quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12194: In Memoriam (164): Faleceu o Jerónimo Jesus da Silva, o "rebenta-minas", sold condutor auto da CART 2519 (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71) (Mário Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a seguinte mensagem:

Camaradas


A minha homenagem a um saudoso camarada Morcego de Mampatá, que ontem, 22 de Outubro, nos deixou.

O JERÓNIMO, “O REBENTA MINAS”,  FALECEU 

Para os que nos lêem e não sabem, o rebenta-minas era a viatura que seguia, regra geral, apenas com o condutor, na frente, a “abrir” caminho para uma coluna motorizada.

Jerónimo Jesus da Silva, Sold Condutor da CART 2519,  OS MORCEGOS DE MAMPATÁ, devido à sua sempre disponibilidade para encabeçar a frente das colunas Buba-Aldeia Formosa com a sua GMC, conhecida pela HÉRCULES, foi baptizado e ficou conhecido pelo rebenta-minas.

O Jerónimo era um Minhoto de gema, natural de Guimarães,  e chegou à CART 2519 em Março de 1969, aquando do início do nosso IAO.

Era um mancebo robusto, bem disposto e sempre pronto para realizar qualquer serviço, ou outra eventualidade.

Na Guiné,  e ainda PIRIQUITO, o Jerónimo revelou-se um militar destemido e voluntarioso e foi na construção da estrada nova Buba-Aldeia Formosa, ao encabeçar as colunas que seguiam diariamente de Mampatá para o local de trabalhos, que ele se tornou célebre e respeitado por todos. 

Indiferente ao temível perigo oferecido pelas traiçoeiras minas, que todos dias sabíamos estarem *a nossa espera, colocadas pelo PAIGC todas as noites na estrada, o Jerónimo não deixava, mesmo assim, de ir com a sua viatura a assegurar o caminho a cada coluna motorizada, expondo-se ao eventual rebentamento de alguma delas, ou às balas do IN, que quase todos os dias fazia uma sortida com flagelação e, ou, emboscada. 

Mais tarde, abandonada a construção da estrada nova, o Jerónimo passou a integrar as colunas de abastecimento que iam à LDG, no cais de Buba, pela estrada velha, carregar os abastecimentos para o nosso Sector, nunca deixando de ser o "REBENTA MINAS".

Questionado, dizia sempre com alguma humildade:
- Alguém tem de ser o primeiro e eu,  como já estou habituado,  não me importo!

Foram várias as vezes que o meu Grupo de Combate picou a estrada à frente da sua GMC, tendo ele sempre afirmado que tinha uma confiança enorme nos camaradas que o precediam na picagem.

Tinha razão, pois foram imensas as minas que levantámos naquela estrada.

A sua Hércules era já sobejamente conhecida por todos, não só por encabeçar as inúmeras colunas, mas pelos zumbidos característicos do seu motor, quando em pleno esforço era submetida na frente das colunas, anunciando assim a sua presença aos que faziam as protecções e os trabalhos.

O Jerónimo Jesus da Silva foi louvado por escrito pelo comando devido à sua extraordinária coragem.

Mais tarde veio a sofrer de stress pós-traumático de guerra, com deficiência e incapacidade 36%, resultante dos traumas provocados pela sua continua voluntariedade em enfrentar o perigo.

À sua enlutada família aqui deixo os meus sentidos pêsames, desejando que o nosso Camarada Jerónimo descanse em paz e que um dia, esteja onde estiver, todos nos juntemos novamente.

Preparação de uma coluna

Distribuição do pessoal militar e civil pelas viaturas

Coluna em marcha picada fora

Evolução ao longo da picada

Uma das minas anticarro

 Viatura após explosão de uma mina

Avaliação dos estragos causados


Endireitamento da viatura
Fotos: © Mário Pinto (2013). Todos os direitos reservados 


Um abraço,
Mário Gualter Rodrigues Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519
__________

Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 



13 comentários:

Tony Borie disse...

Companheiros.
Alguém escreveu, "Pela morte nos vamos libertando".
É verdade, nós que fomos combatentes, lutadores, a pouco e pouco vamos sendo menos, vamos encontrando a paz.
Que o Combatente Jerónimo Jesus da Silva, que segundo o companheiro Mário Pinto diz, que era o primeiro a enfrentar o perigo naquela guerra, oxalá que finalmente descanse em paz.
À família os meus mais sentidos pêsames.
Tony Borie.

José Marcelino Martins disse...

A foice roçadora resolveu procurar-nos quando, após dois anos de guerra e dezenas de labuta para construir uma vida digna e feliz, vai-nos abatendo um a um, deixando-nos, sempre, com a duvida de um amanha....

As minhas condolências à familia e aos camaradas de armas que com ele, levaram a guerra de vencida.

Anónimo disse...

Caro Gualter Pinto:
Não tendo conhecido o Jerónimo, a circunstância de termos pisado terreno comum, torna-nos mais próximos. É de facto mais um irmão que parte para uma viagem (também comum) desconhecida, tornando-nos cada vez menos, cá, porque na realidade somos sempre os mesmos.
Aproveito para te enviar um abraço.

Carvalho de Mampatá

Hélder Valério disse...

Cada vez mais, e com intervalos mais breves, este tipo de notícias tem vindo a chegar ao nosso conhecimento.

