1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Maio de 2013:
Queridos amigos,
Por uso e costume, as recensões para o blogue versam primordialmente a Guiné de todos os tempos. Acontece que “Uma breve história de África” é um ensaio digno de nota na medida em que em escassas 180 páginas aborda o berço da civilização, as eras antiga e medieval, a chegada dos europeus, a ascensão e queda de Estados como o império do Gana, detalha o comércio de escravos e refere as conquistas europeias e a “Corrida por África” que conduziu à ocupação efetiva e, mais adiante, a descolonização e a África depois da independência.
É sem dúvida um ensaio que traça uma panorâmica e ajuda a compreender as vicissitudes históricas do segundo maior continente.
Um abraço do
Mário
Uma breve história de África
Beja Santos
O título atrai imediatamente, como é que é possível de escrever em 170 páginas a história do segundo maior continente, o berço da civilização, até aos acontecimentos da Primavera Árabe: “Uma breve história de África”, por Gordon Kerr, Bertrand Editora, 2013. Se é facto que foi sobretudo a partir do século XIX que passou a chamar a atenção dos países colonizadores, a África do Vale do Nilo, África Bantu, a presença árabe, as caravanas transportando o ouro e atravessando desertos, impérios como o Gana, o Mali, o Kanem-Bornu e o Songhai, o reino do Congo, a presença de europeus a partir do século XV e o comércio dos escravos, são factos e acontecimentos de uma importância que transcende a própria África. É certo que a documentação é bastante omissa quanto às civilizações do continente, desde a pré-história até ao fim da Idade Média. Como também é verdade que o olhar dos europeus que aqui chegaram também subtraia o estudo do passado, tudo parecia condenado ao vazio. E só muito lentamente se vieram a juntar as pedras do mosaico para hoje se dispor, mesmo com grandes lacunas, de uma certa ideia do que foi o passado de toda a África.
A partir do século XVIII, a historiografia melhorou consideravelmente. Hoje já se sabe com consistência o que foi o Império Songhai e como se desmoronou, o Império Lunda, o Império Rozwi e mesmo o sul de África. Com o século XIX, passa-se a dispor de uma mais ampla informação sobre os Fulas e como irromperam na Guiné, como os Mandingas fundaram um império que se estendia pela África Ocidental, hoje dispõe-se de informação abundante sobre o comércio de escravos, um pouco por todo o continente. O que os europeus conheciam de África cingia-se ao litoral. E em meados do século XIX os exploradores europeus começaram a penetrar no interior da África Ocidental, foram seguidos pelos missionários que procuravam conversões e travar a fé islâmica. O movimento para a abolição do comércio de escravos reavivou o interesse por África. Os exploradores estavam envolvidos em investigações científicas e cresceu a presença de aventureiros que andavam à procura de fama e fortuna.
O autor pormenoriza as atividades destes exploradores naquilo que se chamou a “corrida a África” que se tornou possível pelos desenvolvimentos tecnológicos europeus como os barcos a vapor, os caminhos-de-ferro e o telégrafo, e as armas de fogo modernas. A presença dos europeus era justificada como um dever de civilização, como é óbvio havia outro tipo de ambições, potências como a Alemanha e a Itália desenvolveram a crença de que também mereciam ter o seu próprio império ultramarino. A Grã-Bretanha não podia perder o controlo no Canal de Suez, e por isso ocupou o Egito. A “Corrida a África” foi o principal resultado da Conferência de Berlim (1884-1885), o objetivo era chegar a um entendimento acerca da partilha do continente africano, foi assim que se desenharam esferas de influência. Os franceses que já estavam no rio Senegal estenderam a sua área de influência até às fronteiras dos atuais Gana e Costa do Marfim; os ingleses começaram a constituir o protetorado britânico ao longo da Costa do Ouro (recorde-se que na Conferência de Berlim a Grã-Bretanha declarou o Delta do Níger como seu protetorado). O autor refere igualmente os britânicos e alemães na costa oriental de África, os portugueses em Moçambique, os alemães na Namíbia e a revolução mineira que tomou conta da África do Sul.
