segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11957: Tabanca Grande (408): Francisco Maria Magalhães Baptista, ex-Alf Mil Inf.ª da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Francisco Maria Magalhães Baptista*, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 8 de Agosto de 2013:

Pretendo escrever uma breve história da minha passagem pela Guiné, mas entretanto, há poucos dias estive com uma irmã, mais nova que eu dois anos, que me que me surpreendeu com uma história do meu regresso, que eu não lembro de todo, e passo a contar pela impressão que me causou e pelo facto de a ter apagado completamente da memória.

A minha história da Guiné começa pelo fim.
Regressei a Lisboa, de avião, em 19 de Março de 1972, integrado na CART 2732, onde estive os meus últimos oito meses de comissão.
Depois do desembarque tínhamos que passar por um corredor, envidraçado dum lado, que nos separava duma sala com poucas condições (mais parecia um curral), onde estavam os nossos familiares e amigos que nos esperavam. Não podíamos contactar com eles logo pois tínhamos que ir primeiro cumprir certas formalidades que hoje não recordo.
O meu pai e esta irmã foram esperar-me.

Ainda antes do nosso desembarque, segundo a minha irmã, entrou nessa sala uma jovem senhora muito chorosa e revoltada, querendo saber o que teria acontecido ao marido, que era da companhia que chegava. Ela face a elementos e desconfianças que não são claros hoje, não acreditava muito na morte dele nem na versão oficial que lhe tinham dado. Punha até a hipótese de ele estar vivo e preso por lá. Queria falar com camaradas dele para se informar devidamente, pois não queria acreditar nas explicações dadas.

Nessa idade deve ser muito difícil acreditar que alguém que amamos, que praticamente faz quase parte da nossa identidade morreu. Porque essa pessoa vive em nós pois o amor confunde corpos e almas sobretudo quando se é jovem. Compreende-se a atitude de descrença dessa jovem senhora na morte do marido. Além do mais ela de certeza que não viu o seu homem morto um aspecto muito importante para se puder fazer o luto. Até nisso as viúvas e familiares dos nossos camaradas mortos nas antigas colónias foram duplamente castigados, pois penso, que nunca podiam confirmar essa notícia.
Na opinião da minha irmã essa jovem senhora era muito bonita.

O nosso pai terá ficado muito nervoso e sensibilizado, pela dor e pela beleza da jovem e querendo ajudá-la disse-lhe que o filho vinha nesse avião e possivelmente lhe daria informações.

Quando passamos no corredor essa senhora terá tentado falar comigo, através da divisória de vidro, não sei se conseguiu, a minha irmão não se recorda.
Posteriormente quando pudemos contactar os nossos familiares, o meu pai ter-me-à pedido para eu falar com ela. Eu não terei acedido ao seu pedido, tendo até ficado aborrecido com a sua insistência.
O meu pai viveu mais 5 anos e terá perguntado algumas vezes pelo nosso camarada, marido dessa senhora. As minhas respostas terão sido lacónicas e evasivas.

Olho para trás e não me reconheço porque eu tenho muitos defeitos mas sempre fui solidário como qualquer pessoa normal e este comportamento é até pouco humano
Desde o meu regresso já se passaram cerca de 43 anos, é natural que o tempo vá apagando muitas coisas da memória mas há acontecimentos como este que deviam deixar marcas quase perenes mas eu não recordo nada desta história triste, é natural que algum camarada ou familiar se tenha apercebido do que se passou, não sei. Pelo conhecimento que tenho da minha irmã tenho a certeza que esta senhora existiu, mas talvez pelo tempo já passado os pormenores poderão estar esbatidos ou um pouco alterados pela imaginação dela. Oxalá esta jovem senhora tenha conseguindo respostas satisfatórias às suas perguntas de forma a poder aliviar a enorme dor que terá sentido com a morte do marido.

Fui convidado pelo amigo Carlos Vinhal, com quem estive oito meses na CART 3732 e reencontrei neste blogue, a aderir a esta tertúlia e como me identifico com os seus ideais e objectivos, decidi apresentar a minha candidatura, pois será uma honra pertencer a este grande batalhão que cobre Portugal e a Guiné inteira, comandado com muito mérito pelo Luís Graça e outros camaradas que colaboram, entre os quais o Carlos.

