Queridos amigos,
Já era tempo, como beneficiário dos Serviços Sociais da Administração Pública, de me meter numa excursão, 5 dias num autocarro para conhecer algumas aldeias vinhateiras, programa centrado em Tabuaço. No primeiro dia dizia-se que o almoço era livre, fomos lançados no Palácio de Gelo, em Viseu, andava nas entranhas deste gigantesco centro comercial e não me saía da mente o romance "A Caverna", de José Saramago, aqui só falta um tempo egípcio, a reconstituição da Batalha de Aljubarrota e da Guerra da Restauração, quanto ao mais tudo é possível. É o que Marc Augé chama o não-lugar, como uma estação ferroviária, um terminal de aeroporto, um espaço intermédio entre um sítio e um outro, sempre com funcionalidades, e no caso vertente prepondera a multifuncionalidade.. Daqui até Tabuaço há oportunidade de percorrer o Douro e os seus socalcos, um êxtase, um tempo magnífico, vinha à espera de ver as parras já acastanhadas, está tudo esverdeado, aqui e acolá quem vindima acena e nós correspondemos. E segue-se o primeiro passeio em Tabuaço, a vila é maltratada nos guias e nas referências a centros históricos, vinha a salivar para visitar o mosteiro românico de S. Pedro das Águias, faz parte da Rota do Românico, nada, em sua substituição na manhã seguinte o belíssimo passeio a Barcos, a igreja matriz é impressionante. Confesso que estou a gostar muito desta rota das aldeias vinhateiras.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (132):
Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (1)
Mário Beja Santos
Os funcionários públicos, no ativo ou reformados, podem ser beneficiários dos Serviços Sociais da Administração Pública. Há refeitórios, locais de convívio, ações de formação, programas de férias. Pela primeira vez inscrevi-me num turno de férias intitulado Rota das Aldeias Vinhateiras, saída de Lisboa para Tabuaço, visita a Barcos, Favaios, Trevões, S. João da Pesqueira, Salzedas, e no último dia voltar a flanar. Ida em camioneta de excursão da Mafrense, tempo de amesendar em Viseu num não-lugar e depois Tabuaço, um hotel com refeições e pernoita. À cautela, muni-me de um livro sobre vindimas de Miguel Torga, outro de João Araújo Correia, meti no saco o livro de fotografias sobre o Douro, da autoria de António Barreto, e andei a espiolhar os tesouros artísticos de Portugal. Já em Tabuaço, na Loja Interativa de Turismo apanhei um folheto sobre os centros históricos do Norte de Portugal, pouca coisa, uma referência à igreja matriz, propostas de visita ao Museu Abel Botelho, aldeia vinhateira de Barcos, e uma chamada curiosa a um relógio de nome Rijomax, considerado o relógio mais completo do mundo. Posto isto, começámos a percorrer a vila, tem um pouco mais a ver do que vem mencionado na brochura dos centros históricos do Norte de Portugal, como se procura exemplificar.
Edifício da Câmara Municipal, uma bela casa apalaçada, mete respeito, estou no jardim da Loja Interativa de Turismo, antes de entrar no edifício uma surpresa, vou mostrar.
Simples e tocante homenagem aos combatentes do concelho de Tabuaço, placa bem tratada neste espaço público
Cabeça de guerreiro de período da Idade do Ferro, granito, proveniente da freguesia de Vale de
Figueira. Já percorri duas exposições de artistas locais, fico mais entusiasmado com esta cabeça
de guerreiro, vou agora à antiga biblioteca de uma escola que foi criada para formar
agricultores, obras de um filantropo local, Macedo Pinto, a biblioteca, conforme nos foi
informado, tem um espólio apreciável de publicações ímpares, há estudiosos que vêm
expressamente ao local para as apreciar; agora a biblioteca tem serviços camarários, mas as
estantes perfilam-se, metem respeito, fazem parte de um ideal antigo de querer agricultores
esclarecidos, lavradores cultos.
Estante da biblioteca onde se guarda o acervo de obras sobre agricultura, algumas delas de incalculável valor, obra do filantropo Macedo Pinto
A principal atração turística é o Rijomax, o tal relógio mais completo do mundo, obra de
Amândio José Ribeiro que foi relojoeiro e ourives em Tabuaço, no ano em que faleceu vendeu o
seu Rijomax à autarquia. O que nos diz a brochura atinente: “Rijomax é o nome dado pelo seu
construtor ao exemplar de relojoaria mais completo, complexo, exótico e insólito que se conhece.
