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quarta-feira, 2 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26974: (Ex)citações (434): Uma questão de "falso pudor"... (José Teixeria, régulo da Tabanca de Matosinhos; ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guileje > 1 de março de 2008 > O Zé Teixeira com a Cadidjatu Candé (infelizmente já falecida), filha de Akiu Candé, o valente alferes de 2ª linha e comandante de milícias no Quebo, preso e assassinado com requintes de crueldade  pelo PAIGC depois do fim da guerra.

Foto (e legenda): © José Teixeira (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Desafiei o Zé Teixeira  ( e o Cherno Baldé) a comentar este posta P26971 (*):

Zé e Cherno:


Não sei se é pedir-vos muito... Mas gostava que comentassem a primeira parte do aerograma do nosso já saudoso Fernando Calado, que acabou de morrer há dias... Esteve comigo cerca de um ano em Bambadinca. E nestes últimos quarenta / cinquenta anos, apreciei melhor o seu fino trato.... E falou do nosso blogue, antes de morrer, segundo confidência da viúva, Rosa Calado.

A questão do pudor, entre diferentes culturas (e em diferentes épocas), é um tema apaixonante... Os médicos, desde Hipócrates, há 25 séculos que dizem "naturalia non turpa" (o que é natural não é vergonhoso)....

Há um "pudor natural", próprio dos primatas, mas o nosso é profundamente culturalizado. O Cherno lidou connosco, tugas, tu, Zé, lidaste com os fulas, tiveste talvez tanta ou mais intimidade do que eu com os nossos bons e leais amigos, que combateram (e alguns morreram) ao nosso lado... Mas não deixávamos de ser diferentes, e em posições de poder diferentes.

Mantenhas. Luís


2. Resposta, com data de ontem,  do Zé Teixeira (régulo da Tabanca de Matosinmhos, 
ex-1.º cabo aux enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; é um histórico da Tabanca Grande, que integrou a partir de 14/12/2005; tem 443 referências no blogue; vive em São Mamede de Infesta, Matosinhos; é gerente bancário reformado) (**):


Luís.

Esta é uma questão do falso "pudor" ocidental português dos anos 60/70, enraizado num país tradicionalmente católico ao quadrado, "dono" de um (falso) Império espalhado pelos quatro cantos do mundo, como nos ensinavam na escola primária e na catequese.

Forçados a ir ao encontro de outras civilizações com diferente forma de gerir o respeito pelo corpo, naturalmente que estranhámos, e mais que isso, no caso da Guiné, não soubemos respeitar, o deles, mas refugiando-nos no nosso. 

Recordo a minha chegada a Ingoré e ser recebido por um coro de bajudas com o tronco nu a oferecerem os seus préstimos como "lavanderas". Foi um choque civilizacional e perturbador do meu eros, mais que isso, senti a falta de respeito dos soldados brancos "velhinhos" e até "periquitos", levados na onda do apalpar os seios das garotas, até com violência. E se elas eram lindas e bem jeitosas, o raio das bajudas!

Com não vi os jovens africanos a praticar tais gestos, entendi que devia respeitar a ordem das coisas (puritano? talvez!). Nunca tomei tal atitude, sem deixar de "brincar" dentro do respeito pelo "outro"/outra" a que vinha educado, como por exemplo, quando de serviço à enfermaria me aparece na fila para consulta uma jovem mulher linda e bem dotada.

- Bajuda linda e mama firme! - disse-lhe eu em jeito de piropo.

- Nega! A mim mulher grande!

- Hum, bo conta mintira. Bajunda linda e mama firme!

Então ela, a Binta, chega o peito junto da minha cara e esparrinha-a com leite do seu seio, para gáudio da mulherada que estava na fila.

Adaptei-me à realidade ao chegar ao Sul, mais propriamente a Mampatá do Forreá, onde por força das circunstâncias, vivíamos no meio da população, criei raízes de amizade que ainda hoje perduram, sempre no respeito mútuo pela forma de ser e estar de cada um. 

Fui algumas vezes tomar banho no riacho onde as mulheres lavavam a nossa roupa (um riacho que aparecia na época das chuvas), servindo-me de uma lata como chuveiro (banho à fula) e quantas vezes eram elas que me deitavam a água pela cabeça abaixo. Algumas estavam nuas e quando me viam chegar, nem sempre se tapavam, outras tapavam-se com um pano e eu normalmente estava de cações de banho e por vezes nu.

As nossas formas de ser e estar nunca foram impeditivas de uma boa relação, mas entendo bem a reação do Fernand Calado, como homem educado e respeitador que era. Por parte das bajudas, talvez mindjers garandi, foi uma atitude natural de quem se sentia à vontade, na sua forma de ver o corpo humano, sem os preconceitos ocidentais.

Zé Teixeira

terça-feira, 1 de julho de 2025 às 17:18:53 WEST

(Revisão / fixação de texto, título, negritos, itálicos: LG)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26971: Humor de caserna (202): Dormir nu por causa do clima à noite e ter sonho "manga di bom": aerograma datado de Bambadinca, 1 de dezembro de 1969, dirigido à sua amada pelo nosso saudoso Fernando Calado (1945-2025)

(**) Último poste da série > 21 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26825: (Ex)citações (433): Ao pesquisar na Net informações relacionadas com o aquartelamento de Nova Sintra, li as crónicas do Fur Mil Joaquim Caldeira, da CCAÇ 2314, e numa delas com o título “Um tronco sem pernas e sem braços”, verifiquei que, pelas piores razões, eu era um dos protagonistas da história (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

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