sábado, 19 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12170: Estórias do Juvenal Amado (49): Afinal era bala real - Lembrando João Caramba

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 13 de Outubro de 2013:

Caros camaradas
Lembrar os nossos é um exercício que se faz naturalmente, pois desse tempo que passámos juntos fica a necessidade de deles falarmos.
Parece que estão mais próximos, atenua o nosso sentimento de perda e prestamos-lhe uma homenagem que não tem preço, não é institucionalizada pois não se institucionalizam os sentimentos.
Juvenal Amado



AFINAL ERA BALA REAL

O Passos contou-me esta ocorrência na última vez que estive com ele, quando lembrávamos o nosso camarada João Caramba, onde fica demonstrado o voluntarismo e a noção de entreajuda que norteava o nosso saudoso amigo.

O caso passou-se quando ainda estávamos no Cumeré em treino operacional, antes de seguirmos para o Leste.

O Passos nunca dizia não a uma jogatana de futebol e embora com um calor pouco convidativo à sua prática, era raro o dia em que não houvesse jogos entre pelotões, ora da CCS ora das companhias operacionais.

Nesse dia o Passos torceu um pé. Não dando muita importância a verdade que após o fim do jogo e com o arrefecimento, a dor no artelho bem como em todo o pé, que apresentava já algum aspecto inchado, tornou-se incomodativa levando-o a procurar ajuda na enfermaria.

Aí levou uma pomada, uma ligadura na zona afectada e a troco de uns analgésicos LM tomados a horas certas, o Passos esqueceu-se da dor.

Mas a malta não estava lá para jogatanas e mesmo nessa tarde o Pelotão de Reconhecimento foi chamado para instrução de guerrilha e contra guerrilha.
A simulação de um golpe de mão a um pelotão de uma das companhias operacionais era a ordem. Estavam connosco as seis companhias operacionais desembarcadas do Angra do Heroísmo, 3 continentais e 3 madeirenses.

O resultado do insucesso desta operação, era ficar prisioneiro do pelotão “atacado” toda a noite e no outro dia, ser exibido como troféu pelos que eram para ser caçados e passavam assim a caçadores.
Embora fosse a brincar, ninguém do Pel Rec queria deixar os seus créditos por mãos alheias e passar por essa vergonha.

Foram feitas equipas de dois calhando numa delas o Passos e o Caramba.
Tinham sido informados de que os atacados tinham bala simulada e não deveriam responder ao fogo.

Lá se foram aproximando da força “inimiga” com todo o cuidado, e estando conscientes de que acabariam por ser detectados,  tinham após isso, tudo fazer para não serem feitos prisioneiros.

E assim foi. Quando foram detectados, pernas para que te quero pelo mato fora. Atrás deles ouviam os disparos.

Mas o pé do Passos não o deixava correr muito, uma vez que cada vez lhe doía mais, com a agravante de ter batido com ele ao saltar do Unimog que os tinha levado ao local onde se iniciaria a operação.

Os perseguidores ganhavam terreno a olhos vistos e o Caramba teimava em não deixar o Passos para trás, dizendo: ou fugimos os dois ou somos os dois apanhados.

Nisto o Caramba manda o Passos atirar-se pra o chão pois detectou que alguém estava a usar bala real. No chão o Passos por instinto meteu bala na câmara com o Caramba a gritar para não responder ao fogo e logo de seguida levantar os braços gritando que se rendiam.

Os perseguidores aproximaram-se todos risonhos e eufóricos da vitória, não esperavam que o Caramba desse um salto em frente para desancar o responsável pelos tiros, que lhe tinham assobiado aos ouvidos.

- Ou me tiram este gajo da frente ou eu parto-lhe as trombas.

No meio de enorme burburinho e acusações, foram ver o carregador da G3 e ele tinha de facto balas reais. Foi um momento de consternação para todos com o Caramba a jurar pela pele do atirador.

Do que se passou a seguir, o Passos disse-me que não soube mais nada sobre o resultado da ocorrência, mas pensa que aquilo foi abafado tendo ficado em nada.

A falta de preparação com saíamos da recruta/especialidade e eramos enviados para a Guiné, era muita e houve muitas tragédias que se poderiam ter evitado.

A sorte era escapar.

Entretanto o Batalhão 3872 embarcou numa LDG e na Bóro direito ao Xime e o episódio foi-se diluindo nos verdadeiros perigos que se avizinhavam daí para a frente.

Um abraço para todos
Juvenal Amado

João Caramba a bordo do "Angra do Heroísmo" ao largo da ilha da Madeira

A malta do Pelotão de Reconhecimento em confraternização
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11382: Estórias do Juvenal Amado (48): Fizeram-me lembrar os "Doze Indomáveis Patifes"

2 comentários:

Mário Vasconcelos disse...

Recordar João Caramba é rever na memória o seu estatuto de grande camarada e amigo. Por ser grande, fisicamente falando, sempre o tenho na memória e, por ter sido um mui grande ser humano, nunca me dele esquecerei. Um abraço (imaterial) Caramba, e outro para ti Juvenal, que sabes estar em todas as situações com muita amizade.

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

O nosso amigo Juvenal Amado tem, entre outras particularidades, um coração solidário, uma permanente gratidão de amizade e não faz questão de esconder isso.

A amizade dele ao João Caramba foi sendo cimentada ao longo dos anos, como pude testemunhar 'ao vivo' no nosso Almoço/Encontro de 2012 em que fiquei na mesa de ambos e conheci diversos episódios das suas vivências, começadas nos tempos de tropa, nos tempos difíceis da Guiné, mas também prolongadas já na 'vida civil'.

Aquando do seu falecimento, o Juvenal prestou-lhe aqui um justa, sentida e comovente homenagem. Hoje, relembrou-o, contanto mais um episódio com o 'seu quê' de insólito.

Bala real? Porque não? Assim se criaria uma situação ainda mais aproximada à realidade futura...

Ainda bem que, daquela vez, tudo acabou em bem!

Abraço
Hélder S.