O seu construtor levou mais de 28 anos a dar corpo ao seu extraordinário invento que tem
deixado perplexos técnicos estrangeiros que se deslocam a Tabuaço para observarem tão
misteriosa máquina. O relógio indicava os movimentos aparentes do Sol e da Lua, segundos,
minutos, 24 horas, hora universal, hora lunar, assinala anos bissextos. Indicava o nascer e o pôr
do Sol, quando crescem e decrescem os dias, assinalava o dia e a noite com escala diária de
quantas horas e minutos têm o dia e a noite. Marcava os equinócios, os solstícios e as fases da
Lua com luz que recebia do dito Sol. Indicava as semanas e os dias da semana; os meses, os dias
dos meses e quantos dias faltavam para o fim do mês; os anos, os dias dos anos e quantos
faltavam para o fim do ano, as estações e os dias das estações; os signos e os dias dos signos; os
semestres, os trimestres e a indicação de em que dia da semana começa cada mês, e outra se o
ano fosse bissexto; as datas das fases da Lua e a mudança de tempo. Tinha, ainda, indicação dos
números do ciclo solar, do Número Áureo, da Epacta, letra dominical, as eras cronológicas, os dias
da era de Cristo e os séculos. Assinalava os feriados, os dias dos Santos e as festas móveis, possuía
barómetro, possuía termómetro e mostrador dos pontos cardiais. Despertava por música à
escolha, por campainha, e acendia a luz a toda a hora desejada. Falava, dizendo quantas horas
são e dava uma saudação em vocabulário religioso; tem, ainda, um aparelho que chamava o dono
da casa.” E chama-se a atenção para outras curiosidades: Amândio José Ribeiro dedicou mais 16
mil horas de trabalho à formação do relógio, entre 1945 e 1973; possui mais de 16 mil algarismos
e letras e 45 mostradores, e está programado para funcionar durante 10 mil anos. Olhei para isto
tudo como boi para palácio, maravilhei-me, é certo, estou contente por conhecer o Rijomax e
admiro quem o criou.
Amarinhando em direção aos céus, mesmo em frente à loja interativa de turismo de Tabuaço
Há, felizmente, renovação de casario com caráter, pena que as franjinhas lá para o telhado não
sejam substituídas…
Fachada do Museu Abel Botelho, o autor de O Barão de Lavos, natural de Tabuaço e falecido em Buenos Aires
Que bom, ver uma casa típica restaurada a preceito, que utilidade terão hoje os sobrados?
Um restauro, com cuidados e desvelos
Regresso ao hotel, dez à mesa e self-service, adorei as entradas, a orelha de porco, o grão com lascas de bacalhau e as saladas, seguiu-se uma sopa de repolho, deliciosa, fingi que comi o prato principal, atirei-me às uvas. Já no quarto, fui estudar o programa da manhã seguinte, a aldeia vinhateira de Barcos, a igreja matriz é monumento nacional, recomenda-se a visita à Mata da Forca, à Casa da Colegiada, à Casa da Roda dos Expostos, ao antigo Paço do Concelho. Fico a saber que há aqui aldeias vinhateiras que foram sede de concelho, como é o caso de Favaios, que visitaremos à tarde. Ainda espero em Tabuaço visitar templo religioso que consta da rota do românico, o mosteiro românico de São Pedro das Águias, regressarei a Lisboa frustrado, preferiram levar-nos ao Miradouro do Fradinho, 350 degraus para cima e outros tantos para baixo, vista esplêndida, o Fradinho nada tem de especial, foi uma das desolações do programa.
Altar-mor da Igreja de Barcos
Pormenor do teto da Igreja de Barco
Outro pormenor do teto da Igreja Matriz de Barcos
Bem singela esta Sagrada Família
A igreja matriz de Barcos, ou de Nossa Senhora da Assunção, é um templo de origem medieval em torno do qual se desenvolveu o povoado. A igreja é romano-gótica, tem planta retangular, de nave única e uma capela-mor maneirista, conheceu intervenções, como é óbvio, mas mantém vários elementos da construção original, como os portais, o remate em cachorrada da nave, os arcossólios no seu interior, silhares com marcas de canteiros e cachorros românicos na sacristia. No interior são dignos de menção a cobertura de maceira na nave e em falsa abóbada de berço de madeira, com caixotões pintados na capela-mor. É uma verdadeira beleza. A parede da capela-mor encontra-se revestida por azulejos originais com ornamentos vegetais de azul sobre fundo branco. Vale ainda a pena referir que na cobertura os caixotões (em número de 28) guardam pinturas alusivas à vida de Cristo e da Virgem.
Depois houve passeio a esta aldeia que foi concelho em 1263 e 1855, há edificações medievais, modestas casas de cariz vernacular. Enfim, voltaria sem dificuldade amanhã a Barcos. Segue-se almoço e guarda-se silêncio sobre o que vem a seguir.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 2 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24909: Os nossos seres, saberes e lazeres (603): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (131): Querubim Lapa, mago da cerâmica azulejar, mas irrefutável pintor e desenhador neorrealista (2) (Mário Beja Santos)
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