Amigo e camarada Carlos
Este texto é uma homenagem a mais um dos meus camaradas que partiram, ele fez parte da minha coluna de 8 de MAI73 e deixou-nos a 4 de Agosto.
Agradeço a publicação.
Abraços para vós
Manuel Marinho
João Santos Correia, ex-1.º Cabo TRMS da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512
HOMENAGEM AO 1.º CABO TRMS JOÃO CORREIA
Meu camarada e amigo, João Correia:
Estou a escrever estas linhas ainda a quente, depois de receber o telefonema de teu filho, hoje, dando-me a triste noticia da tua morte, a um mês de nos encontrarmos para o almoço da nossa malta, tinhas muitas coisas a contar-me, e finalmente íamos tentar perceber como foi que aquela maldita emboscada aconteceu.
Partiste antes do nosso abraço, que não chegou a acontecer…
Tanto trabalho para te encontrar, a alegria da descoberta, a promessa do abraço fraterno de quem viveu dias e horas infernais, numa guerra para a qual fomos sem o desejarmos, mas também sem a renegarmos.
A vida prega-nos estas partidas, gostava nestas alturas de ser crente, ter fé… mas sinto uma raiva interior com a vida… Felizes todos os que o são….
Tiveste ainda a amabilidade de avisares a tua esposa para só me telefonarem quando fosses para o hospital, recomendando muitos abraços para mim e para os meus…Já te estavas a despedir de nós teus camaradas, e de mim em particular….
Meu amigo e camarada, as lágrimas secaram-me há muito tempo, que vontade que eu tive de as derramar… Aquele documento da emboscada que deixaste escrito, e que está na minha posse, não foi publicado pois faltavam os tais pormenores, nós os dois éramos testemunhas presenciais e ambos tínhamos escrito, eu já publiquei a minha versão, que hoje está mais bem documentada, e a tua acrescenta pormenores até hoje desconhecidos.
O relatório da emboscada que foi por ti descrito, perante oficiais vindos de Bissau de propósito para ouvirem da tua boca os detalhes da mesma, pois só tu estavas em condições de os dares, desapareceu…Não existe…. Ponto final….
O que havia era a tua (nossa) versão, mas eram incómodos, e desapareceram… Porque não interessava que se conhecessem os pormenores e apurassem as responsabilidades. Por acaso escreveste mais ou menos de memória tudo o que nos aconteceu, o que narraste para os ditos oficiais, e que era mau demais, os que poderiam dar explicações também já partiram, e sempre tive dúvidas como tu tinhas, que eles as quisessem dar.
Tiveste sempre a mágoa e a revolta de não te tratarem como deviam, depois da emboscada e do relatório, retiraram-te do mato da convivência com os operacionais, pelos motivos que sempre desconfiamos.
Não podias divulgar nada…. Naquele fatídico dia, antes de avançarmos para Guidaje, ouviste pelo rádio o que não devias, as mensagens trocadas, entre o CMDT do nosso Batalhão e o CMDT do COP 3 de Bigene, porque eras o nosso camarada das transmissões que ia na coluna.
E ficaste mais espantado e indignado quando soubeste, há pouco tempo, por mim meu amigo, que em Bissau esteve uma CCP, a 121, pronta para nos socorrer e não saíram… Por ordens superiores. E porquê?
Pensariam os estrategas que nós, cerca de 50 dávamos cabo de 200 IN? Mesmo assim e com a tua prestimosa ajuda no contacto com os nossos camaradas de Binta (poucos), conseguimos sair de lá. E os que nós combatíamos, só conseguiram os seus intentos, apenas por um dia, a chegada a Guidaje aconteceu no dia seguinte.
Aguentamos até ao limite… Nós cumprimos, os nossos superiores, não! Pois é, e no dia seguinte o cerco rompeu… Mas aí já foram quase duas Ccaç, reforçadas com 2 GrComb de CMDS, e passaram claro, com os nossos superiores à cabeça, embora hoje se tente fazer crer que houve um cerco infernal e que ninguém passava…. Coisas que ainda hoje se dizem e escrevem camarada….. E estava tudo tão mal contado….
Valeu tudo, e ainda hoje não emendam a mão, no princípio até esqueceram os nossos mortos… Descansa em paz meu amigo e camarada, não vou insistir para tentar encontrar explicações de quem tão mal nos comandou, pois esses também já partiram… Mas não terei razões para modificar a minha atitude em relação ao IN da altura, não esqueço… e não tenho que prestar contas a ninguém por ter combatido ao vosso lado, a vossa memória impõe que enquanto houver camaradas nossos vivos não deixarei cair no esquecimento as nossas interrogações.
Seja onde for que te encontres fica sabendo, que as esperanças que tinhas em publicar a nossa história, será cumprida, tentarei fazê-lo, é minha obrigação dar voz a quem não pode, e aos que estão incapacitados de o fazer. Será neste blogue de enorme camaradagem, de e para os combatentes, que nos compreenderão, eu terei a responsabilidade de zelar e de falar por ti, para que mais pormenores sejam conhecidos, e para que se escreva um dia a verdade.
