domingo, 20 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12176: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (11): A saga umbilical

1. Em mensagem do dia 14 de Outubro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio, o décimo primeiro, da sua série Pós-Guiné 65/67:


O PÓS-GUINÉ 65/67

11 - A SAGA UMBILICAL

12 DE MAIO DE 1992

É nesta data, já que guerra "ca tem" (aquela por onde passámos, entenda-se) que um grupo, decerto de gentes bem intencionadas, publica uma lei a que chamaram "Objecção de Consciência". Mas que pena não se terem lembrado antes, mais propriamente no inicio dos anos 60 !!!

Agora não valia a pena a rapaziada fugir à tropa embora esta (o serviço militar obrigatório) em 1992, fosse por pouco tempo e onde afinal iriam d'alguma forma aprender a serem homenzinhos, (o que a alguns não conviria, convenhamos).

E pena maior foi a de que não fosse o IN a criá-la então, (anos 60) o que teria evitado que a maioria de nós tivesse de ter que lá ir obrigada, quando afinal até se calhar sem sabermos, ÉRAMOS TODOS OBJECTORES DE CONSCIÊNCIA e utilizaríamos essa prerrogativa..

Contudo valeu a pena. Saiu em Diário da República e até considerada, foi, de acordo com a Constituição.

Tardaram mas acertaram porque agora bastava ter uma daquelas hipóteses ali previstas e nem sequer se pegaria numa espingarda, quanto mais aprender a mexer nela. Ao ler essa preciosidade, (Lei nº 7/92) até me davam a hipótese de escolher o que daria em troca, porque de facto não estavam a fazê-lo, de mão beijada. Haveria de contrabalançar a coisa, por uma das hipóteses previstas e eram tantas. Cá o "Je" ficaria bem contente com a alinea h) que diz:
- Manutenção, repovoamento e conservação de parques, reservas naturais e outras áreas classificadas

E ao declarar-me objector, o que confesso nunca faria, pois que senão e se calhar, andaria pr'ái de arganel... peito, axilas e tudo o mais que tem cabelo... descabelados pois então A minha proveta idade recusa tais coisas nos homens e até já lá dizia uma prima minha, quando falava comigo e de mim:
- Homem que é homem, deve cheirar "suma" o cavalo.

Havia apenas um pequeno óbice e refiro-me ao artº 13º, qu'a determinada altura dizia que o mânfio que utilizar esta forma de fugir (entre aspas) não poderá ter porte d'arma de qualquer natureza. Ora lá me estavam de novo a lixar, pois que eu, ao escolher a citada alinea h) queria manter o equilibrio nas florestas e não seria deixando proliferar as lebres (e não coelho, animal qu'agora abomino)) que tal equilibrio se manteria, dado que comem que nem umas bestas e daí e porque são umas glutonas no que se refere à destruição dos vegetais das hortas e ervinhas próprias das reservas e parques.

Lebres de que tanto gosto, quer com arroz, quer também com feijão e couve. Arroz cozinhado com o próprio sangue da saborosa bicha. Sangue que também se mistura na feijoada com lombarda. (Só de pensar nisto, até fico ougado !!!)

É também neste ano que finalmente usufruo duma vida mais desafogada e até comecei a ter uma noite para ir aos fados e com tanta sorte que até aí a GUINÉ ESTAVA PRESENTE.
Uma fadista cantava:
- "Volta atrás vida vivida", ao que eu retorqui alto e bom som e em tom fadista brigão ao desafio:
- "Ó quem me dera ter outra vez 20 anos".

Ainda nesse ano, estando em reunião, eu Sub-Gerente. com o Gerente, (Ex-Alf Mil que também havia estado na Guiné) apercebi-me que ao balcão perguntavam e alguém para mim apontou.
O perguntador apresenta-se bem vestido e engravatado e de feições e cor, que me indicavam ser da Guiné.

Quando disponível fui ao seu encontro e surpreendido fui pelo seu grito de alegria inusitada:
- Paizinho... e dirigiu-se-me de braços abertos.

Ainda me voltei para trás não fosse outro o papá, mas o puto que me parecia ter pr'ai 17 ou 18 anos, permanecia sedento de me abraçar e continuava:
- Paizinho... que prazer em conhecê-lo.
- Porra - disse eu em silêncio, estou feito ao bife... e os 23 colegas emudecidos e embevecidos.

Peguei no rapaz, levei-o para o "Filadélfia" para indagar do que se estava a passar.

- Djubi, conta lá ao que vens?

Começa a desbobinar uma tal lenga-lenga bem urdida, com citações ao K3, Tabanca de Farim e à "lavadeira" sua mãe que a páginas tantas, comecei a ficar mesmo atravancado e já me via com mais um filho bem grandote, mas enfim, "cá se fazem cá se pagam".

