quinta-feira, 21 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23185: Humor de caserna (52): O anedotário da Spinolândia (II): "Não, não quero falar com o teu comandante, quero falar contigo!" (Tino Neves, ex-1º cabo escriturário Tino Neves, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71)


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Natal de 1970 > Destacamento de Bindoro > Visita no gen Spínola (1)

Foto (e legenda): © José Torres Neves (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Tino Neves, foto atual,
bancário reformado,
vive na Cova da Piedade,
Almada
1. Esta história do gen Spínola, verídica, é/foi contada  pelo nosso camarada Constantino (ou Tino)  Neves, ex- 1º. cabo escriturário, CCS / 
BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71). 

Sem qualquer tom depreciativo usa, no fim, o
vocábulo "Spinolândia" para se referir à Guiné
do seu tempo. O termo, de resto, era popular durante o "consulado de Spínola" (1968-1973), e nomedamente 
na zona leste (regiões de Bafatá e de Gabu).

O nosso editor, também sem qualquer intuito depreciativo, vai incluí-la no "andedotário da Spinolândia". Muitos dos nossos leitores mais recentes  nunca a lerem. 

Spínola tem mais de 410 referências no nosso blogue, muito mais do que qualquer outro governador-geral e comandante-chefe (Arnaldo Schulz, por exemplo, tem menos de 90; Bettencourt Rodrigues tem pouco mais de 50).

Esclareça-se o que se entende por anedotário e anedota. O anedotário é uma coleção de anedotas. A anedota é. segundo os dicionários: 

(i) uma breve narrativa de um caso verídico pouco conhecido; 
(ii) uma pequena narrativa que provoca (ou pretende provocar) o riso; 
e (iii), também se diz, em tom depreciativo, de uma pessoa que, pelos seus ditos ou atitudes, provoca riso ou é motivo de troça. 

No nosso blogue não há (ou não deve haver) lugar à "anedota" nesta última aceção, referindo-se a camaradas ou a comandantes operacionais... que passaram pelo TO da Guiné, embora tenhamos conhecido alguns...

2. A spinolândia, 
por Tino Neves

Vou contar uma pequena estória do nosso General Spínola. Das poucas visitas programadas que fez, houve uma, não programada, muito especial.

Um determinado dia, pousou na pista de Nova Lamego, uma DO-27, e quando o único soldado, que estava de guarda à pista, se apercebeu de quem se tratava, já o General Spínola e o seu guarda costas 
[ou talvez ajudante de campo]um capitão paraquedista, estavam junto dele. Apalermado, correu logo para o telefone.

O General Spínola perguntou então ao soldado:

 O que é que vais fazer?
 Vou telefonar ao nosso Comandante, a dizer que o Sr. está aqui!
 Não, não vais ligar, não quero falar com ele, vim aqui falar contigo.
 Comigo???
 Sim, contigo!!!

Spínola falou com o soldado durante 30 minutos, e logo a DO-27 levantou voo.

O soldado então depois disso, ligou então a dizer ao Comandante do Batalhão, o Sr. Tenente Coronel Fernando Carneiro de Magalhães, que tinha acabado de falar com o Sr. General Spínola durante 30 minutos.

O Comandante Magalhães, admirado, pergunta:

 Então e não me avisaste?!
 O nosso General não deixou, disse que só queria falar comigo!
 Contigo???
 Sim, comigo!
 Então o que era que ele queria?
 Saber se eu gostava de estar aqui, se comia bem… assim essas coisas.

Conclusão, o General Spínola, da última vez, que tinha visitado Nova Lamego, em visita programada, tinha deparado com um quartel que estava um primor, só faltava estar todo embandeirado com pequenas bandeiras de várias cores, e os militares a dançarem o Vira, o Fandango ou qualquer outra dança tradicional portuguesa, para mostrar que estávamos todos alegres e contentes, e satisfeitos por termos nascido.

E o nosso General sabia disso, quando as visitas são programadas. E nós também, tanto que nós dizíamos que não estávamos na Guiné, mas sim na... Spinolândia. (**)

Tino Neves
_________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1647: Estórias do Gabu (2): A Spinolândia (Tino Neves)

(**) Último poste da série > 20 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23182: Humor de caserna (51): O anedotário da Spinolândia (I): "Sabes o que é um lapso, rapaz?" (Rogério Ferreira, ex-fur mil at inf, MA, Teixeira Pinto, Bachile, Nhamate, Galomaro, Nova Lamego, Pirada, Paiama, Paunca, Sinchã Abdulai e Mareue, 1970/71)

6 comentários:

Valdemar Silva disse...

