O PÓS-GUINÉ 65/67
3 - O BI-FASCITA DA CICATRIZ
FOI UMA VEZ, num dia de Setembro de 1965.
A CCAÇ 1422, é "convidada" a ir até Mansabá, para ir "aprender" com uma das últimas Companhia dos "ÁGUIAS NEGRAS" que usavam, então e ainda, a farda amarela.
Partiriam para a Metrópole dentro de pouco tempo, mas a heroicidade permanecia latente e não se escusavam a manter-se operacionais aguerridos.
Vista aérea de Mansabá
A minha Secção de Morteiros 60 é destacada para acompanhar um dos seus pelotões, numa operação marcada para essa noite e claro que desejosos de entrar em acção, contentíssimos ficámos por finalmente irmos saber como era aquela coisa da guerra e ganhá-la pois então... e até comprámos dois sacos de adrenalina, na loja dum Libanês.
Chovia tão torrencialmente como eu nunca houvera visto, a selva, pareceu-me e era, escura. a progressão demorada, cheia de silêncios e sem fumar, (o que muito me custou) mas lá chegámos ao objectivo, que rodeámos sem termos sido detectados.
Foi-me determinado que incendiasse as moranças frente do local onde estávamos emboscados, logo após a ordem que receberia depois da fogaracha que iria acontecer e aconteceu e também que disparasse ao ver algum elemento armado o que também fiz. Entretido, dei a determinada altura, que estava só, com os meus oito homens, porque os outros que viera coadjuvar, já por ali não estavam.
Sem guia, sem saber por onde ir, mas temente a granadas que começavam a cair, enviadas pelo IN, decidi organizar a defesa possível, enquanto esperava que alguém desse pela nossa falta e nos resgatasse. Meia hora depois tal aconteceu, vieram o Senhor Alferes, Cmdt do grupo, um guia e o "Manel" de Mora, com quem convivo uma vez por ano e também a recriminação suavizada por ser a minha 1ª vez:
- É pá, f...-se, podias ter sido comido vivo, aquilo era para destruir e abandonar em passo de corrida.
FOI OUTRA VEZ EM SETEMBRO, MAS DE 1974
Depois, veio o não reconhecimento pelo facto de ter cumprido o serviço militar obrigatório e ter cumprido o meu Dever: Um grupo de pobres gentes, manifestavam-se (falo da época das ocupações, lembram-se?) numa estrada em frente a um Hospital e a quem buzinei para passar no meu bólide de 40 contos novo em folha, mas essas gentes resolveram atirar-me pedrinhas o que me desagradou sobretudo.
Claro que saí, e perguntei do porquê, pois que eu nem pertencia à administração, nem enfermeiro era. A resposta veio pela voz de duas mulheres presentes ali na turba, por sinal até ainda ligadas à família, e fascista me chamaram e mais disseram porquê:
- Foste combatente na Guiné, colaboraste com os fascistas, és fascista.
Outra proferiu o seguinte:
- Tens um carro, és fascista.
Pois bem, segundo a maldade que imperava então, só os desertores eram considerados e recebidos com pompa. Foi o tempo da gritaria do "acabemos com os ricos" ao contrário do que hoje acontece em que estão, sem gritar, a acabar com os pobres.
No fundo nada mudou, nem o tratamento que continua a ser dado aos Combatentes, que lá longe no "paraíso" onde estivemos, muito do pior presenciámos. E se então fui vilipendiado, e agora continuo esquecido, é lá com esses, que também morrem.
Por mim, não esquecerei e se por acaso nos encontrarmos no purgatório, garanto-lhes uma recepção digna.
(continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 11 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11931: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (2): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical
3 comentários:
Olá Veríssimo.
Tudo o que explicas, comove-me, eu não estava aí em Portugal nessa altura de 1974, mas calculo toda essa "democracia, contra nós combatentes sofredores". O infeliz povo do meu tempo, estava calado, sofria, não podia levantar a cabeça, há dezenas e dezenas de anos, com a revolução, já podiam desabafar, portanto tudo o que não fosse a seu favor, e alguém que mostrasse mais um pouco de "bom viver", pois não tinham tempo nem maneira de verem se esse "bom viver", era fruto do seu trabalho honesto, tudo isso era mau, era "fascista", e outros nomes piores!.
Éramos, somos e continuaremos a ser enquanto por cá andar-mos "Discriminados", que é uma palavra muito feia, que devia de ser banida do dicionário!.
Talvez um dia, a história da guerra do Ultramar, contada pelos filhos dos nossos bisnetos, junto dos monumentos ao combatente, que os nossos companheiros vão erguendo por todo o Portugal, nos favoreça, ao menos fica essa esperança, oxalá que sim!.
Um abraço e continua.
Tony Borie.
Pois é Veríssimo,essas lições de vida, primeiro à granada depois à pedrada e descriminado de fascista, são lições de história que nenhuma universidade pode proporcionar.
Cumprimentos
Antº Rosinha (emigrante, retornado, colonialista)
Pois é Veríssimo,essas lições de vida, primeiro à granada depois à pedrada e descriminado de fascista, são lições de história que nenhuma universidade pode proporcionar.
Cumprimentos
Antº Rosinha (emigrante, retornado, colonialista)
Enviar um comentário