E fica prometido que te faremos a homenagem devida, será penoso para mim, mas devemos-te isso a ti, por nós teus amigos e camaradas, pelo teu filho e pela tua esposa.
Paz à tua alma meu amigo e camarada, até sempre!
5 de Agosto de 2013
Manuel Marinho
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Nota do editor
Último poste da série de 10 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11926: In Memoriam (157): Luís Filipe Borrega - † 10 Agosto 2013, ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922 (Piche, 1970/72)
8 comentários:
Manuel Marinho:
É um testemunho sublime, de grande humanidade, sensibilidade e solidariedade, o que tu acabas de publiocar, ainda a quente, em cima da notícia (sempre brutal) da morte de mais um camarada de armas... Mas, pelo que relatas, o João Santos Correia não era um camarada qualquer, era justamente um dos teus bravos de Guidaje. E, ao que parece, o elo de um cadeia que faltava encontrar para contar, comod evia ser, a batalha de Guidaje, ou pelo menos uma parte dessa batalha.
Ficas convidado a apresentá-lo, a título póstumo, à Tabanca Grande, e a publicar o seu relato da emboscada de que heroicamente vocês sobreviveram.
Transmite ao filho do camarada Correia e demais família os nossos profundos sentimentos de pesar mas também de orguiho pro ter tido o Correio como camarada de armas no TO da Guiné.
Ficando na nossa lista de bravos que da lei da morte se foram libertando, o Correia também fica mais perto de nós e das nossas lembranças. Diz-nos quando e onde ele nasceu. E quando, onde e a que horas será o seu funeral.
Luís Graça, em férias.
Manuel
É sempre triste e para mais se nos é próximo.
Somos cada vez menos.
Os meus mais sinceros pêsames para ti e para a família do nosso camarada.
Um abraço
Caros camaradas editores
Luís, Carlos e Eduardo
Restantes camaradas deste blogue
A minha gratidão pela postagem do texto que escrevi no dia 5 Agosto ao saber da morte do meu camarada João Correia.
A família terá conhecimento dos pêsames e da solidariedade da malta do nosso blogue.
Luís, respondendo à tua questão, devo dizer-te que irá ser enviada para o blogue, um documento escrito pelo meu camarada João Correia onde só faltam os pequenos ajustes, que serão concluídos para o mês que vem (altura do nosso convívio), (tenho esse documento em meu poder), faltam mais uns pormenores, será sempre este nosso blogue a ter os escritos que estarão a completar de forma mais sistemática a questão Guidaje., tivemos conversas telefónicas a esse respeito e eu tenho a responsabilidade de contribuir para aspectos ainda hoje desconhecidos, e cruciais para se perceber como as coisas foram resolvidas na altura.
Quero mais uma vez agradecer-vos em nome dos meus camaradas da minha Ccaç a pronta disponibilidade do Carlos na publicação do texto, e vossas palavras solidárias, em breve darei mais notícias.
Falta acrescentar que a minha Ccaç foi representada por um camarada da mesma no funeral do malogrado João Correia.
Um grato abraço para todos vós
Manuel Marinho
Caro Manuel Marinho,
Mais uma vez deixastes o coração falar. Pela perda de um camarada, irmão de armas, amigo de longa data.
Já antes, aqui nos States, numa entrevista que concedestes para a RTP, tinha tido a oportunidade de apreciar a tua sensibilidade quando falas dos teus camaradas.
Abraço.
José Câmara
tens razão, Carlos, e eu peçop desculpa ao editor e ao autor... São as prtessas de quem vai oara praia cedo, para apanhar a baixa mar, o extenso areal, o ar fersco da mnhã...LG
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Carlos Vinhal
19/8/2013, 21h36
Luís
Se tivesses lido com atenção, verias que o camarada já morreu a 4 de Agosto e que o texto foi escrito a 5, embora só hoje enviado a nós.
Abraço
Carlos
Caro Manuel Marinho,
Que o João Correia descanse em paz,ele que foi herói de Guidage.
Por fasvor,endereça da minha parte as minhas condolências à família enlutada.
abraço
mm
Caro Manuel Marinho
Uma justa e sentida homenagem escrita "vinda de dentro", vinda do coração.
Obrigado por a partilhares connosco.
Abraço sentido.
Hélder S.
Mais um de Guidage, que parte.
Muitas coisas ficam por contar.
O meu irnão tambem esteve nessa coluna, como enfermeiro e, tentei ouvi-lo falar sobre o que aconteceu, mas ficou sempre "mudo" ao pedido.
Há que incentivar os que "ainda por cá andam" a dar o testemunho das suas memórias, SENÃO, outros escreverão o que nunca se passou.
Sentidas consolências à família e ais amigos mais chegados que, com o João, tambem partem um pouco.
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