Tino Neves
Esta está muito bem esgalhada e não ofende.
Não ofende é como quem diz, pode haver sempre umas dicas a chamar ao respeitinho.
Tais como: lá está este a gozar com o Gen. Spínola, até arranjou um único soldado a fazer a segurança a uma grande e movimentada pista de aviação e a pôr o Governador e Comandante-Chefe a viajar de DO27 com um oficial da FA como guarda-costas. E vá lá que desta vez o soldado era pessoa importante, percebia português e telefonava directamente ao Comandante do Batalhão.

Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não sei se o Spínola gostava de andar de DO-27. Se calhar, não. Sabe-se que preferia o heli, o AL III, o Alouette III, e com o "lobo mau", o heli-canhão por perto. O Spínola era corajoso, mas não tinha vocação para mártir.

Nem, para o caso, interessa muito saber se o Spínola desta vez foi a Nova Lamego de DO-27 ou de heli AL III. Também não havia muitos helis em Bissalanca. Nem ele tinha um heli privativo. O que importa sublinhar, nesta história, é a "cusquice" do general. Ele não confiava no comando dos batalhões, gostava de ir à fonte, conhecer a opinião, o sentir, do Zé Soldado... Há várias histórias que comprovam isso... Ele não pedia licença a ninguém para ir aos sítios mais recônditos do território, e procurar interessar-se pelo "bem-estar" do pessoal...

Podia ser cinismo ou pura encenação... Não sei. Nem mudei de opinião sobre ele (ou a opinião, "enviesada" que já tinha sonbre ele antes de ir para à Guiné...) pelo simples facto de me ter ido cumprimentar, no Ano Novo de 1971, no miserável destacamento da ponte do rio Undundúma. Mas tenho de reconhecer que este e outros gestos caíam bem entre os nossos soldados...

Valdemar Silva disse...

Está bem, Luís.
Mas, a pista de aviação de Nova Lamego era coisa séria para ter apenas um soldado a fazer a segurança.
Vou reportar-me a Ago/69, eu vi, e tenho fotografias, aviões T6, um Dakota e dois FIAT estacionados e julgo que haveria uma guarnição fixa da FA na pista, não sei se funcionava como "torre de comando". Não sei quantos era os militares da FA, mas lembro-me ver numa mesa do refeitório ou do bar do Batalhão uns cinco/seis militares da FA e uma enfermeira paraquedista.
Uma DO-27 a aterrar não era como passar um jeep pela rua, com certeza haveria ligação rádio 'alfa,bravo cá vamos nós aterrar'.
O contacto directo do Spínola com os soldados era habitual, aconteceu a meu lado em Contuboel quando um tiro de morteiro do Umaru a granada certeira levou nervosamente tempo a cair.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

JOSÉ NASCIMENTO disse...

Tiveram sorte em não ser o "Coronel Onze". Quando visitava os quartéis ou destacamentos na zona do Agrupamento de Bissau, era para ver se haviam folhas de árvore caídas no chão, ou se as armas tinham vestígios de pólvora queimada, o que era o suficiente para aplicar uma "porrada" ao respectivo comandante.

José Nascimento

Anónimo disse...

A pista de Nova Lamego, na altura não era assim "Uma grande pista", pois ela só foi aumentada para mais de 300 metros durante a minha estadia, que começou em Novembro de 1969.
Quanto a haver lá um destacamento da FA, não tenho conhecimento de Destacamento, mas sim alguns elementos da FA, pois um deles era meu conhecido da Cova da Piedade e a especialidade era Meteorologista.
Tino Neves

Valdemar Silva disse...

Tino Neves
Eu penso que a pista de Nova Lamego era uma grande pista de aviação.
Numas fotografias (1967) do Virgílio Teixeira aparece a marca de 1000 e está à vista um Dakota e vários T6 e no P16023 do Abílio Duarte vimos uma fotografia (1969) dois FIAT G-91 estacionados.
Eu não sei qual o comprimento de uma pista para aterrar e levantar FIATs, mas julgo e até pela foto dos FIAT que a pista de Nova Lamego seria uma grande pista ao nível da de Bafatá.
Não falei em destacamento da FAP, mas ter uma ideia de haver umas instalações próprias na pista e se seriam eles próprios a fazer a segurança.
Devemo-nos ter cruzado por lá, a minha CART11 estava no Quartel de Baixo. Já passaram 52 anos, e quem me dera estar em Nova Lamego com vinte e poucos anos de idade...a passar férias evidentemente.
Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz