terça-feira, 22 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12187: Contraponto (Alberto Branquinho) (51): Micoses

1. Em mensagem de 21 de Outubro de 2013, o nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos o seu contraponto número 51, dedicado às micoses que tanto nos atormentava.


CONTRAPONTO

51 - MICOSES

A coluna auto estava a chegar à sede do Batalhão, vinda de um quartel a sul. Entre nuvens de pó, as viaturas começaram a estacionar lado a lado.

O furriel enfermeiro assomou à porta do Posto Socorros. Viu o furriel Sá, que lhe acenava. Estava a sair da cabina de uma viatura, com dificuldade em descer e colocar os pés no chão.
- Ó Rebelo, preciso falar contigo.

E começou a caminhar, em passos curtos e lentos, na direcção do enfermeiro.

- Eh pá! Que é isso? - Entra.
- Já te mostro lá dentro.

Entraram no Posto. Baixou as calças.
- Olha p’ra isto.
- Ih cum caraças!! Nunca vi uma micose assim.
- É uma greta em cada virilha, mas têm ramificações por aí abaixo até ao cu. Há partes que às vezes deitam sangue.
- O que é que estás a pôr?
- Nada, Rebelo, nada. A gente lá em cima já não tem nada p’ra isto. E tenho, também, no meio dos dedos dos pés. Costumava por Asterol, mas lá já não há nada. Nem pó.
- Tenho aqui um resto de um frasco. Líquido. Levas e aplicas com cuidado, com bolas de algodão por aí abaixo. A pouco e pouco.
- ‘Tá bem.
- E pões uma bola de algodão, molhada, no meio dos dedos. Mas pouco de cada vez.
- ‘Tá bem. Isto é das bolanhas. Do lodo. Arranja-me aí o algodão, que eu fico já com tudo.
- Vocês ainda voltam hoje para baixo?
- Não. A esta hora já não dá. É preciso carregar as viaturas e, depois, voltar a “picar” o caminho todo. Já não dá. Posso dormir aqui?
- Não é preciso. Podes dormir na cama do Barata.
- Barata? - O gajo das Transmissões. Está no mesmo quarto do Azevedo da “ferrugem”. O Barata está em Bissau.
- Porreiro. Então, vou ver se posso tomar um banho, secar tudo bem seco e, depois, começar a pôr isto. Até logo.
- Até logo.

- * -

Quando o furriel mecânico Azevedo foi ao quarto, viu o Sá completamente nu, com a ventoinha ligada e apontada para a entreperna. Com a mão direita puxava o pénis na direcção da barriga, expondo à ventoinha as virilhas e o escroto. E, ele próprio, soprava, soprava sem parar...
Tinha despejado o líquido antimicótico directamente nas virilhas.

O Azevedo ficou, em espanto, a olhar acena.
- Oh! Oh! Que é que estás a fazer?!
- ???
- Que estás a fazer?
- A arrefecer o leite. Não vês?

O Azevedo encolheu os ombros, recolheu o que buscava e saiu.
(- Estão todos “apanhados”!).

A meio da tarde, o furriel Sá, pôs uma toalha à cintura e caminhou, com dificuldade, até à porta. Viu um soldado da sua Companhia e pediu-lhe que fosse ao Posto de Socorros dizer ao furriel enfermeiro para chegar ali.
Já desesperava, sempre com a ventoinha apontada ao meio das pernas, quando ele chegou.
- Que é isso, pá?!

O Sá apontou para a zona do corpo, com ar sofredor.

