Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2006
Guiné 63/74 - P454: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra... (Jorge Cabral)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea da tabanca de Bambadinca, tirada no sentido sul-norte. Em primeiro plano, a saída (norte) do aquartelamento, ligando à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá. Ao fundo, o Rio Geba Estreito. Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservadps
1. Texto do Jorge Cabral:
Caro Companheiro,
Estamos quase a almoçar juntos para pôr a conversa em dia. Envio outra estória e um poema. Temo que não sejam publicáveis, mas tu é que mandas, farás como entenderes melhor.
Um Grande Abraço de Até Sempre,
Jorge
2. Estórias cabralians > Numa mão a espingarda, na outra…
por Jorge Cabral
Penso que, já em 1971, apareceu no Batalhão [de Bambadinca], um Alferes de secretariado, corrido de Bissau, por via de uns dinheiros. Chegou acompanhado de uma dama, sobre a qual corriam os mais variados boatos. Dizia-se, calculem, que ela tinha sido uma prenda de aniversário ao Alferes, enviada pelo pai, milionário do Porto.
Nunca a vi, até porque, estando em vigor a cínica moral fascista, à rapariga, não sendo esposa legítima, foi logo vedada a frequência da messe [de oficiais], e até do próprio quartel, tendo sido relegada para a Tabanca, na qual ocupava uma apresentável morança, de larga vidraça sempre aberta, mesmo em frente a um dos postos de sentinela.
Tal posto transformou-se no preferido de toda a soldadesca que, quando em serviço, observava, acompanhando in solo, a actividade sexual do casal, cujas práticas inusitadas passaram a inspirar os eróticos sonhos, mesmo dos mais púdicos.
E tudo continuaria assim, com o óbvio benefício das repetidas descargas de tensão acumulada, não fosse em duas noites seguidas um soldado, quando de sentinela no referido posto, ter disparado, alertando toda a tropa para eminente ataque.
Que havia sucedido? Substituíra o militar a velha divisa camoniana “numa mão a espada, na outra a pena” por outra, mais prosaica, mas que ocupava também ambas as mãos, e quando acabava a função com a direita, não é que com a esquerda accionava o gatilho da G-3...
Jorge Cabral
3. Poema
Em Bissau
Estou bêbado estou sensato estou feliz
Vem dos sovacos um cheiro de Africana
Nas furnas da cerveja desfalece o Sargento
Apalpa o Alferes a puta berdiana
E o cabo vomita mãozinhas de vitela
Será que naufragou esta Caravela?
Que Pátria ainda mora aqui?
Bissau, Janeiro 70
Jorge Cabral
(ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71)
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