo, especialmente na figura dos seus meninos - faxininhas, com quem mais lidei directamente. Irrequietos, sorridentes e brincalhões, sempre à espera de um biscate e do peso extra!
Um abraço Amigo do Eduardo MR
Fiquei triste e comovido com esta noticia.O Sadjo irradiava simpatia,notava-se á distancia a amizade que ele ainda nutria pelos Portugueses.Descansa em paz,amigo.........
Estou triste e emocionado. Adeus Sadjo. Lembro com saudade a tua pergunta ao telemóvel do Campos se eu ainda morava na rua do Bonjardim. Paz á sua alma.
Vasco Ferreira
Não conheci o Sadjo mas conheci outros Guineenses que tal como ele merecem o meu respeito. Paz à tua alma amigo.
Manuel Carvalho
Eduardo Campos:
És uma homem de grande sensibilidade e maior coração. A morte do teu amigo nem sequer dá direito a uma notícia necrológica na imprensa local. É mais um guineense, anónimo, que morre de malária, a grande epidemia dos pobres.
Nós, por cá, vamos vivendo (e sobrevivendo) ma parte mais privilegiada, apesar de tudo, do planeta. Até quando, não sei, mas vamos vivendo (e sobrevivendo), com uma esperança de vida muito superior ao dos nossos amigos guineenses.
Obrigado por nos teres enviado a notícia. Estes "meninos" fazem parte das nossas memórias e vivências. A minha solidariedade no teu luto.
CARO EDUARDO,
O REENCONTRO DEVE TER SIDO EXTRAORDINARIAMENTE COMPENSADOR.
ESTA NOTÍCIA FOI COMPROVADAMENTE DESOLADORA.
ABRAÇO SOLIDÁRIO.
mm
Ontem, dia 11 de Junho de 2014 encontrei o Eduardo Campos e sua esposa em Albufeira.
Soube que vinha ao Algarve através de uma mensagem no chat do facebook e então aproveitámos para beber uma caneca e conversar algum tempo, assim pusemos algumas coisas em dia.
Falou-me deste episódio do SADJO SEIDEI, o menino da CCAÇ 4540, a minha companhia. Não resisti e vim aqui ler a sua triste e comovente história.
Ao Sadjo que já partiu deixo aqui as minhas condolências à sua família e a nós todos porque também somos da mesma família.
Como é possível um homem andar 36 anos com um jerrican à espera de encontrar um companheiro de armas! E encontrou felizmente, assim faleceu com o espírito em paz.
Eu lembro-me deste menino como se fosse hoje.
Os sobreviventes da CCAÇ 4540 venham aqui deixar o seu comentário porque se trata do "camarada" mais novo da nossa companhia.
UM ABRAÇO PARA TODOS.
Santos - Furriel Miliciano de Op Especiais - Ranger.
SADJO DJALO FILHO DE CUMBIJA SUL DE PAÍS, NESTE MOMENTO ENCONTRA-ME EM BISSAU, SINTO-ME SATISFEITO COM AQUILO QUE ACOMPANHEI
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