- Ih pá! Despejaste o frasco em cima! Não foi isso que te disse.
- Era para resolver isto mais depressa e poder voltar amanhã lá para baixo. Parece que a pele está queimada, a estalar e... arde p’ra caraças!
- És marado! És marado de todo! O melhor é deixares estar assim, com as pernas abertas até logo à noite. Não ponhas mais nada, porra!
- E fico assim? Está tudo a arder.
- Vou ver se tenho talco ou outro pó. Já te mando o cabo com o pó e gaze.
- Fazes favor, manda-me, também, pelo gajo, um pão com qualquer coisa e uma cerveja. Depois pago-te.
- Está bem. Só logo à noitinha, antes de dormir, pões pó na gaze e vais pondo em cima da pele, com cuidado, de um lado e do outro. Sem apertar a pele. Suave, muito suavemente. E vais fazendo isso toda a noite, substituindo a gaze de vez em quando. Mas não apertes, caraças! Amanhã de manhã vejo como está isso.

- * - 

 Já tarde, depois do jantar, o furriel Azevedo entrou, cuidadosamente, no quarto, tentando não ser notado. Olhou para a cama onde o Sá estava deitado, mas não dormia. No chão, à volta da cama, viu (assim lhe pareceu) vários panos brancos, pequenos. O Sá segurava dois panos, um em cada mão, que aproximava e afastava, cuidadosamente, das virilhas e do escroto.

Ficou estupefacto:
- Sá, que é que estás a fazer?

O outro, com um esgar de dor e irritado:
- Estou a mudar os cueiros. Não vês?

O Azevedo saiu, entre incomodado e receoso. Num repente, tomou a decisão: falar com o furriel enfermeiro.
Mal o encontrou, gritou-lhe:
- Tira-me aquele gajo do quarto! Não tenho paciência para malucos! Leva-o para o Posto de Socorros e fala com o médico para o mandar para a psiquiatria, para Bissau. No meu quarto, não!
____________

Nota do editor

Último poste da série de 27 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11876: Contraponto (Alberto Branquinho) (50): A Batalha do Umbigo

3 comentários:

armando pires disse...

Azar, o do Furriel Sá.
Lá na minha "quinta" ninguém levava trabalhos para casa.
Era tudo feito, por quem sabia fazer, dentro da enfermaria.
Além da "fórmula 1214", que foi o que lhe deu, o meu camarada enfermeiro também lhe podia ter recomendado que tomasse banho, sempre e só, usando sabonete lifebuoy.
armando pires

Bispo1419 disse...

A propósito duma mistela usada contra as micoses, vou recordar um passo da história do "meu" Zé Manel, o menino que trouxe da Guiné e que criei, que faz parte do P7261 deste blogue, com data de 10/11/2010: Adilan, "nha mininu" (...).

(...) vejo um pretinho franzino (...) a pele está cheia de manchas esbranquiçadas. Nisto aparece o furriel enfermeiro, repara no aspecto da criança e faz logo um diagnóstico rápido (...)
- Olhem, ponham-no debaixo da torneira! Ele precisa de uma boa barrela!
-Ponham-no preto! - grita alguém (...)
(...) o 1º sarg. Lageira (...) interpela o enfermeiro:
- Oh Santos, não tens nada para estas coisas da pele? Olha como o puto está!
O Santos deve ter dito que sim e o sarg. Sarrico põe a mão na torneira (...) o pretinho (...) é lavado da cabeça aos pés, (...)

(Continua)

Bispo1419 disse...

(continuação)

"(...) Está o garoto, lavado e mais calmo, (...), aparece o Santos com um grande frasco na mão, cheio do tal produto que faz bem à pele:
- Vamos lá a isto!
(...), passa-lhe a "tintura" pelo corpo todo. A cena torna-se patética. Com o corpo a "arder", o garoto grita que nem um desalmado, tentando soltar-se (...) o menino solta-se mesmo e, aos saltos que nem um cabrito, investe contra a meia-lua humana, aos berros, assustado com o que está a sentir.
Parece pedir socorro (...).
Mas o menino não consegue fugir e, qual passarinho entre as mãos do seu captor, vai acalmando a um ritmo lento (...)."

***
Tudo me leva a crer que a "tintura" usada para tratar da pele da criança tenha sido a "fórmula 1214", acima referida pelo Armando Pires.

Mais uma boa história do Alberto Branquinho.
Abraços para todos os frequentadores desta tabanca

Manuel Joaquim