Sabemos, e costuma-se dizer, que é 'a lei da vida' mas ficamos sempre com algum amargor quando a notícia nos chega.

Neste caso, não fica tão incógnito o sucedido porque o Mário entendeu, e bem, não só dar conta do infeliz caso como também nos fez uma ilustração do carácter e do desempenho do Jerónimo a quem daqui faço votos para que descanse em paz.

Hélder S.

Luís Graça disse...

Mário:

Ainda há dias estivemos juntos, tu e eu, no almoço-convívio da Tabanca da Linha... E lembro-me do teu grande alvoroço quando me viste:
- É, pá, ainda há dias falámos em ti, alguém te confundiu com o Luís Faria, e deu a notícia da tua morte! Vê lá tu!...

Na realidade, aprendemos há muito, nos aquartelamentos, picadas e bolanhas da Guiné, que a vida valia pouco, era uma roleta russa, e que a amizade e a camaradagem contavam muito. Foram elas, a amizade e a camaradagem, que nos ajudaram a viver e a sobreviver nesses quase dois anos de inferno que nos coube em vida..

Todos tivemos, nas nossas conmpanhias, camaradas abnegados, voluntariosos, de grande coragem física, como o teu "rebenta-minas"... A tua homenagem ao Joaquim Jesus da Silva é também extensivo a todos os camaradas, condutores auto, valorosos, temerários, generosos, gente que não virava a cara ao perigo... e que arriscou a vida em muitas colunas logísticas...

Tenho um particular apreço por esses homens que conduziam as nossas GMC, Berliet, Unimog 404 e 411, Mercedes, Matador, jeep, Daimler, Fox, White..., indepentemente da arma (cavalaria, infantaria, artilharia) aque pertenciam...

És um homem generoso e de grande sensibilidade. Faz chegar à família do Joaquim as nossas palavras de homenagem e de pesar pela sua perda. Diz-lhes, à viúva, aos filhso, aos netos, que o HJoaquim foi um homem bom e um grande português, cuja memória vamos guardar e venerar no nosso blogue, no blogue Luís Graça & Camaradas da guiné onde há gente da CART 2519, solidária e sensível, como tu... LG

Luís Graça

Anónimo disse...

As tréguas cada vez são mais curtas e o amargo de boca que sentimos nestas alturas infelizmente está cada vez mais presente.
À família, camaradas e amigos os meus sentidos pesâmes.

Adriano Moreira

Anónimo disse...

Olá Camaradas
Peguei-me com o "Rebenta-minas" numa discussão bloguiana, mas tudo acabou em bem.
Agora tenho pena de que possamos andar à porrada.
Iria ser uma grande alegria, mas as coisas são como são.
Os meus sentimentos à família e o meu lamento por termos perdido um Homem.
Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Nada mais posso que expressar e manifestar aqui o meu pesar por mais um camarada que nos deixa.

Para a família enlutada os meus sentimentos.
BS

Anónimo disse...

Quando um de nós desaparece,ficamos

todos mais isolados.. A minha

fraterna Solidariedade para a

Família, Amigos e Camaradas.


J.Cabral

Francisco Baptista disse...

Algumas vezes terei visto o Jerónimo Silva, pois a C.Caç. 2616 em Buba, onde estive 17 meses, fazia segurança às colunas de reabastecimento entre Buba e Nhala. Sobre os sacrifícios e contratempos dos camaradas que faziam estas colunas, sobretudo na epoca das chuvas, escrevi um texto recentemente, sem imaginar que hoje teria que prestar homenagem ao PRIMEIRO desses camaradas.
Hoje gostaria de te saudar como tu terás saudado muitas vezes os pelotões de Buba quando nos encontravas. Nao sendo possivel, fica a vontade, fica o gesto.
Até sempre camarada, descansa em paz.
Os meus sentidos pêsames à família e amigos.
Francisco Baptista

Anónimo disse...

mario gualter rodrigues pinto Pinto
24 out 2013 12:52 (
Caro Luis

Obrigada pelas palavras que proferistes e em nome do meu camarada Jerónimo e da sua família os meus agradecimentos......

Eu tinha uma certa afinidade com Jerónimo, porque tratei na parte final do seu subsídio de deficiente de Stress pós traumático que ele padecia o que veio a receber após doze anos de processo.....

Um abraço

Mário Pinto

manuel Batista Traquina disse...

É sempre triste ver partir mais um daqueles que conosco trilhram as poicadas da Guiné. As minhas condolências aos familiares
Traquiona

Vasconcelos disse...

Uma triste notícia, só hoje por mim conhecida.
Há data, em Aldeia Formosa (Julho de 70 a Julho de 71), também fui dos que recebiam, do transporte das colunas Buba / Aldeia, o necessário apoio logístico, graças ao abnegado esforço dos camaradas que faziam o percurso.
Essa abnegação, o esforço e a destreza com que nos faziam chegar
os abastecimentos, eram sempre motivo de grande satisfação. Lembro-me que todos os recebíamos com alegria e, gratos pelo seu desempenho.
Nesta hora, a singela homenagem; que descanse em paz e muita coragem à família enlutada a quem presto - embora com atraso-, sentido pesar.
Álvaro Vasconcelos