quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12162: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (1): A asfixiante e inadiável ideia de voltar

1. Apresentação da nova série do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72), dedicada às suas viagens de saudade à Guiné-Bissau, a primeira efectuada em 1998.




CRÓNICAS DAS MINHAS VIAGENS À GUINÉ-BISSAU

A PRIMEIRA VIAGEM - 1998

A explicação possível para o que me motivou 

1 - A asfixiante e inadiável ideia de voltar à Guiné

Após o regresso da guerra em 1972, o passar dos anos foi tornando cada vez mais vivas as memórias de todas as minhas vivências em terras da Guiné, de tal forma que, cada dia se tornava mais claro aquilo que há muito eu sentia; Eu tenho de voltar à Guiné. É uma necessidade, é a saudade, uma paixão, sei lá.

Eu tinha que voltar a sentir a magia do contacto com as pessoas, o cheiro acre das formigas, os odores exalados da terra quente, o calor do sol e do solo qual frigideira que nos castiga, o bálsamo da frescura no abrigo das sombras das suas frondosas árvores e, a sua paisagem única que penetra os nossos sentidos. A ideia de voltar ia-se tornando imperiosa, asfixiante e inadiável. Mas como? Com quem? Estávamos em 1997. Nessa época, poucos de nós haviam regressado à Guiné. A evolução política em Portugal e a Guiné independente com uma imagem de estabilidade, ajudavam a sonhar com a primeira viagem de retorno à terra que, apesar de tudo, marcou a minha evolução como ser humano.

Ultrapassadas as dificuldades materiais, obtidos parceiros para a viagem e, conseguido um contacto com dois casais que já haviam feito a viagem e me deram indicações preciosas, deitei mãos à obra e organizei os detalhes do programa da viagem. Escolhidos os locais de alojamento, garantido o transporte para todas as visitas, decidi-me por Abril de 1998. Praticamente no fim da época seca, em que os mosquitos são menos agressivos, as picadas estão mais transitáveis, e as mangas, as papaias, as bananas e o caju estão quase maduras, pareceu-me ser a época que seria mais adequada para dois casais se lançarem à “descoberta” da Guiné independente.

Estava consciente de que tinha resolvido o lado prático da ansiada viagem. E aqueles inconscientes afloramentos de dúvida? Como seremos recebidos? Que riscos vamos correr? Encontrarei o registo das memórias que carrego? Encontrarei as pessoas que desejo abraçar? O que vou encontrar ajudar-me-á a entender as mudanças que vão acontecendo?

E neste estado de alma fui gerindo a espera até à data da partida.

Em próxima oportunidade farei o relato da minha primeira viagem de retorno à Guiné-Bissau após o fim da guerra.

(Continua)

4 comentários:

Anónimo disse...

No fundo sentimos quase todos esta saudade e maior é a minha que regressei em Abril de 1967. Gosto e aguardo, para reviver, as futuras crónicas. Um abraço do
Veríssimo Ferreira
CCAÇ 1422 K3 Agosto 65/Abril 67

Henrique Cerqueira disse...

Caros Camaradas
Com o devido respeito pelas vossas ideias de saudades da Guiné eu posso aqui afirmar que a única saudade daquele território se prende com os meus dois anos INÚTEIS desperdiçados na minha juventude. Tudo que aprendi com a "experiência" não valeu para compensar tudo o que perdi.
Decididamente eu jamais voltaria á Guiné.
Henrique Cerqueira

Anónimo disse...

Caro Henrique Cerqueira e eu compreendo que hajam camaradas que não sintam a saudade de voltar aos lugares onde sofreram. Conheço amigos que nem a Mafra voltaram, nem querem, porque foi ali que tudo começou. Tudo bem, respeito mas só metade.Na Guiné todos passámos pelo horror. Também eu tentei esquecer e hoje tenho um período de que não consigo ainda lembrar-me. Foi duro, passou-se, mas que alegria sentiria, não só recordar-me dos meus vinte e poucos anos, como poder prestar (masoquisticamente? Talvez...) uma última homenagem aos amigos que ali desapareceram e nos locais em que tal desgraça aconteceu. A viagem de saudade não seria para ver as belezas da terra, os animais selvagens, e tudo o que o turismo parece oferecer, porque nada me diz e a própria internet mo dá se eu pretender.
Por isso eu compreendo, apoio e aprovo a frase do José Martins Rodrigues: "A asfixiante e inadiável ideia de voltar à Guiné"
Abraços do
Veríssimo Ferreira

Anónimo disse...

Joaquim L. Fernandes

Caro camarigo José Rodrigues

Sensibiliza-me a partilha dos teus sentimentos de se ter tornado atração irresistível o teu regresso à Guiné, que terás concretizado em 1998.

É que comigo está a passar-se algo de semelhante. Após quase 40 anos, em que procurei calar e esquecer as lembranças desse tempo, aqui estou a acordar memórias e a alimentar o desejo de lá voltar, na expetativa de encontrar lugares e pessoas e reviver momentos em que, apesar dos muitos sofrimentos, muito suor e muita lágrima, também fui feliz.

É que durante esse tempo, que no principio parecia não ter fim, fui poupado a sentimentos de ódio contra aquela terra e as suas gentes,antes pelo contrário senti afeição e o encantamento das suas belezas.

Custava-me sentir a incapacidade para os ajudar, perante a sua pobreza e os seus sofrimentos e constatar a enormidade dos recursos dispendidos numa guerra que me parecia inútil. Hoje, a situação em que vivem não me parece ter melhorado muito e eu tenho os mesmos sentimentos.

Vamos esperar melhores dias e ver o que poderei fazer.

Fico na expetativa da continuidade das tuas partilhas.

Um abraço
J.L.F.