domingo, 17 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23175: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXXII: Paris, França, 1966 e 1994




Paris, 1994 (a primeira foto de cima; as restantes, s/d)



Paris, França, 1966 e 1994

por António Graça de Abreu (*)




[ (i) Docente universitário reformado,  escritor, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); 

(ii) natural do Porto, vive em Cascais; 

(iii) autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); 

(iv) ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74; 

(v) é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem 308 referências no blogue;

(vi)  texto e fotos enviados em 15/4/2022 ]






Aquele que contempla as profundezas de Paris é tomado pela vertigem. 
Nada é mais fantástico. Nada é mais trágico. Nada é mais sublime.

Victor Hugo



Novembro de 1966. A lenta viagem, quase dois dias desde Lisboa, não no Sud-Express mas no barato, ronceiro, suado e menos bem frequentado -- a começar por mim --, comboio dos emigrantes. 

Tenho dezoito anos, parto para Paris, depois para as alemanhas. O desconforto nos tabiques gastos da carruagem, encostado aos companheiros de jornada, misturado com o meu povo pobre que rejeita mastigar a fome e, quase expulso da sua terra, parte para franças e araganças, em busca de francos e de marcos.

Chego a Paris, Austerlitz. A pequena mala de mão, o mapa da cidade, os pezinhos ao caminho, Rive Gauche, Quartier Latin, Rue Montarparnasse, Hotel du Ponant, 6º. Andar, quarto 29.

 O Urbano Tavares Rodrigues, meu professor, deu-me indicação do alojamento e carta de recomendação para o escritor e jornalista Jorge Reis.

Fixar-me-ei um dia nesta cidade? Talvez. Distante das guerras de África que grassam em Portugal. Com uma francesa linda a tomar conta de mim, a orientar-me os passos, a levar-me pela mão, a inundar-me de prazeres gauleses e universais.

Duas menos vinte da noite. Deitado na cama fofa do hotel, escrevo sobre os primeiros dias em Paris. Cidade bonita, menos luz e menos contos de fada do que havia imaginado. Uma semana a andar por aqui, por acolá, a passear, quilómetros e quilómetros a pé, meio inebriado pelos vapores da capital francesa, respirando a primeira radical mudança de vida. 

Do 2º. andar da Torre Eiffel eu olhava a Paris imensa e interrogava-me se não era tudo um grande sonho. Pisei os cais do Sena, desci os Campos Elísios, avancei pelo museu do Louvre, o espanto diante do sorriso misterioso da difusa Monalisa, perambulei pelas galerias de pintura com as magias de Vermeer, Giotto, Rafael, Rembrant, Ingres.

Nas décadas vindouras, retalhado pelo mundo, com menos surpresa, regressei mais quatro ou cinco vezes a Paris. Em 1994 com a mulher e os filhos pequeninos, para a Disneylândia e o mundo.

Em Notre Dame, ilha de la Cité, revenciar Deus, o apogeu dos vitrais, a pedra gótica flamejando por absides, abóbadas e coruchéus. Perto, na Sainte-Chapelle, outra vez a maravilha, os tons de azul do esplendor dos vitrais e a relíquia mais sagrada, a coroa de espinhos de Jesus Cristo recamada a ouro.

No museu de Orsay, outra vez o espanto diante de Renoir, Gaugin, Cézanne, Van Gogh, Matisse, Manet. No Museu Guimet, sete mil anos de História e arte chinesa, no museu Cernuschi, mais China clássica e antiga, nas livrarias do Quartier Latin, montanhas de livros raros sobre o mundo chinês.

Os pintores de ocasião em Montmartre, Place de Têtre, depois Pigalle, a vida louca das noites, cansado das caminhadas adormecer num hotelzinho, acenando para o can-can do Moulin Rouge. Champs Élysées, em busca do palacete 202 , residência aborrecida do Jacinto, de A Cidade e as Serras, a fantasia do nosso Eça. Aqui por perto, para os lados do Arco do Triunfo, decapitaram na guilhotina Luis XVI e Maria Antonieta.

Recordo palavras do norte-americano Ernest Hemingway: “Se temos a sorte de viver em Paris quando jovens, não importa onde se possa viver depois. Paris é uma festa.”

Pela festa, tudo vale a pena, a mão acariciando, ao de leve, as águas do Sena.

António Graça de Abreu
___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 5 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23143: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXXI: Itália, Florença, 2015

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Este texto/recordação/roteiro de viagem do António também me traz recordações.
A minha "primeira vez" foi em Agosto de 1968.
Rescaldo do "Maio de 68". Invasão da Checoslováquia. Pesquisa de possíveis e eventuais apoios para uma ausência à incorporação que se aproximava.
Alojamento inicial de 3 dias em Montgeron, nos arredores, a sul e depois no centro de Paris, junto ao "Les Halles".
Visitas "culturais" ao Louvre, Pigalle, Montmartre, Invalides, Torre Eiffel, Museu do Homem, Versalles, etc.
Visitas ao Quartier Latin, Jardim do Luxemburgo, acompanhamento das discussões de rua.
Outras "descobertas" interessantes à volta de "Les Halles", apreciando e contatando a "fauna noturna....
Voltei a Paris no final de Julho de 1999.
Incluído numa excursão da paróquia. Fui também à "Eurodisney".
Mais tarde, novamente, na última semana de Janeiro de 2004, nova visita com a minha mulher e o filho mais novo. Neve, frio, mas inesquecível.
Paris é sempre Paris!

Hélder Sousa