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domingo, 21 de setembro de 2025

Guiné 61/74 – P27239: (Ex)citações (438): Noite de petisco Cabrito assado no forno. (José Saúde)

 


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Noite de petisco Cabrito assado no forno    

Momentos inesquecíveis

Camaradas,

A linha do tempo vai, vagarosamente, alimentando uma infinidade de prazeres onde a nossa juvenilidade proporcionava um mar de gigantescas emoções aquando da comissão militar por terras da Guiné. Eramos jovens, com as mentes a enviarem-nos para sensatos sonhos, mas para muitos dos nossos camaradas esses mundos dos sonhos quedaram-se em maquiavélicas crueldades que a guerrilha proporcionava.

Porém, existiram momentos inesquecíveis que nos embalavam para uma imensidão de alegrias quando a hora passava pelo refrescar as gargantas e alimentar estômagos já fatigados de refeições servidos em “pratos de loiças cuja criação tinha a marca de Bordalo Pinheiro e de talheres prateados”. Claro que estes utensílios que aqui menciono, entre ásperas, são meras ficções, dado que o nosso 2º sargento Martins, o homem que orientava a nossa messe, servia a rapaziada com pompa e circunstância, quer na qualidade de refeições, quer no conjunto de vasilhames que colocava nas mesas. O sargento Martins, um homem de Elvas, fazia jus em colocar-nos na mesa bons repastos, atendendo à circunstância então deparada. O pessoal não reclamava e toca a encher o “bandulho”.

Hoje, recorrendo às muitas fotografias que armazenei, lá vou puxando pelas imagens que arrumo, com paixão, no meu baú, recordando, com saudade, os tempos em que a nossa camaradagem se fixava num elo comum onde amizade obviamente proliferava.

Sabemos, pois é irreversível, que um dia viajaremos para uma outra plenitude, mas dessa antiga expedição, forçada, transportaremos connosco vivências que o tempo jamais ousará apagar. Guiné, sim a Guiné, aquela terra vermelha por nós calcorreada, foi palco das mais dispares crueldades. Mas, por outro lado, fica a razão que aqui vos deixo, sobrando o afirmar que o petisco fora feito pelos cozinheiros do rancho geral.

Noite de petisco

Cabrito assado no forno  


Os furriéis Godinho, o Santos, um camarada de Coimbra, o outro Santos, o Rui Álvares e eu. Noite de petiscada

Estava divinal! O jovem animal foi comprado na tabanca e não recordo quantos pesos terá custado. O banquete teve lugar na cantina dos soldados e assado no forno com o saber do mestre padeiro da unidade. O rapaz nunca se refutou a pedidos desta estirpe. Estava sempre disponível! A sua presença no repasto assumia-se como imprescindível e o seu trabalho reconhecido.

Uma mesa comprida, bancos alongados, uns sentados, outros em pé e com a inevitável presença das velhas sagres, a rapaziada comeu e bebeu que se fartou registando-se cenas hilariantes durante o beberete. O Santos, com um sorriso fechado, assemelhava-se a um emigrante desconhecido que parecia não entender o motivo da festança. O seu pensamento levava-o, talvez, a meditar num levantamento de uma mina anticarro que poderia, eventualmente, ser o seu próximo destino. O Rui, vagomestre da Companhia, mostrava os seus dotes de comediante. O ranger Rui, ao meu lado, desfazia-se com as brincadeiras. O Godinho, em frente, ria que nem um doido. Eu, já toldado, apontava a cara do homem de Coimbra e ele presenteava-me com caretas que faziam rir todo o grupo em período de dar ao dente.

A noite de petisco - cabrito assado no forno com batatas - foi sobejamente regada. Uma festança que conheceu outros capítulos. A guerra naquela noitada foi outra: comida e bebida que chegou, sobrou e regalou os jovens combatentes.

Aquele pessoal da cantina dos soldados era formidável. Um pedido nosso – furriéis – era logo timbrado com um profundo SIM. 

Ao sair da guerra do comestível, e já um pouco desequilibrado com excesso de álcool, cai num buraco feito à entrada da cantina que, não obstante o seu aviso de alerta, me deixou sequelas numa perna.

Aquilo a que chamávamos buraco era um abrigo feito propositadamente por antigos camaradas que por ali tinham passado e que se abrigavam dos ataques noturnos do IN. Um símbolo que a rapaziada fazia jus em preservar. O local era conhecido, mas naquela noite surpreendeu-me. Fui arrastado pelo devaneio de umas cervejas a mais e de um inoportuno ziguezaguear que me levou a calcorrear por um trilho referenciado, mas atempadamente esquecido.

Sobrou a maravilhosa noite de convívio de homens que viviam em pleno palco de guerra!

Abraços, camaradas

José Saúde

Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523

___________ 

Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

30 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 – P27169: (Ex)citações (437): Por aí, ouvindo, vendo, lendo, analisando e concluindo. (José Saúde)

1 comentário:

albertino ferreira disse...

Pelo que me toca tive uma noite de comemoração do meu aniversário em 1973 em Nhacra não com cabrito, mas com dois leitões assados, batata frita e muita cervejola e uisque; mas não caí em nenhum buraco porque em Nhacra felizmente não havia abrigos subterrâneos como em Cadique Nalu no Cantanhez de onde viemos; aí sim tropecei algumas vezes no caminho para o abrigo bêbedo que nem um cacho!