Barro fica a cerca de 3 kms da fronteira com o Senegal. Na altura em que lá estive, com a CCAÇ 3, o comandante era o capitão Carlos Abreu (depois do 25 de Abril foi adjunto do General Spínola; conheci os pais dele, que tinham um restaurante na Calçada do Combro, em Lisboa).
Antes dele esteve o capitão Ferreira, atualmente um quadro do PSD em Torres Vedras (como o é também o meu ex-camarada de armas da CART 1690, e amigo, o ex-alferes Moreira, actualmente em Torres Vedras, e o advogado que levou à minha reintegração no Exército).
Esclareço que todos os que conheci na guerra, e sobreviveram, têm cada um a sua ideologia política. Mas a amizade, cimentada em situações difíceis, sobrepõe-se às ideologias e somos todos muito amigos e o que faz com que nos encontremos com frequência. Discutimos sobre o agora e não estamos de acordo em muita coisa, mas abraçamo-nos e cimentamos a amizade com o que passámos em conjunto, no passado.
A missão da CCAÇ 3 em Barro (em Binta, não sei) era evitar a passagem dos guerrilheiros do PAIGC e das populações por ele controladas do Senegal para a mata do Óio. A missão deles era, sobretudo, fazer abastecimentos em géneros e em material bélico para os combatentes daquela zona. A nossa era evitar que isso sucedesse. Essas infiltrações vinham, nomeadamente, das tabancas Sano, Sonako e Samine, situadas no Senegal.
Além das emboscadas que montávamos, muitas armadilhas foram colocadas naquela zona para obviar a isso (quando ouvíamos bum!, íamos a correr pois devia ser uma vaca que caíu na armadilha). Às vezes, penso que duas vezes no meu caso (em Sambuiá e Senquerem), participávamos em operações do COP 3 de Bigene, comandado pelo tenente-coronel, na altura, Correia de Campos (não, não é o actual ministro da saúde), que foi um herói de Guidage em 1973, muito maltratado depois do 25 de Abril, em minha opinião.
Um dia, creio que em Junho de 1968, o General Spínola foi a Barro e perguntou:
- Vocês já foram ao Senegal? - Eu, e os outros, que não sabíamos o que ele queria, dissemos que não (já tínhamos ido várias vezes a Sano, Sonako e Samine para roubar vacas e queimar casas). E ele disse:
- Então, têm de pensar em ir lá -. E lá fomos mais à vontade. O roubar vacas era uma preocupação, pois era a nossa subsistência. Muito raramente, havia um abastecimento feito pelos fuzileiros através do rio Cacheu. Às vezes, vinha uma Dornier trazer o correio e os chamados frescos. A maior parte das vezes comíamos arroz e rações de combate, ou, então, uma dobrada hidratada que saltava da panela assim que aquecia. Só tínhamos carne quando havia vacas.
Na altura, o General Spínola deu indicação para se dividir a companhia em pelotões de acordo com as etnias (o tirar partido das rivalidades entre eles). Como eu era o alferes mais antigo, o comandante da companhia perguntou-me o que é que eu queria:
- Quero os balantas, disse eu.
Esclareço que todos os que conheci na guerra, e sobreviveram, têm cada um a sua ideologia política. Mas a amizade, cimentada em situações difíceis, sobrepõe-se às ideologias e somos todos muito amigos e o que faz com que nos encontremos com frequência. Discutimos sobre o agora e não estamos de acordo em muita coisa, mas abraçamo-nos e cimentamos a amizade com o que passámos em conjunto, no passado.
A missão da CCAÇ 3 em Barro (em Binta, não sei) era evitar a passagem dos guerrilheiros do PAIGC e das populações por ele controladas do Senegal para a mata do Óio. A missão deles era, sobretudo, fazer abastecimentos em géneros e em material bélico para os combatentes daquela zona. A nossa era evitar que isso sucedesse. Essas infiltrações vinham, nomeadamente, das tabancas Sano, Sonako e Samine, situadas no Senegal.
Além das emboscadas que montávamos, muitas armadilhas foram colocadas naquela zona para obviar a isso (quando ouvíamos bum!, íamos a correr pois devia ser uma vaca que caíu na armadilha). Às vezes, penso que duas vezes no meu caso (em Sambuiá e Senquerem), participávamos em operações do COP 3 de Bigene, comandado pelo tenente-coronel, na altura, Correia de Campos (não, não é o actual ministro da saúde), que foi um herói de Guidage em 1973, muito maltratado depois do 25 de Abril, em minha opinião.