No final do século XIX, não havia margem para dúvidas sobre a preponderância do domínio colonial em África. Os africanos opunham-se tenazmente aos povoamentos brancos. O autor descreve vários Estados sobre o Governo colonial, realçando o Congo e a África Oriental alemã. A I Guerra Mundial refletiu-se em África, a Grã-Bretanha invadiu as colónias alemãs da África Ocidental, Togo e Camarões, as tropas sul-africanas ocuparam o Sudoeste Africano Alemão. É facto que os anos entre as guerras marcaram o apogeu do governo colonial em África. Mas os africanos foram encorajados a desenvolver-se num modo “africano”, as potências coloniais permitiam que os chefes mediassem disputas locais, reconheceram os líderes tradicionais mas sempre com o espírito de que os africanos e a cultura africana eram inferiores aos seus equivalentes europeus. Os governadores europeus estavam convictos de que os africanos e a cultura africana eram inferiores aos seus equivalentes europeus. “Ao mesmo tempo que encorajavam os africanos a desenvolver as suas instituições de um modo africano, os europeus insistiam em impor a adoção de estilos e técnicas dos governos ocidentais (…) Para permitir aos governadores africanos funcionar na língua da sua potência colonial, estes tinham de ser instruídos. Foi disponibilizada uma educação ao estilo ocidental, mas com restrições frequentes. Por exemplo, no Congo as autoridades belgas forneciam uma boa educação ao nível do ensino secundário, mas os africanos estavam proibidos de frequentar a universidade”.
A II Guerra Mundial preparou um colapso do domínio colonial. O norte de África conheceu as batalhas e viu a derrota de italianos e alemães; os africanos conheceram o trabalho forçado mas iram igualmente desenvolverem-se infraestruturas em vários locais. Os africanos aperceberam-se que as potências coloniais não eram invencíveis. O autor sintetiza as etapas do movimento pan-africano e a emergência de negritude. A Grã-Bretanha e a França resignaram-se com a independência das suas colónias africanas. O Gana deu o sinal, seguiram-se as independências na África Ocidental e Equatorial Francesa, mudou o mapa do Norte de África (Egito, Sudão, Eritreia e Somália tornaram-se independentes). Dos anos 1950 para os anos 1960, tudo mudou na África Oriental e Central Britânica e no Congo Belga. A África portuguesa ficou independente a partir de 1974 e a independência de Angola e Moçambique influíram decisivamente nos acontecimentos da África do Sul.
O quadro traçado pelo autor da África depois da independência não é muito lisonjeiro. A maior parte dos líderes políticos revelou-se ineficiente na governação. O marxismo tornou-se a filosofia política de muitos dos novos governos nacionais, sucederam-se desastres em cadeia, os políticos sentiram maior lealdade para com o seu grupo étnico e geraram descontentamentos profundos: “A gestão estatal da agricultura era reminiscente da forma como as autoridades coloniais tinham governado e gerou dissensão. Muitos aspetos da vida eram controlados a partir do centro e foram desenvolvidos sistemas de patronato, nos quais os amigos e os parentes dos governantes beneficiavam de novos projetos. Os que se encontravam no poder controlavam todo o dinheiro, quer se tratassem de recursos provenientes de outros países, de organizações humanitárias ou do comércio internacional. As instituições do Estado encontravam-se em desordem e só o suborno, a corrupção e a intimidação funcionavam”. Nos anos 1980, África encontrava-se tolhida pela dívida externa. O autor elenca os principais conflitos, descreve a Primavera Árabe e a nova “corrida por África” em que as empresas dos EUA, da Grã-Bretanha, da França e da China competem pelos favores de regimes caóticos para ter acesso ao gás, ao petróleo e aos diamantes. No essencial, o povo africano continua a viver na pobreza e no desespero.
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Nota do editor
Último poste da série de 16 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11944: Notas de leitura (511): Gentes de Catió na Revista Geographica de 1972 (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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