Uma saudação fraterna a todos os camaradas, pois nalgum tempo e espaço, já todos fomos irmãos, nas vivências; no sol quente e por-dos-sóis multicolores, nas paisagens maravilhosas do mar, das florestas e bolanhas, nas chuvas sem fim que alagavam os dias e as terras, nos fados da Amália e baladas do Zeca Afonso, em noites de nostalgia e bebedeira, nos medos das minas, das emboscadas e bombardeamentos, na dor e na raiva dos camaradas mortos e feridos.
Mas julgo que todos nós conservámos as qualidades primordiais que fazem com que o jovem que cada um era, não se deixasse degradar demasiado com o passar dos anos e não perdesse o que deve ser perene na alma humana, a solidariedade, a amizade, enfim a boa camaradagem.

A todos um grande abraço
Francisco Baptista


2. Comentário do editor CV

Caro camarada e amigo Francisco
Em boa hora me contactaste, descobrindo-me através deste Blogue, que é maior que o Mundo, onde os ex-combatentes da Guiné se vão encontrando e convivendo.

Vens juntar-te, no Blogue, a mim, ao ex-1.º Cabo Inácio Silva, que estava instalado no "condomínio/abrigo" da Mancarra e ao ex-Cap Mil Jorge Picado que teve a honra e o privilégio  de comandar a nossa CART durante sensivelmente 3 meses. Vê tu que até foi a Fátima a pé nesse espaço de tempo. Vê o recorte da carta de Binta:

Fátima, localizada a leste de Madina Mandinga. Carta de Binta

Tens aqui uma foto dos felizes condóminos da Mancarra. Em primeiro plano, de cócoras o ex-1.º Cabo Ornelas, apontador do morteiro 60, da minha secção/3.º Pelotão do ex-Alf Mil Bento, de quem te deves lembrar, e sentado, o Inácio Silva que tinha seu cargo uma Breda para contrariar as investidas dos nossos indesejáveis vizinhos. O Ornelas, como não podia enviar as suas granadas de dentro do abrigo, fazia-o cá fora ao ar livre. Homens valentes, estes madeirenses.
No teu tempo já o Inácio Silva estaria impedido na secretaria do COP 6.
Ainda hoje, felizmente, mantenho contactos regulares com ambos.

Era esta a malta do abrigo da Mancarra que assegurava a defesa de Mansabá no sector Norte do aquartelamento
Foto ©: Inácio Silva

Para guardares, deixo-te também aqui uma vista aérea de Mansabá, do nosso tempo. Vê se te lembras onde era o teu quarto.

Vista aérea de Mansabá
Foto ©: Carlos Vinhal

Tive o imenso prazer de te reencontrar em Leça da Palmeira, naquele famoso restaurante, propriedade de um colega de escola primária da 1.ª à 4.ª classe do ensino primário. Vê tu, onde me fizeste passar pela vergonha de me homenageares pelo trabalho que aqui faço, com imenso prazer. Valeu-me a presença de alguns amigos comuns para que não ficasse de todo inibido.

Quanto à tua história, a misteriosa senhora que queria falar contigo poderá ter sido quem pensamos, mas não podemos confirmar, logo ficamos por aqui. Já agora fica aqui declarado por quem sabe, eu, que tu não estavas em Mansabá na altura daquele funesto acontecimento.

Como este poste já vai longo, quero deixar-te um abraço em nome dos editores e da tertúlia, e os votos de que remexendo no fundo das tuas memórias, encontres matéria para nos enviares histórias passadas nas duas unidades em que militaste.

Abraço do camarada e amigo
Carlos Vinhal
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Notas do editor

(*) Vd. postes de:

26 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11873: O Nosso Livro de Visitas (167): Francisco Maria Magalhães Batista, ex-Alf Mil, integrado na CART 2732 em Setembro de 1971 (Carlos Vinhal)
e
29 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11882: Blogpoesia (351): "Conversas sem pressas", por Maria de Lourdes dos Anjos (Francisco Batista)

Último poste da série de 9 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11919: Tabanca Grande (407): José Fernando dos Santos Ribeiro, ex-1º Cabo de Transmissões da CCS do BCAÇ 2912 (Galomaro-Cossé), 1970/72

1 comentário:

Luís Graça disse...

Sê bem vindo, camarada. Gostei da tua apresentação. Vens seguramente enriquecer a nossa Tabanca Grande. Contamos com os teus depoimentos.