O PÓS-GUINÉ 65/67
10 - E A SAGA UMBIGAL CONTINUA
O MEU UMBIGAL MAU FEITIO
15 DE SETEMBRO DE 2013
Assentei-me no meu sofá de peles, de cabra e bode, qu'até já está roto aqui no apoio do braço direito devido ao uso, tal qual como acontece ali em cima onde encosto a cabecinha mas aí porque o redemoínho eriçado o pica, como é próprio do cabelo assim estilo porco espinho, com que nasci.
E A GUINÉ SEMPRE PRESENTE
É o dia 15 de Setembro e sempre dedico uns minutos para relembrar aquela manhã desta mesma data mas de 1965, em Bissorã.
É que quando em treino operacional, com uma Companhia ali estacionada e que nos ia mostrar como era aquela guerra, mas em local menos perigoso (se é que os havia) fomos, o pelotão dos velhinhos e o meu, surpreendidos por uma feroz emboscada em local onde nunca até então se tinham atrevido incomodar as NT.
Recordo que atravessámos para lá um rio com pouca água, mas que no regresso e por mor da maré, estava cheio e alguns não sabiam nadar. Tudo correu bem, as coronhas das G3 serviam de amparo a esses enquanto nós os puxávamos segurando no cano. Lembro-me que um Fur Mil do meu pelotão aprendeu nesse dia a nadar, dizia-o ele depois já no quartel.
Só passou por essa, pois que logo a seguir foi para a Rádio em Bissau.
Foi a primeira vez debaixo de fogo, baptismo lhe chamavam, mas não gostei. Muito menos que nos tenham perseguido.
Recordo sempre com muita saudade os locais por onde passei e de alguns más recordações também. Duns também as memórias que me mantém vivo, apesar da dor, como sucede com quase todos nós que fomos lá por imposição e estivemos debaixo do fogo IN, e perdemos até amigos de coração.
22 DE SETEMBRO DE 1965
Da dor que falei atrás, tenho esta bem grande que não me abandona, bem como a revolta que cada vez aumenta mais.
Nesta mesma data mas de 1965... saímos de Mansabá com destino a MANHAU, noite chuvosa... operação a iniciar-se... e mesmo à saída do aquartelamento... uma "bailarina" e... O HORROR... O HORROR.
É então que a raiva nasce em mim.Alguma permanece ainda.
21 DE ABRIL DE 1967
Desembarque em Lisboa.
Estive quase a ficar no Exército, e até aliciado fui por emissários que sondaram alguns de nós, no sentido de virmos a preparar tropas d'outros Países. Mercenários nos ficaríamos a chamar mas receberíamos acima do que seria possível imaginar.
A Pátria Portuguesa ao que parecia, não estimulava, não permitia, mas fechava os olhos. Da minha CCAÇ 1422, houve um rapaz que enveredou por aí e passados poucos meses, visitou-me, trazia nova proposta e as condições monetárias que me propunham, eram excepcionais. Andei baralhado e quase a aceitar, mas contive-me e se calhar fiz mal, mas o que lá vai lá vai.
************
Li muito desde novo, e porque até nem havia televisão, que nasce já tenho 16 anos. Na minha terra para além da Biblioteca Municipal, ia também semanalmente a carrinha da Gulbenkian.
Desde Emilio Salgari e o seu Sandokan, Hall Caine, Júlio Dinis, Eça, Camilo, Camões, Bocage... enfim tudo o que de bom havia e que me ajudou a ter uma diferente visão do que era o Mundo dado que o meu se resumia ao rame-rame duma terra da Província que todavia tinha caminho de ferro e carreiras bissemanais para a capital do distrito.
Até que já quase nos 20 de idade, descobri Sven Hassel, que escrevia com fino humor, sobre a II Grande Guerra mais especificamente e tendo como protagonistas os alemães.
Deste, "O Regimento da Morte" serviu-me de Bíblia na Guiné. Influenciou-me, até que um dia descobri outro Senhor que é ainda hoje o meu preferido, chamado Hans Hellmut Kirst e que para além de várias obras vendidas em Portugal, tem outras que foram adaptadas para o cinema.
O seu, "Os Lobos", representam o máximo do que gosto e escolho. Incontáveis direi, as vezes que já o reli, e sublinhei. Tem frases que bem dão para pensar.
Motivado por tais leituras, decidi-me um dia escrever um conto infantil, com ele concorri e foi-me comunicado que só não ganhara porque o fim não se adequava bem às idades para quem se destinava. Na realidade a narrativa era ternurenta demais e o próprio título era bem interessante.
Chamei-lhe a "HISTÓRIA DUM PASSARINHO QUE ESTAVA, TADINHO, TODO MOLHADINHO EM CIMA DUMA ÁRVORE", inspirado que fui por aquele jagudi sacana que na Guiné me quis debicar quando adormeci à sombra dum poilão, no K3.
Conforme reparam está tudo dito na capa, só que depois no desbobinar, acrescentei várias peripécias entre as quais: "Subi à árvore; apanhei o jovem pardal de telhado; aconcheguei-o ao peito; cheguei a casa e embrulhei-o num cobertor quente; acendi o lume para que se secasse e no fim, quando a minha mãe chegou disse-lhe:
- Mãe, se fizer o favor ponha aí uma frigideira a jeito, que vou depenar este petisco".
(continua)
____________
Notas do editor
Jagudi - Foto: © de João Santiago
Último poste da série de 29 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12101: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (9): Continuação do balanço - Usos e costumes
2 comentários:
Caro camarada Veríssimo
Desta vez a tua visita rectrospectiva levou-te para recordações menos boas. Acontece.
Não vou falar das 'bailarinas' nem das suas consequências, da raiva que nasce e que permanece, pois isso é do foro íntimo e por mais palavras que se possam utilizar para dizer "deixa lá, já passou" isso não seria justo pois podia ser encarado como uma intromissão nos sentimentos pessoais e que têm de ser respeitados.
Preferi fazer um comentário ao teu "passarinho .... em cima duma árvore".
Compreende-se perfeitamente o facto de não terem considerado 'apropriado' o final da história, ternurenta, certamente, com que tinhas completado o tal "conto infantil". É que as criancinhas, supostos alvos do conto, desconhecendo a relação 'passarinho-jagudi' ou ficariam confusas, algumas mais sensíveis podiam até chorar com pena do passarinho depenado, ou podiam ficar a achar muito natural que o destino de 'passarinhos molhados' fosse a frigideira....
Mas sim, acho que o sacana do jagudi avaliou mal a situação em relação à tua pessoa e ao teu merecido descanso e só espero que também tenha 'levado uma lição' sem ter acabado na frigideira, claro!
Abraço
Hélder S.
Caro Veríssimo
Também para mim, Sven Hassel e Hans Hellmut Kirst são dois dos expoentes máximos a escrever sobre a II Grande Guerra.
Fiquei fã incondicional de cada um deles a partir do 1º livro que li.
Um abraço
José Vermelho
Enviar um comentário