sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12063: Memórias de um passado (Joaquim Cardoso) (2): Um só dia e uma só noite no mato bastaram para um grande susto

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Cardoso (ex-Soldado de TRMS do Pel Mort 4574, Nova Lamego, 1972/74), com data de 17 de Setembro de 2013:

Caros Amigos e Camaradas:
Envio este texto, que é mais um pedaço daquilo que se vai mantendo no meu arquivo memorial. Certo das insuficiências que ele contém referentes a datas e, qual a Companhia e/ou Batalhão do pessoal que me acompanhou. Fiz algumas pesquisas, mas considerei insuficientes para arriscar as suas nomeações. Penso contudo que dará para subentender um momento de aflição por que passei em terras Africanas.


MEMÓRIAS DE UM PASSADO

2 - Um só dia e uma só noite no mato bastaram para um grande susto 

Foi em princípios do mês de Setembro de 1972 que cheguei ao Gabú-Sara em Nova Lamego na Guiné, isolado, (como já tive a oportunidade de referir noutro texto), dos meus companheiros do Pelotão de Morteiros 4574/72.
Após a chegada, comecei por contactar os serviços praticados no Posto de Rádio, Central Telefónica e Centro de Mensagens, afectos à CCS do BCAV 3854, de forma a obter experiência e, posteriormente, fazer parte da escala de serviço dos restantes companheiros de transmissões.

Três ou quatro dias(?) depois de ter chegado, fui informado pelo 1.° Sargento Martins que pertencia ao mesmo Pelotão, para na manhã do dia seguinte me equipar com a farda de mato para seguir para o CAOP, (Quartel Velho), a fim de acompanhar uma coluna em serviço de transmissões, (por falta de pessoal no dito Quartel), coluna essa que tinha como finalidade, (soube depois), o reconhecimento de um local que diziam ser muito perigoso e que já tinha sido utilizado pelas tropas opositoras nas suas ações de guerrilha.

Dando cumprimento à ordem que havia recebido, de manhã vesti o camuflado, preparei a mochila, enfiei 4 carregadores de munições no cinto, peguei na G3 e aguardei.
Transportaram-me depois num jeep até ao Quartel Velho e, após me ter juntado ao resto do pessoal, fomos transportados em Berliets e Unimogs que atravessaram a Bolanha, seguindo pela estrada alcatroada em direção a Oco Maúndo.

Percorridos alguns quilómetros(?), as viaturas pararam e apeámo-nos junto a uma picada em terra batida, tendo as ditas viaturas recolhido ao Quartel.
Não conhecia ninguém do grupo por duas razões: -Ter chegado há poucos dias ao Gabú e não pertencer àquele Quartel. Ali estava eu, junto daqueles operacionais, com a minha farda "novinha em folha" ainda a cheirar a naftalina, contrastando com a deles, em que se notava sem qualquer motivo para dúvidas, o desgaste provocado pelo tempo e/ou trabalhos já passados.

Mochila às costas, G3 num ombro e o rádio AVP1 (Banana) no outro. O rádio Racal que fazia parte do meu equipamento, para comunicações a longa distância, seguia às costas de um carregador, contratado para o efeito, (era um luxo!).

O Alferes que comandava a coluna apeada ordenou para o pessoal formar duas filas, uma no lado direito e a outra no lado esquerdo da picada. Já habituados àquelas "andanças", o pessoal começou desde logo a tomar posições de acordo com as funções que cada um desempenhava e, as filas em pouco tempo ficaram formadas. Eu porém mantinha-me fora da fila, juntamente com o acompanhante com o rádio às costas, esperando orientações.

O Alferes que ia acompanhando os movimentos do pessoal, ao ver-me fora da fila, perguntou:
- Ó transmissões, não vais para a tua posição?

Respondi:
- Meu Alferes, cheguei há poucos dias da Metrópole. É a primeira vez que faço este tipo de serviço e não sei que posição tomar!

Dito isto, olhou para mim com ar de preocupado, com voz alterada e em linguagem militar pergunta:
- Sabes trabalhar com essa "merda"? - apontando com o dedo para o rádio.

Respondi-lhe:
- Depois de terminar a especialidade, utilizei um rádio Racal em duas finais de curso de Comandos na Serra das Meadas em Lamego e, sendo os rádios iguais, não vejo motivo para dificuldades.

Tinha já em minha posse os códigos correspondentes, (os que utilizo a seguir são fictícios), coloquei os auscultadores, puxei a antena, coloquei o botão na respectiva frequência, peguei no microfone e chamei o Posto de escuta:
- OSCAR OSCAR, aqui PAPÁ, diga se me ouve? - Escuto.
O OSCAR respondeu:
- PAPÁ aqui OSCAR, afirmativo-informe
O PAPÁ de novo:
- OSCAR aqui PAPÁ, é uma chamada de experiência.
O OSCAR responde:
- PAPÁ aqui OSCAR, ouço em perfeitas condições.
Finalmente o PAPÁ:
- OSCAR aqui PAPÁ, Ok terminado.

