Texto de A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967)...
A CART 1690 esteve na Guiné de Abril de 1967 a Março de 1969. O que vos contei desta companhia adquiri-o através dos dados da "História da Unidade", de alguma pesquisa pessoal e de alguns elementos em meu poder. Mas não terminou este meu trabalho e pode ser que, no futuro, outros elementos que, então, venha a possuir, cheguem ao vosso conhecimento.
Procurei não individualizar críticas, mas, sim, dar exemplos do que se passou e do que aqueles homens passaram e sofreram, tal como outros da nossa geração passaram e sofreram, eu sei. Houve mais operações e acções (como podem depreender pelo "resumo da actividade operacional"), mas aquelas de que vos dei conhecimento foram as mais exemplares desse sacrifício (como dele são exemplo as baixas sofridas, mesmo nos escalões mais elevados).
Sempre que possível, fiz-me acompanhar de um atirador-fotógrafo, que atirou algumas fotografias sempre que pôde. E pôde poucas vezes, é claro, como podem calcular. Algumas das fotografias não corresponderão, provavelmente, às operações relatadas, porque já não as consigo situar, mas servem de ilustração do que era normal em todas elas [vd. também Banjara e Cantacunda].
Era uma zona muito propícia a azares, como têm visto. Também me calhou a mim (não era mais que os outros, claro, apesar de ter estado 24 horas no campo do inimigo... "teve de ser assim", como disse o Comandante Gazela). Um dia, quando ia no caminho de Geba para Banjara, fui ferido (e sortudo, mais uma vez), assim como o soldado Lamine Turé, do meu grupo de combate ; na mesma altura morreu o comandante da CART 1690, que quis ir comigo nessa viagem, o capitão Manuel C.C. Guimarães (tinha 29 anos, era filho de um sargento-ajudante e sobrinho da Beatriz Costa), e morreu o soldado Domingos Gomes, também do meu grupo de combate.
Levei o corpo do capitão, porque me pareceu que estava ainda vivo, e o Lamine, directamente para Bafatá... porque em Geba não havia médico, vejam lá! Não levei o do Domingos Gomes, porque ficou aos bocados, não deu tempo nem tive condições para os recuperar. De Bafatá fui evacuado para o HM241 [em Bissau], primeiro, e para o Hospital Militar Principal,[em Lisboa], passada uma semana.
Lá se foi, pois, o régulo de Geba... (gostei desta, amigo Luís Graça!). Não há relatório desta situação, obviamente, uma vez que não ficou quem o pudesse fazer.
Falar-vos-ei, depois, da CCAÇ 3 [Barro, 1968], onde fui colocado depois da minha estadia no HMP, embora dela não tenha senão a minha lembrança e as fotografias que um outro atirador-fotógrafo teve oportunidade de atirar.
Estive quase uma semana no Arquivo Histórico Militar, em Santa Apolónia, mas nada consegui de documentos sobre ela. Era uma companhia de naturais da Guiné e é possível que, com a independência, muita coisa se perdesse (ou fosse destruída). Mas ainda não explorei o Arquivo Geral do Exército, nem para a CCAÇ 3 nem para a CART 1690, e pode ser que, quando o fizer, consiga mais alguma coisa, quer de uma quer de outra.
Só consigo falar destas experiências convosco e com os que estiveram comigo, porque sei que as compreendem, pois as tiveram como eu tive. Não com a família, não com os amigos que por elas não passaram. Sinto que para estes é um peso ou algo irreal, alguns pensam, até, que estou a pintar. Não, para estes custa-me falar disto, tenho procurado não o fazer. É com tristeza que sinto em alguns um certo desinteresse.
No entanto, e por isso, talvez, sinto também que deve ser feito um esforço para fazer ver a todos o que foi a guerra colonial para mais de um milhão de jovens que por ela passaram, naqueles que deveriam ter sido os melhores anos das suas vidas, mas onde, ao invés, 8.290 morreram; onde, ao invés, milhares ficaram feridos, 30.000 destes com deficiências físicas; e onde, ao invés, 140.000 ficaram afectados psiquicamente (dados do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra). E os pais, e os filhos, e as mulheres deles, que também foram afectados.
Esta juventude perdida estupidamente devia merecer mais atenção e consideração. Felizmente, por alturas das comemorações da revolução dos cravos, a Associação 25 de Abril costuma ser convidada por algumas escolas e fala sobre estas coisas. Por exemplo: no passado dia 30 de Maio, estivemos com os alunos da Escola Secundária do Padrão da Légua, em Matosinhos, num debate sobre a guerra colonial.
Com muita estima e consideração.
A. Marques Lopes
Anexo- Resumo da Actividade Operacional da CART 1690
Operações (com nome de código) ...................49
Operações (com nome de código) com PCV (*)........12
Patrulhamentos..................................1561
Emboscadas........................................36
Outras acções....................................442
Total de acções realizadas......................2100
(*) Posto de Comando Volante
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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