Um dia, creio que em Junho de 1968, o General Spínola foi a Barro e perguntou:
- Vocês já foram ao Senegal? - Eu, e os outros, que não sabíamos o que ele queria, dissemos que não (já tínhamos ido várias vezes a Sano, Sonako e Samine para roubar vacas e queimar casas). E ele disse:
- Então, têm de pensar em ir lá -. E lá fomos mais à vontade. O roubar vacas era uma preocupação, pois era a nossa subsistência. Muito raramente, havia um abastecimento feito pelos fuzileiros através do rio Cacheu. Às vezes, vinha uma Dornier trazer o correio e os chamados frescos. A maior parte das vezes comíamos arroz e rações de combate, ou, então, uma dobrada hidratada que saltava da panela assim que aquecia. Só tínhamos carne quando havia vacas.
Na altura, o General Spínola deu indicação para se dividir a companhia em pelotões de acordo com as etnias (o tirar partido das rivalidades entre eles). Como eu era o alferes mais antigo, o comandante da companhia perguntou-me o que é que eu queria:
- Quero os balantas, disse eu.
E o meu grupo de combate foi quase todo de balantas (tinha um cabo fula, o Mamadu, e três furriéis brancos, além de mim). Ouviam a rádio do PAIGC mas demo-nos sempre bem. Porque eu sempre fiz por isso. Por exemplo: um dia, fui com um que estava doente através da mata até Bigene, porque em Barro não havia médico; emprestei dinheiro a todos, mas todos me pagaram quando me vim embora...
Foi sempre minha preocupação não matar população civil (o tal Alferes Gonçalves terá alguma coisa a dizer sobre isto... lembro-me de uma situação). Mas era difícil, pois a visão e a filosofia da vida deles era diferente. Um dia, por exemplo, foi apanhado no meio de um tiroteio um velho cego.
Foi sempre minha preocupação não matar população civil (o tal Alferes Gonçalves terá alguma coisa a dizer sobre isto... lembro-me de uma situação). Mas era difícil, pois a visão e a filosofia da vida deles era diferente. Um dia, por exemplo, foi apanhado no meio de um tiroteio um velho cego.
- Mata! - foi a reacção.
- Não, disse eu - Mas foi complicado.
Numa das tais operações do COP 3, não sei já qual, um guerrilheiro do PAIGC levou uma rajada no baixo ventre e ficou com os tomates pendurados. Disse para fazerem uma maca para o levarem. Fizeram a maca, mas não o quiseram levar:
Numa das tais operações do COP 3, não sei já qual, um guerrilheiro do PAIGC levou uma rajada no baixo ventre e ficou com os tomates pendurados. Disse para fazerem uma maca para o levarem. Fizeram a maca, mas não o quiseram levar:
- Alfero, deixa estar, vem jagudi [abutre] e come ele...
- Não!
Eu e um furriel pegámos na maca e começámos a atravessar uma bolanha com água pelo pescoço. A meio da bolanha, vieram dois e disseram:
-Alfero, a gente pega.
Chegámos à base de operações, onde estava o tenente-coronel Correia de Campos, um helicóptero e uma enfermeira pára-quedista, e, azar, o homem do PAIGC morreu.
Em frente destes, formei o grupo de combate e, porque estava furioso, chamei-lhes todos os nomes. O tenente-coronel Correia de Campos estava de boca aberta. É evidente que nós, os ocidentais, temos uma maneira de ver as coisas, a vida e a morte, de uma forma diferente. Assim como outras, por exemplo, a democracia e a política.
Numa outra situação, houve um deles que ficou com a garganta aberta por um estilhaço de RPG2. Sucedeu mais ou menos a mesma coisa. Mas, com visões diferentes da nossas, era gente muito fixe, amigos. Tenho saudades deles e pena de não me poder encontrar com eles. Vou mandando fotografias e vou contado mais alguma coisas.
A. Marques Lopes
Eu e um furriel pegámos na maca e começámos a atravessar uma bolanha com água pelo pescoço. A meio da bolanha, vieram dois e disseram:
-Alfero, a gente pega.
Chegámos à base de operações, onde estava o tenente-coronel Correia de Campos, um helicóptero e uma enfermeira pára-quedista, e, azar, o homem do PAIGC morreu.
Em frente destes, formei o grupo de combate e, porque estava furioso, chamei-lhes todos os nomes. O tenente-coronel Correia de Campos estava de boca aberta. É evidente que nós, os ocidentais, temos uma maneira de ver as coisas, a vida e a morte, de uma forma diferente. Assim como outras, por exemplo, a democracia e a política.
Numa outra situação, houve um deles que ficou com a garganta aberta por um estilhaço de RPG2. Sucedeu mais ou menos a mesma coisa. Mas, com visões diferentes da nossas, era gente muito fixe, amigos. Tenho saudades deles e pena de não me poder encontrar com eles. Vou mandando fotografias e vou contado mais alguma coisas.
A. Marques Lopes
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