Eis senão quando, resolvo amandar-lhe com duas ou três perguntas:
- E a tua mãezinha Fulana (dei-lhe um nome falso) e o teu tio Cicrano (outro nome falso).

Ao que ele respondeu citando-me:
- A minha mãe Fulana faleceu em 1978, não sem que antes me tenha dito quem era o meu pai branco... o meu tio Cicrano está lá para Varela.

Ao mesmo tempo entram no bar três manguelas, o Mendes Ferreira e outros dois que também tinham sido Combatentes na Guiné, tudo gente boa com quem partilhava galhofas aquando do chá das cinco e riam... riam. riam.

Pois é... os safardanas haviam planeado a coisa e cá o artista, esperto que nem um calhau, caiu que nem um patinho.

E foi a partir daí que segui o conselho macacal do ouve, vê e cala e nunca te alambazes nas descrições de engatatão.

(continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 13 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12146: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (10): O meu umbigal mau feitio

6 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro amigo e 'mais antigo' Veríssimo

Li com atenção estas tuas memórias que, mais uma vez, estão em 'dois tempos'.
Em relação ao primeiro, à questão da oficialização da 'objecção de consciência', é claro que sei que sabes que todas as coisas têm o seu tempo e, por isso, não poderia, nunca, colar-se a hipótese de tal situação vir a ser consagrada antes da data.
Concordo com aquela observação que fazes com a ideia de que o 'serviço obrigatório, fosse por pouco tempo, poderia ajudar a rapaziada a serem homenzinhos', coisa que, não tendo sido assim, está a dar o resultado que está à vista, com os exemplos dados por quem impreparadamente comanda os destinos das nossas vidas. Mas enfim, não é matéria para aqui.

Quanto à tua 'paternidade'... bem, faço uma pequena ideia das voltas que desta à cabeça a tentar perceber o que se estava a passar.
Fico com uma dúvida: sabemos que foi uma armadilha, relativamente bem urdida pois que até arranjaram um jovem capaz de tentar manter a cabala, embora não resistisse à contraprova dos nomes, mas.... confessa lá, ficaste 'à rasca', não foi?
Pois é, espero que tal como dizes, tenhas aprendido com os tais 'macaquinhos'.
Já agora, acompanha o meu raciocínio: se isso foi fruto de alguma basófia com que foste alimentando as conversas durante anos, imagina como não será com tantos e tantos 'rambos' relatando (e aumentando e/ou mesmo inventando) as suas façanhas. Pelas minhas contas, não havia população que chegasse para os seus êxitos.

Abraço.
Hélder S.

Anónimo disse...

Verissimo
Camarada de Ponte de Sôr.
Vamos arranjar um convivio naquela zona. A minha "morança" nos Lagoíços, está aberta.O Hélder, irá chegar atrazado, mas pode ter tolerância.
Irá aparecer mais pessoal. Os temas que tocas,são dificeis na minha óptica,definir neste espaço.
É a minha opinião
Jorge Rosales

armando pires disse...

Vês, se à época fosses objector de consciência sabias logo que estavas a ser engatado, e os engatadores saberiam que não te podiam engatar.
É que objector de consciência é gajo que está impedido de usar qualquer tipo de arma.
armando pires

Anónimo disse...

"Objector de consciência"

Seja o que isso for...só em democracia e em paz..

Gostava de ver se mesmo em democracia mas com "guerra"..essa "paneleirice" se mantinha..

Proponho também o "objector para pagar impostos e demais deveres cívicos"... já que o "estado" a que isto chegou,personalizado nos desgovernantes actuais, não cumprem com as relações de confiança que devem existir entre o ESTADO E O CIDADÃO.

Quanto a "descendentes" na Guiné.... pela "boca morre o peixe"..aaaahhhhh.

C.Martins

Anónimo disse...

"Objector de consciência"..

É um gajo que chega a casa e encontra um delinquente a violar a filha...calmamente diz...faça favor de continuar que eu sou "objector de consciência"..sabe.. sou contra a violência..tem sorte..sabe...

C.Martins

Henrique Cerqueira disse...

Pois ,pois...cá se fazem...cá se pagam.Dizes tu.Olha que se não te atentas um dia destes aqui pelo "canto da escrita" e antes que te libertes do "cordão umbilical"aparece por aí um "descendente". Já aqui à tempos andava por aí malta a tentar descobrir "papás" que se portaram mal na tropa e deram o "pira"sem pagarem a "aleitação"nem nada...
Um abraço
Henrique Cerqueira
PS..Essa dos objectores de consciência até deu um jeitão á tropilha. É que assim iam gastando menos no rancho.E ao mesmo tempo os rapazinhos cumpriam com os seus preceitos religiosos.Mais uma vês o C.Martins acerta em cheio.(claro era artilheiro)