Depois do PAPÁ conseguir comunicar, foi para o meio duma fila onde afinal era o seu lugar!
Seria meio da manhã e, à ordem de avanço, as filas puseram-se em movimento.
Seguimos em marcha moderada com os elementos que a compunham distanciados cerca de 3 metros entre si, a arma em posição de fogo e em permanente vigilância das duas partes do matagal. 

Por volta do meio dia, meia hora(?), parámos para comer a ração de combate. Alguém já conhecedor do meio ambiente, fez uma pequena fogueira, não por falta de calor, que disso estavam todos bem abastecidos, mas para tentar afastar a mosquitagem que além de nos morder constantemente, teimavam em pousar no conteúdo da lata de conserva para dar umas bicadas.

A água do cantil em pouco tempo esgotou e só foi possível reabastecê-lo mais tarde, com a água existente nuns charcos de uma clareira rochosa, "quente como caldo" como é habitual dizer-se.
O Enfermeiro distribuiu ao pessoal "quininos" (habituais comprimidos), para sua desinfeção, e não sendo agradável bebê-la naquelas condições, serviu para humedecer os lábios, limpando-lhes a saliva que se havia acumulado.

A meio da tarde a marcha prosseguia, começando a ouvir-se algumas vozes discordantes, queixando-se ao Alferes do esforço que o pessoal estava a fazer. Entretanto, a marcha mudou de direção. Deixámos a picada e entrámos "mato dentro", agora numa só fila.
Caminhámos por um trilho ladeado de capim com mais de 2 metros de altura. A marcha aqui, tornou-se mais lenta, não só devido ao cansaço dos muitos quilómetros percorridos mas também, pelo aumento das dificuldades que se iam encontrando à medida da sua progressão.
Deu para entender que era local perigoso. As ordens vinham da frente para trás e, em passa-palavra dizia-se:
- Redobrar atenção, aproximar 1 metro, alargar 2 metros, etc.

Passado esse trilho, chegámos ao fim da tarde a um local amplo, onde passámos a noite.

É neste local onde apanhei o que considero ser, o maior "cagaço" da minha vida!
O Alferes ordenou ao pessoal para formar um círculo. Eu fiquei, entre outros, no meio desse círculo, distanciado cerca de 3 metros do Alferes. Seriam, 23 ou 24 horas(?), não havia luar, não se podia acender um cigarro, era escuridão quase absoluta.

Estendido no chão, estava o meu cérebro, bem como o resto do corpo, a aliviar-se um pouco do cansaço que a marcha lhes tinha provocado, quando de repente senti, ou sonhei, um puxão na capa com que me cobria, dando a sensação de me quererem raptar!

Acordo terrivelmente assustado, com o coração a bater mais forte que nunca, mas na incerteza, não "piei". Segundos depois outro puxão, mas agora não tinha dúvidas, era mesmo realidade!
Porém, logo de seguida, uma voz em tom de silêncio e com pronúncia Africana chama:
- Meu Alfero?

Ah... que alívio. - Era o guia!

Homem negro, conhecedor do terreno, que orientava o pessoal em plena mata, procurava aos apalpões na escuridão o Alferes para lhe comunicar que ouviram um barulho e convinha fazer reconhecimento.
Verificou-se depois que o dito barulho, fora provocado por animais que passavam próximos, e não por alguém que certamente estaria no nosso imaginário.

Com muita dificuldade refiz-me do susto, voltando à posição inicial, mas o sono que também se terá assustado, naquela noite não voltou.

Ao romper da aurora, vieram ao nosso encontro algumas viaturas que nos transportaram de regresso ao Quartel.
Após a minha chegada, dirigi-me à Enfermaria e pedi algo para colocar nos pés e músculos por forma a reparar o mal que a marcha dos mais que prováveis 30kms (?), lhes tinham causado.

Finalizando, refiro um à-parte que para mim foi curioso:
O Alferes, Comandante do meu Pelotão, abordou-me e perguntou:
- Onde estiveste ontem que não te vi?

Fiquei admirado com tal pergunta, e expliquei-lhe o que tinha acontecido.
Respondeu-me que nada sabia acerca do assunto e, por esse motivo, sendo o nosso Pelotão Independente, de futuro não voltaria a sair do Quartel, para qualquer tipo de serviço, sem sua autorização.

Tomei nota da sua recomendação e, felizmente para mim, nunca mais voltei ao verdadeiro mato, bastando assim um só dia e uma só noite para apanhar um grande susto.

Castelões- Penafiel, dia 17 de Setembro de 2013
J.Cardoso,
Ex-Sold. Trans. 194530/71

Joaquim Cardoso e Graça

Joaquim Cardoso na Cabina Telefónica

António Santos e Joaquim Cardoso
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 21 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11966: Memórias de um passado (Joaquim Cardoso) (1): O começo foi assim

1 comentário:

Sotnaspa disse...

Olá Cardoso,
Continua que estou a gostar das tuas memórias, provavelmente saíste com um Pel. da Ccav 3405.
Deves ter saído algumas vezes com o Hunimog da Acção psico às tabancas em redor de NL.
Quanto à 1ª foto quem está a alombar contigo sou eu, e o Graça alombou com os dois.

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ASantos
SPM 2558